Etiopatogénese e importância do problema

Esta situação clínica – o evento tromboembólico espontâneo mais frequente no RN, sobretudo em contexto de mãe diabética – unilateral ou bilateral (esta última, menos frequente) surge sobretudo no lactente, podendo ter a sua génese in utero.

Observa-se quando existem determinados factores predisponentes ou de risco tais como: choque, gastrenterite com desidratação hiperosmolar, septicémia, hipóxia perinatal, diabetes materna, anomalias congénitas renais, síndroma nefrótica, pielonefrite, cardiopatia congénita cianótica, etc..

Pode ser classificada em: primária (se a lesão vascular renal tem como ponto de partida o próprio rim); e em secundária (se o processo trombótico tem origem na veia cava inferior com extensão para o rim).

Os denominadores comuns patogénicos deste problema clínico são, essencialmente, hipovolémia, hemoconcentração, hiperviscosidade sanguínea e hiperosmolaridade.

Nos casos em que não são identificados os factores de risco mencionados, haverá que admitir a possibilidade de trombofilia (estado de hipercoagulabilidade) relacionável, com predisposição hereditária para trombose por: défice de proteínas anticoagulantes (proteínas C ou S, antitrombina III, ou plasminogénio); anomalia de proteína procoagulante tornando-a resistente à proteólise pelo respectivo inibidor (factor V de Leiden); mutação originando níveis elevados de proteína procoagulante; anticorpos antifosfolípidos; hiper-homocisteinémia originando lesão endotelial.

Estima-se uma frequência desta patologia na ordem de 0,07-0,49/10.000 crianças, realçando-se maior incidência em pacientes hospitalizados, submetidos a cateterismo venoso central e após intervenção cirúrgica major.

Manifestações clínicas e diagnóstico diferencial

Os sinais clínicos clássicos são: aumento de um ou dois rins (de modo agudo) traduzindo-se por: massa renal palpável e/ou hematúria macro ou micoscópica, em mais de 50% dos casos; e outros sinais e sintomas associados ao aumento do volume renal e à hematúria, tais como distensão abdominal, choque, febre, taquipneia, oligo-anúria. A hipertensão arterial é pouco frequente.

O diagnóstico diferencial faz-se, essencialmente, com situações acompanhadas de aumento de volume do rim e de hematúria (por exemplo, síndroma hemolítica urémica, hematoma peri-renal, doença renal quística, hidronefrose, tumor renal, etc.).

Exames complementares

A história clínica e a situação de base determinarão a realização de determinados exames complementares na perspectiva do diagnóstico sindrómico e do diagnóstico etiológico. Esta situação pode ser diagnosticada no período pré-natal.

Uma vez que em mais de 50% dos casos de trombose da veia renal (TVR) surgem alterações hematológicas, e que, por outro lado, se deve admitir sempre a hipótese de trombofilia, sobretudo na ausência de factores de risco clássicos atrás mencionados, faz-se referência especial a determinados achados hematológicos habitualmente presentes: anemia hemolítica micro-angiopática com fragmentação de eritrócitos; baixos níveis de fibrinogénio, de factor V e de plasminogénio; aumento dos produtos de degradação da fibrina; trombocitopénia; alteração de outros factores da coagulação atrás mencionados.

A análise sumária de urina torna-se obrigatória por razões óbvias.

Determinadas análises bioquímicas (creatinina, azotémia) contribuem para a avaliação da disfunção renal, não esquecendo, em função do contexto clínico, a determinação do perfil lipídico (incluindo lipoproteína (a) – cujo valor aumentado está associado a maior risco de trombose e a hiper–homocisteinémia).

Relativamente a exames de imagem ressaltam-se: ecografia renal com Doppler e renograma isotópico, evidenciando ausência de fluxo na veia renal e nefromegália fluxo.

Tratamento

O tratamento da TVR (controverso, a realizar em centros especializados), tal como o de outras situações trombóticas, depende da situação de base.

Os fármacos habitualmente utilizados são:

  • Heparina por via endovenosa (dose inicial: 50 Unidades/kg seguidas por 100 Unidades/kg de 4-4 horas com o objectivo de obter tempo de coagulação de cerca de 20 minutos);
  • Agentes fibrinolíticos (rTPA ou activador recombinante do plasminogénio tecidual);
  • Terapêutica de substituição (que pode constituir terapêutica de emergência no recém-nascido em situações de défices hereditários comprovados (com plasma, concentrados de antitrombina – III, concentrados de proteína C, etc.).

Em casos especiais de comprovada predisposição hereditária para trombose é empregue a varfarina (anticoagulação de longa duração).

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