Definições e importância do problema

Define-se comportamento como o conjunto de acções, reacções ou actividades motoras observáveis como resposta aos estímulos internos e externos. Desde o nascimento as crianças apresentam diferentes comportamentos: algumas choram muito, outras são mais calmas, umas mais sisudas, outras mais sorridentes e activas.

Define-se temperamento como o conjunto de características biológicas que influenciam o humor, comportamento e emoções, correspondendo ao substrato biológico sob o qual se estrutura a personalidade. São exemplos o nível de actividade motora, capacidade de adaptação à mudança, qualidade e intensidade das respostas a novas situações, limiar sensorial, humor positivo ou negativo, capacidade de atenção, concentração e persistência. Temperamento é, afinal, um estilo comportamental de etiologia biológica com componente fortemente genética.

O perfil de temperamento na primeira infância é traduzido pelos ritmos de sono e alimentação, reacção ao banho, adaptação a novos alimentos e pessoas, frequência e intensidade do choro e riso, etc..

Na segunda infância é traduzido pelo relacionamento com os pares, padrões de jogo, capacidade de atenção e persistência nas tarefas. 
Na criança em idade escolar relaciona-se com a adaptação à escola, à família, aos pares, às actividades lúdicas e de grupo, orientadas por educadores, ou seja, pelo reportório de interacção.

O temperamento é, assim, intrínseco à criança, por oposição ao comportamento que é influenciado pelo meio e pelo relacionamento e perfil da mãe ou substituto materno (vinculação). 

De referir que a vinculação é fundamental para o desenvolvimento cognitivo e emocional da criança, sendo a sua avaliação primordial para a apreciação dos problemas do comportamento, sobretudo durante o primeiro ano de vida.

A partir do segundo e terceiro anos de vida, a criança torna-se menos dependente das figuras de vinculação.

Em 1988, Belsky e, posteriormente, Bydar e Brooks-Gunn, concluíram que período superior a 20 horas semanais em creche, durante o primeiro ano de vida, pode pôr em risco a relação mãe-filho, bem como o desenvolvimento cognitivo, emocional e comportamental da criança o que não acontece quando a actividade laboral materna é adiada para o segundo ou terceiro ano de vida. A problemática da separação mãe-filho noutras situações como a hospitalização, institucionalização, adopção, etc., condicionou uma maior ênfase no encurtamento das mesmas; sublinhou-se, por exemplo, as vantagens do hospital de dia, dos internamentos de curta duração e da aceleração dos processos de adopção. 

Define-se perturbação do comportamento como a modificação do padrão de acções, reacções ou respostas aos estímulos do meio, de carácter persistente ou repetitivo, em que são violados os direitos básicos dos outros ou importantes regras ou normas sociais próprias da idade. Tal situação gera um défice clinicamente significativo na actividade social escolar ou laboral.

A prevalência da perturbação do comportamento parece ter aumentado nas últimas décadas; é usualmente mais elevada nos meios urbanos comparativamente aos rurais e varia entre menos de 1% e 10%.

Manifestações clínicas e diagnóstico

Foram estabelecidos dois tipos de perturbação do comportamento com base na idade de início (início na infância ou início na adolescência), podendo apresentar-se de forma ligeira, moderada ou grave. O tipo início na infância é definido pelo menos por um dos critérios característicos da perturbação do comportamento antes dos 10 anos (Quadro 1).

QUADRO 1 – Perturbação do comportamento: critérios de diagnóstico

Padrão de comportamento repetitivo e persistente, em que são violados os direitos básicos dos outros ou importantes regras ou normas sociais próprias da idade, manifestando-se pela presença de três ou mais dos seguintes critérios, durante os últimos 12 meses e, pelo menos, de um critério durante os últimos 6 meses.


Agressão a pessoas ou animais

  1. Com frequência insulta, ameaça ou intimida as outras pessoas.
  2. Com frequência inicia lutas físicas.
  3. Utilizou uma arma que pode causar graves prejuízos aos outros.
  4. Manifestou crueldade física para com as pessoas.
  5. Manifestou crueldade física para com os animais.
  6. Roubou confrontando-se com a vítima.
  7. Forçou alguém a uma actividade sexual.

Destruição de propriedade

  1. Lançou deliberadamente fogo com intenção de causar prejuízos graves.
  2. Destruiu deliberadamente a propriedade alheia.

Falsificação ou roubo

  1. Arrombou a casa, propriedade ou automóvel de outra pessoa.
  2. Mente com frequência para obter ganhos ou favores ou para evitar obrigações.
  3. Rouba objectos de certo valor sem confrontação com a vítima

Violação grave das regras

  1. Com frequência permanece fora de casa de noite apesar da proibição dos pais, iniciando este comportamento antes dos treze anos de idade.
  2. Fuga de casa durante a noite, pelo menos duas vezes, enquanto vive em casa dos pais ou em lugar substitutivo da casa paterna.
  3. Faltas frequentes à escola com início antes dos treze anos.


Tipos

Tipo início na segunda infância: antes dos 10 anos, início de pelo menos uma característica do critério de Perturbação do Comportamento.

Tipo início na adolescência: antes dos 10 anos ausência de qualquer critério característico do critério de Perturbação do Comportamento.

Perturbação do comportamento, início não especificado: a idade de início é desconhecida.


Gravidade

Ligeira: poucos ou nenhum dos problemas de comportamento para além dos requeridos para fazer o diagnóstico sendo de referir que os problemas de comportamento causaram apenas pequenos prejuízos aos outros.

Moderada: o número de problemas de comportamento e os efeitos sobre os outros situam-se entre ”ligeiros” e “graves”.

Acentuada: muitos problemas de comportamento que excedem os requeridos para fazer o diagnóstico ou os problemas de comportamento causam consideráveis prejuízos aos outros.

Trata-se habitualmente de crianças do sexo masculino, evidenciando frequentemente agressividade física com os outros, relações perturbadas com os companheiros, perturbação da oposição no início da infância e sintomas que preenchem os critérios de perturbação do comportamento antes da fase pubertária. Muitas crianças com este tipo têm também perturbação de hiperactividade com défice de atenção.

O tipo início na adolescência é definido pela ausência de características de perturbação do comportamento antes dos 10 anos de idade. Comparativamente ao tipo anterior manifestam-se menos comportamentos agressivos com tendência para relações mais aproximadas do normal com os companheiros.

Evolução

A evolução da perturbação do comportamento é variável; verifica-se remissão até à idade adulta na maior parte das crianças. Contudo existe uma proporção que continua a revelar na idade adulta comportamentos anti-sociais. 
O início precoce prenuncia um mau prognóstico e risco mais elevado de evoluir para uma perturbação anti-social da personalidade ou para perturbações associadas ao abuso de drogas na idade adulta.

Tipos especiais de comportamento social

Comportamentos considerados apropriados ou aceitáveis em determinadas idades passam a patológicos quando surgem mais tardiamente.

Os espasmos do soluço, mentira, impulsividade e birras são considerados normais entre os 2- 4 anos e devidos a uma necessidade de afirmação e autonomia face à real dependência motora e social, traduzindo frustração e zanga por tal facto. São analisados alguns exemplos:

espasmo do soluço (pausa respiratória e cianose com choro) é observado nos dois primeiros anos de vida e tem por objectivo o controle do meio, nomeadamente dos pais e cuidadores, nas situações de desprazer da criança. 

Este comportamento deve ser ignorado e acaba por extinguir-se, se a criança não atinge os seus objectivos.

mentira é utilizada entre os 2 e os 4 anos como meio de treino da linguagem e imaginação (fabulação), expressando a criança a fantasia dos seus desejos.

Na criança em idade escolar por vezes a mentira é utilizada para encobrir algo que ela não aceita no seu comportamento, conseguindo desta forma um bem-estar temporário e preservação da auto-estima.

pré-delinquência é uma entidade clínica manifestada através de vários comportamentos anti-sociais como o roubo, mentira, destruição de propriedade, crueldade para com os animais, violação, crueldade física para com os outros e repetidas tentativas de fuga. 

comportamento de oposição é manifestado através de comportamentos menos graves como a birra, o desrespeito de regras, atitude de desafio permanente, culpabilização sistemática dos outros, comportamento vingativo e frequente utilização de linguagem obscena.

Os comportamentos de oposição e as birras (teimosia e zanga), frequentes entre os 18 meses e os 3 anos, são de alguma forma apelativos, na medida em que procuram centralizar a atenção dos pais. A resposta desajustada, nomeadamente através de punição, reforça e perpetua este tipo de comportamento, pelo que os pais devem dar espaço e tempo à manifestação da criança que, depois de acalmada, deve ser chamada à razão através de um diálogo profícuo, explicando o motivo pelo qual o seu comportamento é inaceitável, moldando e controlando progressivamente a referida conduta. 

Define-se agressão como qualquer forma de hostilização; é frequentemente considerada como um traço negativo, apesar de desempenhar papel relevante na evolução da espécie animal.

agressividade, tipo de comportamento social, pode ser expressa de diferentes maneiras: não verbal, sob a forma de pontapés e empurrões; verbal, traduzida por apreciações mais ou menos depreciativas, que podem ir até ao insulto, instrumental e hostil (intencionalidade); e a individual ou de grupo.

Um tipo de agressividade e violência actualmente praticado em ambiente escolar é designado pelo termo, em inglês, bullying (traduzindo para português: tirania ou acto praticado por tirano). Segundo estatísticas, surge em cerca de 10% dos estudantes pré-adolescentes ou adolescentes: agressão física ou psicológica levada a efeito por colega ou grupo de colegas mais fortes a outros mais fracos, podendo estes últimos ficar afectados física e psicologicamente (depressão, ansiedade, etc.). Por vezes verifica-se fenómeno de retaliação.

Tal como já foi referido, a agressividade da criança ou adolescente pode ser condicionada pela dificuldade de relacionamento com os pares ou pais, sendo, importante investigar as causas e motivos.

As crianças e jovens sem comportamento empático ou pró-social são frequentemente agressivos e podem necessitar de intervenção de equipa de saúde mental.

Nas crianças expostas a modelos de agressividade nos meios audiovisuais como a televisão desenvolve-se mais frequentemente comportamento de agressividade, comparativamente a crianças não expostas.

Intervenção

Na maior parte dos casos as perturbações de comportamento são transitórias e regridem, ou espontaneamente, ou através de atitudes educativas como o reforço positivo de comportamentos pró-sociais e adequados.

Contudo, tais perturbações exigem maior atenção para prevenir situações graves (delinquência), ou do foro psicopatológico.

Existem diferentes modos de lidar com a conflitualidade, comportamento anti-social ou pré-delinquência; por exemplo ignorar o comportamento em causa, separação das outras crianças para evitar reforçar o referido comportamento, recompensar a atitude não agressiva, reforçar regras, efectuar manobras de diversão, explicar a igualdade de direitos, incentivar a autodefesa, sugerir soluções, encorajar a amizade, ensinar boas maneiras, desaprovar, etc..

A intervenção só se justifica se a agressividade for mantida, condicionando ruptura com o meio familiar, escolar ou social.

Dois tipos de intervenção podem ser utilizados com sucesso nas perturbações de comportamento: treino da criança na capacidade de solucionar problemas e treino dos pais.

O primeiro utiliza a modelo comportamental, do tipo “role-playing”, através da análise das boas razões, da correcção de conduta, e de reforço social de comportamentos adequados (imaginação de soluções, perspectiva do outro, etc.) em sessões suficientes para obter resultados (nunca menos de 20-30 sessões).

O treino parental envolve o ensino de princípios e técnicas educativas que promovam comportamentos ajustados, de que são exemplo o reforço positivo ou condicionado (premiar ou louvar o comportamento adequado), cobrar ou “multar” a resposta inadequada (por exemplo com a perda de pontuação) e plano de contingência adaptado.

Existem diferentes tipos de intervenção centrada no apoio e ensino dos pais englobando os seguintes aspectos:

  • Observar, identificar e monitorizar o comportamento do filho;
  • Reforçar o comportamento adequado e pró-social;
  • Lutar contra comportamentos agressivos ou de ruptura, ignorando-os;
  • Dar directivas claras e concisas;
  • Avisar uma única vez as consequências do não cumprimento de uma ordem ou directiva;
  • Utilizar tempo limitado para o cumprimento de uma ordem (3-5 minutos).

BIBLIOGRAFIA

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