Influência do ambiente

É consensual que os factores ambientais têm um papel preponderante na génese dos tumores do adulto e do idoso. A importância das radiações ionizantes, das substâncias químicas e das infecções víricas na oncogénese é bem conhecida. São numerosos os exemplos de exposições repetidas ao longo de anos que acabam por originar a neoplasia. O tabaco é um paradigma dessa situação.

Na criança, o primeiro ano de vida é o que corresponde a incidência de neoplasias é maior, reduzindo-se aquela progressivamente nos anos seguintes, para voltar a aumentar no início da adolescência. Assim sendo, se os factores ambientais têm alguma importância na génese dos tumores pediátricos, deduz-se que eles terão que actuar muito precocemente, por vezes ainda in utero ou até antes, a nível das gónadas dos progenitores.

Sendo um tema ainda controverso, apresentam-se seguidamente três exemplos que ilustram tal noção.

O primeiro diz respeito a pais que desempenharam profissões, antes ainda da concepção, em que houve exposição a determinados metais ou radiações, e em cujos filhos se tem descrito maior incidência de neoplasias.

O segundo exemplo é relativo a certas formas de leucemia mieloblástica da criança, diagnosticadas no primeiro ano de vida, as quais parecem ser devidas a uma exposição in utero a determinadas substâncias químicas do grupo dos inibidores da topoisomerase II. Estas leucemias caracterizam-se por rearranjos genéticos específicos no clone leucémico envolvendo o gene MLL, muitas vezes apenas detectado em genética molecular e não em genética convencional. Sucede que estes mesmos rearranjos genéticos são descritos como característicos de neoplasias secundárias da criança mais velha e do adulto, que foram tratados alguns anos antes, para uma primeira neoplasia, com citostáticos dos grupos das epipodofilotoxinas ou das antraciclinas. O que há de comum entre as epipodofilotoxinas e as antraciclinas é que são ambas inibidoras da topoisomerase II. Ora, algumas substâncias químicas entram, ainda que em pequenas doses, na indústria alimentar, e alguns antibióticos de uso corrente, do grupo dos inibidores da topoisomerase II, poderão fazer parte da dieta ou da prescrição medicamentosa da grávida. Naturalmente que nem todas as grávidas que se expõem a estas substâncias durante a gestação terão um filho com leucemia. Admite-se ter de haver uma predisposição genética na mulher grávida, que a tornará particularmente sensível a estes fármacos.

O terceiro exemplo diz respeito a substâncias químicas que, consumidas ou usadas durante a gravidez, são implicadas no aparecimento de neoplasias no filho, tais como a marijuana, o álcool, o benzeno e os pesticidas.

À semelhança do adulto, também algumas infecções víricas estão na origem de certas formas de cancro na criança: são bem conhecidas as relações entre a infecção pelo vírus da hepatite B e o carcinoma hepatocelular; pelo vírus do papiloma (HPV) e o cancro do colo do útero; e as relações entre o vírus de Epstein Barr e o linfoma de Burkitt africano ou a doença de Hodgkin.

Finalmente, a relação entre as radiações ionizantes e as neoplasias é conhecida desde o final do século XIX (Marie Curie terá falecido com leucemia). Ficaram tristemente célebres as crianças que, após irradiação do crânio para tratamento de infestação por pediculus capitis, surgiram com tumores do SNC ou que, após irradiação dum timo hiperplásico, surgiram com tumores deste órgão.

Actualmente, é bem conhecido o risco de incidência de tumores das partes moles, do osso, ou do SNC, em crianças previamente irradiadas para tratamento de neoplasias anteriores.

Por outro lado, estudos recentes encontraram uma relação entre o emprego de óxido nítrico (NO) aplicado em ventilação neonatal e cancro na idade pediátrica.

Se os factores ambientais acima referidos são hoje associados à génese das neoplasias da criança, convém notar, contudo, que estes casos são excepcionais e que para a maioria dos tumores pediátricos a relação com supostos factores ambientais não se conseguiu ainda estabelecer.

Genética

Na génese dos tumores intervêm fundamentalmente três tipos de genes: 1) os genes supressores (ou antioncogenes) dos tumores; 2) os oncogenes, derivados dos proto-oncogenes, que promovem a transformação maligna de determinadas células; e 3) os genes que promovem a estabilidade e a reparação do ADN.

Os genes supressores dos tumores (GST ou TSG) em situações de normalidade controlam a proliferação celular e promovem a apoptose (morte celular programada). Se houver inactivação de ambos os alelos de um TSG por mutação ou deleção, surgirá proliferação celular descontrolada, contribuindo para a formação de tumores.

Os oncogenes normalmente potenciam a proliferação celular, sendo que a mutação de um só alelo é suficiente para produzir crescimento celular descontrolado. Por outro lado, os genes de reparação e estabilidade do ADN, se forem inactivados, permitirão que as células portadoras de ADN alterado se transformem em células malignas e proliferem.

Abordando aspectos básicos de genética associados à oncologia, terá interesse para o clínico conhecer o significado da sigla da língua inglesa – MEN, muitas vezes citada na literatura: neoplasia endócrina múltipla. Tal conceito integra 3 diferentes doenças: MEN tipo 1 (MEN 1) causada por mutação no gene supressor; e MEN 2A e MEN 2B, causadas por mutações no proto-oncogene (designado RET). Como exemplo prático, e relativamente ao feocromocitoma, a situação de MEN 2A comporta um risco deste tumor ~ 50%, e a de MEN 2B superior a 50%.

Há tumores de transmissão hereditária em que é possível encontrar história familiar: é o caso do retinoblastoma e de certos adenocarcinomas da tiroideia de tipo medular em que, (40%, e 50 a 80% dos casos, respectivamente), há antecedentes de doença igual num dos progenitores.

Há famílias em que a incidência de determinadas neoplasias é muito superior à da população em geral. Cita-se a síndroma de Li-Fraumeni, em que a frequência de leucemia, de tumores das partes moles, nomeadamente rabdomiossarcoma, e de carcinoma da mama é, em várias gerações da mesma família, muito superior à habitual.

Há crianças com determinadas alterações genéticas em que há maior incidência de neoplasias. É o que sucede na trissomia 21 em que o risco de aparecimento de leucemia é vinte vezes superior ao das outras crianças. É também o caso da síndroma de WAGR, síndroma caracterizada por aniridia e atraso do desenvolvimento intelectual, em que é muito grande a probabilidade de tumor do rim (tumor de Wilms). É ainda o que sucede nas síndromas de instabilidade cromossómica como a síndroma de Bloom, a ataxia-telangiectasia ou a anemia de Fanconi, em que a ocorrência de linfomas é superior à da população pediátrica em geral.

Em todos os casos acima referidos há alterações genéticas que predispõem para o aparecimento de neoplasias por mecanismos ainda mal conhecidos.

Nas últimas décadas, têm sido descritas alterações genéticas nas células tumorais, não verificadas nas células normais. Algumas dessas alterações são aleatórias, traduzindo apenas uma grande instabilidade genética e, portanto, sem significado particular. Outras são, no entanto, específicas e têm hoje importância no diagnóstico, prognóstico e compreensão da génese do tumor.

A primeira alteração genética característica de uma neoplasia foi descrita na década de sessenta do século passado. Trata-se de uma translocação entre o cromossoma 9 e o cromossoma 22 no clone celular da leucemia mielóide crónica. Este cromossoma recebeu o nome de Philadelphia em homenagem à cidade onde foi inicialmente descrito. Muitas outras alterações cromossómicas estruturais (translocações, deleções) e quantitativas, ou seja, com variação do número de cromossomas, foram sendo descritas posteriormente, com maior frequência na última década, em leucemias, linfomas e tumores sólidos.

Com o advento da genética molecular percebeu-se que estas alterações são responsáveis por rearranjos do material genético, típicos de cada tumor, e com importância na oncogénese. Os progressos obtidos nesta nova ciência tornaram-se tão importantes que, actualmente, muitos diagnósticos são feitos, não pelos métodos clássicos da morfologia e imunocitoquímica, mas por Genética.

À medida que os conhecimentos em Genética vão progredindo, novas noções sobre oncogénese vão surgindo, ultrapassando o âmbito deste capítulo.

Justifica-se, no entanto, fazer referência à teoria de Greaves, pela visão global que lança sobre as eventuais causas de uma forma “nova” de leucemia aguda da criança, que poderá ser considerada como paradigma da oncogénese.

Nos países ocidentais regista-se um pico de incidência de leucemia aguda linfoblástica na criança entre os dois e os quatro anos de idade, não descrito noutras zonas do mundo. Trata-se de uma leucemia particularmente quimiossensível e, portanto, de melhor prognóstico. Curiosamente, esta forma particular de leucemia da criança, descrita pela primeira vez na Grã-Bretanha no final da década de 40, só foi encontrada nos EUA na década de 60, primeiro nas crianças de raça branca, e só depois nas crianças de raça negra, tendo atingido, apenas nos anos 80, o Japão.

teoria de Greaves admite como possível uma relação entre o aparecimento deste tipo novo de leucemia e alterações registadas na vida das crianças destes países, a partir do final da segunda guerra mundial. Assim, o parto hospitalar em condições de assepsia em substituição do parto no domicílio, o curto período de aleitamento materno e sua substituição por leites dietéticos, a redução das fratrias e a substituição precoce do ambiente familiar pelo ambiente do infantário, condicionariam uma anormal estimulação de um sistema imunitário ainda imaturo que levaria à neoplasia.

Mais recentemente, verificou-se que muitas crianças com este tipo «novo» de leucemia apresentam no seu clone leucémico uma translocação (t) envolvendo os cromossomas 12 e 21, a t (12;21), o que condiciona uma fusão dos genes TEL e AML1.

Greaves demonstrou, através do exame do sangue destas crianças armazenado nos cartões de papel de filtro, (usados para o diagnóstico precoce de certas doenças no período neonatal, contendo sangue capilar), que esta t (12;21) era já detectável à nascença, ou seja, 2 a 4 anos antes de as mesmas adoecerem. Verificou-se, posteriormente, que apenas cerca de 1% das crianças nas quais é detectada esta translocação no período neonatal irá adoecer, de facto, com leucemia, admitindo-se, assim, ser necessário outro ou outros factores (infecciosos, na teoria de Greaves) para continuar o processo de oncogénese.

A teoria multifactorial desenvolvida por este autor para explicar a génese deste tipo de leucemia já era aplicada a outras neoplasias, como o retinoblastoma. Na verdade, segundo a teoria de Knudson, são necessárias duas deleções sucessivas no cromossoma 13 para que o retinoblastoma surja. Se ambas as mutações ocorrerem numa célula somática da retina, o tumor é esporádico, unilateral e mais tardio. Se a primeira mutação se der na célula progenitora, e a segunda na célula somática da retina, o tumor é hereditário, muitas vezes bilateral, e surge muito precocemente nos primeiros meses de vida.

Reportando-nos ao papel dos genes, (oncogenes e genes supressores) cabe referir que o HPV 19 induz transformação maligna inactivando o gene supressor do tumor.

O desenvolvimento do cancro pode ainda estar ligado ao imprinting do genoma, e que consiste na inactivação selectiva de um de dois alelos de certo gene.

Verifica-se, assim, haver uma relação entre Genética e Ambiente, aspecto subjacente na oncogénese da generalidade dos tumores pediátricos, desconhecendo-se, no entanto, muitos dos mecanismos íntimos de tal relação.

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