Introdução

Os progressos realizados nas últimas décadas no âmbito do tratamento do cancro em idade pediátrica foram muito importantes. Na União Europeia, a mortalidade por neoplasias diminuiu cerca de 60% entre os anos de 1960 e 1990, proporção que corresponde a cerca de 4.500 mortes anuais evitadas.

Tais progressos devem-se essencialmente a três factores: 1- descoberta de novos fármacos e moléculas; 2 – adopção de estratégias terapêuticas em obediência a normas de orientação clínica rigorosas e cientificamente controladas (as chamadas guidelines); 3 – tratamento dos pacientes com patologia do foro oncológico em centros de referência especializados, com todos os recursos técnicos e humanos, conduzindo a superioridade de resultados relativamente aos obtidos em serviços de pediatria geral.

Generalidades

As leucemias e linfomas são tratados, geralmente, apenas com quimioterapia.

Os tumores sólidos tratam-se, em regra, com quimioterapia numa fase inicial e, posteriormente, com terapia local: cirurgia e/ou radioterapia.

A quimioterapia inicial, com o seu efeito sistémico, tem a dupla vantagem de destruir precocemente focos de micrometástases normalmente existentes (reduzindo assim o risco de recidiva) e de diminuir as dimensões do tumor primitivo, permitindo uma remoção cirúrgica mais fácil e com menos sequelas. Da mesma forma, a quimioterapia inicial permite que os campos a irradiar sejam menores, caso seja necessário recorrer à radioterapia.

A cirurgia será realizada numa fase inicial apenas quando o tumor, pelas suas dimensões ou localização, for facilmente extirpável, ou nas situações em que não haja necessidade de outras formas de tratamento.

O tratamento de uma criança com doença oncológica e o apoio necessário à sua família devem envolver um enorme grupo de especialistas, para além dos técnicos de saúde habituais. Assim, assistentes sociais, educadores de infância, professores, técnicos de animação, voluntários, são hoje imprescindíveis, fazendo parte integrante do grupo de técnicos existente nos centros oncológicos.

Pela sua importância, apresentamos alguns conceitos básicos de quimioterapia e radioterapia, referindo os seus efeitos secundários mais frequentes, com os quais o médico oncologista e o médico da criança têm que saber lidar.

Quimioterapia

A quimioterapia consiste na administração de fármacos citotóxicos que interferem no ciclo de vida celular. Pode ser utilizada como única forma de terapêutica de doenças neoplásicas ou em combinação com radioterapia e/ou cirurgia. Em geral, quanto maior for o índice mitótico das células tumorais, maior é a sensibilidade e resposta à quimioterapia, verificando-se o contrário nos tumores que se apresentam com uma percentagem significativa de células em fase G0, ou seja, “inactivas”.

Os fármacos utilizados em quimioterapia podem ser subdivididos em dois grandes grupos:

  1. fármacos que actuam em determinadas fases específicas do ciclo celular (por exemplo, alcalóides da vinca, metotrexato, 6-mercaptopurina, citosina arabinosido e etoposido)
  2. fármacos sem especificidade de fase (por ex. agentes alquilantes, 5-fluorouracilo e actinomicina).

É comum o protocolo de quimioterapia incluir fármacos de diferentes grupos, de forma a potenciar os mecanismos de acção sobre as células tumorais. Faz-se referência aos mais utilizados.

1. Alcalóides da vinca

(vincristina, vimblastina, vindesina, vinorelbina)

Os alcalóides da vinca são derivados da planta Vinca rosea e a sua acção citotóxica resulta da capacidade de se ligarem à tubulina. Esta proteína é fundamental na formação do fuso mitótico, ao longo do qual os cromossomas migram durante a mitose. Os alcalóides da Vinca interferem com a função do fuso mitótico, impedindo a conclusão da mitose.

Os efeitos secundários mais comuns, resultantes da sua administração, integram a seguinte sintomatologia: obstipação, podendo mesmo ocorrer situações de íleo paralítico, e neurotoxicidade periférica (com perda dos reflexos aquilianos e rotulianos, dificuldade na marcha e “pé pendente”). Regra geral, estes efeitos são reversíveis com a interrupção da terapêutica. A vimblastina é menos neurotóxica, mas, ao contrário da vincristina, causa mielossupressão.

2. Antimetabólitos

(metotrexato, citosina-arabinosido, 6-mercaptopurina, 6-tioguanina)

Trata-se de fármacos estruturalmente semelhantes a determinados compostos essenciais às células tumorais e que competem com, ou inibem, esses mesmos compostos.

2.1. Metotrexato (MTX)

É semelhante ao ácido fólico e inibe a di-hidrofolato redutase, a enzima responsável pela manutenção de níveis adequados de tetra-hidrofolatos intracelulares. A utilização de MTX causa uma acumulação de folatos na sua forma oxidada inactiva, conduzindo à morte celular. Após a administração de MTX em doses elevadas, ou seja, superiores a 1 g/m2, os níveis séricos deste fármaco devem ser vigiados durante, pelo menos 48 horas, sendo necessária a administração de ácido folínico de forma a permitir a sobrevivência das células não tumorais. O MTX é hepatotóxico e, em altas doses, nefrotóxico. Em dose baixa, administra-se em regime ambulatório como parte integrante dos esquemas de manutenção.

2.2. Citosina-arabinosido (Ara C)

É semelhante à desoxicitidina e inibe a polimerase do DNA, pelo que interfere com a replicação e transcrição do DNA. Utiliza-se, tal como o MTX, em doses muito variáveis que, nos protocolos mais intensivos, podem chegar a vários gramas por metro quadrado por dia, durante alguns dias.

2.3. 6-Mercaptopurina e 6-tioguanina

São compostos semelhantes aos nucleótidos hipoxantina e guanina. Quando incorporados no DNA, provocam alterações na sua estrutura comprometendo a transcrição. São administrados por via oral, fazendo parte dos esquemas de manutenção de quimioterapia.

3. Antibióticos

(antraciclinas, bleomicina, actinomicina D)

Estes fármacos têm uma origem bacteriana ou fúngica e possuem uma actividade simultaneamente antimicrobiana e antitumoral.

3.1. Antraciclinas

(daunorrubicina; doxorrubicina; epirrubicina; idarrubicina)

A acção citotóxica destes fármacos resulta de vários mecanismos, incluindo a inibição da actividade da topoisomerase II (e consequente interferência na leitura do DNA) e a formação de radicais livres de oxigénio, capazes de causar lesão tecidual directa. São potencialmente cardiotóxicas, sobretudo se utilizados em doses cumulativas superiores a 200 mg/m2. Nos doentes submetidos a esquemas terapêuticos que incluam doses elevadas de antraciclinas, deve realizar-se uma avaliação prévia da função cardíaca, mantendo, posteriormente, um esquema regular de vigilância com ecocardiograma.

3.2. Bleomicina

Consiste numa mistura de glicopéptidos de origem fúngica, capazes de degradar o DNA. Pode causar toxicidade pulmonar.

3.3. Actinomicina D

Interfere com a síntese de DNA e RNA por ruptura e distorção da dupla hélice de DNA. Tal como as antraciclinas, pode potenciar a toxicidade das radiações ionizantes, pelo que estes fármacos não devem ser utilizados simultaneamente com a radioterapia.

4. Agentes alquilantes

(ciclofosfamida, ifosfamida, clorambucil, melfalan, busulfan)

Formam ligações covalentes com as bases no DNA, pelo que alteram a sua integridade estrutural impedindo a transcrição. A ifosfamida e a ciclofosfamida são especialmente tóxicas a nível renal e vesical, pelo que a sua administração deve incluir vigilância da função renal, e medidas de hiper-hidratação e protecção da mucosa vesical.

5. Compostos de platina

(cisplatina, carboplatina)

Tal como os agentes alquilantes, alteram a estrutura do DNA e inibem a sua síntese. Os efeitos secundários mais frequentes são: diminuição da taxa de filtração glomerular e diminuição da acuidade auditiva para frequência elevadas, sobretudo com a utilização da cisplatina. Estes efeitos adversos são mais frequentes quando os referidos fármacos são utilizados em crianças com menos de 5 anos de idade.

6. Epipodofilotoxinas

[etoposido – (VP 16), teniposido – VM 26)]

Estes fármacos são derivados sintéticos da podofilotoxina, um composto da planta de mandrake. São inibidores da topoisomerase II, interferindo com a transcrição do DNA. Podem provocar alterações leucemogénicas na medula óssea e conduzir ao aparecimento de síndromas mielodisplásicas ou leucemias secundárias, sobretudo nos dez anos seguintes à sua administração.

7. Outros

(Asparaginase, hidroxiureia, corticosteróides, anticorpos monoclonais)

A asparaginase degrada a asparagina sérica em ácido aspártico e amónia. Tem uma actividade antitumoral específica atendendo a que, ao contrário das células normais, os linfoblastos não possuem a capacidade de sintetizar asparagina, pelo que dependem do seu fornecimento exógeno. É, ainda hoje, um dos citostáticos mais importantes no tratamento das leucemias linfáticas agudas (LLA).

Os seus efeitos secundários mais frequentes são pancreatite aguda, disfunção hepática, incluindo alterações na síntese dos factores de coagulação, dislipidémia, hipoalbuminémia, e reacção de sensibilização.

A hidroxiureia, substância análoga da ureia, impede a síntese do DNA por inibição do sistema enzimático da redutase dos ribonucleótidos.

Os corticóides são frequentemente utilizados em neoplasias hematológicas, atendendo a mecanismos ainda não bem esclarecidos, mas que parecem envolver a existência de receptores para estes fármacos nas células tumorais. Os referidos fármacos são igualmente incluídos em diversos protocolos terapêuticos no alívio de determinados sintomas, tais como quadros de hipertensão intracraniana e dores ósseas.

Os inibidores da tirosina-cinase (por ex. imatimib e dasatinib) são exemplos de terapia molecular dirigida, evidenciando ausência da toxicidade nos tecidos normais. A sua utilização na terapêutica das leucemias mielóides crónicas e nas leucemias agudas que expressam a t (9;22) tem permitido aumentar drasticamente a sobrevivência destes doentes.

Os anticorpos monoclonais são um grupo novo e promissor de fármacos. Cabe aqui destacar o bortezomib (inibidor proteassómico) e o blinatumomab (uma molécula que medeia a toxicidade celular ao estabelecer uma ligação entre as células leucémicas que expressam o antigénio CD19 e as células T citotóxicas). Estas duas moléculas têm mostrado resultados muito promissores na terapêutica de recaídas em conjugação com os fármacos de quimioterapia convencional.

Efeitos secundários da quimioterapia

Os efeitos secundários da quimioterapia são, em geral, proporcionais à intensidade do tratamento, ou seja, ao número de citostáticos usados, às doses administradas e ao intervalo com que as faixas da quimioterapia são prescritas.

As náuseas e os vómitos constituem os efeitos secundários mais frequentes. Por outro lado, podem conduzir a desequilíbrio hidro-electrolítico grave e a má-nutrição.

Há, todavia, antieméticos muito potentes que ultrapassam estas complicações com relativa facilidade. Preferencialmente, a terapêutica antiemética deve ser instituída antecipadamente, antes da quimioterapia, e não apenas após o início dos sintomas. Os antieméticos mais utilizados em oncologia pediátrica são os antagonistas da serotonina e a metoclopramida, podendo combinar-se com a dexametasona e uma benzodiazepina de forma a obter potenciação de efeitos. A duração da terapêutica antiemética deve prolongar-se, pelo menos 24 horas após a administração de citostáticos muito emetizantes, como sejam a cisplatina, a ifosfamida e o melfalan.

mucosite, sobretudo a nível da orofaringe, esófago e mucosa intestinal, é um dos efeitos secundários mais vulgarmente observados; manifesta-se por secura e palidez das mucosas, aparecimento de placas esbranquiçadas, ulcerações, disfagia, dores abdominais, diarreia e proctite.

Os fármacos mais frequentemente implicados são as antraciclinas, a citosina-arabinosido, a actinomicina D e o metotrexato em alta dose. Nos doentes com pancitopénia, a lesão da mucosa do tubo digestivo pode funcionar como “porta de entrada” de microrganismos, gerando infecções oportunistas potencialmente graves, sobretudo fúngicas e bacterianas (E. coli, Klebsiella e Pseudomonas).

É importante que as crianças submetidas a quimioterapia mantenham hábitos regulares de higiene oral, com utilização de escovas suaves e dentífricos adequados. A terapêutica com nistatina tópica é eficaz nas situações de mucosite fúngica por Candida, podendo ser necessário, em casos mais graves, utilizar antifúngicos sistémicos, antibióticos e antivíricos nas crianças com neutropénia febril.

As queixas álgicas causadas pela mucosite não devem ser negligenciadas, uma vez que podem perturbar francamente o bem-estar da criança e o seu estado nutricional. Devem ser utilizados analgésicos, de acordo com a gravidade da situação clínica: incluem, desde anestésicos tópicos, até perfusões sistémicas de opiáceos. Deve, igualmente, ser instituída uma dieta de consistência e conteúdo adequados. (ver adiante)

depressão medular pode resultar da progressão da doença oncológica em si (como no caso das leucemias) ou ser consequência da quimioterapia. A incidência de infecções aumenta de forma inversamente proporcional ao número de neutrófilos, considerando-se risco grave de infecção se se verificar número absoluto de neutrófilos inferior a 0,5 x 109/L.

As infecções são a complicação mais grave e a principal causa de morte durante a quimioterapia, exigindo um elevado nível de suspeição clínica, atendendo a que os sinais e sintomas inflamatórios clássicos poderão estar ausentes em doentes neutropénicos. Sempre que o nível de neutropénia o justifique, estes doentes devem ser isolados, evitando-se o contacto com fontes exógenas potencialmente infectantes.

Como foi já referido anteriormente, a integridade da mucosa digestiva deve ser preservada através de uma correcta higiene oral e peri-rectal. É igualmente importante evitar a utilização de termómetros por via rectal, assim como a administração de enemas em doentes neutropénicos.

Nas crianças com cateteres venosos centrais, os cuidados de assépsia devem ser rigorosos em todas as manipulações do cateter; aplica-se o mesmo princípio em todos os procedimentos que impliquem lesão da barreira cutânea, como punções venosas, lombares ou biópsias ósseas.

imunossupressão a que estão sujeitas pela quimioterapia impede que estas crianças sejam imunizadas, particularmente com vacinas vivas.

Quando as crianças frequentam escolas (e devem ser incentivadas a fazê-lo fora dos períodos de neutropénia), os pais e médicos responsáveis devem ser imediatamente avisados sobre o contacto com crianças com varicela, (doença que pode ter um efeito devastador), a fim de serem tomadas medidas de suporte adequadas.

Nas situações de trombocitopénia grave, sobretudo se o número de plaquetas for inferior a 10-15 x 109/L, o risco de hemorragia gastrintestinal e do sistema nervoso central é elevado. Estas crianças devem evitar actividades físicas que possam causar traumatismos, assim como fármacos que interfiram com o número e actividade das plaquetas, como o ácido acetilsalicílico e o ibuprofeno. Sempre que se julgue necessário, a trombocitopénia deve ser corrigida através da transfusão de concentrado plaquetário (geralmente, 1 Unidade / 10 kg de peso). A transfusão de plaquetas associa-se com frequência a reacções caracterizadas por febre e tremores, o que se obvia com a irradiação sistemática do material transfundido e com a utilização de terapêutica prévia com hidrocortisona e clemastina. (ver Parte Hematologia)

anemia é um problema comum nas crianças com doença neoplásica sob tratamento. A decisão de transfundir (geralmente, 10 ml de concentrado eritrocitário / kg peso) deve ter em conta, não só os critérios definidos por cada instituição, mas também os sinais e sintomas que a criança apresente, tais como: hemorragia activa, cansaço extremo ou dispneia. Devem ser tomados os mesmos cuidados de irradiação do produto a transfundir e de terapêutica prévia atrás indicados.

alopécia é um dos efeitos secundários da quimioterapia mais frequentemente observados (sobretudo com as antraciclinas, a actinomicina, o etoposido e os agentes alquilantes). Habitualmente, é reversível com o fim da terapêutica citotóxica.

Tem sido descrito o aparecimento de tumores secundários, principalmente após a administração de citostáticos alquilantes, epipodofilotoxinas e antraciclinas, alguns anos após a utilização destes fármacos. São, habitualmente, leucemias mieloblásticas agudas, por vezes precedidas por síndromas mielodisplásicas, ou linfomas não Hodgkin. O prognóstico é, geralmente, muito reservado.

síndroma de lise tumoral é uma emergência oncológica grave e potencialmente fatal, resultante da destruição maciça de células malignas com elevado potencial mitótico associada à quimioterapia. Como resultado surgem: hiperuricémia; hiperpotassémia; hiperfosfatémia; e hipocalcémia (poderá surgir hipercalcémia em contexto de destruição óssea).

A síndroma de lise tumoral não tratada pode conduzir à insuficiência renal e morte. As medidas profilácticas e terapêuticas incluem hiper-hidratação, alcalinização da urina (mantendo um pH entre 7 e 8), alopurinol, ou, em alternativa, rasburicase (um análogo da urato oxidase, uma enzima que não existe no Homem, e que cataboliza a transformação de ácido úrico em alantoína, solúvel na urina).

Radioterapia

A radioterapia consiste na administração de radiações ionizantes com o objectivo de destruir as células tumorais, por lesão directa a nível do ADN, e por acção indirecta através da ionização da água intracelular, o que causa a formação de radicais livres tóxicos.

Pode ser administrada externamente (a forma mais habitual) sendo o feixe de radiações emitido a uma determinada distância do doente, ou internamente (braquiterapia), a partir de uma fonte de radiações colocada no tumor.

Um terceiro tipo de técnica consiste na administração sistémica de um radioisótopo que é captado preferencialmente pelas células tumorais, como é exemplo a 131I-metaiodobenzilguanidina (MIBG terapêutica) em certos estádios de neuroblastoma.

Efeitos secundários da radioterapia

As radiações ionizantes lesam todas as células, tumorais e não tumorais, dentro do território irradiado. Os efeitos secundários dependem do tipo de radiação, da dose, da duração do tratamento, da região anatómica, do volume corporal exposto e da tolerância individual. A pele, o couro cabeludo, a medula óssea e o tracto gastrintestinal são especialmente sensíveis às radiações. No entanto, os efeitos adversos tendem a desaparecer após o término da radioterapia, pela capacidade de renovação/cicatrização destes tecidos. Pelo contrário, órgãos com limitada replicação celular, como o encéfalo, a medula espinal, o coração e os rins, podem sofrer lesões que tendem a aparecer mais tardiamente e a ser irreversíveis. A idade da criança é igualmente um factor importante, já que quando um órgão é irradiado durante a sua fase de crescimento, as sequelas são mais graves. São exemplos as assimetrias de crescimento dos ossos irradiados antes do encerramento das cartilagens de conjugação, ou a radioterapia do sistema nervoso central antes dos cinco anos de idade, podendo provocar défice cognitivo e disfunção endócrina central.

As complicações agudas mais frequentes, dependendo da área irradiada, são: mal-estar geral; anorexia; náuseas e vómitos; disfagia; diarreia; cólicas abdominais; cistite; e alopécia. A irradiação do sistema nervoso central pode causar edema cerebral e uma síndroma de sonolência, fadiga, meningismo e febre podendo ocorrer até 6 a 8 semanas depois do início daquela.

A pele dos territórios irradiados torna-se especialmente sensível, exibindo lesões que podem ir, desde um vulgar eritema difuso, a queimaduras graves com descamação. Os doentes devem evitar o uso de roupas apertadas e utilizar, com regularidade, cremes hidratantes, protectores solares e, eventualmente, anti-inflamatórios tópicos.

A irradiação da medula óssea (como acontece na radioterapia da coluna vertebral) pode provocar pancitopenia transitória.

A longo prazo, e como já referido anteriormente, a radioterapia pode provocar alterações no crescimento e maturação de tecidos e órgãos, e induzir o aparecimento de segundas neoplasias.

Cuidados paliativos

Os cuidados paliativos a prestar aos doentes oncológicos são uma componente obrigatória do respectivo tratamento, com o objectivo fundamental de aliviar a dor, mal-estar e sofrimento daqueles, assim como da família e dos próprios prestadores dos cuidados.

Assim, assistentes sociais, psicólogos, educadores de infância, professores, técnicos de animação, voluntariado, são hoje imprescindíveis, fazendo parte integrante do grupo de profissionais existente nos centros oncológicos. É também importante uma boa articulação entre a unidade de Oncologia e outros Serviços de Saúde, permitindo o apoio local possível; tal estratégia contribui para a racionalização dos meios.

No que respeita a medidas gerais de promoção do máximo (possível) conforto, torna-se fundamental a presença dos pais e a atitude de humanização de todos os profissionais da equipa assistencial.

A dor nos doentes com cancro pode resultar da lesão do órgão afectado, de lesão óssea secundária a metástases, ou de compromisso neuropático. Pode ser combatida com fármacos opióides e não opióides de acordo com protocolos que ultrapassam o âmbito do capítulo. Entre os não opióides são utilizados o paracetamol e AINE.

Devem ser utilizados analgésicos de acordo com a gravidade da situação clínica: incluem, desde anestésicos tópicos (com lidocaína, por exemplo), até perfusões sistémicas de opiáceos. Neste caso, é frequente o uso de sulfato de morfina em perfusão contínua IV, começando por uma dose de 0,6 mg/kg/dia. Podem administrar-se em SOS bolus de 10% da dose da morfina nas horas seguintes, para se obter uma analgesia adequada. O somatório dos bolus após 24 h é então adicionado à dose inicial nos dias seguintes. Também podem ser usados adesivos de fentanil, de absorção transdérmica, que têm uma duração de cerca de três dias, e que obviam à necessidade de haver uma veia canalizada. Existem tabelas que permitem converter as doses de morfina em fentanil. Deve, igualmente, ser instituída uma dieta de consistência e conteúdo adequados.

Os capítulos sobre “Analgesia” e “Dor no RN” (Partes XXVIII e XXXI) proporcionam uma informação complementar.

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