Definição e importância do problema
A psoríase é uma doença imunomediada na qual participam mecanismos autoinflamatórios e autoimunes, potencialmente crónica, multifactorial; a lesão cutânea elementar é a mancha ou placa circular, de bordo bem delimitado, cor vermelha viva, coberta por escama espessa, de cor branca ou prateada e pouco aderente. O espectro clínico é de gravidade variável e evolui frequentemente com períodos de agravamento, alternando com períodos de melhoria clínica.
Embora a verdadeira prevalência na idade pediátrica seja desconhecida (alguns autores referem valores entre 0,5 e 1%), ela corresponde a cerca de 4% de todas as dermatoses observadas em doentes menores de 16 anos. Nos últimos 25 anos tem existido um aumento significativo de estudos publicados no campo da epidemiologia da psoríase em idade pediátrica na Europa, Ásia e América do Norte: a prevalência parece ser maior nos países europeus, nas crianças mais velhas e no sexo feminino.
Em valores percentuais até 48%, na idade pediátrica existe história familiar em parentes do 1º grau e encontram-se diferenças genéticas específicas entre a psoríase com início na idade pediátrica e a do adulto.
Por outro lado, é importante reconhecer que as crianças com psoríase, da mesma forma que os adultos, podem ter um risco acrescido de comorbilidades (hipertensão, diabetes, hiperlipidémia, obesidade). Além disso, as lesões visíveis têm um impacte significativo na qualidade de vida, com repercussão nas actividades sociais, o que poderá provocar ansiedade e depressão, assim como comprometer o normal desenvolvimento da criança.
Etiopatogénese
A psoríase é uma doença multifactorial: por um lado existe uma interacção entre factores genéticos, imunológicos e ambientais; por outro, são reconhecidos factores e estímulos desencadeantes ou agravantes externos. Na prática são considerados:
Factores genéticos
A psoríase é determinada geneticamente, de forma poligénica e multifactorial, sendo fortemente influenciada por factores ambientais. Em aproximadamente um terço dos doentes há antecedentes familiares da doença.
Existem diversas associações com alguns fenótipos HLA (HLA-Cw6, HLA-A13 e 17 e HLA-B8) que parecem determinar a data de início e a expressão fenotípica da doença.
Factores desencadeantes
O início da psoríase pode estar relacionado com factores desencadeantes, e surgir em qualquer idade. A acção dos factores externos ou internos pode desencadear psoríase em indivíduos geneticamente predispostos.
- As infecções estreptocóccicas, em particular faringites, constituindo factores desencadeantes ou agravantes.
- O estresse psicológico pode precipitar ou exacerbar a psoríase.
- Factores endócrinos e metabólicos: a gravideze a hipocalcémia podem induzir psoríase pustulosa.
- Fenómeno isomorfo ou de Köbner: ocorre em 25% dos doentes; corresponde à indução de lesões psoriásicas em locais de traumatismo cutâneo.
- Os fármacos: lítio, β-bloqueantes, interferão, anti-inflamatórios não esteróides e IECA.
- Nas crianças os fármacos mais frequentemente implicados são os antimaláricos e os corticóides.
- Outros: o consumo elevado de álcool e tabaco tem sido associado à psoríase.
Na psoríase surge resposta imune efectora de perfil T helper 1. As lesões cutâneas resultam da activação local do sistema imune, e da acumulação selectiva de linfócitos Th 1 (CD4+ e CD8+) que desencadeiam e mantêm a doença ao libertar citocinas e/ou outras moléculas inflamatórias, induzindo a hiperproliferação e diferenciação anormal de queratinócitos, de células endoteliais, fibroblastos, e mastócitos.
Sobressai igualmente inflitrado denso de polimorfonucleres com característico epidermotropismo.
A cronicidade resulta da estimulação linfocitária persistente por antigénios de provável origem epidérmica ainda desconhecidos.
Manifestações clínicas
O quadro clínico na criança é semelhante ao do adulto. A lesão característica é a placa eritematodescamativa, bem delimitada, com escama prateada espessa. O eritema é vermelho vivo e a remoção sucessiva da escama origina pontos hemorrágicos (sinal de Auspitz). As placas localizam-se predominantemente nas superfícies de extensão das extremidades (cotovelos e joelhos), couro cabeludo e na região lombo-sagrada. Nas crianças as lesões tendem a ser menos espessas, descamativas e mais pruriginosas. A face, o couro cabeludo e as pregas são afectados com maior frequência comparativamente ao adulto.
As principais formas clínicas da psoríase (que podem aparecer em sobreposição ou sequencialmente no tempo) são as seguintes:
Psoríase em placas
Nesta variante existem placas eritematodescamativas características nas superfícies de extensão (joelhos e cotovelos) e/ou couro cabeludo e tronco. (Figuras 1 e 2)
FIGURA 1. Psoríase em placas
FIGURA 2. Psoríase em placas no tronco
Psoríase guttata
É mais frequente em crianças e adultos jovens. Surge de forma súbita, habitualmente 1-2 semanas após faringite estreptócoccica, sob a forma de pápulas, redondas ou ovais, com escama discreta ou ausente, dispersas de forma grosseiramente simétrica pelo tegumento, mas com predomínio pelo tronco e extremidades proximais. Esta forma persiste 3 a 4 meses e pode ter remissão espontânea e recorrências.
FIGURA 3. Psoríase guttata
FIGURA 4. Psoríase inversa
Psoríase inversa
Afecta predominante ou exclusivamente as áreas de atrito, em particular a área das fraldas e axilas (compromisso electivo das pregas). As lesões mantêm o eritema vivo e bordo bem definido, mas a escama é reduzida ou ausente.
Psoríase pustulosa
Variante rara na criança, quer na sua forma generalizada, quer na forma localizada às palmas e plantas onde se observam pústulas.
Psoríase eritrodérmica
É a forma rara, e habitualmente grave, com eritema e esfoliação de quase todo o tegumento. Pode ser congénita.
Psoríase artropática
Surge artrite inflamatória seronegativa similar à artrite reumatóide em 5-30% dos doentes com psoríase. O início pode ocorrer na puberdade, sendo geralmente ulterior ao quadro cutâneo, na forma de artrite assimétrica mono ou oligoarticular.
Psoríase ungueal
A alteração mais frequente é o ponteado ungueal (40%); raramente surgem onicólise ou alterações da coloração.
Diagnóstico
É essencialmente clínico, baseado no aspecto das lesões e na sua distribuição e evolução. Não existem exames específicos para o diagnóstico de psoríase, mas em casos seleccionados o exame histopatológico constitui um instrumento de grande utilidade.
O diagnóstico diferencial na infância estabelece-se essencialmente com a dermite da área das fraldas, com o eczema numular, a pitiríase rosada e a epidermofitia.
Tratamento
O tratamento da psoríase em idade pediátrica constitui um desafio para o dermatologista já que existem poucos estudos aleatorizados e aprovados referentes a tal período etário. O mesmo deve, pois, ser adaptado a cada caso individual, em função da idade do doente, localização e extensão da doença, evolução e resposta a tratamentos anteriores.
As medidas gerais incluem banhos com óleos essenciais, aplicação de emolientes, eventualmente com agentes queratolíticos. Na psoríase em placas pode efectuar-se tratamento com corticoides de fraca a moderada potência e análogos da vitamina D, isolados ou em combinação.
Para as lesões da face e pregas dispomos actualmente dos novos imunomoduladores tópicos (tacrolimus e pimecrolimus) que são eficazes, bem tolerados, e destituídos de efeitos acessórios (atrofia e metabólicos).
A psoríase guttata aguda associada a infecção estreptocóccica deve ser tratada com antibioticoterapia dirigida.
A fototerapia com ultravioletas B (UVB) pode ser usada no tratamento da psoríase guttata e psoríase em placas crónica extensa e/ou refractária.
A helioterapia é benéfica e aconselhada com prudência. Os retinóides sistémicos, em particular a isotretinoína, são eficazes nas psoríases em placas, guttata, eritodérmica e pustulosa (assinalando efeitos quanto ao crescimento ósseo).
A terapêutica sistémica está reservada para os quadros graves, com grande extensão de superfície cutânea atingida: acitretina, metotrexato e ciclosporina. Além disso, estão aprovados para utilização em idade pediátrica três agentes biológicos com mecanismo selectivo no bloqueio das vias de inflamação: – adalimumab (≥ 4 Anos); – etanercept (≥ 6 Anos), ambos anti-TNF, e – ustecinumab (≥ 12 Anos), anti IL 12/23.
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