Importância do problema

Na fisiopatologia respiratória da criança, para além das doenças próprias do grupo etário, há que considerar a sua exposição potencial a todos os agentes causadores de doença respiratória nos adultos. Por outro lado, os mecanismos de resposta broncopulmonar aos agentes agressores na criança são diferentes, estando condicionados pela imaturidade anatómica, funcional e imunológica. Se doenças como a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), e doenças com supuração, são comparativamente mais raras na criança, (excepto a fibrose quística e a doença de cílios imóveis) a maior susceptibilidade a algumas doenças víricas e bacterianas com grande resposta secretora e inflamatória pode condicionar alterações estruturais broncoalveolares numa fase maturativa facilitando o aparecimento de sequelas. Por outro lado, tal resposta inflamatória em vias aéreas de menor dimensão poderá explicar a frequência da sibilância já desde a primeira infância, chegando alguns estudos a referir a sua ocorrência em 40% do universo deste grupo etário. Daí a importância da reabilitação respiratória pediátrica (Rrp) definida como um conjunto de acções duma equipa interdisciplinar dirigidas à criança com doença respiratória com o objectivo de restaurar a anatomia e a função pulmonares, diminuir a incapacidade, aumentar a independência individual e a integração social, e diminuir a frequência das exacerbações e dos internamentos hospitalares.

Na Rrp aplicam-se uma série de técnicas como a cinesiterapia respiratória, a inaloterapia, a readaptação ao esforço, a cinesiterapia vertebral, etc.. Como particularidade da Rrp está o facto de os seus métodos estarem em grande parte condicionados pela capacidade de colaboração da criança. Tal colaboração está muito ligada à sua idade, e depende do entendimento que aquela tem do que se lhe pede e da sua capacidade de repetir o gesto. Tal capacidade vai em geral, mas não de modo uniforme, aumentando ao longo dos anos. Crianças há colaborando precocemente no que lhes é solicitado, e outras com perturbação do desenvolvimento em que isso não é possível. Tal facto exigirá uma grande perícia do técnico de reabilitação com utilização de manobras em que o carácter passivo e activo-assistido será predominante.

Para um funcionamento eficaz da função respiratória é necessário um conjunto de três condições: vias aéreas permeáveis que permitam a passagem do ar desde o exterior até aos pulmões; a integridade da caixa torácica associada à normal acção muscular que lhe permita funcionar como bomba inspiradora e expiradora do ar respondendo ao estímulo respiratório central com os seus mecanismos reguladores; uma correcta relação ventilação/perfusão o que implica um adequado suprimento de sangue pela circulação pulmonar realizando-se as trocas gasosas através duma normal barreira alvéolo-capilar.

A Rrp actua principalmente na restauração da primeira das condições acima enunciadas, menos na segunda e só indirectamente procura interferir na terceira. Para conseguir tais objectivos a Rrp utiliza as estratégias de limpeza das secreções das vias aéreas, de treino dos tempos inspiratório, expiratório e seu sincronismo, e de utilização de O2 como terapêutica, promovendo a readaptação ao esforço.

Actuação prática

Permeabilização das vias aéreas

É fundamental manter a permeabilidade das vias aéreas e, no que diz respeito à reabilitação das doenças broncopulmonares, será quase invariavelmente, a primeira acção a promover. Sem a manutenção duma via aérea minimamente permeável será difícil avançar para outras técnicas. O aumento das secreções brônquicas acontece frequentemente como resultado de múltiplas situações patológicas afectando a árvore tráqueo-brônquica e o parênquima pulmonar como laringotraqueobronquite, bronquiolite, pneumonia, bronquiectasia e asma brônquica, sobretudo na fase secretora.

Na fibrose quística a presença de secreções espessas e muitas vezes infectadas é uma constante e um factor fisiopatológico fundamental na evolução da doença.

Situação particular é o caso das unidades de cuidados intensivos. Como se sabe, um dos efeitos secundários da ventilação mecânica (iatrogénico) é o aumento da produção da muco e a sua acumulação por impedimento dos mecanismos fisiológicos de limpeza. Em qualquer situação em que for necessária a entubação endotraqueal e/ou a ventilação mecânica, mesmo sem doença broncopulmonar de base, é fundamental promover uma adequada cinesiterapia respiratória sendo insuficiente a simples aspiração do tubo endotraqueal. Todas as situações que cursam com retenção e espessamento das secreções criam as condições para o aparecimento de sobreinfecções e o desenvolvimento de atelectasias com desequilíbrio da relação ventilação/perfusão concorrendo para acentuar as alterações gasométricas que se somam às da doença base. Neste enquadramento se percebe a importância desta etapa da Rrp. Situações há em que a limpeza eficaz e criteriosa das secreções brônquicas é o objectivo principal, quase único da intervenção da Rrp.

A maneira como a cinesiterapia respiratória consegue restaurar a permeabilidade das vias aéreas depende dum conjunto de técnicas próprias exigindo treino e arte na sua aplicação a um grupo etário que vai desde o nascimento à adultícia e cuja descrição ultrapassa os objectivos deste livro.

O primeiro passo é promover uma adequada humidificação das secreções, sobretudo nas situações em que estas se apresentam secas e aderentes. Pode ser conseguido tal desiderato na criança com uma abundante ingestão de líquidos, fluidificantes ou através da humidificação do ar inalado. De seguida promove-se a libertação e mobilização de secreções podendo, para o efeito, ser utilizadas técnicas vibratórias e de percussão cujos efeitos acessórios devem ser rigorosamente ponderados. Com as secreções soltas nas vias aéreas há que promover a sua deslocação da periferia para a orofaringe a partir da qual podem ser deglutidas ou expelidas. Tal pode ser conseguido com técnicas de estimulação da tosse eficaz, aceleração do fluxo expiratório, drenagem postural, drenagem autogénica, etc.. Estas técnicas devem ser utilizadas na sua exigência, duração e frequência de acordo com a criança e a situação a tratar. Por outro lado, nas crianças com dificuldade respiratória ou com alterações gasométricas presentes ou latentes, todas estas técnicas deverão ser executadas com monitorização da saturação em O2 que pode ser efectuada, de forma cómoda com pulsoxímetro, ponderando a necessidade do ajuste ou introdução de suplemento de O2. Uma respiração progressivamente menos rude a caminho da normalidade, e mesmo uma subida dos valores da saturação em O2, podem ser sinais de cinesiterapia eficaz.

Melhoria da capacidade inspiratória

A inspiração é, em condições normais, a fase activa da respiração com preponderância do papel do diafragma. Excluindo as doenças neuromusculares, são raras as situações em que há um verdadeiro défice de força muscular dos músculos inspiratórios. Entre estas estão as das crianças sujeitas a longos períodos de ventilação mecânica em que poderá vir a instalar-se um verdadeiro défice por desuso. Assim, para a melhoria da capacidade respiratória, pode justificar-se a inclusão dum cuidadoso programa de fortalecimento do diafragma e dos intercostais externos através de manobras de facilitação e cargas externas manuais ou mecânicas. O que acontece na esmagadora maioria das situações é uma incoordenada utilização destes músculos, tornando-se fundamental um programa de correcção das assinergias ventilatórias. Nas doenças neuromusculares da primeira infância em que haja tendência a baixa CV (capacidade vital) pode instalar-se uma menor expansibilidade da parede torácica por defeito com síndroma restritiva. Nesta patologia os objectivos essenciais da ajuda ventilatória externa são manter a distensibilidade pulmonar e a mobilidade torácica.

Melhoria da função expiratória

A função dos músculos expiratórios (abdominais e intercostais internos) é sobretudo importante no mecanismo da tosse e no exercício físico. Para além do treino em força (por meio do uso de objectos e aparelhos de treino de sopro) deve ser procurada a eficácia no treino da tosse produtiva. Em toda as patologia em que a acumulação de secreções seja um problema, sobretudo quando a tosse é pouco eficaz, será um dos treinos a realizar. Se na fase expiratória se verificar um encerramento precoce das vias aéreas (como no enfisema ou na fase de crise da asma) será treinada a chamada expiração “filada” (com lábios semicerrados), lenta e suave, para criar uma pressão expiratória positiva activa e assim facilitar o tempo expiratório combatendo a hiperinsuflação.

Correcção das assinergias ventilatórias

Em muitas das patologias respiratórias há perturbação da sinergia dos movimentos respiratórios. Pode observar-se uma deficiente utilização do diafragma, por vezes em situação funcional prejudicada (em posição de distensão, como nos quadros de hiperinsuflação), esboçando um movimento paradoxal de ascensão na fase inspiratória. Em situações de desadequada utilização dos músculos inspiratórios acessórios, como é frequente nas crises de dificuldade respiratória, há um indevido desvio da predominância inspiratória para os andares superiores do tórax, com horizontalização dos arcos costais e anteversão dos ombros, acrescentando-se mais um factor de desvantagem ventilatória a um quadro de dificuldade. A tendência do asmático em forçar a inspiração associada ao encurtamento e ineficácia da expiração tem como resultado a distensão pulmonar com crescente deficiência ventilatória.

cinesiterapia utiliza técnicas de relaxamento, de posicionamento e de massagem para diminuir a tensão muscular, diminuindo o excessivo gasto energético associado à incoordenada utilização muscular; promove também a transferência da parte mais importante da mecânica ventilatória do andar torácico superior para o andar abdómino-diafragmático; e utiliza o treino de movimentos inspiratórios submáximos, nasais e expiratórios suaves e prolongados com deslocação do volume corrente para o volume de reserva expiratória. Em situações sequelares de doenças pleurais com retracção e assimetrias torácicas pode lançar-se mão de técnicas de correcção postural, cinesiterapia vertebral e tonificação muscular específicas. Todos estes treinos são inicialmente efectuados e aprendidos em repouso e, em fase posterior, são aplicados ao exercício e na realização das actividades de vida diária.

Oxigenoterapia

O oxigénio como meio terapêutico é também utilizado em reabilitação tal como por outras especialidades que tratam estes doentes. São diversas as patologias respiratórias que cursam com hipoxémia (insuficiência respiratória) aguda ou crónica a que se pode associar ou não a hipercápnia (insuficiência ventilatória). A baixa crónica de pressão arterial de oxigénio (PaO2) na criança está habitualmente associada a hipertensão pulmonar, a policitémia e a restrição de crescimento estaturo-ponderal. Interferindo no desenvolvimento das funções mentais superiores e na capacidade de esforço físico, limita o direito fundamental da criança a brincar, criando incapacidade e desvantagem perante os seus pares. A correcção da hipoxémia na criança é, assim, uma necessidade ainda mais premente que no adulto. Deve procurar manter-se a PaO2 entre 65 e 90 mmHg e uma saturação em O2 acima 90%. Especial atenção deve ser prestada ao período nocturno e ao esforço físico. Durante a noite, por menor eficácia do centro respiratório e prejuízo funcional do diafragma, para além do agravamento da hipoxémia pode vir a associar-se a hipercápnia o que coloca o problema na forma de administração do O2. A causa para a dessaturação arterial durante o exercício pode ser múltipla e de difícil caracterização se não for procurada durante o mesmo. Tal pode ser conseguido, nas crianças capazes de colaborar, através duma prova de avaliação cárdio-respiratória, como adiante se desenvolve. O suplemento de O2 deverá ser aumentado de forma a permitir uma maior tolerância ao esforço. No dia a dia da criança a utilização de oxigénio em meios portáteis (garrafas transportáveis) e disponibilizado através da via nasal facilita a sua actividade e melhor integração entre os seus pares.

Exercício físico

Como já foi referido, a actividade física, muitas vezes limitada na criança com doença respiratória, é um dos factores mais importantes no desenvolvimento psicomotor. A criança tem cansaço e dispneia e tem tendência para o sedentarismo quando não são os adultos a limitar-lhe a actividade. Com efeito, um programa de exercício físico correctamente aplicado melhora a capacidade de esforço, diminui o cansaço para o mesmo esforço, facilita a integração da criança no seu grupo, melhora a sua auto-estima contribuindo para o seu desenvolvimento psicomotor.

O exercício físico usado desta forma terapêutica em crianças com patologia respiratória deve ser prescrito como um “medicamento”. Pode ter contra-indicações, alguns riscos, devendo ser doseado individualmente e com precauções para cada criança no pressuposto de que muitas dos problemas clínicos respiratórios podem ser acompanhados de doença cardiovascular primária ou secundária.

Nas crianças com doença respiratória ou cardíaca que apresentem dispneia ou incapacidade de esforço, e a quem se queira indicar exercício físico duma forma adaptada e mais segura, aconselha-se a realização duma prova de esforço em unidade de avaliação cárdio-respiratória com equipamento apropriado de monitorização e pessoal treinado. Ao longo da prova de esforço são registados e vigiados os sinais vitais pulso,pressão arterial, respiração), ECG, consumo de O2, produção de CO2, QR (quociente respiratório), equivalentes ventilatórios, ventilação/minuto e taxa metabólica. A evolução da prova e a interpretação dos resultados permitem, na maior parte dos casos, identificar se a causa da limitação ao exercício é pulmonar, cardíaca, por broncospasmo, etc.. Os parâmetros registados durante a prova servirão de base para a prescrição do tipo de exercício indicado caso a caso conforme a tolerância. Esta prova pode servir igualmente para avaliar o sucesso de algumas intervenções terapêuticas, nomeadamente nos casos de transplante pulmonar ou cardíaco.

Nota final

Não há estudos comparativos sobre a eficácia da reabilitação respiratória nas crianças com doença pulmonar, o que pode estar associado à dificuldade na individualização dos diversos componentes implicados na acção terapêutica. Está provado, contudo, que a reabilitação melhora o bem-estar das crianças com esta patologia, diminui a taxa de hospitalizações e, associada a outros programas terapêuticos, prolonga a sobrevida.

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