Introdução

Neste capítulo é feita uma abordagem multidisciplinar, sucinta, de determinadas deformações do tórax, quer congénitas, quer adquiridas, as quais poderão estar ou não associadas a outras anomalias, e em muitos casos fazendo parte de diversas síndromas plurimalformativas.

Na perspectiva da actuação terapêutica, as referidas deformações foram considerados dois grupos respectivamente: do foro médico e do foro cirúrgico. É dada ênfase a este último grupo pelas especificidades do tratamento, o qual deverá ter lugar em centro especializado.

1. DEFORMAÇÕES DO FORO “MÉDICO”

Tórax assimétrico postural

Alguns lactentes, em especial com antecedentes de prematuridade, exibem nos primeiros meses de vida, tórax assimétrico, em geral associado a assimetria da cabeça.

Trata-se de crianças que permanecem durante muito tempo em decúbito, sempre na mesma posição, mais inclinadas para um lado do que para outro. A cabeça e o tórax cedem no lado comprimido (efeito de postura), achatando- se e perdendo a simetria.

Para corrigir tal situação bastará mudar de vez em quando a posição da criança no berço ou virá-la para o lado oposto durante algum tempo, para prevenir ou corrigir a deformação.

Tórax com rosário costal

Raquitismo

O ponto de união costocondral palpa-se com facilidade em muitos lactentes saudáveis nos primeiros meses de vida; no entanto, não chega a ser visível.

No raquitismo encontra-se, por vezes já no segundo trimestre, o chamado “rosário costal”, designação clássica para traduzir a tumefacção esferóide “em conta de rosário” na junção osteocartilaginosa das costelas; com efeito, à inspecção notam-se nódulos arredondados dispostos de cada lado da linha média da face anterior do tórax, desde as costelas superiores às inferiores.

FIGURA 1. Padrão radiográfico de pneumonia no contexto de raquitismo grave (“Pulmão raquitico”) (NIHDE)

A correcção desta situação consiste no tratamento do raquitismo com vitamina D e, eventualmente, suplemento de cálcio.

No âmbito do raquitismo, cabe referir, a propósito:

  • o chamado “pulmão raquítico”, quadro clínico hoje praticamente inexistente, associado às síndromas de raquitismo grave e às infecções respiratórias de repetição/pneumonias no contexto de tal afecção. A etipatogénese relaciona-se com as alterações da dinâmica respiratória associadas, quer às deformações do tórax, quer à hipotonia muscular acompanhante; as costelas, com défice de calcificação, não resistem às tracções musculares e compressões deixando-se deformar (Figura 1).
  • a cinta raquítica ou sulco de Harrison
    A tracção exercida pelo diafragma pode ocasionar, na parte inferior do tórax, um pouco acima do rebordo costal, um sulco ou depressão horizontal que se acentua durante a inspiração. Como o raquitismo se acompanha de hipotonia muscular, o abdómen, consideravelmente abaulado, impele para fora as costelas situadas abaixo das inserções diafragmáticas, assumindo, nos casos mais típicos, a forma de tórax em sino.

Escorbuto

No caso do escorbuto (situação que nos países desenvolvidos hoje pertence à história) existe também rosário costal, no entanto com etiopatogénese diferente da do raquitismo.

Com efeito, no escorbuto o esterno encontra-se deprimido, sendo precisamente o deslocamento do esterno para trás que origina subluxação das condrocostais e, consequentemente, a sua “saliência” com formato de “contas do rosário”. No entanto, as contas deste “rosário“ são angulares, em “baioneta”, contrastando com as do raquitismo, largas e achatadas ou esferóides. Recorde-se que não se observam as deformações de tipo raquítico da cabeça e tórax.

A correcção deste defeito consiste, essencialmente, na administração de vitamina C, atendendo igualmente ao tratamento de eventuais complicações do foro respiratório (ver Parte sobre Nutrição).

Tórax “em barril” ou enfisematoso

Nas situações de enfisema pulmonar crónico as costelas tornam-se horizontais e o tórax globoso, arredondado; é o exagero da disposição normal da primeira infância.

Este tipo de tórax encontra-se transitoriamente na bronquiolite aguda e nas crises de asma. Com carácter permanente é mais raro, associando-se na maioria das vezes a fibrose quística ou asma grave.

2. DEFORMAÇÕES DO FORO “CIRÚRGICO”

As deformações da parede anterior do tórax (DPAT) distribuem-se num espectro quanto à morfologia, simetria, grau de compromisso funcional e anomalias associadas. Assim há considerar: – deformações em que o esterno se projecta posteriormente ( pectus excavatum ou “tórax em funil” ) ou; – deformações em que o esterno se projecta anteriormente ( pectus carinatum ou “tórax em quilha ou de pombo”).

Há ainda deformações difíceis de classificar, como a deformidade em Pouter Pigeon e deformações várias das articulações condrocostais. As síndromas de Poland, de Jeune, e a fenda esternal associam-se a DPAT, com fisiopatologia diferente, mas não são contemplados neste capítulo.

As figuras 2 e 3 ilustram as deformações da parede torácica com que o clínico se depara mais frequentemente.

FIGURA 2. Pectus excavatum no contexto de síndroma de Poland (Atrofia do grande peitoral) (NIHDE)

FIGURA 3. Casos ilustrativos do espectro das deformações da parede anterior do tórax (documentação anatómica e imagiológica: (A) Pectus excavatum (simétrico); (B) Pectus carinatum (simétrico); (C) Deformidade de Pouter Pigeon; (D) Deformidade costocondral

Pectus excavatum

Introdução

No pectus excavatum a depressão do esterno e cartilagens costais adjacentes assume diferentes conformações proporcionando grande variabilidade na sua apresentação. Frequentemente a depressão é profunda, simétrica, bem definida e localizada, preferencialmente no terço inferior do esterno. De ocorrência menos comum é a depressão aplanada, pouco profunda, embora extensa, do esterno e cartilagens costais. Quando a estrutura torácica é assimétrica há uma predominância da depressão no lado direito.

Aspectos epidemiológicos e etiopatogénese

Trata-se da DPAT mais frequente (90%), com uma prevalência estimada de 1/ 400, cinco vezes mais comum nos rapazes; com antecedentes familiares em 25% dos casos, em 10% tal anomalia associa-se a síndroma, a anomalias axiais como escoliose, e ou a antecedentes de cirurgia torácica ou lesão traumática. Podendo ser evidente na data de nascimento, em geral só é notada durante a infância, ou mesmo na adolescência.

A etiopatogénese não está completamente esclarecida. A teoria mais aceite para explicar todo o espectro de morfologias encontradas nos pacientes com as DPAT em geral é a do sobrecrescimento da cartilagem na junção esternocostal que, ao exercer força mecânica sobre o corpo do esterno, determina uma alteração do seu posicionamento.

Manifestações clínicas

Um grande número de pacientes com pectus excavatum apresenta postura característica, com ombros arredondados e projectados para diante, com acentuação da curvatura de transição toracoabdominal devido à protusão dos arcos costais.

Embora muitos autores reportem sintomatologia relacionada com alterações da função cardíaca, pulmonar e limitação na prática de exercício físico, este não é, o quadro habitual. Em casos extremos, o conflito de espaço intratorácico poderá comprometer a expansão pulmonar, causar obstrução ao fluxo de vasos importantes e/ou desencadear arritmias pela pressão exercida sobre o coração. No entanto, o predomínio de pacientes sem qualquer repercussão sobre o sistema cardiorrespiratório torna irrelevante a avaliação por rotina da função pulmonar e cardíaca de todos os doentes.

O impacte de ordem psicológica e, consequentemente, interpessoal são óbvios, especialmente na adolescência. Os adolescentes evitam a prática de exercício físico e tentam esconder a deformidade com roupas largas ou posturas incorretas.

O pectus excavatum pode estar associado a diversas síndromas tais como síndroma de Marfan, de Pierre Robin, de Coffin Lowry, de Poland, etc..

Exames complementares

O estudo imagiológico para documentação das dimensões do tórax, avaliação de possíveis alterações secundárias da coluna vertebral e órgãos intratorácicos, e planeamento do procedimento cirúrgico é considerado essencial. A tomografia computadorizada (TC) é actualmente o exame de imagem mais utilizado, uma vez que permite uma avaliação tridimensional das deformações óssea e cartilagínea.

A caracterização e a magnitude da depressão podem ser avaliadas por vários parâmetros mensuráveis ou índices, sendo o índice de Haller o mais citado. Calcula-se dividindo a distância esternovertebral (desde a superfície posterior do esterno até à superfície anterior da coluna vertebral) pelo diâmetro transverso do tórax. Classicamente, um índice de Haller > 3,25 é considerado critério objectivo para correção cirúrgica

Numa tentativa de evitar a exposição à radiação e os seus efeitos adversos, o grupo de investigação liderado por um dos autores (JCP) desenvolveu uma metodologia de reconstrução de imagem semelhante à obtida da TC, usando ressonância magnética e/ou scanner a laser 3D, sem radiação, o que poderá substituir a TC na abordagem pré-operatória destes doentes.

Tratamento

De acordo com a experiência dos autores (JCP, et al), nas crianças e adolescentes com DPAT do tipo pectus excavatum, segue-se o algoritmo exposto na figura 4 ditando as possíveis atitudes de tratamento: conservador ou cirúrgico.

FIGURA 4. Algoritmo de orientação clínica de pacientes com Pectus excavatum

A- Tratamento conservador

O exercício físico (designadamente a prática do remo e natação) pode desempenhar papel importante na correção da postura e atenuação da deformação ao desenvolver determinados grupos musculares, especialmente nos casos de deformação ligeira.

De realçar, no entanto, que o exercício físico, por si só, não esgota as soluções de tratamento para pectus excavatum.

Abordagens inovadoras, não cirúrgicas estão em desenvolvimento e avaliação, incluindo o tratamento com vacuum bell. O tratamento com o chamado vacuum bell é uma alternativa promissora em casos seleccionados de pectus xxcavatum, desde que o tórax seja flexível, particularmente em pacientes mais jovens com deformação ligeira a moderada. Trata-se dum dispositivo com a forma de campânula que é centrado no ponto de depressão mais profunda da parede anterior do tórax, exercendo pressão negativa sobre esta / efeito ventosa. O resultado de elevação do esterno e costelas é imediato durante a aplicação do dispositivo. Deve ser aplicado 2-3 vezes por dia iniciando com 20 minutos e aumentando a duração de dia para dia, de acordo com a tolerância. A duração do tratamento está relacionada com a idade do paciente, gravidade da deformação e frequência de uso do dispositivo.

A aplicação da vaccum bell pode levar ao aparecimento de petéquias ou hematoma subcutâneo pelo que não está indicado na presença de coagulopatias ou vasculopatias.

B – Tratamento cirúrgico

A idade ideal para a realização da cirurgia é a adolescência pois, por um lado, a estrutura torácica ainda é elástica e flexível, e por outro, aproximando-se o tempo da maturidade óssea e o fim do crescimento, haverá menor probabilidade de recorrência.

Para além dum índice de Haller superior a 3,25, a opção cirúrgica deverá valorizar a vontade do doente, de acordo com a sua percepção da autoimagem e o impacte psicossocial que a deformação tem na sua vida. Por outro lado, intervenção cirúrgica implicará prévios consentimento informado dos pais e assentimento do adolescente.

Não cabendo no âmbito do livro descrição das técnicas utilizadas com protocolo de seguimento especializado, apenas serão citadas: – de Mark Ravitch, descrita em 1949 (procedimento aberto); e a – de Donald Nuss, descrita em 1998 (procedimento minimamente invasivo) através de toracoscopia e aplicação de prótese.

Pectus carinatum

Aspectos gerais

A apresentação clássica do Pectus Carinatum é a protusão do terço inferior do esterno com proeminência máxima na junção xifosternal, a qual pode ser bastante evidente. Na maioria dos casos há um estreitamento do diâmetro latero-lateral do tórax, as costelas projetam-se anteriormente com menor curvatura que o habitual, e o esterno pode estar rodado devido a diferentes taxas de crescimento costal dos dois hemitórax. Menos frequentemente, o pectus carinatum apresenta-se com protusão unilateral das cartilagens costais associada a rotação do esterno para o lado oposto.

A protusão do esterno com ou sem protusão das costelas é a segunda DPAT mais comum (10%). A predominância masculina é mais acentuada neste grupo. À semelhança do pectus excavatum, pode ocorrer de forma esporádica, mas muitos pacientes têm familiares com antecedentes de DPAT de qualquer tipo. Pode também ser parte de uma síndroma (por ex , síndroma de Marfan) ou doença do tecido conjuntivo. Constitui uma das anomalias esqueléticas da doença de Mórquio (mucopolissacaridose).

Pelas suas características, o pectus carinatum está associado, mais a sintomatologia do foro psíquico, do que a alterações fisiopatológicas relacionadas com a própria deformação. Dada a impossibilidade de disfarçarem o defeito com roupas largas, especialmente nos casos mais severos, os pacientes podem apresentar transtornos psicológicos graves.

Tratamento

O tratamento clássico começou por ser cirúrgico, geralmente uma modificação do procedimento de Ravitch, descrito anteriormente e que ainda hoje é utilizado nalguns casos de deformação acentuada. Actualmente, o tratamento de primeira linha é conservador e foi descrito por Haje e Bowen; consiste na utilização de uma ortótese que exerce pressão selectiva sobre o esterno. Há a vantagem de o procedimento não ser invasivo e não deixar cicatriz, exigindo, no entanto, grande motivação do paciente para o cumprimento do esquema terapêutico de uso diário e prolongado (até 2 anos). (Figura 6). A ortótese deve ser usada durante todo o dia, exceptuando os períodos de exercício físico. As complicações são dor local e abrasão cutânea.

BIBLIOGRAFIA

Fokin AA, Steuerwald NM, Ahrens WA, Allen KE. Anatomical, histologic, and genetic characteristics of congenital chest wall deformities. Semin Thorac Cardiovasc Surg 2009; 21:44-57

Johnson WR, Fedor D, Singhal S. Systematic review of surgical treatment techniques for adult and pediatric patients with pectus excavatum. J Cardiothorac Surg 2014; 9:25

Kelly RE Jr. Pectus excavatum: historical background, clinical picture, preoperative evaluation and criteria for operation. Semin Pediatr Surg 2008; 17:181-193

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Lopez M, Patoir A, Costes F, Varlet F, Barthelemy JC, Tiffet O. Preliminary study of efficacy of cup suction in the correction of typical pectus excavatum. J Pediatr Surg 2016; 51:183-187

Moro M, Málaga S, Madero L(eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Pessanha I, Severo M, Correia-Pinto J, Estevão-Costa J, Henriques-Coelho T. Pectus Carinatum Evaluation Questionnaire (PCEQ): a novel tool to improve the follow-up in patients treated with brace compression. Eur J Cardiothorac Surg 2016; 49:877-882

Soares TR, Henriques-Coelho T, Vilaça J, Silva AR, Carvalho JL, Correia-Pinto J. Quality of life evaluation of the patients and parents satisfaction after Nuss procedure in the management of Pectus Excavatum. Rev Port Cir Cardiotorac Vasc 2012; 19:199-202

Vilaça JL, Rodrigues PL, Soares TR, Fonseca JC, Pinho AC, Henriques-Coelho T, Correia-Pinto J. Automatic prebent customized prosthesis for pectus excavatum minimally invasive surgery correction. Surg Innov 2014 21:290-6