Homeostase da água, líquidos e electrólitos
Líquidos corporais, compartimentos e osmoles
O organismo humano necessita de água e electrólitos para manter a sua actividade metabólica.
Ao nascer, a água corresponde a cerca de 75-80% do peso corporal, diminuindo esta percentagem ao longo do primeiro ano de vida até 55% a 60%, semelhante à do adulto.
A totalidade da água corporal distribui-se principalmente por dois espaços (E) ou compartimentos: o intracelular (contendo LIC ou líquido intracelular) e o extracelular (contendo LEC distribuído pelo espaço entre as células ou interstício, e pelo espaço através do qual circula sangue ou espaço intravascular).
Ao nascer o LEC corresponde aproximadamente a 45% do peso corporal e o LIC a cerca de 35%.
O LEC diminui rapidamente a partir da data do nascimento, ao contrário do LIC que vai aumentando, o que é relacionável com o crescimento celular; atingida a idade de 1 ano, a relação entre estes dois compartimentos, semelhante à que se verifica no adulto, passa a ser a seguinte: LEC 20% a 25% do peso corporal, e LIC 30 a 40% do peso corporal.
O LEC compreende a água do plasma (cerca de 5% do peso corporal) e o líquido intersticial (cerca de 15% do peso corporal). O volume de sangue (volémia) na criança em geral, sendo o hematócrito de 40%, corresponde a cerca de 8% do peso corporal (ou 80 ml x peso corporal em kg); em termos comparativos, no recém-nascido pré-termo e/ou de peso inferior a 1500 gramas, a volémia corresponde a cerca de 10% do peso corporal.
O LEC e o LIC têm composições diferentes, sendo o respectivo volume determinado por partículas osmoticamente activas dentro de cada compartimento (aniões e catiões).
No LEC, entre os catiões predomina o sódio (Na+: cerca de 140 mEq/L), seguindo-se quantitativamente o potássio (K+: cerca de 4 mEq/L); entre os aniões predominam o cloro (Cl–: cerca de 104 mEq/L), seguindo-se o bicarbonato (HCO3–: cerca de 24 mEq/L), e as proteínas ou aniões orgânicos (Prot–: cerca de 14 mEq/L).
No plasma a soma de catiões (154 mEq/L) deve ser igual à soma de aniões (154 mEq/L) para que seja mantida a neutralidade eléctrica.
A este propósito é importante abordar sucintamente a noção de hiato iónico (aniões GAP) com implicação prática importante na interpretação de certas alterações do equilíbrio ácido-base; hiato iónico é a diferença entre o valor medido do catião Na+ e o dos aniões Cl– e HCO3–.
Hiato Iónico = Na+ – [(Cl–) + (HCO–3)]
(Normal: 4-11)
Hiato iónico é igualmente a diferença entre catiões não medidos (K+, Ca++, Mg++) e aniões não medidos (albumina, fosfato, urato, sulfato).
A situação de acidose metabólica (ver adiante) pode estar associada ou não a hiato iónico alterado, considerando valores normais os compreendidos entre 4 e 11.
No LIC entre os catiões predomina o potássio (K+, cerca de 155 mEq/L) e entre os aniões (orgânicos): o fosfato (P–: cerca de 95 mEq/L) e as proteínas (Prot–: cerca de 65 mEq/L) (Quadro 1).
QUADRO 1 – Iões e compartimentos corporais
Plasma | Plasma | Líquido intersticial | Líquido intracelular |
Catiões (mEq/L) | |||
Na+ | 140 | 138 | 9 |
K+ | 5 | 8 | 155 |
Ca++ | 5 | 8 | 4 |
Mg++ | 4 | 6 | 32 |
Aniões (mEq/L) | |||
Cl– | 100 | 119 | 5 |
HCO3– | 26 | 26 | 10 |
Proteínas | 19 | 7 | 65 |
Ác. Orgânicos | 6 | 6 | – |
HPO4= | 2 | 1 | 95 |
SO4= | 1 | 1 | 2 |
Os dois subcompartimentos do EEC (de acordo com referido atrás o componente intravascular e o espaço intersticial), estão separados pela membrana capilar; esta possui características dialíticas, permitindo a livre passagem de água e solutos, permanecendo impermeável às substâncias de elevado peso molecular (proteínas). Estas localizam-se no espaço intravascular sem passar para o interstício, fixando a água e condicionando a distribuição de líquidos de acordo com a pressão oncótica e as leis de Starling. Ou seja, o volume plasmático é mantido pela pressão oncótica exercida pelas proteínas do plasma (designadamente, albumina).
No que respeita à diferença de composição entre LEC e LIC quanto aos catiões K+ e Na+, tal é explicável pela actividade energética duma bomba ATPase que promove, respectivamente, a entrada de potássio para o espaço intracelular e a saída de sódio para o espaço extracelular. Relativamente aos restantes iões, as diferenças relacionam-se com permeabilidade ou impermeabilidade da membrana celular aos mesmos.
Ocorrem alterações do volume dos LIC e LEC como consequência do movimento de água através da membrana celular, a qual possui canalículos intramembranares (chamados aquaporinas), de modo a estabelecer o equilíbrio osmótico. Uma alteração na concentração de sódio (Na+) no sector plasmático do LEC rompe o equilíbrio osmótico entre o LIC e LEC, o que leva a movimentação de água através da membrana, para restabelecer novo equilíbrio osmótico. A osmolalidade extracelular é efectivamente determinada pela concentração de Na+ no LEC. Tal facto, por sua vez, influencia o volume do LIC, pois o volume total dos fluidos (solutos) corporais é relativamente constante.
O volume do LIC quase sempre aumenta (edema celular) quando a concentração de Na+ plasmático diminui (hiponatrémia) levando a movimento de fluido no sentido [plasma → célula] como mecanismo compensatório de normalização da natrémia; pelo contrário, o volume do LIC diminui (retracção celular) quando a concentração de Na+ plasmático aumenta (hipernatrémia) levando a movimento de fluido no sentido [célula ® plasma] como mecanismo compensatório de normalização da natrémia.
Existem diversos mecanismos que regulam a normal manutenção, quer da volémia, quer da composição dos LIC e LEC em electrólitos, quer da osmolalidade do plasma a qual deverá oscilar entre 285 e 295 mOsm/L. Tal corresponderá a densidade urinária de cerca de 1.010 ou osmolalidade urinária de 280- 310 mOsm/L (urina isotónica)*.
A chamada osmolalidade efectiva (que corresponde à força osmótica que determina o movimento de água entre o espaço EC e o espaço IC) calcula-se através da fórmula:
Osmolalidade efectiva = 2 x [Na] + [Glucose]/18
Em situações de hiperglicémia, a qual responsável por elevação da osmolalidade plasmática, ocorre movimento de água do espaço intracelular (IC) para o extracelular (EC) o que pode levar a hiponatrémia (de diluição).
A magnitude deste efeito pode ser calculada através da fórmula: [Na] corrigido = [Na] valor laboratorial + 1.6 x ([Glucose] – 100 mg/dL) / 100
O valor de [Na] corrigido constitui um achado mais representativo da verdadeira concentração de Na plasmático.
Habitualmente a diferença entre a osmolalidade medida laboratorialmente e a calculada pela fórmula atrás referida não ultrapassa 10 mOsm/L.
Os mecanismos homeostáticos que dizem respeito aos movimentos da água entre a célula e o espaço extracelular são regulados pela intervenção dum conjunto de processos integrando hormonas e outros componentes de características hormonais, os quais têm particularidades e limitações no recém-nascido (RN).
Em tais mecanismos intervêm essencialmente: o rim e o sistema renina-angiotensina, o péptido natriurético e a hormona antidiurética (HAD).
O rim e o sistema renina–angiotensina
De modo sucinto, pode afirmar-se que o rim tem a capacidade de alterar a percentagem de sódio filtrado no glomérulo em função da taxa de reabsorção tubular. Com efeito, o aparelho justaglomerular produz renina como resposta à diminuição do volume intravascular; os estímulos da secreção da renina são: diminuição da pressão de perfusão ao nível da arteríola aferente do glomérulo, diminuição do teor em sódio que atinge o túbulo distal, e a elevação do nível de agonistas beta-adrenérgicos como reacção à hipovolémia.
A renina, enzima proteolítica, produz uma clivagem da angiotensina, do que resulta o composto designado por angiotensina I que, por acção da enzima de conversão da angiotensina, se transforma em angiotensina II.
A angiotensina II tem duas acções principais: estimulação da reabsorção proximal tubular de sódio e da secreção de aldosterona pela supararrenal; esta última, por sua vez, aumenta a reabsorção de sódio ao nível do túbulo distal.
Péptido natriurético
Este péptido, produzido no miocárdio auricular sempre que se verifica distensão da cavidade auricular, tem as seguintes acções: aumento da taxa de filtração glomerular, inibição da reabsorção tubular de sódio, o que tem como consequência facilitar o aumento da excreção urinária de sódio.
Hormona antidiurética (HAD)
A secreção da HAD aumenta como reacção à osmolalidade plasmática elevada; a consequência é maior reabsorção tubular de água e diminuição do débito urinário. Em situações de diminuição acentuada da volémia verifica-se estimulação da HAD e da sede independentemente da osmolalidade plasmática.
Relativamente à manutenção da volémia, considerando que o sódio constitui o principal catião extracelular, praticamente confinado a este compartimento (LEC), pode inferir-se que, para a manutenção da volémia, se torna absolutamente necessário o suprimento em sódio dentro de determinados limites.
Perdas e necessidades de fluidos
(Manutenção)
Na perspectiva da administração de água e electrólitos (fluidoterapia) e da garantia de manutenção das condições fisiológicas (homeostase), torna-se fundamental conhecer as respectivas necessidades e perdas (habituais ou fisiológicas) e anormais. É igualmente importante reter as seguintes noções:
- O movimento e renovação (turnover) de água no organismo (entrada/suprimento e saídas/perdas) são, relativamente ao peso, tanto maiores e mais rápidos quando menor a idade a velocidade do crescimento; deduz-se que esta particularidade cria maior vulnerabilidade e maior probabilidade de desequilíbrio em crianças mais pequenas;
- A água é fundamental para o crescimento;
- Como resultado dos processos metabólicos produz-se água endógena;
- Ao falar-se em necessidades em fluidos em termos gerais a noção de fluido (ou líquido) engloba igualmente os lípidos; de facto, se falarmos em necessidades hídricas (em água) os lípidos, que são anidros, ficam excluídos, tendo, no entanto, impacte na volémia e hemodinâmica; este aspecto é importante em nutrição parentérica.
Perdas
As perdas habituais ou fisiológicas verificam-se principalmente através da pele e aparelho respiratório (perdas de água sem electrólitos por evaporação ou perdas insensíveis), urina (perdas urinárias) e fezes (perdas fecais).
Em circunstâncias anómalas, para além destas perdas, há ainda que contar: com as chamadas perdas para o terceiro espaço (desvio de líquidos do espaço intravascular para o espaço intersticial); e com as perdas através de tubos de drenagem (por exemplo, torácicos, abdominais).
Saliente-se que as perdas através da sudação não são consideradas perdas insensíveis: as perdas de água por evaporação não contêm electrólitos enquanto as perdas por sudação contêm água e electólitos.
Sistematizando, apontam-se os seguintes valores:
Perdas insensíveis
- 30 ml/kg/dia no lactente (valores superiores no recém-nascido, sobretudo se de muito baixo peso (inferior a 1500 gramas).
- 12 ml/kg/dia na criança maior.
Como regra prática em função do contexto clínico: 0,5 a 1 ml/kg/hora.
Situações como temperatura ambiente elevada. (incremento de 12% por cada grau acima de 38ºC), taquipneia, traqueostomia, febre, fototerapia, etc. aumentam as perdas insensíveis; outras, como ambiente em incubadora com humidade relativa aumentada, diminuem tais perdas. Refira-se que as queimaduras aumentam as perdas, não só de água, mas de electrólitos.
QUADRO 2 – Composição aproximada de fluidos orgânicos em electrólitos
Proveniência | Na+ mEq/L | K+ mEq/L | Cl– mEq/L | |
Suco gástrico | 20-80 | 5-20 | 100-150 | |
Suco pancreático | 120-140 | 5-15 | 90-120 | |
Intestino delgado | 100-140 | 5-15 | 90-130 | |
Bílis | 120-140 | 5-15 | 80-120 | |
Fezes de diarreia | 10-90 | 10-80 | 10-110 | |
Suor | Normal | 10-30 | 3-10 | 10-35 |
Fibrose quística | 50-130 | 5-25 | 50-110 |
Perdas urinárias
- 2 ml//kg/hora (1 a 3 ml/kg/hora); cerca do 1 ano de idade: 400-500 ml/dia).
Perdas fecais
- 5 ml/kg/dia.
Em situações de diarreia tais perdas de água e de electrólitos aumentam significativamente.
As perdas para o chamado “terceiro espaço” são difíceis de quantificar. Manifestam-se por edema e/ou ascite, podendo o clínico confrontar-se com uma situação especial: sinais de hipovolémia e aumento do peso explicado pelo edema.
O Quadro 2 discrimina o conteúdo em electrólitos de vários líquidos orgânicos, a considerar em caso de perdas anormais.
Líquidos de manutenção
Tendo em consideração as perdas atrás referidas (perdas ordinárias), em condições de normalidade– criança apirética, em estado de normovolémia, sem que seja necessária compensação renal atrás descrita, produzindo urina isotónica (densidade ~1.010), as mesmas deverão ser compensadas (para que não se gere desequilíbrio) através do suprimento de líquidos e electrólitos (líquidos de manutenção).
Para melhor compreensão do problema da fluidoterapia a realizar nos casos de desequilíbrio (desidratação ou outros problemas), opta-se por considerar a modalidade de manutenção de líquidos por via endovenosa.
Para o cálculo do volume de líquidos de manutenção há que atender também ao consumo energético no pressuposto de que existe uma fonte endógena de água – a água resultante dos processos de oxidação celular) (ver parte Nutrição).
Na prática, para atingir o referido equilíbrio, utiliza-se habitualmente a tabela de correspondência de Holiday e Segar em termos de necessidades em volume de líquidos de manutenção na base de 100 mL de água exógena por cada 100 kcal de energia despendida. O objectivo principal é manter a normovolémia. (Quadro 3)
Por exemplo, no caso de uma criança que pese 14 kg, o cálculo será: 1000 mL para os primeiros 10 kg+ 50 mL/kg para os restantes 4 kg, ou seja, 200 mL. O total será, pois, 1200 mL para um dispêndio energético de 1200 kcal/dia.
Composição em electrólitos
Com base em estudos empíricos, as necessidades em electrólitos a veicular em função do volume de líquidos atrás definido são assim estabelecidas:
Por cada 100 mL de líquido administrado/por 100 kcal despendidas:
- Na: 2 a 4 mEq (em média, 3 mEq)
- Cl: 2 a 4 mEq
- K: 2 mEq
QUADRO 3 – Necessidades em volume de líquidos de manutenção
Peso (kg) | Kcal ou mL/kg/dia | mL/kg/hora |
(100 mL/100 kcal despendidas) | ||
1-10 | 100 | ~ 4 |
11-20 | 1000 + 50x (Peso Kg-10) | 40 + 2x (Peso Kg-10) |
21-80 | 1500 + 20x (Peso Kg-20) | 60 + 1x (Peso Kg-20) |
À água que serve de veículo acrescenta-se 5 gramas de dextrose por cada 100 mL (dextrose a 5%), o que permite suprimento calórico suficiente para impedir o catabolismo proteico e a cetose. Em situações especiais utiliza-se a 10%.
Em suma, o modelo recomendado de solução a administrar por via endovenosa para a manutenção contém: quer Cl, quer Na → 20 a 40 mEq/L (média 30 mEq/L); K → 20 mEq/L; dextrose → 50 gramas/L.
Na prática, trata-se dum soluto de “soro” fisiológico diluído a 1/5 (SF a 1/5) acrescentado de 20 mEq/L de cloreto de potássio (KCl).
Uma vez que o Cl é também veiculado pelo “soro”, ou melhor, soluto fisiológico (NaCl a 9/1000 ou SF-isotónico), o conteúdo de Cl excede, de facto, as necessidades; na prática, tal excesso face aos cálculos efectuados é irrelevante, sem qualquer implicação.
O Quadro 4 resume vários tipos de solutos que poderão ser utilizados em fluidoterapia endovenosa.
A obtenção de “soros” a 1/2, 1/3, etc., pode alcançar-se por simples mistura “soro” salino fisiológico a “soro” glicosado ou dextrosado a 5 ou a 10%. Por ser mais prático, utilizamos o soluto de cloreto de sódio a 20%, que adicionamos nas quantidades referidas ao soro glicosado. Assim:
- Para obter soro a 1/2: adicionar a um litro de dextrose a 5% (ou 10%) 22 ml de soluto de cloreto de sódio a 20%;
- Para obter soro a 1/3: adicionar a um litro de dextrose a 5% (ou 10%) 15 ml de soluto de cloreto de sódio a 20%;
- Para obter soro a 1/5: adicionar a um litro de dextrose a 5% (ou 10%) 9 ml de soluto de cloreto de sódio a 20%.
QUADRO 4 – Composição de solutos utilizados em fluidoterapia endovenosa
Electrólitos e lactato em mEq/L; Osmolaridade em mOsm/L | ||||||
Na+ | Cl– | K+ | Ca++ | Lactato | Osmolaridade | |
SF | 154 | 154 | – | – | – | 308 |
SF a 1/2 | 77 | 77 | – | – | – | 154 |
SF a 1/5 | 34 | 34 | – | – | – | ~60 |
Lactato de Ringer | 130 | 109 | 4 | 3 | 28 | 271 |
Equilíbrio Ácido – Base
Fisiopatologia (noções fundamentais)
Tendo em conta o papel importante do pulmão e do rim na regulação do equilíbrio ácido-base, é importante recordar:
- O conceito básico de pH: número que exprime o logaritmo do inverso da concentração hidrogeniónica em hidrogeniões – grama/litro. (pH= log 1/[H+])
- O conceito de reacção de equilíbrio (anidrase carbónica) CO2 + H2O → H2CO3 → H+ + HCO3–
(A maior parte do CO2 é transportado pelo sangue sob a forma de HCO3–, havendo apenas uma pequena porção de CO2 livre dissolvido no plasma) - A equação do Henderson – Hasselbalch: pH = pH + log [H CO–3]/[PCO2]O pH do sangue depende, em cada momento, da quantidade de base (HCO–3) e de CO2 livre
- As funções do túbulo renal
- Proximal
Reabsorção passiva da maior parte da água filtrada, do sódio, do potássio e do bicarbonato - Distal
Reabsorção activa do sódio
Concentração da urina
Excreção de [iões H+] e acidificação da urina
- Proximal
O pulmão, eliminando através da respiração o CO2, impede a acumulação de CO2 produzido pelo metabolismo normal do organismo.
Assim, a hiperventilação promove a eliminação de CO2, assim como a hipoventilação contribui para diminuir a eliminação de CO2 aumentando a sua acumulação no organismo.
Enquanto o pulmão regula o CO2, o rim regula a concentração de bicarbonato sérico por um processo em que simultaneamente, por um lado, os túbulos renais reabsorvem o bicarbonato que é filtrado no glomérulo e, por outro, os túbulos excretam hidrogeniões.
Por sua vez, a excreção urinária de hidrogeniões gera bicarbonato que vai neutralizar a produção de ácido endógeno.
Assim, o aumento de CO2 (acidose respiratória) conduz ao aumento da reabsorção tubular proximal de bicarbonato, enquanto a redução de CO2 (alcalose respiratória) diminui a reabsorção tubular proximal de bicarbonato.
Por outro lado, a perda excessiva de bicarbonatos pelas fezes em caso de diarreia pode condicionar acidose metabólica, secundariamente compensada por uma eliminação de CO2 (acidose metabólica compensada respiratoriamente). Neste caso a redução do pH sérico aumenta a frequência respiratória causando descida de CO2, condicionando, por outro lado, subida compensadora de pH sérico.
A subida de CO2 pode, assim, ser devida a uma alcalose respiratória primária, ou secundária a compensação respiratória por acidose metabólica. Por sua vez, a compensação respiratória de uma alcalose metabólica primária traduz-se pela retenção respiratória de CO2.
Num processo respiratório primário há uma compensação renal; com efeito, se se verificar acidose respiratória (hipoventilação), o rim aumenta a produção de bicarbonatos, enquanto numa situação de alcalose respiratória (hiperventilação), por ansiedade ou crise asmática ligeira, o rim excreta maior quantidade de bicarbonatos, reduzindo a concentração sérica de bicarbonatos durante cerca de 72 a 96 horas.
Comparativamente, cabe referir que a compensação respiratória de processos metabólicos decorre em tempo mais curto: 12 a 20 horas.
Na maior parte das situações surgem alterações de tipo misto; são exemplos a criança com displasia broncopulmonar, em que podem coexistir acidose respiratória (pela patologia pulmonar crónica) e alcalose metabólica iatrogénica secundária à utilização de furosemido (por falência cardíaca direita).
Outro exemplo é o da sépsis, situação emergente, em que podem coexistir acidemia e acidose metabólica grave por acidose láctica devido a hipoperfusão, bem como, acidose respiratória por falência respiratória.
Define-se acidose metabólica como diminuição do pH sérico (<7.35) secundária a um aumento de hidrogeniões.
Define-se alcalose metabólica como elevação do pH sérico (>7.42) secundária a excesso de bases.
Os termos acidémia e alcalémia referem-se a anomalia bioquímica do pH em contraposição, respectivamente, a acidose e alcalose que traduzem o processo fisiopatológico subjacente. Por exemplo: a acidémia é sempre acompanhada de acidose; contudo, determinado doente pode apresentar acidose com pH normal se se tiver processado a compensação respiratória.
Valores de referência no sangue (equilíbrio ácido-base, PCO2 e PO2)
São descritos seguidamente os valores dos parâmetros classicamente considerados:
- Défice de base:
RN: (-10) a (-2) mmol/L
Lactente: (-7) a (-1) mmol/L
Criança/adolescente: (-4) a (+3) mmol/L - Bicarbonato:
21 a 28 mmol/L (sangue arterial)
22 a 29 mmol/L (sangue venoso) - PCO2: 32 a 48 mmHg
- PaO2 (sangue arterial):
RN (1 hora – 1 dia): 55 a 95 mmHg
Após período neonatal: 80 a 108 mmHg - pH: 7.34 a 7.46
Conceitos fundamentais:
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