Importância do problema

A hipertensão arterial sistémica (HTA) na população pediátrica é actualmente um problema clínico com implicações muito relevantes em termos de morbilidade e mortalidade.

Constituindo uma das doenças mais prevalentes a nível nacional em adultos, na idade pediátrica é causa major de mortalidade e morbilidade, envolvendo riscos vários a longo prazo se não tratada.

Em décadas anteriores, a verificação hipertensão arterial (HTA) na idade pediátrica era quase exclusivamente considerada secundária, isto é, decorrente de patologia de base, renal, cardiovascular ou endócrina. No entanto, estudos epidemiológicos recentes em várias regiões do globo, demonstraram que: – a chamada HTA designada por “essencial” ou primária é mais frequente que a secundária atingindo cerca de 2% da população pediátrica e; – a sua prevalência tem aumentado paralelamente à da obesidade, designadamente na pré-adolescência e adolescência.

Dados estatísticos da Academia Americana de Pediatria apontam para proporções de HTA sistémica secundária de 1% em crianças e jovens, e de 2,5% de HTA primária essencial em pré-adolescentes e adolescentes. 

A detecção e diagnóstico do problema em análise dependem duma correcta definição dos critérios de normalidade na idade pediátrica – caracterizada pelo crescimento e desenvolvimento – no pressuposto de que a pressão arterial aumenta com a idade (exemplificando tão somente com o período entre os 5 anos e o início da puberdade, importa referir que a pressão arterial sistólica aumenta a um ritmo de 1-2 mmHg/ano e a pressão arterial diastólica a um ritmo de 0,5-1 mmHg/ano).

Nesta perspectiva, tendo em consideração as particularidades anatomofisiológicas da população pediátrica, em 1987 foram publicadas as primeiras tabelas de percentis para a pressão sistólica e pressão diastólica específicas para a idade, aferidas para o peso e altura, tendo em consideração a superfície corporal, em ambos os sexos.

A referidas tabelas basearam-se em dados obtidos de 11 rastreios internacionais em que foram avaliados mais de 83.000 crianças (primeira e segunda infância) distribuídas igualmente por ambos os géneros. Estes dados, revistos em 1996 e 2004 e incorporando os dados dos gráficos de percentis do crescimento, permitiram estabelecer os limiares para definição de hipertensão arterial, concretamente, com base nos percentis acima do 90 para a idade, género e altura da criança.

Definição

pressão arterial normal é definida pela verificação de valores de pressão sistólica e diastólica inferiores aos do percentil 90 para a idade, género e estatura.

Considera-se hipertensão arterial (HTA) a situação clínica acompanhada de valores de pressão arterial sistólica ou diastólica correspondendo ao percentil 95 ou percentil >95 para a idade, o género e a altura em 3 ocasiões diferentes.

A chamada HTA limite ou pré-hipertensão corresponde às situações em que os valores da pressão arterial sistólica ou distólica correspondem aos do intervalo entre os percentis 90 e 95 para a idade, género e altura, ou para valores superiores a 120/80 mmHg em qualquer adolescente, mesmo que estes valores estejam abaixo do percentil 90 (exemplo no Quadro 1).

De notar que a Sociedade Europeia de Hipertensão considera obrigatório que o diagnóstico de HTA se baseie em medição obtida em consulta e em confirmação através do registo ambulatório da PA em 24 horas.

QUADRO 1 – Percentil 95 da pressão arterial considerando os percentis 50 e 75 de altura em crianças e adolescentes

(Task Force/AHA, EUA, 2014)

Idade (anos)

Percentil 95 da PA (mmHg)
sexo feminino
Percentil 95 da PA (mmHg)
sexo masculino
 Percentil 50 de alturaPercentil 75 de alturaPercentil 50 de alturaPercentil 75 de altura
1104/58105/59103/56104/58
6111/74113/74114/74115/75
12123/80124/81123/81125/82
17129/84130/85136/87138/87

As condições técnicas e os critérios para medição correcta, incluindo os relacionados com a medição da PA abaixo dos 3 anos constam dos Quadros 2 e 3. A distribuição dos valores de referência quanto a percentis da pressão arterial segundo idade, género  e percentis da altura constam dos quadros  4, 5, 6 e 7. 

QUADRO 2 – Indicações de medição da pressão arterial em crianças com idade <3 anos

· Antecedentes de prematuridade, muito baixo peso de nascimento ou outra complicação neonatal requerendo cuidados intensivos
· Cardiopatia congénita (corrigida ou não)
· Infecções urinárias de repetição, hematúria ou proteinúria
· Doença renal ou urológica conhecida
· Antecedentes familiares de doença renal congénita
· Transplantação de órgão sólido
· Transplantação medular
· Terapêutica com fármacos que podem elevar a PA
· Doenças sistémicas associadas a HTA (neurofibromatose, esclerose tuberosa, etc.)
· Hipertensão intracraniana

QUADRO 3 – Dimensões recomendadas das braçadeiras para medir pressão arterial

*Medido de forma que a braçadeira circunde pelo menos 80% da área do braço onde se aplica.

IdadeLargura (cm)Comprimento (cm)Circunferência máxima
do braço (cm) *
Recém-nascido4810
Lactente61215
Criança91822
Adulto pequeno102426
Adulto133034
Adulto grande164252
Coxa204252

QUADRO 4 – Valores de pressão arterial sistólica por percentis de estatura (raparigas 1 a 17 anos)

Idade
(anos)
Percentil
Pressão arterial*
Pressão arterial sistólica / percentil estatura mmHg**
5%10%25%50%75%90%95%

* Percentil de pressão arterial determinada por uma única leitura

** Percentil de estatura determinado nas curvas-padrão de crescimento

(Adaptado da DGS com autorização, 2007)


Nota importante
: em clínica pediátrica é necessário dispor de braçadeiras/garrotes de diversas larguras a aplicar no braço em função da idade: – Lactentes: 2,5 cm; 1 – 4 anos: 5,6 cm; 5 – 8 anos: 9 cm; >8 anos: 12 cm.
No que respeita ao comprimento da braçadeira, o mesmo deverá ser suficiente para envolver completamente o braço. Se a pressão arterial for determinada no membro inferior (coxa), pode utilizar-se a mesma braçadeira com o respectivo bordo inferior a 3-5 cm do cavado popliteu.

190979899100102103104
 95101102103104105107107
2909999100102103104105
 95102103104105107108109
390100100102103104105106
  95104104105107108109110
4 90101102103104106107108
 95105106107108109111111
590103103104106107108109
 95107107108110111112113
6 90104105106107109110111
 95108109110111112114114
790106107108109110112112
 95110110112113114115116
890108109110111112113114
 95112112113115116117118
990110110112113114115116
 95114114115117118119120
1090112112114115116117118
  95116116117119120121122
1190114114116117118119120
 95118118119121122123124
1290116116118119120121122
 95120120121123124125126
1390118118119121122123124
 95121122123125126127128
1490119120121122124125126
95123124125126128129130
1590121121122124125126127
 95124125126128129130131
1690122122123125126127128
 95125126127128130131132
1790122123124125126128128
 95126126127129130131132

QUADRO 5 – Valores de pressão arterial diastólica por percentis de estatura (raparigas 1 a 17 anos)

*Percentil de pressão arterial determinada por uma única leitura
** Percentil de estatura determinado nas curvas-padrão de crescimento
(Adaptado da DGS com autorização, 2007)

Idade
(anos)
Percentil
Pressão arterial*
Pressão arterial diastólica / percentil estatura mmHg**
5%10%25%50%75%90%95%
19053535354555656
9557575758596060
29057575858596061
9561616262636465
39061616162636364
9565656566676768
49063636465656667
9567676869697071
59065666667686869
9569707071727273
69067676869697071
9571717273737475
79069696970717272
9573737374757676
89070707171727374
9574747575767778
99071727273747475
9575767677787879
109073737374757676
9577777778798080
119074747575767777
9578787979808181
129075757676777878
9579798080818278
139076767778787980
9580808182828384
149077777879798081
9581818283838485
159078787979808182
9582828383848586
169079797980818282
9583838384858686
179079797980818282
9583838384858686

QUADRO 6 – Valores de pressão arterial sistólica por percentis de estatura (rapazes 1 a 17 anos)

* Percentil de pressão arterial determinada por uma única leitura
** Percentil de estatura determinado nas curvas-padrão de crescimento
(Adaptado da DGS com autorização, 2007)

Idade
(anos)
Percentil
Pressão arterial*
Pressão arterial sistólica / percentil estatura mmHg**
5%10%25%50%75%90%95%
19094959798100102102
959899101102104106106
2909899100102104105106
95101102104106108109110
390100101103105107108109
95104105107109111112113
490102103105107109110111
95106107109111113114115
590104105106108110112112
95108109110112114115116
690105106108110111113114
95109110112114115117117
790106107109111113114115
95110111113115116118119
890107108110112114115116
95111112114116118119120
990109110112113115117117
95113114116117119121121
1090110112113115117118119
95114115117119121122123
1190112113115117119120121
95116117119121123124125
1290115116117119121123123
95119120121123125126127
1390117118120122124125126
95121122124126128129130
1490120121123125126128128
95124125127128130132132
1590123124125127129131131
95127128129131133134135
1690126126128130132133134
95129130132134136137138
1790128129131133134136136
95132133135136138140140

QUADRO 7 – Valores de pressão arterial diastólica por percentis de estatura (rapazes 1 a 17 anos)

Idade
(anos)
Percentil
Pressão arterial*
Pressão arterial sistólica / percentil estatura mmHg**
5%10%25%50%75%90%95%

* Percentil de presão arterial determinada por uma única leitura
** Percentil de estatura determinado nas curvas-padrão de crescimento
(Adaptado da DGS com autorização, 2007)

19050515253545455
9555555657585959
29055555657585959
9559596061626363
39059596061626363
9563636465666767
49062626364656666
9566676768697071
59065656667686969
9569707071727374
69067686970707172
9572727374757676
79069707172727374
9574747576777878
89071717273747575
9575767677787980
99072737374757677
9576777879808081
109073747475767778
9577787980808182
119074747576777878
9578797980818283
129075757677787879
9579798081828383
139075767677787980
9579808182838384
149076767778798080
9580818182838485
159077777879808181
9581828383848586
169079798081828283
9583838485868787
179081818283848585
9585858687888989

Actualmente a hipertensão arterial é classificada em 3 graus ou estádios: pré-hipertensão: se os valores da pressão arterial (PA) estiverem entre os do percentil 90 e os do 95; estádio I: se valores PA superiores aos do percentil 95 mas inferiores ou iguais aos do 99; e estádio II se os valores de PA forem superiores aos do percentil 99, adicionados de 5 mmHg.

Em caso de discrepâncias quanto à classificação deve considerar-se sempre o grau mais elevado.

Aspectos epidemiológicos

A hipertensão arterial (HTA) constitui um factor de risco independente e importante para doença crónica do adulto, em especial para a DCV e para a doença vascular cerebral. Com efeito, a elevação de apenas 5 mmHg na pressão diastólica resulta, respectivamente, em aumento de risco de DCV da ordem de 20%, e de 35% para a doença vascular cerebral. Por sua vez, a HTA constitui ainda um factor de risco para doença renal terminal na idade adulta.

Relativamente a dados epidemiológicos relacionados com este problema, cabe dizer que afecta mais de 60 milhões de de pessoas nos EUA e cerca de 1 milhão em Portugal.

Como a HTA essencial na criança e adolescente é habitualmente assintomática uma vez que os níveis tensionais se encontram apenas moderadamente elevados embora acima do percentil 95 para o grupo etário, o seu reconhecimento só é feito se a medição da pressão arterial passar a constituir um procedimento de rotina no âmbito do exame clínico de rotina ou exame de saúde.

Num estudo recente que avaliou os critérios simplificados de pré-hipertensão e de hipertensão contra os critérios aferidos para o percentil de altura definidos em 2004, em 1225 adultos do Bogalusa Heart Study (seguimento de 27,1 anos desde a infância), os investigadores verificaram que ambos os critérios permitiam igualmente avaliar o risco de ocorrência de hipertensão e de DCV subclínica em idade adulta.

Nas crianças com hipertensão verificou-se ainda aumento da velocidade da onda de pulso (uma medida da rigidez arterial), espessamento aumentado da íntima-média das carótidas, e hipertrofia ventricular esquerda.

As incidências da hipertensão arterial variam entre países, entre regiões de cada país, o que reflecte diferenças genéticas e ambientais.

Embora o peso e a altura influenciem a PA, estas relações não se tornam evidentes em antes da idade escolar; explica-se assim que os primeiros valores de percentis publicados em 1987 não tivessem reflectido tal influência.

Vários investigadores encontraram correlação entre valores de PA obtidos nos pais e nos respectivos filhos. Este aspecto familiar da PA, tal como da obesidade, é detectável desde cedo na idade pediátrica.

É importante acentuar que a HTA não reconhecida em idade pediátrica e, consequentemente não tratada, manifesta tendência para se manter durante a idade adulta; ou seja, a noção de estabilidade, ou tendência para a manutenção (tracking) aplicada às dislipoproteinémias em idade pediátrica aplica-se também a este problema clínico.

Etiopatogénese

Admite-se hoje que a HTA essencial, doença poligénica, tem a sua origem na infância, sendo a sua etiopatogénese relacionada com factores hereditários, estresse, suprimento em sal e obesidade.

A PA é determinada pelo equilíbrio entre o débito cardíaco e a resistência vascular periférica. Um aumento de qualquer uma destas variáveis sem que ocorram descidas compensatórias na outra, causa um aumento da PA média.

O débito cardíaco pode ser afectado pelos seguintes factores: barorreceptores, volume extracelular, débito cardíaco efectivo (hormonas natriuréticas, mineralocorticóides, angiotensina) e síndroma simpática. A resistência vascular periférica é influenciada por agentes vasopressores: angiotensina II, cálcio intracelular, catecolaminas, sistema nervoso simpático e vasopressina; e por agentes vasodepressores: hormona natriurética, factores de relaxamento endotelial, citocinas, prostaglandina E2 e I2.

Alguns destes factores são ainda afectados por alterações da homeostase electrolítica, em particular do sódio, cálcio e potássio.

O sistema renina-angiotensina tem um papel fundamental na regulação da pressão arterial e na homeostase do sódio, salientando-se que os genes que fazem parte da cascata enzimática do referido sistema são genes candidatos para a HTA essencial e para algumas manifestações clínicas associadas. Cita-se, a propósito, a relação entre HTA sensível ao sódio e o polimorfismo do gene da enzima conversora da angiotensina (ECA), admitindo-se associação entre os genótipos II ou DI e maior prevalência de sensibilidade ao sal. A HTA sensível ao sal também pode estar associada a valores baixos da renina.

A obesidade é reconhecida como um dos mais importantes e independentes factores de risco para HTA em crianças a partir dos 5 anos, e com maior relevância a partir da adolescência. O efeito da obesidade é condicionado pelo hiperinsulinismo que se verifica em crianças obesas, o qual determina aumento da reabsorção do sódio e do tono simpático.

Outro factor de ordem ambiental implicado diz respeito à ingestão de sal na alimentação; de referir, a propósito, alguns estudos de intervenção alimentar: a restrição de sal durante os primeiros 6 meses promove a descida dos valores de pressão sistólica.

O potássio também actua na regulação da PA através da indução da natriurese e da acção sobre a renina, suprimindo a sua produção e libertação.

Dados preliminares também constituem argumento para uma correlação inversa entre suprimento de cálcio no regime alimentar e pressão arterial: tal suprimento, conduzindo a maior teor em cálcio intracelular, tem influência na diminuição do tono vascular e na resistência arteriolar.

Outro aspecto – abordado no capítulo anterior diz respeito à relação entre baixo peso de nascimento e HTA na vida adulta.

Orientação diagnóstica

A avaliação diagnóstica em doentes com HTA deve ser orientada prioritariamente pela história clínica (anamnese e exame físico); realizada a história clínica, e em função dos dados colhidos no seu conjunto, poderá estar indicada a realização fundamentada e metódica de exames complementares, dos mais simples para os mais complexos, reservando-se para a fase final os exames invasivos.

A idade de início da HTA pode orientar para os respectivos factores etiopatogénicos mais frequentes. (ver Capítulo sobre HTA e doença renal na Parte sobre Nefro-Urologia).

Um achado anómalo evidenciado pelo hemograma poderá relacionar uma eventual anemia com doença renal crónica. Resultados anómalos de exames de bioquímica do soro (por exemplo valores de creatinina e ureia) poderão indicar igualmente a presença de doença renal.

Hipocaliémia na ausência de terapêutica com diuréticos poderá estar associada a hiperaldosteronismo, o que implicará confirmação por estudo hormonal respectivo.

Poderão ainda ser avaliados outros estudos como o doseamento da renina: a elevação do seu teor poderá indicar doença renovascular ou coarctação da aorta; a sua diminuição poderá indicar excesso de mineralocorticóides ou síndroma de Liddle.

Os doseamentos de catecolaminas (adrenalina, noradrenalina ou dopamina) podem ser relevantes para o diagnóstico de feocromocitoma.

Poderá ainda ser importante a realização de urocultura e o doseamento de sódio na urina: a primeira para avaliar processo de eventual infecção crónica, e a segunda para avaliar os níveis de ingestão de sódio.

Recomenda-se ainda em crianças obesas a análise do lipidograma e a prova de tolerância à glucose para avaliar a presença de síndroma metabólica.

Em casos seleccionados os doseamentos de drogas (sérico, urinário ou noutros produtos biológicos) poderão ser importante para excluir tais substâncias como causa de HTA.

Uma avaliação cardíaca em doentes com HTA é essencial para excluir cardiopatia e para avaliar as repercussões cardíacas da PA elevada.

A ecocardiografia permite avaliar a função e as dimensões ventriculares esquerdas e excluir a presença de obstrução a nível da aorta.

A ecografia abdominal pode ser importante para a exclusão de alterações estruturais renais e para a avaliação do fluxo das artérias renais por Döppler, bem como a identificação de eventuais massas anormais.

A monitorização ambulatória da pressão arterial (MAPA) permite pormenorizar o registo da evolução e das alterações da PA em função da actividade fisiológica e dos estímulos ambientais durante o sono. De salientar que este exame é útil para a avaliação inicial da HTA, a estratificação de risco e a avaliação da resposta ao tratamento.

Outros exames para identificação de lesões de órgão alvo decorrentes da HTA incluem a realização de fundoscopia que apenas raramente e em casos de HTA grave não controlada evidenciará anomalias.

O cateterismo e angiografia reservam-se para os casos com indicação para terapêutica percutânea como é o caso da coarctação da aorta e da estenose da artéria renal.

Exames de imagem como a RM e a angio-TC podem ser relevantes para melhor definição de lesões específicas, quer a nível renal, quer vascular, não sendo no entanto exames fundamentais para o diagnóstico da HTA.

Por fim, haverá que ponderar em casos específicos um exame polissonográfico para diagnóstico de apneia do sono no contexto de HTA.

O algoritmo que integra a Figura 1 sintetiza os principais aspectos do exame clínico e dos exames fundamentados orientando no sentido do diagnóstico etiopatogénico da HTA.

FIGURA 1 – Algoritmo sobre a orientação diagnóstica e a actuação prática em caso de HTA (Adaptado de Algoritmos em Pediatria, Afonso AC, Lisboa: Lidel, 2015)

Actuação

O Programa –Tipo de Actuação em Saúde Infantil e Juvenil da Direcção Geral da Saúde e a Academia Americana de Pediatria recomendam a medição da pressão arterial a partir dos 3 anos. Tal medição deverá ser levada a cabo com técnica e equipamentos adequados, tendo em conta, nomeadamente, a aferição dos aparelhos e a largura da braçadeira, esta última devendo ser adaptada para cada idade.

Em complemento do que é referido no Capítulo sobre HTA e doença renal na parte sobre Nefro-Urologia cuja consulta se sugere, acentuam-se os seguintes pontos que fazem parte da actuação preventiva:

  • Restrição de sal no regime alimentar (3-5 gramas /dia; ~1,4 gramas/100 gramas de pão);
  • Prevenir e combater a obesidade;
  • Estimular o consumo de alimentos ricos em potássio;
  • Promover a actividade física;
  • Prevenir o baixo peso de nascimento.

O tratamento da HTA deve ser dirigido à causa da mesma. Torna-se por isso essencial excluir as causas tratáveis de HTA, em particular a coarctação da aorta a qual pode ocorrer numa criança de forma assintomática.

A redução do peso deverá ser o objectivo em todas as crianças obesas com HTA, independentemente da sua etiologia. O exercício aeróbico e isotónico exercem um benefício directo nos valores da PA, assim como ajudam a reduzir o peso e a manter o peso ideal. Apenas as crianças e adolescentes com HTA não controlada e anomalias cardíacas devem ter restrição para a prática dos esforços físicos.

A apneia do sono, situação por vezes subdiagnosticada em idade pediátrica, pode levar a hipertensão secundária ao alterar o padrão de sono e, desta forma, o equilíbrio hormonal. Nestas circunstâncias, a perda de peso, a adenoidectomia e amigdalectomia ou o uso de ventilação com pressão positiva contínua podem melhorar a qualidade do sono e a PA.

Tratamento farmacológico

A terapêutica farmacológica da HTA crónica pode ser efectuada com diversas categorias de fármacos, devendo como sempre a selecção basear-se, como sempre, no balanço entre o modo de acção e os potenciais efeitos secundários. A terapêutica só deve ser iniciada depois de um diagnóstico confirmado de HTA. (ver Capítulo sobre HTA e doença renal- Parte sobre Nefro-Urologia).

A Associação Americana recomenda a utilização de:

  • IECA ou ARA apenas em crianças com diabetes e microalbuminúria ou doença renal com proteinúria; e
  • Beta-bloqueantes ou bloqueantes dos canais de cálcio em crianças com HTA e enxaqueca.

Deve iniciar-se o tratamento com uma dose baixa de apenas um fármaco; tal dose pode ser aumentada em caso de insucesso.

Os casos de HTA primária não complicada considera-se que estão controlados quando os valores estão abaixo do percentil 95 para a idade, sexo e altura.

Naqueles com complicações, em particular com atingimento ou lesão de órgão-alvo, ou associados a diabetes, insuficiência renal crónica, considera-se que estão controlados quando os valores estão abaixo do percentil 90.

Quando o controlo não é possível com as medidas farmacológicas até então tomadas, deve associar-se um segundo fármaco de outra classe. Se mesmo assim o controlo não se verificar, deve investigar-se mais intensamente uma causa secundária antes de adicionar um terceiro fármaco.

Em suma, o tratamento da HTA em crianças e adolescentes requer experiência e conhecimentos particulares, raramente acessíveis aos pediatras. Assim, é aconselhável referenciar os doentes em tais circunstâncias a médicos com larga experiência no tratamento da HTA, designadamente a cardiologistas pediátricos.

Os casos de HTA aguda (crises hipertensivas) constituindo situações de emergência, devem ser tratados com medicação endovenosa (nomeadamente com nitroprussiato de sódio e labetal).

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Agradecimentos

Agradecimento muito sentido ao grande amigo e colega José Carlos Peixoto, recentemente falecido, que deu contributo fundamental para a elaboração deste capítulo