Definição e importância clínica

O conceito de diagnóstico pré-natal (DPN) abrange um conjunto de técnicas de diagnóstico para avaliar a integridade estrutural ou genética de um embrião ou feto. Recorre a meios complementares de diagnóstico não invasivos como a ecografia e a ressonância magnética (RM), ou invasivos como a colheita de vilosidades coriónicas ou a amniocentese. É utilizado em caso de feto com patologia malformativa ou anomalia genética, mas também em caso de história familiar das mesmas. As intervenções de DPN necessitam do funcionamento harmonioso de uma equipa multidisciplinar que inclui, nomeadamente:

  • Obstetras com experiência em medicina fetal, técnicas de DPN e procedimentos para a realização de interrupção de gravidez;
  • Pediatras, nomeadamente neonatologistas, com conhecimento e experiência em doenças raras de etiologia genética, dismorfologia e anomalias congénitas;
  • Geneticistas com diferenciação em DPN, nomeadamente com experiência em anomalias do sistema nervoso central, doenças do esqueleto, metabólicas e outras com manifestações in utero;
  • Cirurgiões, cardiologistas pediátricos e especialistas de outras áreas clínicas, com experiência no diagnóstico e tratamento de doenças raras de fisiopatologia complexa;
  • Enfermeiros, técnicos do serviço social e psicólogos.

Esta equipa integra conhecimentos e experiência diversificados em termos científicos, e competências para prestar cuidados especializados ao feto desde a realização de técnicas de diagnóstico até intervenções complexas de medicina fetal em que o feto é cuidado na sua globalidade, isto é, como doente in utero.

Importa ainda realçar as implicações éticas e legais de uma tão grande diversidade de intervenções. De acordo com a legislação portuguesa, a interrupção de gravidez por doença grave ou malformação congénita detetada através de DPN pode ser realizada até às 24 semanas de gravidez, excluindo-se o caso de feto inviável, que por ser uma situação incompatível com a vida extrauterina poderá ser realizada em qualquer momento da gestação.

Os hospitais com Centros de Diagnóstico Pré-Natal (CDPN) são dotados de Comissão Técnica de Certificação de Interrupção de Gravidez (CTCIG), cuja constituição está consignada na Portaria n.º 741-A/2007 de 21 Junho Diário da República, 1.ª série—N.º 118. A CTCIG avalia o pedido da interrupção de gravidez realizado no seguimento da realização de exames de DPN e respetivo consentimento informado (em anexo), nomeadamente se a situação clínica cumpre os critérios enunciados anteriores, e elabora uma deliberação.

Portaria n.º741-A/2007 de 21 Junho Diário da República, 1.ª série—N.º 118

CAPÍTULO V

Interrupção da gravidez por grave doença ou malformação congénita do feto ou fetos inviáveis

Artigo 20.º

Comissões técnicas de certificação

1 – A certificação da situação prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal compete à comissão técnica, criada em cada estabelecimento de saúde oficial que realize interrupções da gravidez.

2 – Cada comissão técnica é composta por três ou cinco médicos como membros efectivos e dois suplentes, a nomear pelo conselho de administração do estabelecimento oficial de saúde pelo período de um ano, renovável.

3 – Da comissão técnica fazem parte, obrigatoriamente, um obstetra/ecografista, um neonatologista e, sempre que possível, um geneticista, sendo os restantes membros necessariamente possuidores de conhecimentos adequados para a avaliação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez.

4 – A comissão técnica pode, sempre que necessário, solicitar o parecer de outros técnicos ou peritos.

5 – A comissão técnica reúne:

  1. Mediante convocação do presidente, sempre que necessário;

  2. Obrigatória e imediatamente, após a recepção dos atestados, relatórios, pareceres médicos e documento normalizado de consentimento.

6 – A comissão técnica deve prestar os esclarecimentos pertinentes à mulher grávida ou seu representante legal.

7 – Ao funcionamento da comissão técnica aplica-se o disposto no Código do Procedimento Administrativo quanto aos órgãos colegiais.

Técnicas

Sistematizando, podem ser consideradas as seguintes modalidades de técnicas de DPN: não invasivas e invasivas.

Técnicas não invasivas

As técnicas não invasivas de DPN são aplicadas a um número alargado de situações, nomeadamente no caso de entidades clínicas em que ainda não foi possível identificar o gene causador de doença ou nos casos em que não seja possível determinar um diagnóstico clínico definitivo. Em tais circunstâncias podem ser utilizadas a ecografia em diversas modalidades, o ecocardiograma fetal, e ainda outras técnicas imagiológicas em função do contexto clínico e idade gestacional. Nos casos em que há alteração estrutural do sistema nervoso central, a RM crânio-encefálica (CE) fetal é de extrema relevância para a caracterização detalhada das anomalias estruturais detetadas, assim como a ecografia 3D para caracterização complementar das características morfológicas, nomeadamente, alterações craniofaciais.

Surgiram recentemente técnicas de análise de ADN fetal em sangue materno (NIPT) que, apesar de não serem considerados exames diagnósticos, são testes que apresentam elevadas sensibilidades e especificidades para a determinação de presença de trissomia 21, 18 e 13 no feto. Em contexto de investigação, estas técnicas de NIPT têm sido também desenvolvidas para a deteção de doenças monogénicas.

Técnicas invasivas

1 – Amniocentese

A amniocentese é a técnica de DPN invasivo efetuada há mais tempo, continuando a ser a mais amplamente utilizada. Realiza-se sob controlo ecográfico cerca das 14-16 semanas de gestação. A sua execução tem um risco de perda fetal estimado 0,5%, sendo inferior nos CDPN de maior diferenciação que realizam maior número de exames invasivos. Deve ser precedida por um exame ecográfico para confirmar o número e a viabilidade dos fetos, a localização da placenta e do cordão umbilical, assim como a quantidade de líquido amniótico. É de fácil realização, com inserção de uma agulha através da parede abdominal diretamente no saco amniótico, e aspiração de 20-30 ml de líquido amniótico. Após a amniocentese, deve verificar-se a presença de atividade cardíaca fetal, que idealmente deverá estar normal, e se existe sangramento da placenta, feto ou cordão umbilical. Caso não ocorra qualquer intercorrência, relativamente aos cuidados a ter após realização da técnica, apenas se aconselha à grávida que limite a realização de esforços importantes, natação ou banho de imersão nas 24 a 48 horas seguintes.

Nas gestações gemelares dizigóticas, dever-se-á proceder à injeção de um produto de contraste que permita identificar o saco amniótico que vai ser puncionado. A partir das células fetais presentes no líquido amniótico podem ser realizados inúmeros exames de citogenética, de genética molecular e de bioquímica genética, entre eles a determinação do cariótipo fetal, a análise cromossómica por array-CGH, a pesquisa de mutação genética familiar, o estudo molecular de um gene específico por sequenciação de Sanger ou um painel de genes por técnicas de sequenciação de nova geração. Tecnicamente é possível inclusivamente a sequenciação de todo o genoma do feto, embora atualmente em contexto clínico se realize apenas a sequenciação da porção codificante do mesmo (exoma) em situações pontuais.

2 – Colheita de vilosidades coriónicas

A colheita de vilosidades coriónicas pode ser realizada por via transcervical ou transabdominal cerca das 10-12 semanas de gestação. A colheita de material biológico implica a colocação de um cateter estéril em contacto com a placenta, sob controlo ecográfico, e a aspiração de 10-25 mg de vilosidades coriónicas. Trata-se duma técnica de DPN do primeiro trimestre de gestação, sendo as suas indicações, em termos genéricos, semelhantes às da amniocentese. Apesar de vários estudos realizados em vários países terem mostrado que o risco de perda fetal é semelhante ao da amniocentese, atualmente é ainda aplicada em número inferior na maioria dos países europeus.

3 – Cordocentese

A cordocentese ou colheita de sangue dos vasos do cordão umbilical fetal, realiza-se a partir das 18 semanas de gestação. Tem indicações muito precisas e exige que o especialista em medicina fetal tenha grande experiência nesta área. A sua principal indicação é a avaliação da presença de infeção fetal nomeadamente citomegalovírus ou parvovírus B19, e respetivo impacto na homeostase do feto. A cordocentese é também utilizada para terapêutica fetal, nomeadamente, para transfusão intravascular de produtos sanguíneos, e para a administração de medicamentos diretamente ao feto.

4 – Fetoscopia e biópsia de tecidos

A fetoscopia é uma técnica invasiva que permite a visualização do feto com recurso a equipamento de endoscopia com uma lente de focagem associada a bandas de fibras ópticas que transmitem luz para a cavidade amniótica. Para a colheita de tecidos fetais associa-se ao fetoscópio uma pinça de biópsia específica. A realização desta técnica tem caído em desuso pelo desenvolvimento da biologia molecular que permite realizar o DPN específico, sem necessidade de biópsias fetais. A fetoscopia está actualmente reservada para terapia fetal, nomeadamente no caso de transfusão feto-fetal.

Indicações

1 – Idade materna ≥35 anos

A idade materna igual ou superior a 35 anos, durante muitos anos a indicação mais frequente para realização de DPN invasivo, associa-se a risco elevado de anomalia cromossómica no feto por não disjunção dos cromossomas.

As anomalias cromossómicas mais frequentes associadas a idade materna avançada, são as trissomias 21, 18 e 13.

O desenvolvimento do rastreio combinado do 1º trimestre de gravidez, que integra para além da idade materna, marcadores ecográficos do feto, como translucência da nuca ou presença de osso nasal, e ainda marcadores bioquímicos como a gonadotrofina coriónica humana beta (β-hCG) e proteína A do plasma associada a gravidez (PAPP-A), possibilita atualmente o cálculo individualizado do risco do feto para as trissomias referidas, permitindo à grávida tomar a sua decisão relativamente à realização de exame diagnóstico invasivo confirmatório. A realização do rastreio ecográfico do 1º trimestre pressupõe a realização de aconselhamento genético, não diretivo, à grávida, formação especializada dos obstetras que realizam esta avaliação ecográfica, existência de condições de controlo de qualidade analítica, bem como uma comunicação adequada entre todos os intervenientes.

Para além do rastreio combinado do 1º trimestre surgiram recentemente estudos do ADN fetal em sangue materno, já referidos, que podem ser particularmente úteis nos casos em que a grávida apresente baixo risco de feto com trissomia e não pretenda estudo invasivo por risco de perda fetal, uma vez que a maioria destes testes apresentam sensibilidade superior ao rastreio combinado do 1º trimestre para determinação das trissomias 21, 18 e 13.

De salientar que tanto o rastreio combinado do 1º trimestre como os estudos não invasivos em sangue materno não são exames diagnósticos, sendo que neste momento a única análise que permite a determinação, com certeza, de presença ou não de trissomia no feto é através da determinação do cariótipo fetal.

No Quadro 1 apresenta-se a incidência de trissomia 21 em função da idade materna.

QUADRO 1 – Incidência de trissomia 21

Adaptado de Burton PR, 2006

Idade materna no parto Risco de trissomia 21 ao nascer
351/384
361/307
371/242
381/189
391/146
401/112
411/85
421/65
431/49

2 – Filho anterior com aneuploidia

Se um casal teve um filho com aneuploidia na forma livre, de novo, o risco empírico de recorrência é superior ao risco dada a idade cronológica. É estimado que caso o feto anterior apresente trissomia 21 o risco de recorrência desta cromossomopatia é de cerca de 0,5% (1 em 200) e de 1% para as restantes aneuploidias.

3 – Progenitor com translocação equilibrada

Nestes casos existe risco aumentado de translocação desequilibrada no feto. O risco de recorrência depende dos cromossomas envolvidos e da localização no cromossoma da anomalia estrutural. Um casal neste contexto poderá ter fetos com composição cromossómica normal, anomalia igual à do progenitor ou desequilibrada. Para além do estudo não invasivo ecográfico, existe sempre indicação para estudo invasivo, uma vez que a ecografia e a RM apenas detectam anomalias estruturais.

4 – Feto com anomalia fetal estrutural

Os fetos com diagnóstico de uma anomalia congénita major têm em 4% dos casos outras anomalias morfológicas. Deste modo, é necessário realizar sempre um estudo ecográfico detalhado, estando indicada técnica invasiva para determinação da constituição cromossómica, tanto através de realização de cariótipo fetal, para identificação de anomalias cromossómicas estruturais, como através de realização de array-CGH ao feto, se aplicável, para determinação de presença microdeleções/duplicações cromossómicas, como o exemplo da microdeleção do cromossoma 22q11.2 no caso de cardiopatia conotruncal.

Inúmeras variações do número de cópias (CNV) cromossómicas estão atualmente descritas como associadas a síndromes de anomalias congénitas múltiplas.

Pode ainda estar indicado o estudo molecular de uma mutação genética específica, como no caso de suspeita de acondroplasia por restrição do crescimento intra-uterino com encurtamento e encurvamento dos ossos longos, ou através de sequenciação de nova geração de painel de genes como no caso da síndrome de Noonan, suspeitada por exemplo quando na presença de aumento da translucência da nuca e cardiopatia com cariótipo fetal normal, ou no caso de displasia esquelética, cujo diagnóstico in utero é extremamente complexo pela sobreposição fenotípica, fenótipo incompleto e heterogeneidade génica.

Nos casos de patologia malformativa complexa em que não se consegue formalizar um diagnóstico clínico, ou cujos resultados dos estudos genéticos anteriores não revelem alterações patogénicas, pode ser ponderada a realização da sequenciação do exoma do feto através de técnicas de sequenciação de nova geração. Importa realçar a importância da multidisciplinaridade na abordagem do feto com anomalias congénitas múltiplas, havendo lugar a avaliação específica e respetivo parecer de especialidades como a neurologia pediátrica, a nefrologia pediátrica ou a cardiologia pediátrica, entre outras, consoante as manifestações clínicas, cabendo ao médico geneticista muitas vezes a integração dos diferentes dados e a escolha do teste genético adequado, após o respetivo aconselhamento genético ao casal.

5 – Doenças genéticas específicas

Após a caracterização molecular do caso índex através da identificação da mutação genética causadora de doença, é possível realizar o DPN específico para essa doença. Tal inclui doenças com transmissão mendeliana (dominante, recessiva, recessiva ligada ao cromossoma X ou outra) e mutações dinâmicas como a distrofia miotónica de Steinert. Habitualmente só se realiza diagnóstico invasivo nos casos de patologia grave, em que o casal pondere realização de interrupção de gravidez ou em que o diagnóstico genético altere a conduta médica em relação ao feto; estas condicionantes surgem tanto para evitar procedimentos médicos desnecessários como para proteger o direito do feto de “não saber” quando adulto, como no caso de doenças neurológicas de manifestação tardia.

Estudo do feto

Os fetos com anomalias congénitas que resultaram de interrupção médica de gravidez, devem ser estudados de forma apropriada após a expulsão, implicando avaliação prévia pelos especialistas de medicina fetal, de obstetrícia, de neonatologia e genética médica. Devem registar-se os dados essenciais do fenótipo, como dismorfia facial, anomalias de membros, caracteres sexuais, fossetas, disrupções do tegumento, avaliação de faneras ou outras anomalias congénitas (hábito externo), que são complementadas pelo exame necrópsico, vulgo autópsia, com avaliação externa da morfologia dos órgãos internos como coração, encéfalo, entre outros (hábito interno). O exame necrópsico deve ser sempre complementado com radiograma do esqueleto fetal e quando possível com RM fetal, nomeadamente RM-CE no caso de malformação do SNC, sempre com o objetivo primordial de se obter o diagnóstico etiológico genético.

Importa realizar sempre os seguintes procedimentos:

  • Descrição do hábito externo e das anomalias encontradas;
  • Registo por imagens fotográficas em vários planos, desde a perspectiva global ao registo detalhado de aspectos particulares que poderão ser úteis para o diagnóstico;
  • Realização de radiogramas em dois planos;
  • Colheita de sangue do cordão ou biópsia da pele para estudos genéticos, nomeadamente cariótipo, estudos metabólicos quando adequado com eventual imortalização de linha celular, estudos moleculares como array-CGH ou sequenciação de gene específico, quando aplicável, e ainda extração de ADN para conservação e estudos genéticos adicionais.

Diagnóstico genético pré-implantação

O diagnóstico genético pré-implantação (DGPI) permite realizar o diagnóstico genético de um embrião e transferir para o útero apenas embriões não afetados pela doença genética analisada. A utilização desta técnica de procriação medicamente assistida (PMA) pressupõe a determinação prévia da(s) mutação(ões) genética(s) causadora(s) de doenças hereditárias presentes no casal. Esta técnica de PMA inclui estimulação ovárica, punção folicular com aspiração ecoguiada de oócitos, colheita de espermograma e individualização de espermatozoides, fecundação através de injeção intracitoplasmática (ICSI), biópsia embrionária com recolha de 1 ou 2 células (blastómeros) 3º ou 5º dia após a fecundação, estudo genético específico e transferência ou criopreservação dos embriões sem doença. Os objectivos principais desta técnica, são o nascimento de um ser humano sem a alteração genética identificada anteriormente no caso índex ou histocompatível para doação de material biológico necessário à vida de outro ser humano.

Em Portugal continental esta técnica de reprodução medicamente assistida, no Sistema Nacional de Saúde, realiza-se apenas no Centro Hospitalar de São João no Porto.

Terapêutica fetal

O progresso científico e tecnológico permite já hoje a realização de intervenções sobre o feto durante a gestação, de carácter médico ou cirúrgico, com impacte na sobrevivência e na qualidade de vida do recém-nascido. Esta área corresponde, na verdade, à Medicina do Feto. Prevê-se que nalgumas das áreas venha a ocorrer um maior desenvolvimento nos próximos anos. Eis alguns exemplos:

1. Hidrocefalia

O procedimento de registo internacional designado por “Fetal Surgery Registry” encontrou uma sobrevivência de 83% após cirurgia de drenagem

da hidrocefalia fetal. Porém, em 18 dos 34 sobreviventes foram detectadas posteriormente alterações importantes no desenvolvimento psicomotor.

2. Hiperplasia congénita da suprarrenal

A administração de betametasona à grávida, o mais precocemente possível até se determinar o sexo fetal, pode impedir a virilização no sexo feminino.

3. Disritmias cardíacas

Estima-se que a incidência da taquicardia supraventricular seja entre 1/10.000 e 1/25.000 fetos. Quando diagnosticada, deverá ser abordada como uma emergência e tratada com digoxina, o que permite obter resultados geralmente favoráveis no bloqueio aurículo-ventricular completo cuja frequência é cerca de 1/20.000 recém-nascidos. Destes, cerca de metade tem alterações cardíacas estruturais. A terapêutica medicamentosa com terbutalina ou isoproterenol, permite um sucesso relativo e está indicada, apenas, quando não existem anomalias cardíacas estruturais associadas, ou hidropisia fetal.

4. Síndroma das válvulas da uretra posterior

Apresenta-se sob duas formas distintas: a) com obstrução unilateral ou ligeira obstrução bilateral e líquido amniótico normal; b) com oligoâmnio grave e rins displásicos. Os fetos com função renal não afectada são candidatos à realização de cirurgia in utero, com boas expectativas de sucesso terapêutico. Os fetos com sinais de displasia renal significativa não beneficiam da cirurgia fetal.

5. Anomalia adenomatosa quística congénita

A correcção intrauterina desta patologia poderá realizar-se através de toracocentese com colocação de derivação para o líquido amniótico, ou por cirurgia fetal, com histerotomia e remoção da massa pulmonar torácica. Até ao momento, o número de intervenções cirúrgicas realizadas é escasso, pelo que se torna necessário avaliar com ponderação os resultados favoráveis que foram publicados.

6. Hérnia diafragmática congénita

A hérnia diafragmática congénita é a principal causa de morte por falência respiratória, com hipertensão pulmonar devida a hipoplasia pulmonar em recém-nascidos. Nalgumas séries, a cirurgia in utero permitiu a sobrevivência de 70% a 80% dos fetos.

Legislação portuguesa

A legislação portuguesa mais relevante na área do diagnóstico pré-natal é a seguinte:

Despacho 5411/97, de 8 de Setembro

Define o âmbito e os princípios, a população em risco e os modelos de organização dos Centros de Diagnóstico Pré-Natal, e estabelece o modo de participação da Genética nesses Centros.

Despacho 10325/99, de 5 de Maio

Complementa o Despacho anterior e define o modelo de constituição dos Centros e os recursos de que deverá dispor.

Portaria 189/98, de 26 de Fevereiro

Estabelece a constituição das Comissões Técnicas de Certificação da Interrupção de Gravidez e as respetivas competências.

Lei nº 16/2007, de 17 Abril

Sobre a interrupção da gravidez, nomeadamente por motivo de doença grave ou malformação congénita.

Portaria 741-A/2007, de 21 de Junho

Actualiza a informação sobre a constituição das Comissões Técnicas de Certificação da Interrupção de Gravidez e as respetivas competências. (ver atrás)

Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro

Sobre a informação genética pessoal e informação de saúde.

Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho; Diário da República, 1.a série—N.º 143

Regula a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida.

GLOSSÁRIO

Ácidos nucleicos > constituintes da célula viva (essencialmente do núcleo), que contêm uma base púrica, um açúcar e ácido fosfórico (sob a forma de éter). Existem 2 tipos: o ácido desoxirribonucleico (ADN) e o ácido ribonucleico (ARN).

ADN > ácido desoxirribonucleico que suporta a informação genética do indivíduo. Este material consiste numa dupla hélice, como uma escada em espiral, na qual: o corrimão é feito de moléculas alternadas de desoxirribose (um açúcar) e fosfato; e os degraus feitos de bases purínicas e pirimidínicas, mantidas juntas por pontes de hidrogénio. A “escada” é torcida em dupla hélice. As bases purínicas são a adenina (A) e a guanina (G); e as pirimídicas: a citosina (C) e a timina (T). As referidas pontes de hidrogénio ”garantem” o emparelhamento de A com T e de G com C. Quando o ADN se replica, os 2 filamentos separam-se e cada um, com a ajuda da enzima ADN polimerase, forma um novo filamento, dando origem a 2 novas hélices, idênticas na sequência de bases: G – C/A – T.

Alelo > um dos dois genes diferentes que ocupam posições correspondentes ou idênticas (locus) em cromossomas homólogos, que exercem a mesma função, mas determinam características diferentes.

ARNm (mensageiro) > o ácido nucleico que transporta do núcleo para o citoplasma a informação genética do ADN para ser traduzida (ver adiante o termo tradução) em proteína (cadeia polipeptídica).

Autossoma > qualquer cromossoma que não seja sexual. Bandeamento cromossómico (banding) > Processo técnico que permite observar um padrão determinado de bandas claras e escuras para cada cromossoma. Descrevem-se vários tipos: C,G,N,Q,R,T.

Carga genética (liability) > efeito cumulativo dos factores genéticos na ocorrência de uma doença.

Clone celular > conjunto de células geneticamente idênticas com origem, por divisão mitótica, numa única célula-mãe.

Clones de ADN > múltiplos fragmentos iguais, obtidos por meio de técnicas de recombinação do ADN.

Codão > sinónimo de Tripleto (ver adiante).

Codominância > situação em que há expressão individual dos dois alelos de um locus, num heterozigoto.

Congénito > qualquer característica ou doença que esteja presente, visível ou não, no nascimento.

Consanguinidade > quando um casal partilha ascendentes comuns.

Cromossoma > estrutura intracelular que contém o material hereditário do indivíduo. A capacidade de coloração deve-se à cromatina.

Deleção > tipo de aberração cromossómica em que há perda de parte de um cromossoma. A nível molecular significa a perda de um ou mais nucleótidos do ADN.

Dermatoglifos > padrões ou tipos de distribuição das pregas ou sulcos dos dedos e palmas ou plantas dos pés.

Diplóide > diz-se de uma célula que possui uma série dupla de cromossomas homólogos.

Enzima de restrição > grupo de enzimas de origem bacteriana que corta o ADN em sequências específicas.

Exão > segmento do gene que regula a sequência de aminoácidos duma proteína.

Expressividade > a intensidade com que se exprime um determinado fenótipo.

Fenocópia > fenótipo devido à acção de factores ambientais, mimetizando um carácter determinado geneticamente.

Fenótipo > características físicas de um indivíduo; representa a interacção entre o património genético do indivíduo e os factores ambientais.

FISH > “Fluorescent in situ hybridization”; é um método da genética laboratorial.

Fratria > conjunto de irmãos e irmãs descendentes de um casal.

Gene > unidade essencial do material hereditário (segmento de ADN) que codifica um produto que vai desempenhar uma função.

Gene candidato > gene que se considera estar associado a determinado carácter ou doença no decorrer de estudos moleculares, face à proteína que codifica ou às suas características conhecidas.

Genoma > conjunto de genes dos cromossomas. Mais pormenorizadamente: conjunto dos cromossomas de um gâmeta (célula sexual), cujo número é característico de cada espécie e que estão presentes em exemplares simples (ao contrário dos cromossomas das células somáticas que se apresentam aos pares, possuindo assim cada célula somática dois genomas). Na espécie humana, o genoma é formado por 23 cromossomas.

Genómica > estudo do genoma e da sua acção.

Genótipo > toda a informação genética contida no ADN do indivíduo, que inclui o ADN existente nos cromossomas, nas mitocôndrias e noutros organelos intracelulares.

Gonossoma > cromossoma sexual, o X ou o Y.

Haplóide > diz-se de células que possuem apenas um exemplar de cada um dos cromossomas próprios da espécie (23 na espécie humana). Os gâmetas são haplóides.

Haplótipo > sequência de locus com proximidade num cromossoma que tendem a ser herdados em conjunto.

Hemizigotia > presença de um único alelo no genoma, condição que se verifica, normalmente, para a grande maioria dos loci do cromossoma X, nos indivíduos do sexo masculino. Corresponde também a condições anormais (por ex. após deleção) em que, em vez de um genótipo diplóide, se encontra uma única cópia de um alelo.

Hereditabilidade > proporção da variância total de uma característica que é causada pelos genes.

Hereditariedade mitocondrial > hereditariedade que tem por base os genes localizados nas mitocôndrias e que são transmitidos exclusivamente por via materna.

Heterozigoto > ter uma forma alélica deferente de um gene, em locus homólogos; isto é, 2 genes diferentes, com a mesma localização em cromossomas homólogos.

Homozigoto > ter a mesma forma alélica nos dois locus homólogos; isto é, 2 genes idênticos com a mesma localização em cromossoma homólogos.

Imprinting > fenómeno pelo qual um dos genes do par de alelos de um locus tem expressão diferente do outro gene desse locus, em função do sexo do progenitor de que foi herdado (origem paterna ou materna). Assim, o contributo paterno ou materno para o genoma do zigoto (em termos funcionais) pode não ser equivalente, provavelmente devido a graus de metilação diferentes.

Intrão > segmento do gene que intervém na (ou concretiza) sequência de aminoácidos duma proteína.

Limiar > valor do efeito cumulativo dos factores genéticos, que permite a ocorrência de uma característica multifactorial.

Linkage > situação em que genes, localizados com grande proximidade, tendem a ser co-herdados.

Locus > a localização específica de um gene específico num cromossoma.

Microdeleção > perda de material cromossómico com uma extensão que não permite a sua visualização por microscopia de luz.

Monogénica (doença) > doença causada por mutações que surgem na sequência de ADN de um único gene.

Mutação > alteração espontânea que ocorre no material hereditário.

Mutação mtADN > mutação de gene mitocondrial.

Parentesco em 1.° grau > indivíduos que partilham 50% do património genético: pais, irmãos, filhos.

Parentesco em 2.° grau > indivíduos que partilham 25% do património genético: meios-irmãos, avós, tios, sobrinhos, netos.

PCR > técnica de biologia molecular que permite amplificar selectivamente sequências de ADN (Reacção da polimerase em cadeia ou Polymerase Chain Reaction).

Penetrância > expressão da frequência com que ocorre determinado fenótipo, quando um dos alelos tem uma mutação.

Polimorfismo > característica genética em que existe mais de uma forma comum na população.

Portador > indivíduo heterozigoto em que um dos alelos tem uma mutação de uma doença autossómica recessiva.

Proteonómica ou Proteómica > técnicas que estudam as proteínas produzidas pelo genoma e como interagem para determinar as funções biológicas.

Susceptibilidade genética > predisposição para a ocorrência de determinada doença pela presença de um alelo particular ou combinação de alelos.

Telómero > a extremidade natural de um cromossoma.

Tradução > processo pelo qual uma cadeia polipeptídica se origina a partir de um ARN.

Transcrição > processo pelo qual um gene se expressa num ARN mensageiro.

Transgene > gene que foi incorporado no genoma de outro organismo.

Translocação > deslocamento de um ou mais segmentos de cromossoma, quer num mesmo cromossoma, quer por troca recíproca dos segmentos destacados, entre dois cromossomas.

Triploidia > situação de um núcleo, de uma célula, ou de um organismo cujo complemento cromossómico inclui três genomas haplóides. A triploidia é uma das formas frequentes de poliploidia.

Tripleto > grupo de três bases púricas (ou purínicas) ou pirimídicas na molécula de ADN ou ARN, que condiciona a incorporação de (codifica para) um aminoácido específico na molécula de uma proteína. Sinónimo de codão.

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