Importância do problema

Este capítulo descreve os cuidados a propiciar ao RN aparentemente saudável durante o internamento no hospital-maternidade, o que pressupõe permanência do mesmo junto da mãe desde o nascimento até à alta para o domicílio promovendo o vínculo mãe-filho.

Nesta fase é de primordial importância que a equipa prestadora de cuidados (médico – pediatra/neonatologista, enfermeira e outros profissionais de saúde) exerça o seu papel de educação para a saúde junto dos pais, que se estabeleça contacto com o médico-assistente futuro (médico de família ou pediatra) e com o centro de saúde a que a família está ligada. É também desejável que, antes da alta, a mãe colabore nos cuidados ao filho acabado de nascer, o que constitui oportunidade ímpar de aprendizagem; de realçar o papel imprescindível dos profissionais de saúde no que respeita ao esclarecimento de dúvidas surgidas realçando a importância dos Boletins da Grávida e de Saúde Infantil e Juvenil.

Cuidados na sala de partos

Os cuidados a assegurar no pós-parto imediato são os seguintes:

  • Admitindo boa adaptação à vida extra-uterina e ausência de necessidade de reanimação, a laqueação do cordão deverá ser diferida até, pelo menos, 1 minuto;*
  • O RN deve ser imediatamente colocado sob uma fonte de calor e limpo com cuidado com um pano estéril, seco e aquecido. A substância gordurosa que o cobre (vernix caseosa) tem um efeito protector da pele, pelo que o banho na sala de partos apenas deve ser dado se houver sinais de amnionite ou a mãe for seropositiva para VIH ou portadora de hepatite B ou C. Embora este capítulo diga respeito ao RN aparentemente saudável, em geral, de termo, cabe salientar, a propósito dos cuidados gerais iniciais, segundo as novas normas de actuação, de consenso internacional, sob os auspícios do ILCOR 2010, nos RN de idade gestacional < 28 semanas, mantendo-se o tipo de cuidados referidos, não se deve proceder à secagem da pele;*
  • Avaliação sistemática do índice de Apgar ao 1º e 5º minutos de vida;
  • Realização de exame objectivo sumário com o objectivo de rastrear anomalias e avaliar o estado geral e a adaptação fetal à vida extrauterina. O peso de nascimento deve ser registado, assim como todos os dados referentes aos antecedentes pré-concepcionais e da gestação;
  • Profilaxia da doença hemorrágica com dose única de 1 mg de vitamina K1 por via intramuscular;
  • Profilaxia da conjuntivite neonatal por Neisseria gonorrhoeae com nitrato de prata;
  • Colocação de pulseira de identificação, a qual somente deverá ser retirada pelos pais quando o recém-nascido estiver em casa;
  • O RN vestido deve ser colocado num berço, sob uma fonte de calor, em decúbito dorsal junto à mãe na enfermaria desta (ou noutra enfermaria temporariamente se o estado clínico da mãe não o permitir) e “posto ao peito” nas primeiras duas horas de vida.

* ILCOR, sigla de International Liaison Committee on Resuscitation guidelines.
Trata-se das novas normas adoptadas internacionalmente, e elaboradas por oito grupos de trabalho de diversas sociedades internacionais, tais como a American Heart Association e Resuscitation Council (http://www. ilcor.org/en/consensus-2020/worksheets-2020)

Cuidados na enfermaria junto da mãe

  • Nesta área deverá ser confirmada a prestação dos cuidados adequados na sala de partos, nomeadamente: identificação, administração de vitamina K1 e profilaxia da conjuntivite;
  • Deve realizar-se um exame objectivo minucioso, não esquecendo o registo dos parâmetros somatométricos;
  • O Boletim de Saúde Infantil e Juvenil deve ser devidamente preenchido;
  • Devem ser administradas as primeiras vacinas: 1ª dose da vacina anti-hepatite B, e BCG (excepto se a mãe for VIH+, e tiver tuberculose pulmonar activa);
  • Independentemente do tipo de parto, o recém-nascido não deve ter alta antes das 36 horas de vida e nunca antes de ter havido comprovação de micções e de, pelo menos, uma dejecção.

Alimentação

Reiterando a “mensagem” que foi transmitida anteriormente sobre “alimentação com leite materno” – o melhor alimento para o recém-nascido é o leite da própria mãe –, sugere-se ao leitor a consulta da Parte sobre Nutrição-volume I. (Figura 1)

FIGURA 1. RN alimentado “ao peito”.

Higiene do coto umbilical

A desinfecção do coto umbilical faz-se diariamente com compressa embebida em álcool a 70º (não devendo ter aditivos), não esquecendo a zona junto à pele. O coto deve colocar-se fora da fralda, evitando-se que se molhe com urina. Deve ser observado diariamente, tentando detectar, nomeadamente, se apresenta mau cheiro, secreção ou hemorragia. Estando seco, o coto do cordão destacar-se-á mais precocemente: tal deverá ser explicado à mãe. Segundo a experiência de alguns autores, não haverá vantagem no emprego tópico de álcool a 70º ou de antissépticos em geral. 

Higiene corporal

  • O banho poderá ser propiciado durante a curta estadia na maternidade, mesmo antes de o cordão se destacar, desde que haja condições logísticas (incluindo profissionais de saúde suficientes facilitando o ensino à mãe) e de higiene básica na unidade neonatal. Quer em casa, quer na unidade neonatal, o mesmo (diariamente ou em dias alternados, atendendo sempre a situações especiais) deverá processar-se a temperatura ambiental adequada (em geral ~ 24-27ºC), com água a 35-36ºC para manter a temperatura rectal ~ 37ºC.
  • Em alternativa ao banho, pode lavar-se a criança parcelarmente por zonas, primeiro a cabeça, depois o corpo e, por fim, os membros de modo a evitar que se molhe o umbigo, e o arrefecimento.
  • Não devem ser usados produtos perfumados na limpeza da pele. O sabonete de glicerina é uma boa opção. A face deve ser lavada apenas com água.
  • O RN deve secar-se com uma toalha turca sem esfregar, incluindo as orelhas e as pregas, sem introduzir cotonetes no canal auditivo. As narinas também devem ser limpas suavemente para a remoção de secreções.
  • Depois do banho, a criança deve ser vestida: primeiro a camisa, e depois, a fralda.

Alguns problemas comuns

  • As fezes do lactente alimentado ao peito são ácidas e a pele em volta do ânus e órgãos genitais pode ficar vermelha, tipo “assado”. Quando se procede à mudança da fralda, após a higiene necessária, pode ser aplicado um creme protector.
  • Nos primeiros dias a urina pode deixar na fralda uma mancha residual cor de tijolo: tal se explica pela excreção de uratos. Este evento é considerado normal, regredindo espontaneamente.
  • No final da primeira semana de vida, pode surgir aumento do volume das glândulas mamárias (Figura 2) e, nos do sexo feminino, uma pequena hemorragia vaginal. Trata-se de manifestações clínicas consideradas normais, explicáveis pela transferência de hormonas da mãe para o recém-nascido, e regredindo espontaneamente, pelo que não está indicado qualquer procedimento.
  • O chamado eritema tóxico (máculas dispersas vermelhas, com um centro mais claro), constitui uma reacção habitual, não necessitando de cuidados especiais.

FIGURA 2. Tumefacção mamária em recém-nascido.

Cuidados no domicílio

  • Em casa, a criança deve ser recebida num ambiente calmo.
  • Todas as pessoas que manuseiam a criança devem praticar de modo sistemático hábitos fundamentais de higiene, designadamente, lavagem frequente das mãos antes e depois do manuseamento da mesma.
  • No local onde estiver o RN (evitando-se aglomerados numerosos), as pessoas não devem obviamente fumar; apesar de o contexto actual ser diverso daquele vivido há anos atrás, a insistência terá cunho pedagógico.
  • Nas saídas de casa a criança não deverá permanecer em locais com grande concentração de pessoas, tais como supermercados ou centros comerciais.
  • É aconselhável a posição de dormir em decúbito dorsal, explicando-se à mãe-família a razão de tal procedimento. Durante o dia, e sob vigilância rigorosa, quando o bebé está vígil, poderá ser colocado por períodos em decúbito ventral a fim de minorar a possibilidade de deformação craniana (plagiocefalia posicional). É o chamado “tummy time” ou período fraccionado permitido de posição em decúbito ventral.
  • O colchão deve ser plano e duro, de modo a não provocar covas, e ajustado aos bordos do berço. Não devem ser utilizados edredão nem almofada, assim como cordões ou fralda para segurar a chupeta.
  • Os irmãos e todas as pessoas que manuseiam a criança (nunca é exagero repetir) devem lavar cuidadosamente as mãos; deverá ser igualmente providenciada a lavagem da face dos irmãos que frequentam a escola ou infantário.
  • As pessoas com doença respiratória devem usar máscara que cubra a boca e o nariz, sempre que contactem com o lactente. As mãos devem ser lavadas antes e depois de colocar a máscara e, sempre, após o assoar.
  • Idem para o caso da mãe a amamentar, a qual pode continuar a amamentação.
  • Entre o 4º e o 6º dia de vida, o RN deve ser transportado ao Centro de Saúde da área de residência para se proceder à colheita de sangue para diagnóstico precoce (teste do pezinho) devendo marcar-se consulta médica entre a 1º e a 2ª semana de vida.
  • O Boletim de Saúde Infantil e Juvenil e o Boletim Individual de Saúde (de Vacinas) devem sempre acompanhar a criança no âmbito de todo e qualquer acto médico e/ou de enfermagem. Deve verificar-se se foi realizado e registado o resultado do rastreio auditivo.

Sinais de perigo

Como complemento do que foi descrito, estando ou não o RN já em casa, salienta-se que os pais devem ser esclarecidos quanto aos sinais considerados de perigo (aspecto geral de “não estar bem” podendo indiciar doença grave) os quais implicam observação por médico. São dados os exemplos mais significantes:

  • Recusa alimentar;
  • Secreções oro-nasais contendo abundantes bolhas de ar;
  • Dificuldade respiratória;
  • Vómitos biliares repetidos;
  • Palidez acentuada;
  • Cianose;
  • Petéquias;
  • Choro intenso;
  • Icterícia surgida nas primeiras 24 horas de vida ou, prolongada, para além de 2 semanas, com especial significado se o lactente não estiver a ser alimentado ao peito;
  • Gemido;
  • Irritabilidade, agitação, tremores espontâneos, convulsões;
  • Hiporreactividade, hipotonia;
  • Hipersudorese quando está a mamar ou a tomar biberão;
  • Perda de peso superior a 10% do peso de nascimento;
  • Febre ou hipotermia;
  • Alterações macroscópicas da urina ou fezes;
  • Distensão abdominal com vómitos e obstipação, etc..

Nota: a ausência ou atraso de eliminação de urina e/ou de mecónio nas primeiras 48 horas constitui sinal anómalo habitualmente detectado pelo médico ou enfermeiro, quando o RN ainda está internado após o parto.

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