Definição
Estado de mal epiléptico (EME), ou status epiléptico, é tradicionalmente definido como persistência ou recorrência de convulsões num período igual ou superior a 30 minutos, sem recuperação da consciência; de acordo com as recentes normas da Neurocritical Care Society entende-se por EME como a situação clínica em que existe actividade convulsiva clínica e/ou electroencefalográfica contínua com duração igual ou superior a cinco minutos, ou duas ou mais convulsões sequenciais sem recuperação do estado de consciência.
Diz-se que o EME é precoce quando a actividade convulsiva tem a duração de 5-30 minutos, e que é refractário quando a actividade convulsiva tem uma duração superior a 30 minutos, ou persiste após administração de dois ou mais anticonvulsantes em doses adequadas.
Dada a existência de vários estudos demonstrando que a maior duração do EME está associada a pior prognóstico, e que quanto mais precoce o tratamento do EME, maior a eficácia do seu controlo, deve instituir-se terapêutica agressiva na crise convulsiva que dura mais de 5 minutos.
Aspectos epidemiológicos e importância do problema
O EME é a emergência neurológica mais frequente na criança (18-23/100.000 crianças/ano), com maior incidência abaixo de um ano de idade. Em cerca de 10% das crianças a primeira convulsão apresenta-se como EME.
A avaliação inicial dos doentes com este tipo de problema deve focar-se na etiologia aguda tratável, presente em proporção variável, até 26% dos casos. As causas mais frequentes, sobretudo abaixo dos dois anos, são as infecções do sistema nervoso central (SNC).
Em cerca de 20% dos casos trata-se duma primeira manifestação de epilepsia, salientando-se que frequentemente o episódio é provocado por um factor extrínseco, como infecção (não do SNC), ou por alterações de medicação anterior.
A taxa de mortalidade do EME é variável de acordo com a duração do mesmo, estando descritos valores de 3% no EME precoce, e 19% no EME refractário.
Classificação
O Quadro 1 integra a classificação do EME, adaptada de fontes bibliográficas recentes.
QUADRO 1 – Classificação do estado de mal epiléptico
A. Estado de mal epiléptico não convulsivo Crise generalizada Crise focal |
B. Estado de mal epiléptico convulsivo Crise focal motora (epilepsia parcial contínua) Crise generalizada Crise mista |
Classificação |
QUADRO 2 – Etiologia do EME na idade pediátrica
Etiologia | ||
| ||
Até ao 1º mês de vida
| ≤ 6 anos
| > 6 anos
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Etiopatogénese
A convulsão é uma descarga eléctrica súbita, paroxística e auto-alimentada de um grupo de neurónios, podendo levar à morte celular. As manifestações clínicas dependem do local onde se inicia a descarga, da velocidade de recrutamento dos neurónios vizinhos, e do modo como aquela se propaga no SNC.
Os factores etiológicos são discriminados no Quadro 2, sendo de salientar que em cerca de 45-58% dos casos não é possível identificar tal factor, o que corresponde às chamadas situações criptogénicas. Dum modo geral pode afirmar-se que a etiologia é diversa e variável consoante a idade, o que determina significativamente o prognóstico.
À medida que o córtex cerebral evolui (da imaturidade do recém-nascido até ao córtex com maturação mais avançada, próprio da criança mais velha), o tipo de convulsões também varia com a idade.
A repercussão a nível hemodinâmico e bioquímico pode sistematizar-se em duas fases:
- Nos primeiros 30 minutos há um aumento da frequência cardíaca, da frequência respiratória e da pressão arterial, assim como um aumento do consumo de oxigénio, do fluxo cerebral, do lactato sérico, da glicemia e do potássio;
- Numa segunda fase, após aquele período de tempo, há uma diminuição dos referidos parâmetros hemodinâmicos, podendo ocorrer a lesão irreversível do neurónio e a morte celular, como resultado da alteração dos canais de cálcio, da permeabilidade da membrana celular e do consequente edema celular.
Diagnóstico
O algoritmo diagnóstico deve incluir uma anamnese sucinta orientada para o diagnóstico etiológico da convulsão, bem como uma investigação etiológica ajustada às particularidades de cada caso. (Quadro 3)
QUADRO 3 – Abordagem diagnóstica do EME
Anamnese | ||
Crise
| Etiologia
| Antecedentes
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Exame objectivo | ||
Características da crise Lesões associadas Evidência de lesão intracraniana Sinais de doença concomitante | ||
Exames complementares | ||
Dados laboratoriais
| Neuro-imagiologia
*TAC-CE: mais sensível para hemorragia nas primeiras horas; mais facilmente disponível na urgência *RM-CE | Electroencefalograma
|
TRATAMENTO
A abordagem terapêutica do EME e EME refractário é ilustrada no Quadro 4.
QUADRO 4 – Tratamento do EME e do EME refractário
Tratamento EME | |
Avaliação inicial | |
| |
Sem acesso IV | Com acesso IV |
DIAZEPAM 0,5 mg/kg rectal (máx. 10 mg/dose) MIDAZOLAM 0,2 mg/kg IM (máx. 6 mg/dose) MIDAZOLAM 0,2 mg/kg intranasal (máx. 10 mg/dose) MIDAZOLAM 0,2-0,5 mg/kg bucal (máx. 10 mg/dose) | DIAZEPAM 0,1-0,3 mg/kg IV lento (3-5 minutos; máx. 10 mg/dose) |
Não cede em 5 minutos | |
2ª administração de benzodiazepina | |
Não cede em 5 minutos | |
FENITOÍNA 20 mg/kg IV em 15-20 minutos (máx. 1 g; velocidade de administração ≤ 1 mg/kg/min, pura ou diluída em soro fisiológico) | |
Não cede em 10 minutos | |
FENOBARBITAL 20 mg/kg IV (máx. 1 g; velocidade de administração ≤ 1 mg/kg/min) | |
Não cede 10 minutos após administração de fenobarbital (ou ≥ 30 minutos após o primeiro fármaco administrado) ↓ EME REFRACTÁRIO | |
30 minutos | Medidas gerais e investigação de emergência |
Se UCIP não disponível (até haver vaga): FENOBARBITAL 20 mg/kg IV (máx. 1 g; velocidade de administração ≤ 1 mg/kg/min) LEVETIRACETAM 20-30 mg/kg (velocidade de administração ≤ 5 mg/kg/min) – considerar nos casos de insuficiência renal, doença hepática ou metabólica, coagulopatias e crianças sob quimioterapia VALPROATO DE SÓDIO 20 mg/kg (velocidade de administração ≤ 3 mg/kg/min) – particular atenção: se crianças < 2 anos, doença hepática ou metabólica e coagulopatias | Ventilação mecânica Intensificar suporte hemodinâmico (poderá haver necessidade de drogas vasopressoras) Se houver sinais de hipertensão intracraniana, tratar em conformidade Manter anestesia até 12-24 horas depois da última convulsão clínica e/ou electroencefalográfica Optimizar tratamento de manutenção com anticonvulsante Monitorização electroencefalográfica contínua Tratar outras complicações do EME: mioglobinúria, hiperuricemia e hipertermia
|
≥ 30 minutos | |
MIDAZOLAM IV Bolus de 0,5 mg/kg seguido de perfusão a 2 mcg/kg/min Se persistência da convulsão: Após 5 minutos: Se ausência de convulsões nas últimas 24-48 horas: reduzir gradualmente perfusão de midazolam 1 mcg/kg/min cada 15 minutos TIOPENTAL IV Bolus de 2-4 mg/kg (velocidade de administração £ 50 mg/min) seguido de perfusão a 0,5-5 mg/kg/h Se persistência da convulsão: PENTOBARBITAL IV Bolus de 5-15 mg/kg (velocidade de administração £ 50 mg/min), seguido de perfusão a 0,5-5 mg/kg/h Se ausência de convulsões nas últimas 24-48 horas: Se recorrência de convulsões no desmame: reiniciar midazolam, tiopental ou pentobarbital PROPOFOL IV (> 5 anos) Bolus de 3-5 mg/kg, seguido de perfusão 1-15 mg/kg/h | |
Outros tratamentos de acordo com quadro clínico | |
VALPROATO DE SÓDIO: EM de ausências, EM mioclónico, EM por suspensão de VPA que fazia previamente e EM refractário PIRIDOXINA: Bolus IV/IM 50-100 mg em crianças com menos de 2 anos; manutenção: 50-200 mg PO/dia HIPOGLICEMIA: | |
Tratamento de manutenção (prevenção de recorrências) | |
FENITOÍNA 5-8 mg/kg/dia, 12/12 horas VALPROATO DE SÓDIO 20 mg/kg/dia, 12/12 horas FENOBARBITAL 3-5 mg/kg/dia, 12/12 horas |
De acordo com estudos recentes em casos seleccionados, e em função de estudos experimentais, a hipotermia durante tempo variável (32-35ºC) poderá ser também uma opção nos casos refractários.
Prognóstico
O prognóstico depende da etiologia, da duração das crises (se duração superior a uma hora o risco de morbilidade é ~50%, variando desde défice neurológico ligeiro, como hemiparesia, síndroma extrapiramidal, até insuficiência intelectual profunda e estado vegetativo), das complicações hemodinâmicas, metabólicas e hidro-electrolíticas.
Através de estudos por RM-CE comprovou-se sobretudo em crianças com idade < 1 ano, que proporção significativa de casos se relaciona com lesão do hipocampo com atrofia, associada a disgenesia cerebral prévia.
A terapêutica anticonvulsante adequada e atempada, minorando a duração do EME, constitui o principal factor com influência no referido prognóstico.
O estado de mal epiléptico é uma emergência médica. As medidas iniciais de suporte ventilatório, hemodinâmico e metabólico, associadas à terapêutica adequada das convulsões e da sua causa permitem, não só diminuir a mortalidade, como a morbilidade.
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