Sistematização e importância do problema

Um grupo importante de displasias esqueléticas integra entidades clínicas devidas a alterações dos receptores transmembrana, entre as quais se encontram as condrodisplasias associadas a defeitos do receptor 3 do factor de crescimento de fibroblastos (FGFR3) e a defeitos do receptor da PTH (ver atrás).

Entre as displasias relacionadas com mutações em diferentes loci no gene FGFR3 (sendo que a localização da mutação se correlaciona com o fenótipo) incluem-se:

  1. A displasia tanatófora de tipo I e II – a condrodisplasia letal mais comum, com uma prevalência de 1/35.000 nascimentos;
  2. A acondroplasia, a displasia esquelética/condrodisplasia, não letal, mais frequente, evidenciando prevalência de 1/15.000 a 1/40.000 nascimentos; e
  3. A hipocondroplasia.

Neste capítulo procede-se a uma abordagem sucinta das referidas condrodisplasias (1., 2., e 3.) dando ênfase à acondroplasia e a aspectos do diagnóstico diferencial.

1. DISPLASIA TANATÓFORA

Trata-se duma displasia grave, em geral letal no pré-parto (geralmente pré-termo) ou nas primeiras horas de vida, tendo decorrido a gravidez com poli-hidrâmnio. No exame físico ressalta fenótipo peculiar caracterizado essencialmente por macrocefalia, por vezes deformação craniana em “folha de trevo”, hipoplasia média facial, pescoço curto, tórax longo e estreito “em sino”, e membros muito curtos.

A destrinça entre tipo I e tipo II decorre de padrões radiográficos esqueléticos específicos. Sob os pontos de vista genético e biomolecular, cabe referir que no tipo I a mutação se situa no códon 650, com substituição de lisina por ácido glutâmico, enquanto no tipo II se associa a deleção da porção terminal carboxílica do FGFR3.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial principal faz-se com a acondrogénese, especialmente na forma homozigótica.

Nesta última situação a cabeça é de maiores dimensões, a ossificação é mais deficiente nos corpos vertebrais, especialmente na região lombar, verificando-se ausência no sacro, púbis, ílio e ísquio.

2. ACONDROPLASIA

Etiopatogénese e genética

A acondroplasia é o protótipo das condrodisplasias.

Todos os doentes com a acondroplasia típica têm mutações no gene FGFR3, códon 380 (arginina substituída por glicina), sendo a transmissão do tipo autossómico dominante; na sua maioria, os casos decorrem de uma nova mutação de progenitores normais.

Uma vez que, entre a população adulta com nanismo a acondroplasia é relativamente frequente, e frequentes são os casamentos entre tais pacientes, existe o risco hereditário de transmitir a cada descendente a doença (risco de 50% para as formas heterozigóticas, e 25% para as formas homozigóticas, estas últimas geralmente letais no período neonatal).

Manifestações clínicas

Tipicamente, o recém-nascido tem membros curtos, tronco alongado e estreito, macrocefalia com fronte proeminente, fontanela grande e nariz curto e dentes apinhados.

As alterações vertebrais manifestam-se por estreitamento do canal medular ao nível da coluna cervical e lombar. A gibosidade lombar que se verifica nas primeiras idades é substituída, com o avançar dos anos, por lordose lombar.

As alterações cranianas podem acompanhar-se de hidrocefalia em 6% dos casos, e de compressão ao nível do buraco occipital (5-10% dos casos) com risco de apneia central e morte súbita. Por vezes tal patologia pode associar-se a instabilidade da coluna cervical.

São comuns os quadros de hipoacusia e otite média recorrente associados a estenose do cavum, o que por vezes poderá estabelecer indicação para amigdalectomia.

O encurtamento dos membros é mais acentuado nos segmentos proximais e os dedos exibem muitas vezes uma configuração em tridente. O encurvamento mais acentuado da tíbia é notório, ao mesmo tempo que se verifica que o comprimento do perónio é desproporcionalmente mais comprido do que a tíbia.

Verifica-se hiperextensibilidade articular, embora ao nível do cotovelo se verifique restrição na extensão. Geralmente o comprimento ao nascer é anormalmente reduzido ou, por vezes, está no limite inferior do normal. Em regra, na idade adulta, a estatura é cerca de 118-145 cm no sexo masculino, e 112-136 cm no sexo feminino.

A inteligência é normal, excepto nos casos complicados de lesões neurológicas graves.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial faz-se essencialmente com outras formas de displasia com membros curtos, tais como, as displasias tanatófora, acondrogénese, metatrópica, torácica asfixiante, diastrófica, hipocondroplasia e síndroma de Ellis-van Creveld.

Actuação prática

A prestação de cuidados a pacientes com a patologia em análise implica um apoio multidisciplinar. De acordo com determinada sintomatologia específica, e com a coordenação por pediatra ou médico de família, poderão estar indicadas certas intervenções invasivas no âmbito da ORL, ortopedia e neurocirurgia.

Em centros especializados, com o apoio do endocrinologista, têm sido utilizados (de forma não consensual entre especialistas) fármacos tais como a GH (hormona de crescimento recombinante) e um análogo do péptido natriurético do tipo C como medidas para estimular o crescimento ósseo.

3. HIPOCONDROPLASIA

A hipocondroplasia partilha características clínicas e radiológicas esqueléticas com a acondroplasia, mas em menor grau e é mais ligeira. As dismorfias faciais são mais suaves, sendo que por vezes apenas é notória a proeminência frontal. Na idade adulta, em média são atingidas estaturas da ordem de 140 cm no sexo masculino e de 135 cm no sexo feminino.

Caracterizando-se esta condrodisplasia por muita heterogeneidade genética, cabe referir que em cerca de 3/4 dos pacientes foram detectadas alterações no gene FGFR3, correspondendo a mutação mais comum a alteração no códon 470; contudo, segundo a literatura, foram também detectadas anomalias ao nível do códon 540.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial faz-se essencialmente com a acondroplasia, pela sua expressão clínica e radiológica menos marcada. Com efeito, o fenótipo facial é aparentemente normal na hipocondroplasia, o que não acontece naquela.

Actuação prática

Quanto a actuação terapêutica do foro médico, nalguns centros tem sido utilizada a GH recombinante, a exemplo do que foi referido a propósito da acondroplasia.

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