Definição e importância do problema

As doenças neuromusculares (DNM) constituem um grupo nosológico heterogéneo, tendo em comum o compromisso da unidade motora num dos seus segmentos: neurónio motor ou 2º neurónio (tronco cerebral ou cornos anteriores da medula), raízes nervosas, nervo periférico, junção neuromuscular e músculo.

A maioria destas doenças é determinada geneticamente, tendo nas duas últimas décadas ocorrido um importante avanço na genética molecular, permitindo um diagnóstico mais rigoroso, o aconselhamento genético e o diagnóstico pré-natal.

As alterações supranucleares, ou seja, as situações em que a disfunção encefálica determina a disfunção motora (como a paralisia cerebral) não se incluem no conceito de doenças neuromusculares.

A classificação das DNM pode ser feita de acordo com a topografia, carácter congénito e adquirido, agudo ou crónico, e progressivo ou estático. (Quadro 1)

QUADRO 1 – Doenças neuromusculares classificadas de acordo com a sua topografia e etiologia

Neurónio Motor Periférico

    • Causa Genética: Atrofia Muscular Espinhal – I a III
    • Causa Adquirida: Poliomielite

Raízes e Nervos Periféricos

    • Causa Genética: Neuropatias Hereditárias Sensitivo-Motoras
    • Causa Adquirida: Síndroma de Guillain-Barré, Paralisia de Bell

Junção Neuromuscular

    • Causas Genéticas: Síndroma Miasténica Congénita
    • Causa Adquirida: Miastenia Gravis e Botulismo

Fibra Muscular

    • Causas Genéticas: Distrofias Musculares, Miopatias Congénitas, Distrofias Miotónicas e Miotonias, Miopatias Metabólicas
    • Causas Adquiridas: Miopatias Tóxicas, Miopatias Infecciosas, Miopatias Inflamatórias, incluindo Dermatomiosite Juvenil

Etiopatogénese e relação com a semiologia clínica

A anamnese e o exame do sistema neuromuscular permitem a suspeição da existência de uma DNM e da sua etiologia provável. A anamnese deverá incluir múltiplos dados relevantes, sendo de salientar a idade de início dos sintomas e a sequência temporal destes, o género do doente, a progressão temporal da doença (aguda, subaguda ou crónica), a presença de história familiar- sugerindo etiologia genética, ou o envolvimento de outros órgãos e sistemas (nomeadamente a nível cardíaco, pulmonar, cerebral, gastrintestinal, ou renal).

O exame físico, na suspeita de DNM, deve incluir a avaliação da presença de dismorfismos, da postura, da marcha, da atividade motora espontânea, do aumento do esforço respiratório, do volume das massas musculares, da presença de fasciculações, e da mobilidade articular (presença de contraturas articulares ou de hiperlaxidão ligamentar, por exemplo). A avaliação rigorosa do tónus muscular e da força muscular são fundamentais na caracterização clínica de uma possível DNM.

A hipotonia periférica ou neuromuscular relaciona-se com lesão da unidade motora. É muito menos frequente do que a hipotonia central. Quando se origina no período pré-natal, pode associar-se a artrogripose, diminuição dos movimentos fetais e poli-hidrâmnio (por dificuldades da deglutição do feto). A hipotonia é generalizada e simétrica, associa-se a parésia, a hipomobilidade, a hipo ou arreflexia (osteotendinosa e dos reflexos arcaicos), e a atrofia muscular. Geralmente não há dismorfismos associados.

No lactente, devido à hipotonia fisiológica observada a partir do 2º mês de vida, o atraso nas aquisições do desenvolvimento motor assume um papel importante.

O espectro de gravidade clínica no recém-nascido e no lactente é grande (Quadro 2), manifestando-se desde hipotonia com ligeiro atraso do desenvolvimento motor, até quadro de dificuldade alimentar (por sucção débil) e insuficiência respiratória. A abordagem terapêutica do recém- nascido com grave compromisso motor e respiratório é delicada, constituindo um problema ético.

Consideram-se parâmetros indicadores de mau prognóstico: índice de Apgar ≤ 5 aos 5 minutos, prematuridade < 36 semanas de gestação, presença de artrogripose e necessidade de ventilação mecânica por período > 4 semanas.

A hipotonia central é secundária a lesão do SNC (encefalopatias não progressivas – encefalopatia hipóxico – isquémica; cromossomopatias – síndromas de Down ou Prader-Willi; e doenças hereditárias do metabolismo – doenças dos peroxissomas, entre outras causas).

Como sinais mais sugestivos, apontam-se: o predomínio axial da hipotonia, a letargia e/ou convulsões, o exame neurológico com assimetrias (sugerindo lateralização), a persistência dos reflexos arcaicos, a hiperreflexia ósteo-tendinosa, a presença de dismorfismos e, habitualmente, a preservação da força.

Na hipotonia mista há compromisso central e periférico simultâneo, com sobreposição dos sinais clínicos referidos. São exemplos, as citopatias mitocondriais e as leucodistrofias.

A criança mais velha com doença muscular apresenta-se geralmente com compromisso das cinturas, caracterizado por défice motor proximal e atrofia dos músculos das cinturas escapular e pélvica.

A perturbação da marcha, que pode ser adquirida tardiamente, associa-se a quedas frequentes e à dificuldade em correr ou subir escadas.

Na marcha miopática (que sugere doença muscular ou uma das atrofias musculares espinhais) observa-se báscula alternada da bacia para compensar parésia proximal dos membros inferiores. Há acentuação da lordose lombar, e sinal de Gowers – (para se levantar, a criança inclinada para a frente com joelhos semiflectidos, vai apoiando as mãos nos membros inferiores, gradualmente dos pés para os joelhos, “como que “ajudando” com as mãos a estender os joelhos, a endireitar o tronco, e como que “estivesse a subir sobre si mesma”. A positividade deste sinal, para além do 3 anos indica provável DNM.

De acordo com o tempo de evolução da doença poderá haver retracções tendinosas (como a retracção do tendão de Aquiles) e deformidades esqueléticas (como o pé equino e varo) associadas ao défice motor e à atrofia muscular. Outras manifestações de doença neuromuscular são possíveis, como o palato arqueado, a paralisia facial e ocular (com ptose palpebral) e a luxação congénita da anca (consequência de hipomobilidade intrauterina).

Um défice motor com predomínio distal, atrofia muscular, hipo ou arreflexia e compromisso, também distal, da sensibilidade, sugerem o diagnóstico de neuropatia periférica. Nesta situação pode observar-se a marcha com steppage: a flexão excessiva das coxas compensa a parésia de dorsiflexão dos pés (pés pendentes).

O padrão evolutivo da doença pode sugerir um diagnóstico específico. Refira-se a fatigabilidade crescente ao longo do dia, típica de miastenia, ou o padrão de surtos desencadeados por infecções, actividade física ou jejum, sugestivos de miopatias metabólicas (citopatias mitocondriais ou glicogenoses), ou paralisia periódica.

Na distrofia miotónica e nas miotonias congénitas ocorre um fenómeno de dificuldade no relaxamento muscular após uma contracção voluntária (habitualmente mais proeminente nos músculos distais).

A associação das alterações neuromusculares com doença sistémica (hepática ou cardíaca) e metabólica (como a acidose láctica), ou de uma afecção do SNC (pela clínica e pela imagiologia), sugerem citopatia mitocondrial.

Nalguns subtipos de distrofia muscular congénita, e na distrofia miotónica, também há envolvimento do SNC. Na distrofia muscular progressiva de Duchenne podem ocorrer cardiopatia e défice cognitivo ligeiro.

O espectro fenotípico das doenças neuromusculares é muito amplo quanto à gravidade mas, na mesma família, o fenótipo tende a ser semelhante.

QUADRO 2 – Doenças neuromusculares e gravidade clínica no recém-nascido e lactente com hipotonia

*Neuropatias hereditárias sensitivo-motoras (NHSM)

Doença NM Grave

    • Dificuldade alimentar
    • Insuficiência respiratória

Atrofia Muscular Espinhal tipo 1
NHSM tipo III (forma congénita) *
Distrofia Muscular Congénita (merosina negativa)
Síndroma Miasténica Congénita
Distrofia Miotónica Congénita
Miopatia Centronuclear
Miopatia Nemalínica
Miopatia Mitocondrial

Doença NM Moderada

    • Atraso do desenvolvimento motor
    • Graus variáveis de paralisia e atrofia muscular

Atrofia Muscular Espinhal tipo 2
NHSM tipo III
Distrofia Muscular Congénita (merosina positiva)
Miopatias Congénitas
Mitocondriopatias

Doença NM Ligeira

    • Com uma vida quase normal

Atrofia Muscular Espinhal tipo 3
Síndroma Miasténica Congénita
Miopatias Congénitas

Exames complementares

A anamnese e o exame objectivo permitem a suspeita de doença neuromuscular, assim como da localização (segmento da unidade motora provavelmente afectado).

Os exames complementares de diagnóstico mais úteis são a enzimologia muscular (doseamento da fosfocreatinocinase – CPK), o electromiograma (EMG), a biópsia de músculo, a biópsia de nervo, as provas terapêuticas (como a prova do edrofónio), e os estudos de genética molecular. Refira-se ainda o estudo metabólico, os exames imagiológicos (TAC e RM), e a avaliação cardíaca (ecocardiografia).

O doseamento da CPK poderá ser útil na diferenciação entre doenças musculares primárias e neuropatias. No recém-nascido, um aumento de CPK poderá indicar distrofia muscular congénita ou distrofia miotónica congénita; no lactente e criança mais velha colocam-se as hipóteses de distrofia muscular congénita, miosite, distrofia muscular progressiva (mesmo em fase pré-sintomática), miopatias congénitas e distrofia miotónica infantil. Nos rapazes no 3º ano de vida com atraso na aquisição ou alterações da marcha, o doseamento de CPK é importante, e caso seja elevado (> 10.000 UI/L) há indicação para realizar estudo genético, dispensando-se o EMG ou a biópsia muscular.

O EMG permite diferençar qual o segmento da unidade motora afectado, sendo especialmente útil para o rápido diagnóstico de atrofia muscular espinhal tipo I (AME I – doença de Werdnig-Hoffman), de neuropatia (distinguindo a neuropatia desmielinizante da axonal, sendo fundamental o registo da velocidade de condução nervosa), e de doença da placa motora (a estimulação repetitiva do músculo induz fatigabilidade progressiva).

A biópsia de músculo (com microscopia óptica, electrónica ou com estudo imuno-histoquímico) permite o diagnóstico dos vários tipos de doenças musculares. Na distrofia muscular congénita, distrofia muscular progressiva e distrofia miotónica congénita, a microscopia óptica comprova a distrofia, sendo necessário o estudo imuno-histoquímico para uma classificação mais completa (estudo da presença de merosina ou de distrofina e sarcoglicanos, com recurso a técnicas de Western Blotting para análise quantitativa). Igualmente importante para caracterizar várias miopatias congénitas e para o diagnóstico de miopatia inflamatória.

A biópsia do nervo confirma a hipótese de neuropatia, classificando-a (por exemplo: desmielinizante ou hipomielinizante).

A RM – CE poderá ser útil nas citopatias mitocondriais (alteração de sinal dos núcleos da base e da substância branca), na distrofia muscular congénita com afecção do SNC (defeitos de desenvolvimento cortical e atrofia cerebelosa) e na distrofia miotónica congénita (áreas de possível gliose cerebral).

O estudo metabólico (lactato, piruvato, amónia, aminoácidos, ácidos orgânicos, entre outros) deve ser realizado se existir suspeita de doença metabólica.

A avaliação cardiológica deve ser feita na suspeita de doença neuromuscular que se associe a cardiopatia (miocardiopatia ou disritmias), como a distrofia muscular progressiva – de Duchenne ou de Becker, algumas mitocondriopatias, glicogenoses, algumas miopatias congénitas e distrofia miotónica.

Os estudos de genética molecular, realizados em centros especializados, são essenciais para a confirmação diagnóstica de algumas doenças neuromusculares e sua classificação mais exacta (classificação que, com os progressos rápidos da ciência, se desactualiza a breve trecho).

Os estudos de genética molecular são essenciais para a confirmação diagnóstica das doenças neuromusculares genéticas. Estes estudos são particularmente úteis para distinção das diferentes formas de distrofias musculares, de miopatias congénitas, de miopatias mitocondriais e de polineuropatias sensitivo-motoras (agrupadas com a designação genérica de CMT- proveniente do epónimo doença de Charcot-Marie-Tooth, que designa grande parte das neuropatias genéticas). Igualmente nos casos suspeitos de distrofinopatia pela verificação de elevação do CPK em jovens pré-escolares do sexo masculino, com hipertrofia dos gémeos/ retração do tendão de Aquiles, ligeiro atraso no início da marcha, com ou sem antecedentes familiares de doença muscular, está indicado o estudo inicial do gene DMD.

Saliente-se que os painéis NGS atualmente disponíveis não identificarão as doenças neuromusculares genéticas devidas à variação do número de cópias, sendo necessário para estas métodos de diagnóstico próprios (como ocorre na maioria dos casos de Distrofia Muscular de Duchenne/ Becker, distrofia fascio-escápulo-umeral, ou na distrofia miotónica, por exemplo). 

Tratamento

A abordagem terapêutica destas doenças consiste sobretudo em métodos paliativos, como a reabilitação motora e a cirurgia ortopédica, tentando minorar os défices motores apresentados pelos doentes. A abordagem terapêutica do recém-nascido com grave compromisso motor e respiratório é delicada, constituindo um problema ético. Nas patologias em que pode haver compromisso da função respiratória, esta deve ser avaliada periodicamente, iniciando, logo que se justifique, programa de ventilação (inicialmente não invasiva, e intermitente, como o BIPAP nocturno); se existirem dificuldades alimentares há que ponderar a gastrostomia. A restante patologia associada (cardiológica, oftalmológica, pedopsiquiátrica, otorrinolaringológica) deverá ser avaliada pelo especialista respectivo por indicação do médico responsável.

Alguns tipos de doença neuromuscular progressiva têm terapêutica farmacológica específica (por exemplo: várias modalidades de imunomodulação e medicamentos colinérgicos na miastenia grave, e corticóides na distrofia muscular de Duchenne).

Uma nova etapa no tratamento das doenças neuromusculares genéticas começa agora. Em 2017 foi aprovada a primeira terapia genética para Atrofia Muscular Espinhal (nusinersen). As terapias aprovadas ou em avaliação através de ensaios clínicos podem ser assim sumarizadas, referindo-se apenas as principais:

  1. Terapêuticas de interferência no mRNA:
    1. exon skipping com oligonucleotidos antisense para promover a restauração da reading frame  em diversos estudos nomeadamente em doentes com Distrofia Muscular de Duchenne com deleções que causam disrupção da reading frame
    2. modificadores do splicing do pre mRNA com oligonucleotidos antisense terapêuticas já aprovadas para Atrofia Muscular Espinhal (nusinersen e risdiplam)
    3. supressão do nonsense promove a leitura do mRNA através de um codão stop prematuro, aumentando a síntese da proteína (ataluren, já aprovado para Distrofia Muscular de Duchenne com mutações nonsense)
  2. Terapia génica: é realizada a transdução do gene através da sua inclusão num vector viral (AAV- vírus adeno-associados) administrado endovenosamente (onasemnogene abeparvovec, já aprovado para Atrofia Muscular Espinhal, outros em avaliação em ensaios clínicos)

A integração do indivíduo com doença neuromuscular no seu meio é um desafio multidisciplinar, envolvendo diferentes parceiros (assistente social, professores, entre outros), e a obtenção de ajudas técnicas (cadeiras de rodas, coletes ortostáticos, computadores, etc.).

Formas clínicas

De acordo com o segmento da unidade motora afectado, são descritas sucintamente as doenças neuromusculares mais frequentes e/ou mais típicas em clínica pediátrica.

1. Doenças do corno anterior medular

Atrofia muscular espinhal (AME)

Importância do problema: trata-se de uma doença degenerativa (por mecanismo apoptótico) dos cornos anteriores medulares e dos núcleos motores de alguns pares cranianos.

Constitui a segunda doença neuromuscular mais frequente (a seguir à distrofia muscular de Duchenne), com uma incidência de 1/20.000 recém-nascidos. 

Etiologia: a AME é uma doença genética autossómica recessiva associada em 95% dos casos à deleção homozigótica do exão 7 do gene SMN-1 (Survival Motor Neuron, de localização telomérica), no braço longo do cromossoma 5 (5q11q13). A gravidade do fenótipo relaciona-se com o número de cópias existentes do gene SMN-2 (idêntico ao SMN-1, mas situado no centrómero); é menos grave se houver muitas cópias presentes, justificando-se assim a variabilidade fenotípica.

Patologia: existe atrofia muscular neurogénica (desnervação) ou secundária.

Clínica e evolução: variam de acordo com a idade de início e a gravidade do envolvimento motor:

  1. AME – 1 (Doença de Werdnig-Hoffmann). É a causa mais frequente de hipotonia neuromuscular no recém-nascido e no lactente. Os sinais clínicos têm início antes dos 6 meses de idade, não adquirindo a criança a capacidade de se sentar sem apoio. Os movimentos fetais são escassos. As manifestações iniciais são: hipotonia progressiva, parésia de predomínio proximal, arreflexia e fasciculações da língua. A afecção dos músculos intercostais e bulbares leva a compromisso respiratório, com insuficiência e infecções respiratórias graves, sendo estas a causa de mortalidade, ocorrendo geralmente antes dos 2 anos de idade.
  2. AME – 2 (Forma Intermédia). Inicia-se entre os 6 e 12 meses de idade, com hipotonia e parésia (sobretudo dos membros inferiores). A criança consegue sentar-se sem apoio, embora não adquira a marcha. Há um progressivo envolvimento dos membros superiores e dos músculos respiratórios, com compromisso respiratório na segunda década de vida (causa de morte).
  3. AME – 3 (Doença de Kugelberg-Welander). Tem início após os 18 meses de idade, com aquisição da marcha (embora com dificuldades associadas). Há diminuição da força das cinturas pélvica e escapular. Poderá haver perda da marcha na segunda década de vida.

Diagnóstico: é confirmado pelo EMG, biópsia de músculo e estudo de genética molecular.

Poliomielite

Etiopatogénese e clínica: a infecção pelo poliovírus tipos 1-3 (enterovírus) é hoje pouco comum nos países desenvolvidos e designadamente em Portugal, o que se explica pelo sucesso dos programas de imunização.

O período de incubação oscila geralmente entre 8-12 dias (com variações entre 5 e 35 dias).

Descrevem-se as seguintes formas clínicas:

  1. Forma assintomática (mais de 90% dos casos);
  2. Doença minor ou não paralítica (cerca de 5% dos casos). As manifestações clínicas são: febre, mal-estar, odinofagia e vómitos surgindo cerca de 4 dias após exposição ao vírus; a evolução é favorável com cura espontânea;
  3. Forma paralítica (cerca de 0,1% dos casos) ocorrendo com uma sequência de manifestações idênticas às da doença minor;
  4. Por sua vez, a poliomielite paralítica integra 3 síndromas distintas relacionadas com os territórios do SNC mais intensamente afectados:
    1. bulbar acompanhada de paralisias dos músculos faciais, da mastigação, respiratórios, etc. em função dos centros afectados;
    2. polioencefalite em que se verifica compromisso dos centros superiores do encéfalo; podem surgir convulsões e coma, para além de paralisia espástica e sinais de irritação meníngea;
    3. espinhal: é esta forma que é paradigmática da afecção do corno anterior e que justifica a inclusão da poliomielite neste capítulo de doenças neuromusculares.

Para além de fasciculações e espasmos, salienta-se a particularidade da paralisia flácida assimétrica, sobretudo das áreas proximais do membro inferior de um lado (um só músculo ou grupos de músculos), podendo posteriormente outro membro (superior) também ser atingido. A fase de paralisia tem duração variável com recuparação ou sequelas, o que depende do grau de lesão neuronal. A paralisia dos membros inferiores pode associar-se a disfunção vesical ou dismotilidade intestinal. Se forem afectados os segmentos espinhais cervicais e torácicos, pode surgir insuficiência respiratória.

Tratamento: o tratamento é sintomático, sendo que não existe tratamento específico antivírico. Na fase aguda estão contraindicados procedimentos cirúrgicos e injecções intramusculares.

De referir que as estirpes de vacina viva podem originar infecções fatais em crianças com agamaglobulinémia ou imunodeficiência combinada.

2. Polirradiculoneuropatias

Síndroma de Guillain-Barré (SGB)

Definição e importância do problema: trata-se de uma polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda, levando a paralisia progressiva após infecção ou imunização.

A SGB tem uma prevalência de 1-4/100.000, afectando, em geral, as crianças com idade superior a 2 anos. Ocorre insuficiência respiratória em 25% dos casos, sendo necessária ventilação artificial. A mortalidade é cerca de 2-3% na criança, sendo superior no adulto (até 15%). 

Etiopatogénese: observa-se lesão do neurónio motor (raiz e nervo periférico) com desmielinização, presença de linfócitos e de macrófagos, mediada por mecanismo auto-imune (presença de auto-anticorpos anti-gangliósido – GM1 e GM1b). Uma infecção ou imunização que leve a uma alteração das populações de células T supressoras, e de linfócitos T e B que reconhecem antigénios do sistema nervoso, poderá estar na génese do SGB. A infecção desencadeante tem geralmente etiologia vírica (VEB, CMV, VHA, VHB, vírus da varicela-zóster, vírus do sarampo e da rubéola, Influenza A e B, Coxsackie e Echovirus), embora possa ser bacteriana (Campylobacter jejuni e Mycoplasma). As vacinas anti-rábica ou anti-influenza também se associam a SGB.

Clínica e evolução: a redução gradual da força e as parestesias são as queixas iniciais. A avaliação neurológica revela uma paralisia generalizada, essencialmente simétrica, geralmente distal (embora possa ser proximal ou mista), com carácter ascendente (sequencialmente: membros inferiores, membros superiores, tronco, e face) e arreflexia generalizada. A paralisia dos músculos respiratórios com necessidade de ventilação mecânica é uma complicação da SGB.

Caso haja ataxia e oftalmoplegia é provável tratar-se da síndroma de Miller-Fisher (SGB com afecção dos pares cranianos). Há sinais de disfunção dos nervos autonómicos tais como hipotensão, taquicardia, hipertensão e arritmia cardíaca; pode verificar-se igualmente disfunção do esfíncter vesical. Após o início dos primeiros sintomas pode haver agravamento no período de 10 a 30 dias.

Diagnóstico: o exame do LCR revela dissociação albumino-citológica (hiperproteinorráquia com contagem celular < 10 células/mm3). A electrofisiologia revela diminuição das velocidades de condução nervosa sensitiva e motora, compatível com desmielinização. O diagnóstico diferencial deve ser feito com as neuropatias periféricas (tóxicas e infecciosas), a poliomielite (sobretudo a vacinal), mielopatia aguda por compressão medular (tumor, trauma, abcesso), esclerose múltipla, doença muscular (polimiosite, miopatia mitocondrial) e doença da placa neuromuscular (miastenia gravis).

Prognóstico: a recuperação é, em geral, completa, havendo sequelas neurológicas em 5-25% dos doentes. Pode haver recorrência de SGB em 3% dos casos. Os factores de mau prognóstico são: maior gravidade do défice motor; maior período desde o início da doença até ao início da recuperação, e EMG com sinais de desnervação.

Tratamento: a instabilidade clínica obriga a internamento hospitalar com monitorização contínua dos parâmetros vitais; poderá ser necessário entubação para ventilação imediata. A abordagem terapêutica actual baseia-se na administração de imunoglobulina (2 g/kg) por via intravenosa (dose total), em 2 dias – com resultados sobreponíveis à plasmaferese.

Neuropatias hereditárias sensitivo-motoras (CMT/Charcot-Marie-Tooth)

Importância do problema: as neuropatias hereditárias sensitivo-motoras são o grupo de doenças degenerativas do sistema nervoso periférico mais comuns na criança (40% das neuropatias crónicas).

Etiopatogénese e clínica: a degenerescência da bainha de mielina e/ou axónios leva a uma amiotrofia paralítica distal com arreflexia, envolvendo inicialmente os membros inferiores. Os avanços na genética molecular contribuiram para uma melhor compreensão destas doenças.

A classificação actual combina critérios electromiográficos (demielinizante versus axonal) com padrões de transmissão genética: dominante e desmielinizante (CMT1), dominante e axonal (CMT2), recessiva (CMT4).

  1. CMT1A (dominante, desmielinizante, duplicação do gene PMP22 no cromossoma 17); pode surgir na criança depois dos 3 anos de idade.
  2. CMT4 (recessiva, múltiplos genes descritos) (o epónimo Déjerine- Sottas era anteriormente usado para algumas destas neuropatias); o quadro clínico tem início na infância precoce com paralisia predominantemente distal, arreflexia, por vezes hipertrofia de troncos nervosos, associando-se a não aquisição ou perda da marcha.
  3. Uma forma congénita mais grave (neuropatia congénita hipomielinizante, também com vários genes identificados) pode ainda determinar insuficiência respiratória e compromisso dos músculos bulbares.

Diagnóstico: o EMG é fundamental, revelando redução na velocidade de condução nervosa. A biópsia de nervo realiza-se actualmente com menor frequência, tendo vindo a ser substituída pelos estudos de genética molecular.

Paralisia de BELL

Definição e etiopatogénese: a paralisia de Bell é uma paralisia aguda do nervo facial, unilateral, não associada a outras neuropatias cranianas ou a disfunção do tronco cerebral.

Surge em todas as idades abruptamente, cerca de 2 semanas após uma infecção vírica (mais frequentemente por vírus Herpes simplex tipo 1), mas também em associação a Mycoplasma ou Borrelia. De tal resulta neuropatia desmielinizante do VIIº nervo craniano.

Trata-se dum processo de mecanismo imune, secundário à agressão infecciosa inicial. No período neonatal, a paralisia facial pode resultar de compressão traumática do nervo facial por forceps.

Clínica, tratamento e prognóstico: verifica-se no lado afectado parésia da hemiface, sulco nasogeniano menos marcado, comissura labial mais aproximada da linha média e impossibilidade de aproximação das pálperas (lagoftalmo por paralisia orbicular).

Existe diminuição da sensibilidade gustativa dos 2/3 anteriores da língua em cerca de 50% dos casos. No RN a assimetria da mímica facial pode raramente ser causada por ausência congénita do músculo depressor angular oris.

Por vezes verifica-se hipertensão arterial. Como há impossibilidade de aproximação das pálpebras do lado afectado (trata-se duma paralisia facial periférica) pode surgir conjuntivite ou ceratite secundária, implicando cuidados especiais (protecção do globo ocular) com penso oclusivo, a definir pelo oftalmologista.

A prednisolona oral (1 mg/kg/dia) durante 7 dias, iniciada nos primeiros 3-5 dias da evolução poderá contribuir para processo de melhoria mais rápida. A fisioterapia está indicada nos casos arrastados.

O prognóstico é favorável com recuperação espontânea em cerca de 90% dos casos, a qual, no entanto, pode verificar-se em 2-3 meses.

3. Doenças da junção neuromuscular

Estas doenças, raras em Pediatria, integram três tipos:

Síndroma miasténica congénita (não autoimune)

Pode manifestar-se desde o nascimento (raramente), ou durante a infância. Diferentes defeitos ao nível pré-sináptico, sináptico ou pós-sináptico levam a défices distintos (nos receptores colinérgicos, na acetilcolinesterase, etc.). Existem diferentes padrões de transmissão genética (autossómica recessiva ou autossómica dominante) e várias mutações descritas.

O diagnóstico de síndroma miasténica congénita deve ser considerado quando há hipotonia com choro fraco (num recém-nascido ou lactente), fatigabilidade afectando a musculatura ocular, bulbar e dos membros, existência de familiar com quadro clínico semelhante, resposta electromiográfica alterada com a estimulação repetitiva e doseamento de anticorpos anti-receptores de acetilcolina (ACh) negativo. A resposta à terapêutica com medicamentos colinérgicos é geralmente insuficiente.

Miastenia gravis com início juvenil (autoimune)

Caracteriza-se por apresentação aguda de fraqueza muscular nos membros, com fadiga crescente ao longo do dia e envolvimento bulbar (dificuldade na mastigação, na deglutição e na fonação) e ocular (ptose palpebral bilateral e oftalmoplegia). Associa-se a outras doenças autoimunes, sobretudo a hipotiroidismo. A investigação deverá incluir uma prova terapêutica (com edrofónio, ou com neostigmina); o doseamento de anticorpos anti-receptores de ACh; o EMG (com estimulação repetitiva de um nervo motor, obtendo-se potenciais cada vez menos amplos, com aumento do tempo de latência pela fatigabilidade muscular); e a TAC torácica (para pesquisa de timoma). A abordagem terapêutica inclui fármacos colinérgicos, corticoterapia, imunossupressores, gamaglobulina endovenosa, plasmaferese e, por vezes, a timectomia.

Miastenia neonatal transitória

Trata-se duma forma transitória no recém-nascido, filho de mãe com miastenia gravis (ocorrendo em 15% dos casos); manifesta-se nas primeiras 48 horas de vida com sinais miasténicos acentuados (SDR, hipotonia, actividade motora diminuta, reacção fraca ou ausente, dificuldade na deglutição) que duram enquanto houver anticorpos anormais no sangue e músculo. Não existe risco da miasteria grave mais tarde.

O tratamento é sintomático (assistência respiratória, alimentação com sonda gástrica, etc.), incluindo em geral a administração de colinérgicos.

4. Doenças musculares

As doenças musculares constituem um conjunto heterogéneo de patologia afectando primariamente o músculo, na sua maioria transmitidas geneticamente.

Distrofias musculares progressivas

O termo distrofia significa crescimento anormal e deriva do Grego trophe, que corresponde a alimento ou nutrição.

Uma distrofia muscular distingue-se de todas as outras doenças neuromusculares por 4 critérios obrigatórios: miopatia; base genética; evolução progressiva; e degenerescência e morte das fibras musculares em diversas fases da doença.

As distrofias musculares progressivas heredofamiliares são caracterizadas anátomo-patologicamente por alteração do músculo (fibras musculares necrosadas, com sinais de regeneração, hialinizadas, com mistura de fibras atróficas e hipertróficas, e ainda proliferação de colagénio e adipócitos na zona da lesão das fibras musculares), o que se traduz na clínica pela ocorrência de pseudo-hipertrofia dos gémeos e miocardiopatia).

Para além da distrofia muscular de Duchenne e de Becker, a que se dá ênfase como formas de distrofia muscular progressiva, cabe referir ainda a distrofia facio-escápulo-umeral (apenas citada).

  • Distrofias musculares progressivas de Duchenne (DMD) e de Becker (DMB). A DMD é a doença neuromuscular hereditária mais comum, com padrão de transmissão recessiva ligada ao cromossoma X. Tem uma incidência aproximada de 17 por 100.000 recém-nascidos. A DMB tem uma menor incidência (cerca de um terço), mas igual prevalência devido à maior longevidade nesta última.
    Pelo facto de a proteína implicada na etiopatogénese ser a distrofina, estas doenças também se denominam distrofinopatias. O gene da distrofina, localizado no braço curto do cromossoma X (Xp21), apresenta habitualmente deleção, sendo possível demonstrá-lo em 60-70% dos casos na DMD, e em 90% dos casos na DMB.

A distrofina localiza-se nas membranas celulares dos miócitos, encontrando-se também no SNC. Cerca de 30% dos casos deve-se a novas mutações. As mulheres portadoras são geralmente assintomáticas, embora raramente possa haver manifestações ligeiras a moderadas (por lionização desigual, mosaicismo X0/ XX, ou cromossoma X anómalo).

Na DMD a distrofina está ausente, e na DMB há produção de distrofina, embora em menor quantidade ou com menor peso molecular.

As manifestações clínicas iniciais da DMD têm início entre os 2-4 anos (por vezes mais cedo), com pseudo-hipertrofia dos gémeos, sinal de Gowers e marcha miopática. Aos 6-7 anos surge envolvimento da cintura escapular, e entre os 9-12 anos há perda da marcha autónoma. No final da segunda década de vida ou início da terceira há insuficiência respiratória e cardíaca, conduzindo à morte. Na DMB os sintomas iniciam- se entre os 6-7 anos (ou mais tarde); a perda da marcha nem sempre acontece.

Ocorre défice cognitivo, em geral ligeiro, em 30% dos casos de DMD, e em 10% dos casos de DMB. A cardiomiopatia observa-se em mais de metade dos doentes com distrofinopatia, afectando sobretudo a parede póstero- lateral do ventrículo esquerdo e levando a valvulopatias e arritmias.

O diagnóstico baseia-se fundamentalmente na genética molecular e na biópsia muscular (nos 20% dos casos em que não se encontra a mutação). Em determinados casos, o doseamento de CPK (geralmente > 10.000 UI/L, sendo normal < 160) poderá dar o seu contributo. É possível diagnóstico pré-natal.

O tratamento com corticóides – prednisolona ou deflazacort – com início aos 5-6 anos (ainda com a massa muscular conservada), em esquema intermitente, parece reduzir a velocidade da progressão da doença, podendo atrasar em 1 a 3 anos a utilização da cadeira de rodas, e a progressão da cifoscoliose. O transplante de mioblastos e a terapia génica encontram-se em investigação. Relativamente a este último tópico, cabe referir estudos sofisticados (englobando vectores adenovíricos e fragmentos da molécula da distrofina/microdistrofina, de resultados ainda não conclusivos) com o objectivo de restaurar a expressão da distrofina.

Distrofias musculares congénitas (DMC)

A designação de DMC pode considerar-se confusa, pois todas as DM são geneticamente determinadas (transmissão AR é a regra).

Estas situações correspondem a um grupo heterogéneo de doenças degenerativas primárias e progressivas do músculo esquelético, com início no período intrauterino, ou até ao primeiro ano de vida. A incidência é cerca de 1/60.000 nascimentos, e a prevalência é de 1/100.000 habitantes. Várias DMC têm sido identificadas com base nas características clínicas, patológicas e genéticas: deficiência de merosina ou laminina alfa 2, tipo Ullrich (genes do colagénio 6A), com «rigid spine» (gene SEPN1), síndromas oculocerebromusculares (múltiplos genes) e outras.

No tipo mais frequente (no Japão, Alemanha, Escandinávia e Turquia) a seguir à DMD foi identificado defeito genético no locus 8q 31-33; e em certas formas clínicas, mutações em genes essenciais para a migração do neuroblasto no SNC, como o POMT1. É o designado por “tipo de Fukuyama”.

As DMC caracterizam-se por hipotonia, paralisia com predomínio proximal, arreflexia, retracções tendinosas, frequente afecção dos músculos respiratórios e dificuldade alimentar. Nalguns casos há afecção do SNC, com anomalias estruturais encefálicas, cardiomiopatia e microcefalia.

O diagnóstico baseia-se na clínica, no doseamento de CPK (com ligeiro/moderado aumento), na biópsia muscular e na genética molecular (diagnóstico definitivo).

Histologicamente ocorrem alterações distróficas musculares (fibras com calibre variável, com necrose e proliferação de tecido intersticial), podendo a imuno-histoquímica revelar a presença, ou não, de merosina (alfa-2 laminina).

A evolução clínica é em geral lentamente progressiva ou estática, podendo haver compromisso respiratório (com envolvimento do diafragma), levando à morte.

Outras distrofias musculares

Estão de longa data descritos na literatura neurológica doentes ou famílias com um fenótipo semelhante a DMD ou intermédio entre DMD e DMB, e um padrão de transmissão de doença recessiva ou dominante. Este grande grupo de distrofias musculares foi progressivamente individualizado com base em estudos de genética molecular. Utiliza-se habitualmente a sigla LGMD (limb-girdle muscular distrophy).

O tipo LGMD1 corresponde às formas dominantes que têm em geral uma apresentação mais tardia e um curso menos grave. O tipo LGMD2 designa as formas recessivas. Os subtipos classificam-se com letras (exemplos LGMD2A-calpainopatia, LGMD2B-disferlinopatia, LGMD2C-alfa-sarcoglicanopatia, etc.).

As distrofias musculares de tipo recessivo têm frequentemente um início na primeira infância. São relativamente frequentes, evidenciando pseudo-hipertrofia dos gémeos e cardiomiopatia. Algumas crianças têm uma apresentação «pseudo-metabólica» com episódios de mioglobinúria associados com esforço ou doenças infecciosas.

Miopatias congénitas

As miopatias congénitas são doenças primárias do músculo, na sua maioria de transmissão genética (com vários padrões), e manifestação precoce. Na base desta patologia estão diversos genes implicados em anomalias do processo de diferenciação da célula mesodérmica indiferenciada.

A evolução é lentamente progressiva ou estática. A histopatologia revela anomalia estrutural muscular, com variações no tamanho e número de fibras e/ou presença de inclusões evidenciadas por microscopia electrónica. Na sua origem haverá provavelmente uma anomalia do desenvolvimento e maturação das fibras musculares.

Geneticamente estão descritos diferentes loci implicados.

Como manifestações clínicas referem-se hipotonia, hiporreflexia, amimia facial, micrognatia e palato ogival. A CPK pode estar normal ou moderadamente aumentada; e o EMG revela potenciais motores polifásicos de baixa amplitude. A biópsia muscular associada à microscopia electrónica e a genética molecular confirmam o diagnóstico.

As miopatias congénitas mais bem caracterizadas são:

  • Miopatia central core
    Pelo exame anátomo-patológico identificam-se, nas fibras musculares tipo I, áreas centrais desprovidas de enzimas oxidativas. Há hipotonia neonatal e deformidades-luxação congénita da anca, cifoscoliose e contracturas dos dedos da mão em flexão.
    Estão descritos padrões de transmissão dominante, recessiva e formas esporádicas. Este tipo de miopatia evidencia susceptibilidade à hipertermia maligna.
  • Miopatia nemalínica 
    Histologicamente observam-se estruturas em forma de filamento (rods), compostas por a-actinina e desmina (dos discos z). Há heterogeneidade fenotípica, apresentando a forma mais grave hipotonia neonatal e paralisia proximal, amimia, dificuldade alimentar e respiratória, dismorfismos craniofaciais e envolvimento cardíaco. Os quadros menos graves têm um início mais tardio. O padrão de transmissão pode ser autossómico recessivo ou autossómico dominante. São conhecidas várias mutações genéticas afectando uma proteína muscular específica.
  • Miopatia centronuclear
    A microscopia revela miotúbulos fetais dispostos centralmente na fibra muscular, sugerindo um atraso na maturação do sistema sarcotubular. Há várias apresentações possíveis: na forma ligada ao cromossoma X (locus Xq28) a sintomalogia clínica é muito grave, com insuficiência respiratória e dificuldade alimentar após o parto; as formas autossómicas (recessivas ou dominantes) são menos graves, com variabilidade fenotípica. A sinomatologia é muito grave, com insuficiência respiratória, dificuldade alimentar, ptose palpebral, oftalmoplegia e ocasional envolvimento do SNC (com convulsões e défice cognitivo).

Doença miotónica (Doença de Steinert)

Com uma incidência de 1/30.000 na população geral e, de transmissão AD, é a segunda distrofia muscular mais comum nos EUA, Europa e Austrália. Não somente a musculatura estriada está afectada, mas igualmente e musculatura lisa do aparelho digestivo, útero e coração. Pode haver endocrinopatia, imunodeficiência e cataratas.

As manifestações iniciais aparecem no período pré-natal (artrogripose múltipla ou polidrâmnio) ou neonatal com hipotonia, fácies miopática, palato ogival, dificuldade alimentar e respiratória (com necessidade de ventilação); a mortalidade é elevada (25% dos doentes) por insuficiência respiratória. As crianças que sobreviveram ao 1º ano podem apresentar défice cognitivo e “fraqueza” facial, (lábio superior em V invertido) com melhoria evidente da função muscular até à 2ª ou 3ª década de vida, altura em que se instala um quadro de miopatia progressiva com défice cognitivo. A miotonia só se observa após o período neonatal. A mãe da criança é doente, podendo não manifestar os sintomas exuberantes.

A biópsia muscular sugere deficiente maturação muscular (fibras pequenas, pouco diferenciadas com padrão muito semelhante ao da miopatia miotubular). A genética molecular contribui para o diagnóstico, revelando a expansão da repetição do tripleto CTG na análise da mutação do gene DMPK (gene da miotonina-locus 19q13.3). Nesta doença há o fenómeno de antecipação que consiste numa maior precocidade no início da doença, e num aumento da gravidade da mesma nas gerações seguintes.

Miosites

A inflamação do tecido muscular ou miosite (pós-infecciosa) é uma situação aguda e transitória, possivelmente mediada imunologicamente, e desencadeada por uma infecção vírica (Enterovirus, Echovirus, Coxsackie B, Influenza A e B, VEB, HSV, Varicella-zoster, entre outros). O quadro clínico consiste em mialgias intensas (geralmente nos gémeos), com dor à palpação dos músculos envolvidos, e impotência funcional. A terapêutica é sintomática, sendo esta situação auto-limitada. As miosites de origem bacteriana ou parasitária são muito raras nos países desenvolvidos.

NOTA: Sugere-se a consulta do Glossário Geral relativamente aos termos Artrogripose e Miotonia.

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