Definição e importância do problema
Os feocromocitomas e os paragangliomas são tumores neuroendócrinos que têm a sua origem nos paragânglios, pequenos órgãos na sua maioria microscópicos, formados por acumulações ganglionares de células derivadas da crista neural que se distribuem simetricamente ao longo do sistema nervosos autónomo, desde a pelve à base do crânio, seguindo o eixo longitudinal do corpo.
Os paragangliomas podem ser funcionantes e segregar catecolaminas que, ao oxidar-se com os sais de crómio, adquirem uma cor castanha escura (tumores cromafins).
Segundo a terminologia actual, o termo feocromocitoma refere-se unicamente aos paragangliomas derivados das células cromafins da medula suprarrenal (intra-adrenais), os quais explicam cerca de 90% dos casos deste tipo de patologia; por outro lado, o termo paraganglioma reserva-se para os tumores extra-adrenais que, por sua vez, se classificam em simpáticos e parassimpáticos (em cerca de 10% dos casos).
Dando ênfase neste capítulo ao feocromocitoma, reiteram-se as seguintes noções: as células cromafins são elementos constituintes: – da medula suprarrenal; e de outras estruturas secretoras de catecolaminas: – cadeia simpática abdominal juxta – aórtica, ao nível da artéria mesentérica inferior ou sua bifurcação, área peri-suprarrenal, bexiga, uréteres, região torácica, cervical, etc.; e – cadeia parassimpática, ao longo dos ramos cranianos e torácicos dos nervos glossofaríngeo e vago localizando-se na cabeça, pescoço e mediastino superior.
As referidas neoplasias são raras na idade pediátrica, sendo responsáveis por cerca de 0,5 a 2% dos casos de hipertensão arterial neste período da vida. Com maior incidência entre os 9 e 12 anos e predomínio no sexo masculino, estão descritos casos familiares associados por vezes às síndromas de neoplasias endócrinas múltiplas familiares (sigla corrente em inglês – síndromas MEN ou multiple endocrine neoplasia) com um tipo de hereditariedade autossómica dominante e penetrância incompleta; estes quadros relacionam-se com mutações do proto-oncogene RET no cromossoma 10 (10q11.2).
As neoplasias classicamente englobadas na síndroma MEN são: tumores do lobo anterior da hipófise, tumores dos ilhéus pancreáticos, hiperplasia paratiroideia, tumores neurais, e carcinoma da medular tiroideia; tais entidades deverão ser, pois, pesquisadas em situações de feocromocitoma confirmado.
O feocromocitoma pode estar igualmente associado a neurofibromatose e a doença de Von Hippel-Lindau, situações também familiares.*
*A doença de von Hippel-Lindau (VHL) é uma doença autossómica dominante afectando cerca de 1/36.000 indivíduos, iniciando-se em geral após a adolescência. O gene VHL resulta duma mutação no braço curto do cromossoma 3. A verificação de, pelo menos, um dos seguintes critérios, permite o diagnóstico: 1- mais de um hemangioblastoma do SNC ou retina; 2- um só hemangioblastoma da retina ou SNC + complicações viscerais, incluindo designadamente feocromocitoma; 3- qualquer das manifestações referidas em 1- e 2- , associada a história familiar. |
Manifestações clínicas
Em cerca de 90% dos casos, o feocromocitoma é considerado uma situação benigna.
A maioria dos doentes apresenta a tríade clássica associada a crise de hipertensão arterial: cefaleia, sudação profusa e palpitações.
Especificando, pode afirmar-se que os sinais e sintomas deste tumor surgem em paroxismos como resultado do excesso de catecolaminas: hipertensão arterial (em geral a manifestação que se mantém constante), sudação, rubor, palpitações, taquicárdia, cefaleias, labilidade emocional, dores abdominais, náuseas, vómitos, obstipação, poliúria, polidipsia, etc.. Nas situações em que a criança é submetida a anestesia poderá surgir crise de encefalopatia hipertensiva. Estão descritos casos em que é identificável, pela palpação, tumor abdominal.
A malignidade (~10% dos feocromocitomas e paragangliomas) estabelece-se pela presença de metástases à distância (gânglios, fígado, pulmão e osso).
Exames complementares
Os exames complementares de diagnóstico podem ser sistematizados essencialmente em bioquímicos, de localização; e, no estado actual dos conhecimentos sobre a patologia em análise, pode afirmar-se que na idade pediátrica está também indicado o diagnóstico molecular (considerando-se como mais relevantes respectivamente, os genes: – VHL associado ao feocromocitoma; e SDHB associados a tumores malignos.
Segregando a medula suprarrenal epinefrina e nor-epinefrina cujos metabolitos podem ser doseados, o diagnóstico de feocromocitoma baseia-se classicamente na demonstração do aumento de catecolaminas plasmáticas e urinárias e seus metabolitos na urina de 24 horas.
As substâncias habitualmente doseadas na urina têm os seguintes valores de referência:
- epinefrina urinária (< 273 nmol/24 horas ou < 50 µg/24 horas);
- nor-epinefrina urinária (< 887 nmol/24h ou < 150 µg/24h); na criança predomina em relação à epinefrina;
- ácido vanilmandélico (VMA) (419 ± 131 nmol/kg/24h ou 83 ± 26 µg/kg/dia);
- os valores das catecolaminas podem estar falsamente aumentados se houver administração simultânea de ácido acetilsalicílico, penicilina, sulfamidas ou alimentos;
- ácido homovanílico – 16,5-87,8 nmol/mg de creatinina (3-16 mg/mg creatinina).
Nos casos de neuroblastoma excretam-se igualmente metabolitos das catecolaminas, (sobretudo dopamina e ácido homovanílico) mas não se verifica hipertensão.
Para a localização do tumor estão indicados diversos estudos imagiológicos a seleccionar em função do contexto clínico: ecografia, tomografia computadorizada com emissão de positrões (PET), ressonância magnética, pielografia intravenosa, cintilografia com MIBG (meta-iodo-benzil-guanidina), etc..
Diagnóstico diferencial
A hipertensão obriga a estabelecer o diagnóstico diferencial com outras situações tais como: doença renovascular, coarctação da aorta, hipertiroidismo, défice de 11-b hidroxilase, de 17-a hidroxilase, de desidrogenase de 11-b hidroxisteróide, aldosteronismo primário, tumores adrenocorticais, porfiria, disautonomia familiar, etc..
Tratamento
O tratamento é cirúrgico, sendo a técnica laparoscópica actualmente a primeira escolha; em casos bilaterais obrigando a suprarrenalectomia bilateral, deve providenciar-se, após a intervenção, o tratamento imediato da insuficiência suprarrenal primária.
Como actuação pré-operatória, a fim de bloquear a libertação intraoperatória de catecolaminas, utiliza-se nalguns centros a fenoxibenzamina (dibenzilina), bloqueante de alfa-adreno-receptores.
Havendo a possibilidade de recorrência do tumor, no período pós-operatório a curto e médio prazo torna-se obrigatório proceder à vigilância seriada da pressão arterial e do valor das catecolaminas.
Os tumores malignos, embora de evolução lenta, são resistentes à quimioterapia e à radioterapia.
BIBLIOGRAFIA
Alrezk R, Suarez A, Tena I, et al. Update of pheochromocytoma syndromes: genetics, biochemical evaluation, and imaging. Front Endocrinol 2018. https://doi.org/10.3389/fendo.2018.00515
Edmonds S, Fein DM, Gurtman A. Pheochromocytoma. Pediatr Rev 2011; 32: 308-310
Erdelyi DJ, Elliott M, Phillips B. Urine catecholamines in paediatrics. Arch Dis Child Educ Pract Ed 2011; 96: 107-111
Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020
Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018
Mishra A, Mehrotra PK, Agarwal G, Agarwal A, Mishra SK. Pediatric and adolescent pheochromocytoma: clinical presentation and outcome of surgery. Indian Pediatr 2014; 51: 299-302
Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015
Nordstrom-O’Brien M, Van der Luijt RB, van Rooijen E, et al. Genetic analysis of von Hippel-Lindau disease. Hum Mut 2010; 31: 521-537
Opocher G, Schiavi F. Genetics of pheochromocytomas and paragangliomas. Best Pract Res Clin Encocrinol Metab 2010; 24: 943 – 956
Prys – Roberts C. Pheochromocytoma – recent progress in its management. BJ Anaesth 2000; 85: 44-57
Radovick S, Misra M (eds). Pediatric Endocrinology. A Practical Clinical Guide. Berlin: Springer, 2018
Ross JH. Pheochromocytoma: Special considerations in children. Urol Clin North Am 2000; 27: 393-402
Shah U, Giubellino A, Pacak K. Pheochromocytoma: implications in tumorigenesis and the actual management. Minerva Endocrinol 2012; 37: 141-156
Waguespack SG, Rich T, Grubbs E, et al. A current review of the etiology, diagnosis, and treatment of pediatric pheochromocytoma and paraganglioma. J Clin Endocrinol Metab 2010; 95: 2023-2037