Importância do problema

Os tumores do córtex suprarrenal são raros, constituindo 0,2%-0,5% dos tumores na idade pediátrica. A sua incidência é cerca de 0,3/1.000.000 crianças com menos de 15 anos; a taxa mais elevada verifica-se na região sul do Brasil (3-4/1.000.000 de crianças com menos de 15 anos). Estes tumores são mais frequentes no sexo feminino, em crianças com menos de 5 anos e associados às seguintes situações: hemi-hipertrofia isolada, síndromas de Beckwith-Wiedemann, complexo de Carney, Li-Fraumeni*, neoplasias endocrinológicas múltiplas, defeitos congénitos das vias urinárias, hamartomas, hiperplasia congénita da suprarrenal e tumores cerebrais.

Têm sido encontradas mutações no gene supressor tumoral TP53 (ao nível do cromossoma 17p13.1) em doentes com carcinoma adrenocortical.

Os casos identificados no Brasil estão associados à presença em cerca de 90% dos casos de mutação germinal específica do gene TP53 (Arg337His) que codifica uma proteína supressora da oncogénese. A maioria dos casos (70%) associados a síndroma de Li-Fraumeni estão também associados a mutações germinais no gene TP53.

*A síndroma de Li-Fraumeni integra situações de cancro familiar compreendendo largo espectro de neoplasias malignas em familiares do 1º grau, incluindo cancro da mama, tumor cerebral, sarcoma dos tecidos moles, carcinoma adrenocortical, etc..

Manifestações clínicas

Os tumores do córtex da suprarrenal podem produzir diversas hormonas, o que condiciona formas de apresentação clínica muito heterogéneas.

Na maioria dos casos existem sinais exuberantes de virilização, de aparecimento recente: voz grave, aumento de volume do clítoris ou do pénis com testículos pequenos, pilosidade púbica e axilar, acne, odor corporal, hirsutismo explosivo, aumento das massas musculares e aceleração da velocidade de crescimento. Os níveis elevados de testosterona podem causar alterações do comportamento com irritabilidade, hiperactividade, jogos e brincadeiras violentas. Podem também manifestar-se como síndroma de Cushing, cujos sinais e sintomas podem aparecer isolados (5 a 8% dos casos, consoante as séries), ou associados a virilização (30% dos casos). A presença de massa abdominal ou pélvica palpável pode ser o único achado. A hipertensão arterial é frequente mesmo sem sintomas de síndroma de Cushing; pode ser grave, sob a forma de crises hipertensivas com convulsões.

Excepcionalmente, o tumor produz estrogénios (tumor feminizante), manifestando-se neste caso, como puberdade precoce periférica no sexo feminino, e ginecomastia no sexo masculino. Em cerca de 10% dos casos, não há quaisquer sintomas de hiperprodução hormonal. Por vezes a doença passa imperceptível, tendo a criança um aspecto saudável apesar dos sintomas de virilização.

Assim, qualquer criança com menos de 4 anos e pubarca precoce, ou lactente com acne, deverá ser estudado no sentido de excluir a presença de tumor da suprarrenal.

Exames complementares

Os níveis das hormonas produzidas podem também ser muito variados; os resultados dos doseamentos hormonais podem situar-se no limite superior para a idade. Face à suspeita clínica, é aconselhável proceder a doseamentos múltiplos e exames imagiológicos no sentido de esclarecer a situação:

  • O aumento nítido dos níveis plasmáticos de DHEA-S (> 600 µg/dL) e de 17-cetoesteróides urinários é muito sugestivo de tumor da suprarrenal. No entanto, o aumento da DHEA-S pode não ser tão exuberante;
  • Aumento do cortisol urinário e plasmático, perda do ritmo circadiano do cortisol, ↑ testosterona, ↑ Δ 4-androstenediona, ↑ estradiol e ↓ ACTH nos casos com sintomas de síndroma de Cushing;
  • Nos casos de virilização: ↑↑ testosterona (> 350 ng/mL no sexo feminino), ↑ Δ 4-androstenediona e ↑ 17-hidroxiprogesterona;
  • Se houver feminização: ↑↑ estrona e ↑↑ estradiol.

A não supressão do cortisol e outros metabolitos com a dexametasona é constante e diagnóstica: testosterona livre > 8 pg/mL, DHEA-S > 70 µg/dL e cortisol > 3 µg/dL.

  • Avanço da idade óssea em relação à idade cronológica.

Os exames de imagem (TAC/RM abdominal, ecografia, e por vezes PET) permitem a confirmação da localização do tumor e a definição do tumor em relação às estruturas vizinhas visando a programação da cirurgia.

Tratamento

O tratamento é cirúrgico: ablação seguida eventualmente de quimioterapia.

Prognóstico

O principal factor de bom prognóstico é a verificação de tumor pequeno (< 200 g), completamente ressecado.

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