1. TUMOR de WILMS
Definição e aspectos epidemiológicos
O tumor de Wilms, descrito em 1899 pelo cirurgião alemão Max Wilms, também designado nefroblastoma, é o tumor renal e o tumor abdominal maligno mais frequente na criança, representando cerca de 5% dos tumores pediátricos. É um tumor de origem embrionária, histologicamente formado por três elementos (estroma, blastema e elementos epiteliais, em proporções variáveis), e com um grau de maior ou menor malignidade. Pode ser detectado no RN.
Atinge o pico de incidência pelos dois a três anos de idade, embora se possa encontrar em qualquer outro grupo etário pediátrico.
Etiopatogénese
Em cerca de 1-2% dos casos existem antecedentes familiares desta patologia (hereditariedade autossómica dominante). Em cerca de 20% dos casos foram demonstradas mutações no gene WT1 localizado em 11p 13.
Este tumor, considerado um exemplo da teoria de Kudsen, origina-se por perda funcional de alguns antioncogenes que actuariam frente à activação de determinados oncogenes.
As mutações produzindo inactivação do gene WT2 podem provocar a perda de restos nefrogénicos que, por mecanismos ainda desconhecidos, se podem transformar em tumor de Wilms.
Outros genes em 11p15 (WT2), WTX no cromossoma X, e nos 16q, 1p, e 7p têm também sido implicados. Contudo, a predisposição genética para tumor de Wilms é heterogénea. Uma característica genética designada pela sigla LOH (do inglês – loss of heterozygosity ou perda de heterozigotia), se verificada ao nível dos cromossomas 1p ou 16q, está asociada a maior risco de recaídas, agravando o prognóstico.
Cabe referir, a propósito, entre outras, 3 síndromas associadas a tumor de Wilms, por sua vez acompanhadas de anomalias cromossómicas e génicas que se relacionam com o mesmo tumor:
- Síndroma de Beckwith – Wiedemann (macroglóssia, hemi-hipertrofia, onfalocele, visceromegália) em que existe risco (de 3-5%) de tumor de Wilms; uma das anomalias consiste em deleção 11p 15.5 (locus WT2);
- Síndroma de Denys – Drash (insuficiência renal precoce associada a esclerose mesangial, pseudo-hermafroditismo masculino) associada a mutações no gene WT1;
- Síndroma WAGR (atraso mental, aniridia, anomalias génito-urinárias) associada a deleção 11p 13 (loci WT1), onde também se localiza o gene PAX6).
Manifestações clínicas
Muitas vezes o tumor é assintomático, sendo a mãe ao cuidar do filho, ou o médico em exame de rotina, que palpa o tumor localizado num dos flancos, de consistência dura e de limites precisos. Com localização inicial lombar, desenvolve-se rapidamente no sentido póstero-anterior, simulando por vezes hepatomegália ou esplenomegália. Em cerca de 5% dos casos desenvolve-se bilateralmente. O tumor, que está contido pela cápsula do rim, é friável, pelo que a palpação deve ser cuidadosa.
Quando sintomático, a dor e a hematúria macroscópica são as manifestações mais frequentes.
A hipertensão arterial associa-se frequentemente ao tumor de Wilms pelas alterações vasculares renais por ele provocadas; contudo, raramente é manifestação responsável pelo diagnóstico. Salienta-se que pode ainda aparecer associado a alterações morfológicas como criptorquídia, hipospádia, aniridia ou hemi-hipertrofia.
Diagnóstico
Perante uma criança com dois ou três anos de idade com um tumor abdominal, o diagnóstico diferencial é feito, principalmente, entre tumor de Wilms e neuroblastoma. Os estudos de imagem são geralmente conclusivos porque: – o tumor de Wilms é, em regra, um tumor intrarrenal, mais lateral; e – o neuroblastoma abdominal, tendo como ponto de partida a suprarrenal ou os gânglios simpáticos para vertebrais, é mais central com tendência para expansão centrífuga.
No tumor de Wilms os estudos de imagem mais informativos são: – a ecografia abdominal com doppler; – a tomografia axial computadorizada (TAC) abdominal; e – a radiografia do tórax.
A ecografia confirma a existência de um tumor renal, informa sobre a sua estrutura sólida ou quística, detecta a existência de calcificações (em ~15% dos casos), de adenomegálias regionais ou de metástases hepáticas. Permite também verificar o grau de permeabilidade dos grandes vasos, assim como a eventual presença de trombo na veia renal e na veia cava inferior.
A TAC com injecção de produto de contraste confirma a existência do tumor e permite uma definição mais precisa da sua localização e dos seus limites, bem como da capacidade funcional do rim atingido. Permite, igualmente, examinar o rim oposto, excluindo a existência de tumor bilateral.
A radiografia do tórax permite detectar sinais de metástases nos pulmões que, com o fígado, constituem os locais mais frequentes de metastização. Alguns centros oncológicos privilegiam a TAC torácica em detrimento da radiografia convencional para detecção de metastização pulmonar, já que o seu poder de resolução é maior, embora o risco de falsos positivos seja significativo.
A ressonância magnética (RM) tem adquirido importância crescente por não empregar radiações ionizantes. Sobre as vantagens em relação com a TAC, apontam-se: o maior poder de resolução permitindo distinguir tumores de alta ou baixa celularidade (com a RM quantitativa); e a possibilidade de detecção de lesões de nefroblastomatose e de tecido necrótico em função da captação do contraste.
A SIOP (Société Internationale d’Oncologie Pédiatrique) considera três grupos de risco (baixo, intermédio e alto) em função do tipo histológico: – Baixo: nefroma mesoblástico; nefroblastomas quístico diferenciado em parte; e nefroblastoma necrótico por completo; – Intermédio: nefroblastomas de tipos epitelial, estromal, misto, regressivo e com anaplasia focal; – Alto: nefroblastomas de tipo blastémico ou com anaplasia difusa; sarcoma renal de células claras; e tumor rabdóide.
Tratamento
O tumor de Wilms é quimio e radiossensível. A terapêutica é, como na generalidade dos tumores sólidos, constituída por cirurgia, quimioterapia e, por vezes, radioterapia.
Na maioria dos centros oncológicos dos EUA a cirurgia é a primeira atitude terapêutica. Na UE em geral, a cirurgia só é inicial em lactentes com menos de 6 meses, em que a probabilidade de se tratar de tumor renal benigno é grande, ou quando, por qualquer razão, há dúvida sobre o diagnóstico. Se assim não for, a terapêutica inicia-se com quimioterapia, sendo a cirurgia protelada (quimioterapia neoadjuvante). Esta estratégia, entre outras vantagens, permite prioritariamente reduzir o volume tumoral, tornando a cirurgia mais fácil.
A radioterapia é hoje reservada para os estádios mais avançados em que, após a cirurgia, se verificou tumor residual, ou em que houve ruptura da cápsula do rim, ou ainda para os tumores cujo tipo histológico é desfavorável.
Prognóstico
A probabilidade de cura de uma criança com tumor de Wilms é actualmente de 90%, sendo preocupação dos protocolos actuais de tratamento a redução da toxicidade, sem prejudicar estes excelentes resultados. (ver alínea Etiopatogénese – critério genético LOH associado a prognóstico mais reservado).
De acordo com a SIOP foi estabelecida uma classificação em estádios – de I a V) (estadiamento) dependendo da localização do tumor e da sua invasão das estruturas vizinhas. No estádio I o tumor está localizado ao rim; o estádio IV corresponde à existência de sinais de metástases por via hematogénica (pulmão, fígado, osso, SNC), ou ganglionar (região abdominopélvica); o estádio V corresponde à verificação de tumores renais bilaterais no momento do diagnóstico, sendo que, a cada um dos tumores, poderá ser atribuída a classificação segundo o tipo histológico (ver atrás).
As possibilidades de cura de uma criança com tumor de Wilms nos EUA e UE, e nos países ditos desenvolvidos em geral, é cerca de 90%.
2. OUTROS TUMORES RENAIS
Os restantes tumores malignos do rim são muito raros em idade pediátrica. Em breve síntese cabe uma referência aos seguintes: sarcoma de células claras, tumor rabdóide, nefroma mesoblástico congénito e carcinoma renal.
Sarcoma de células claras
Trata-se do segundo tumor renal mais frequente, correspondendo a cerca de 5% das neoplasias renais. Predominando no sexo masculino, é mais comum apresentar-se nas primeiras idades (2-3 anos).
Dum modo geral, o prognóstico é mais reservado relativamente ao tumor de Wilms, o que obriga a regimes terapêuticos mais intensivos. Na sua forma clínica mais típica, metastiza no osso e SNC.
Tumor rabdóide
Tal como no anterior, surge nas primeiras idades. O seu nome deriva do facto de o citoplasma celular ser predominantemente acidófilo, com semelhanças ao dos rabdomioblastos. Contudo, não evidencia positividade para os marcadores imuno-histoquímicos dos miócitos esqueléticos.
Na sua base etiopatogénica está a inactivação do gene HSNF5/IN11 do cromossoma 22q11-12, do que resulta ausência da proteína IN11, a qual intervém na desregulação do ciclo celular. Podendo ter outras localizações para além da renal, este tipo de tumores obriga a quimioterapia e radioterapia intensivas.
Nefroma mesoblástico congénito
Este tumor aparece predominantemente em lactentes, dum modo geral com comportamento benigno. Com três padrões histológicos (formas clássica, variante celular, e mista), tem indicação cirúrgica.
Carcinoma renal
Mais frequente no adulto, corresponde na idade pediátrica a 5% dos tumores malignos, com início de manifestações mais tardias relativamente ao tumor de Wilms, cerca dos 10 anos de idade.
Em cerca de 30% dos doentes com esta afecção, foi identificada translocação genética implicando o gene TFE3 do cromossoma Xp11.2 ou do gene TFEB no cromossoma 6p21.
Como esta neoplasia é resistente à quimioterapia e radioterapia, está indicada a cirurgia como tratamento.
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