Importância do problema

Poucas áreas da Medicina sofreram tantas alterações nos últimos anos como a Oncologia Pediátrica. A maioria dos cancros em Pediatria tornou-se tratável. Doenças que eram incuráveis, como a leucemia linfoblástica aguda, atingiram probabilidades de cura superiores a 80%. Estes resultados devem-se, não só aos progressos no diagnóstico e tratamento, mas também à melhoria dos meios de suporte. As terapêuticas são cada vez mais estratificadas, de acordo com os diversos critérios de risco. Os conhecimentos adquiridos em ciências básicas como a Imunologia e a Genética, vieram abrir novas perspectivas no campo do diagnóstico e do tratamento. Os protocolos cooperativos internacionais permitiram acrescentar experiências, obtendo-se cada vez melhores resultados. Cirurgias e outras terapêuticas que causavam mutilações graves foram substituídas por técnicas que poupam a função e a estética. O objectivo deixou de ser o de “tratar a todo o custo”, para o de “tratar ao menor custo possível”.

Sendo a Oncologia Pediátrica uma subespecialidade ou ramo da Pediatria, este capítulo limitar-se-á a uma apresentação genérica de tópicos que, pela sua importância, deverão ser do conhecimento de todos os médicos.

Numa primeira parte, os mesmos serão abordados dando especial ênfase aos conceitos fundamentais sobre oncogénese, semiologia, diagnóstico e tratamento; e, numa segunda parte, aos grupos mais representativos da Oncologia Pediátrica: hemopatias malignas (leucemias, linfomas) e tumores sólidos (neuroblastoma e tumor de Wilms).

O retinoblastoma é abordado na parte referente à Oftalmologia, noutro volume do livro.

Aspectos epidemiológicos

A doença oncológica é rara na idade pediátrica. No entanto, no mundo ocidental o cancro representa a principal causa de morte em tal faixa etária. A incidência anual de novos casos é cerca de 16 por cada 100.000 crianças com menos de 15 anos, sendo um pouco mais elevada (21 por cada 100.000) até aos 18 anos.

Em Portugal, de acordo com o INE, há cerca de um milhão e setecentas mil crianças e jovens com idade inferior a quinze anos, estimando-se que o número de novos casos por ano atinja a cifra de cerca de trezentos e cinquenta.

Nas Figuras 1 e 2 e Quadro 1 são discriminadas, respectivamente, as neoplasias mais habituais na criança, segundo os dados estatísticos do National Cancer Institute (NCI) dos EUA, e do Serviço de Pediatria do Instituto Português de Oncologia de Lisboa.

FIGURA 1 – Distribuição percentual dos diferentes tipos de cancro em crianças com < 15 anos. SEER (Surveillance, Epidemiology, and End Results program), 1973-2010

FIGURA 2 – Incidência de cancro em idade pediátrica ao longo das últimas décadas. SEER (Surveillance, Epidemiology, and End Results program), 1975-2012

QUADRO 1 – Neoplasias mais frequentes no Serviço de Pediatria do Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, Lisboa

Anos201620152014
LEUCEMIAS375029
TUMORES DO SNC274532
LINFOMAS232515
NEUROBLASTOMAS14812
SARCOMAS121517

Em ambas as quantificações se poderá verificar que as leucemias agudas e os tumores do sistema nervoso central (SNC) representam cerca de 50% da totalidade dos casos. Os linfomas (doença de Hodgkin e linfoma não Hodgkin) representam cerca de 10% dos tumores.

As restantes neoplasias, designadas vulgarmente por tumores sólidos, constituem um leque vasto de tumores diferentes, destacando-se, por ordem decrescente de frequência: neuroblastoma; sarcoma das partes moles; tumor de Wilms; e tumores ósseos.

A frequência dos vários tumores nos diferentes grupos etários é muito característica e serve para orientação diagnóstica. O neuroblastoma, o tumor de Wilms, a leucemia mieloblástica aguda, os tumores do SNC e os tumores das partes moles, principalmente o rabdomiossarcoma, são as neoplasias predominantes nos primeiros cinco anos de vida.

Por outro lado, a doença de Hodgkin, o osteossarcoma e o sarcoma de Ewing são mais frequentes na pré-adolescência e adolescência. As leucemias linfoblásticas agudas têm um “pico” de incidência entre os dois e os quatro anos de idade.

A incidência das neoplasias em Pediatria tem vindo a aumentar gradualmente ao longo dos anos. Os estudos epidemiológicos mostram um aumento de 11,5% em vinte anos, ou seja, um aumento anual rondando os 0,5%.

Esta evolução não se verificou, no entanto, de igual modo em todas as neoplasias. Com maior relevância nas leucemias, tumores do SNC, osteossarcomas e hepatoblastomas, as variações são difíceis de interpretar e as opiniões dividem-se:

  • reflexo de um maior acesso das populações ao serviços de saúde?
  • melhoria nos meios de diagnóstico? ou
  • verdadeiro aumento do número absoluto de casos?

Seguimento e resultados globais

A maioria das crianças com cancro vai sobreviver cinco ou mais anos após o diagnóstico. A percentagem global de sobrevida ronda os 80 % nos diagnósticos depois de 2004. Este aumento de sobrevida foi especialmente relevante nas leucemias linfoblásticas agudas, o cancro mais frequente em Pediatria, passando de 0% na década de 50 para os cerca de 85% na actualidade. No entanto, noutros casos, a mortalidade continua a ser muito elevada e inaceitável, como é o caso de alguns tumores do sistema nervoso central.

Uma interrogação frequente é saber sobre o que sucede aos sobreviventes. Estudos que envolvem grandes grupos de sobreviventes mostram que existe uma incidência cumulativa crescente de risco de morbilidade e mortalidade, em comparação com os mesmos indicadores na população em geral. O risco de morte prematura é maior nas primeiras décadas após o diagnóstico, diminuindo com os anos. Estas mortes devem-se, sobretudo, a recaídas tardias, a segundas neoplasias, e a patologias cardio-vasculares ou respiratórias.

Os doentes tratados mais recentemente evidenciam melhores resultados em termos de morbilidade e mortalidade, reflectindo as melhorias das terapêuticas antineoplásicas, quer em termos de eficácia, quer em termos de menor grau de efeitos secundários tardios.

Em suma, o acompanhamento a longo prazo destes sobreviventes tem permitido:

  • um reconhecimento e tratamento precoces de sequelas comprometendo a qualidade de vida; e
  • uma aquisição de conhecimentos sobre como continuar a melhorar os tratamentos das crianças com cancro.

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