Definições e importância do problema

A depressão é uma perturbação do humor mantida que se caracteriza por um estado de tristeza, irritabilidade, falta de prazer nas actividades, falta de energia e motivação, dificuldades de concentração, pensamentos negativos e alterações do sono e do apetite.

As perturbações depressivas manifestam-se ao longo da infância e adolescência por episódios, únicos ou recorrentes, de maior ou menor duração, frequentemente associados a factores desencadeantes. Estes sintomas podem aparecer em graus variáveis e com durações também variáveis, tendo os factores desencadeantes um menor ou maior peso, o que permite diferenciar alguns tipos de depressão.

Os sintomas tendem também a variar o seu modo habitual de manifestação consoante a idade, sendo de salientar que, quanto mais nova é a criança, mais provável é que predomine a irritabilidade em vez da tristeza.

Por vezes surgem outras alterações do humor contrárias aos sintomas depressivos: elação do humor cursando com grande energia e motivação, diminuição da necessidade das horas de sono, comportamentos desinibidos.

Estes episódios designados por maníacos ou hipomaníacos (estados de hiperexcitação, fuga de ideias e discurso incoerente, actividade motora exuberante e desprovida de qualquer eficácia e agitação), consoante a sua intensidade e duração, alternando frequentemente com episódios depressivos, caracterizam as perturbações bipolares.

Por vezes, na infância, existem episódios mistos, com sintomas depressivos e de (hipo)mania que se sobrepõem ou alternam rapidamente.

Os chamados comportamentos suicidários são uma das consequências mais graves destes dois grupos de doenças.

A presença deste tipo de patologia segundo a OMS constitui um verdadeiro problema de saúde pública, com grande impacte no neurodesenvolvimento e na funcionalidade no dia-a-dia; por outro lado, implica maior probabilidade de quadro depressivo grave na idade adulta.

A atestar a importância do problema em análise, cabe referir que o mesmo constitui o terceiro motivo de consulta de pedopsiquiatria a seguir à perturbação de hiperactividade e défice de atenção e à perturbação de ansiedade.

O objectivo deste capítulo é proceder a uma abordagem sucinta das chamadas alterações patológicas do humor, a que alguns autores chamam de modo lato distimias

Aspectos epidemiológicos

A maior parte dos estudos aponta para uma prevalência de depressão entre 1-2% durante a infância, e 5% ao longo da adolescência. Quando se considera a prevalência cumulativa (acumulação de novos casos em jovens previamente saudáveis), a prevalência aumenta. Assim, aos 16 anos, cerca de 12% das raparigas e 7% dos rapazes tiveram pelo menos um episódio depressivo ao longo da sua vida.

Durante a infância, a depressão afecta igualmente ambos os sexos, mas ao longo da adolescência passa a afectar mais o sexo feminino (2:1).

As perturbações bipolares, têm ao longo da infância e adolescência uma prevalência que varia entre os 0,6 e os 15%, dependendo da metodologia e dos critérios utilizados para o diagnóstico. Em estudos recentes nos Estados Unidos foi demonstrado um aumento muito significativo de diagnósticos, conduzindo a um debate intenso entre os que pensam que a doença está a ser sobrediagnosticada, e os que defendem que ela era no passado pouco reconhecida em idades pediátricas.

Na população adulta, a prevalência das perturbações bipolares varia entre 1% e 5%, surgindo os primeiros sintomas habitualmente antes dos 20 anos.

Este debate sobre início precoce das perturbações bipolares e a possibilidade de o seu quadro clínico poder ser bastante diferente na infância, conduziu, na DSM-5 (10ª revisão) a um novo diagnóstico das perturbações depressivas: perturbações disruptivas de desregulação do humor.

As perturbações bipolares na adolescência são mais frequentes no sexo feminino, tal como na população adulta; associadas a grandes alterações no relacionamento familiar, com os pares e no desempenho académico, o seu diagnóstico e tratamento atempados diminuem significativamente as consequências negativas da doença ao longo da vida.

O suicídio é, na Europa a segunda causa de morte entre os jovens (10-24 anos), o que obriga a uma investigação activa sobre a ideação suicida sempre que se detectem sintomas depressivos. De salientar que aquele é 4 vezes mais frequente no sexo masculino, embora as tentativas de suicídio sejam 2 vezes mais frequentes no sexo feminino – paradoxo do género. O risco suicidário, pequeno em crianças, vai aumentando ao longo da adolescência.

Etiopatogénese

A etiopatogénese das distimias é multifactorial e inclui factores biológicos, psicológicos individuais, ambientais e socioculturais, interligados.

Factores biológicos

Os factores biológicos incluem:

  • Factores genéticos (estudos de agregação familiar demonstraram que os familiares de primeiro grau da criança/jovem evidenciam depressão com maior frequência; por outro lado, estudos de genética molecular demonstraram a natureza poligénica da afecção depressiva implicando o papel de vários genes codificando elementos do sistema serotoninérgico: transportadores e receptores da serotonina e enzimas intervindo no respectivo metabolismo);
  • Factores neuroendócrinos (papel de diversas hormonas com GH, cortisol, tiroxina, etc.);
  • Factores cerebrais (correlação entre sintomas depressivos e alterações cerebrais no circuito córtico-límbico-estriado-pálido-talâmico, o qual está implicado na regulação do humor);
  • Factores imunológicos (associação da patologia com alteração da estrutura e função do sistema monócito-macrófago e com aumento das citocinas, como as interleucinas IL-1 e IL-6).

 Factores psicológicos, individuais, familiares e ambientais

Os factores psicológicos e individuais a considerar são: o temperamento, a capacidade de regulação emocional, o estilo cognitivo, a sua representação mental e características da personalidade; estes factores são independentes das características da interacção familiar. Crianças com maior reactividade emocional têm maior tendência para a depressão.

  1. A dificuldade de regulação emocional perante emoções negativas: a ruminação (ou seja, focar-se de forma passiva e repetida no sintoma depressivo e nas possíveis causas sem ser capaz de nada fazer para o aliviar), ou a falta de estratégias de distracção são factores que estão associados à depressão.
  2. A existência de distorções cognitivas, como por exemplo a hipervalorização de aspectos negativos, tem impacte na autoestima e gera sentimentos de insegurança em relação ao futuro. Os estilos cognitivos tendem a ser moldados pelo tipo de vinculação e a exposição a acontecimentos de estresse, sendo o padrão de vinculação inseguro o que mais se associa às perturbações depressivas.
  3. Algumas características de personalidade estão associadas a maior risco de depressão: a personalidade com traços dependentes, com comportamento submisso e necessidade excessiva de protecção e a personalidade com traços de evicção, com inibição social e hipersensibilidade a críticas.

No que diz respeito a factores familiares, há a considerar: a rejeição, a hostilidade, a intrusão, os défices de suporte afectivo, de coesão familiar, assim como a existência de relações conflituosas. Os castigos físicos severos e os maus tratos estão associados à depressão infantil. Na família, o factor que com maior probabilidade contribui para indiciar depressão na adolescência é a interacção familiar.

Entre os jovens com depressão, verifica-se maior prevalência de pais com a mesma patologia; com efeito, quando os pais sofrem de depressão, o risco de depressão para a descendência é seis vezes superior ao da população em geral; se ambos os progenitores estiverem afectados, o risco é ainda maior.

Manifestações clínicas

Uma das maiores dificuldades em reconhecer e diagnosticar quadros depressivos, ao longo da infância e adolescência, é distinguir entre o que são sintomas depressivos normais (tristeza, abatimento, desinteresse) que podem surgir ao longo do desenvolvimento. Habitualmente os pais e outros adultos como os professores têm tendência a desvalorizar este tipo de sintomas, enquanto as próprias crianças e adolescentes tendem a sobrevalorizá-los.

A entrevista clínica com os pais e a observação directa da criança/adolescentes são fundamentais para o diagnóstico. Para além do que é espontaneamente referido, devem ser pesquisados activamente todos os sintomas da linha do humor, a sua duração, intensidade e impacte nos vários desempenhos do paciente compatíveis com a idade.

Assim, é fundamental pesquisar as características do humor (deprimido, lábil ou irritável), desinteresse por actividades escolares ou habituais, indecisão, sentimentos de desvalorização, culpa ou falta de esperança, pensamentos de morte ou mesmo de suicídio, alterações de expressão somática tais como as do apetite ou peso, alterações do sono com insónia ou hipersónia. Podem também surgir, sobretudo nas crianças mais velhas e adolescentes, anedonia e fadiga. Os quadros depressivos são muito frequentemente acompanhados ou antecedidos por sintomas de ansiedade.

A intensidade, duração, impacte no desenvolvimento e as características dos sintomas permitirão classificar vários tipos de quadros depressivos e o correspondente diagnóstico contribuirá para estabelecer o projecto terapêutico mais adequado à situação clínica.

As perturbações bipolares são doenças graves, de diagnóstico difícil sobretudo quando se iniciam durante a infância, e que cursam com alterações do humor tanto da linha depressiva como da linha maníaca (depressão ou exaltação do humor).

A presença de episódios maníacos que surgem na evolução de um quadro clínico aparentando ser depressivo, permitirá muitas vezes fazer o diagnóstico de perturbação bipolar. No entanto, não é raro que a primeira manifestação seja um episódio maníaco, embora a apresentação inicial da doença seja maioritariamente sob a forma de episódio depressivo.

Os sintomas convencionais de mania são: elação do humor, irritabilidade, exuberância e aparente hipervitalidade, diminuição das necessidades de sono, excitabilidade e desinibição; podem ocorrer também sintomas psicóticos.

O curso da doença nas crianças e nos adolescentes parece ser predominantemente caracterizado por episódios essencialmente depressivos e mistos com ciclos rápidos. A frequência, duração e intensidade dos sintomas permite-nos também classificar as perturbações bipolares em vários tipos.

Sempre que se apurem sintomas que remetam para este grupo de doenças, sobretudo na população adolescente, é obrigatória uma avaliação do risco suicidário: deve assim pesquisar-se a presença de pensamentos de morte, e em caso afirmativo continuar com a sua caracterização: frequência, intensidade, estruturação, existência eventual de plano e factores de risco associados.

O indício mais forte de uma eventual tentativa de suicídio, é a existência de uma tentativa anterior. É também fundamental analisar o método usado, se foi planeado ou se ocorreu num contexto impulsivo, com ou sem desencadeante, e a presença ou ausência de medidas que o adolescente tomou para ser ou não encontrado.

A existência de antecedentes familiares de suicídio é também um factor de risco importante, bem como ter havido no meio próximo, entre pares, suicídios consumados.

Diagnostico diferencial

Os sintomas das perturbações depressivas e das bipolares não são patognomónicos. O diagnóstico diferencial de tais perturbações faz-se entre as mesmas e também com outras situações clínicas que podem corresponder a comorbilidades e ou do foros psiquiátricos e médico propriamente dito:

  • As perturbações de ansiedade podem anteceder os quadros depressivos; – a perturbação de hiperactividade com défice de atenção poderá levantar a hipótese de sintomas maníacos;
  • Por outro lado, a perturbação de oposição e desafio poderá mascarar sintomas depressivos; e
  • A chamada tristeza normal (assim chamada quando o estado de humor é proporcional ao factor desencadeante – por ex. morte de ente querido – não interferindo com o funcionamento global do paciente e resolvendo-se de maneira espontânea) poderá eventualmente ser interpretada como perturbações depressiva;
  • O consumo de substâncias psicoactivas pode levar a alterações do humor, difíceis de distinguir das perturbações do humor, muitas vezes constituindo comorbilidades (patologia dual);
  • As doenças do foro médico susceptíveis de provocar sintomas depressivos, tais como doenças autoimunes, endócrinas (hipotiroidismo), neuro-oncológicas (tumores cerebrais), etc..

Os antecedentes familiares constituem um indicador fundamental, pelo que a comprovação de casos de depressão ou perturbação bipolar deve levar-nos a considerar com maior probabilidade os respectivos diagnósticos na criança/adolescente.

Comorbilidades

As perturbações bipolares são habitualmente acompanhadas de outras perturbações psiquiátricas que afectam o doente ao mesmo tempo. Tal circunstância, para além de dificultar o diagnóstico, também tem impacte na resposta da criança ao tratamento, assim como no prognóstico.

Num estudo de revisão de 10 anos, tendo em conta várias populações pediátricas estudadas, encontraram-se as seguintes frequências de comorbilidades: 50-80% para a PHDA, 30-70% para as Perturbações da Ansiedade e 20-60% para Perturbações Disruptivas do Comportamento. Salienta-se igualmente, como comorbilidade a considerar, o consumo crescente de substâncias psicoactivas na adolescência (patologia dual).

 Tratamento

As perturbações depressivas e bipolares devem ser identificadas e tratadas, minorando assim o peso dos custos pessoais e familiares, uma vez que tendem a ser doenças de curso crónico, com períodos de remissão e agudização.

  1. As depressões de grau ligeiro ou moderado devem ser inicialmente abordadas com intervenções psicoterapêuticas.
    • No caso de quadros moderados não respondentes a intervenções psicoterapêuticas com, pelo menos, quatro a seis semanas de duração, ou quando em presença de quadros depressivos graves, deve acrescentar-se a terapêutica farmacológica;
    • Habitualmente são utilizados os antidepressivos inibidores selectivos da recaptação da serotonina (fluoxetina, sertralina, escitalopram). Estes fármacos devem ser prescritos sob estrita vigilância médica em consulta, uma vez que nas fases iniciais do tratamento (primeiro mês sobretudo) podem conduzir a uma activação do comportamento, sem diminuição dos sintomas depressivos, facilitando o aparecimento de comportamentos suicidários;
    • Devem ser também identificadas e tratadas as eventuais perturbações comórbidas: perturbações de ansiedade, do comportamento, consumos e perturbação de hiperactividade com défice de atenção.
  2. No caso das perturbações bipolares, ou sempre que perante perturbações depressivas se comprove história familiar de doença bipolar, deve evitar-se a utilização de antidepressivos, ou, pelo menos ter-se dupla cautela quando se decide usá-los, uma vez que o risco de desencadear um episódio maníaco é muito elevado.
    No tratamento farmacológico das perturbações bipolares são utilizados antipsicóticos de segunda geração (risperidona, aripiprazol, quetiapina, paliperidona ou olanzapina) associados, consoante as necessidades e a resposta terapêutica, a fármacos anticonvulsantes, usados como estabilizadores do humor (valproato de sódio, lamotrigina, carbamazepina ou oxcarbazepina, carbonato de lítio).
  3. Quando existe risco suicidário, a principal medida terapêutica é a criação de uma rede de protecção que implique a família e a equipa que segue o jovem, para além do tratamento da doença de base.
    NB – a) – A família deve ser integrada no projecto terapêutico, apoiada com intervenções psicoeducativas que a ajude a lidar de forma adequada com a doença dos filhos. b) – A este respeito importa relevar certos factores protectores frente à depressão, tais como manter uma relação estreita com amigos e familiares, e sentido de humor. c) – Como complemento, há que identificar e encaminhar casos de patologia psiquiátrica na família para tratamento especializado.

Prognóstico

Tanto as perturbações depressivas como bipolares tendem a ser crónicas, com períodos de remissão às vezes longos. As perturbações depressivas, mesmo sem tratamento, têm tendência para remissão espontânea depois de um período mais ou menos longo de doença, embora sempre com risco de recaídas. As perturbações bipolares, embora sigam um padrão semelhante, pela sua gravidade e sequelas a nível da personalidade e funcionamento global, necessitam de um tratamento, pelo menos de manutenção, nos períodos intercríticos.

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