Importância do problema

A Dermatologia Pediátrica, com um grande incremento nos últimos trinta anos, nalguns países constitui uma subespecialidade em plena expansão.

Na realidade, as particularidades da pele num período da vida caracterizado pelo crescimento e desenvolvimento, a importância das manifestações dermatológicas no reconhecimento da maior parte de doenças genéticas complexas, bem como todas as manifestações mais comuns neste grupo etário, ou ainda a especificidade das subtilezas clínicas, justificam o interesse e a sua individualidade.

De salientar ainda o grande número de queixas na área da Dermatologia, o impacte no desenvolvimento e autoestima das doenças cutâneas na criança e em particular na adolescência.

Nos capítulos seguintes são abordados os problemas dermatológicos com que o médico de família e o pediatra mais frequentemente lidam; na ausência de complicações pode-se considerar que a respectiva orientação e terapêutica são consideradas do foro dos referidos clínicos.

De acordo com critérios semiológicos e etiopatogénicos foi estabelecida a seguinte sistematização: Doenças das glândulas sebáceas: acne e doença seborreica; Dermatite atópica; Dermatite das fraldas; Doenças eritemato-descamativas: psoríase e pitiríase rosada/doença de Gibert; Zoonoses: pediculose e escabiose; Doença infecciosa vírica: molusco contagioso; Doença tumoral benigna: hemangiomas.

Alguns dos problemas dermatológicos, enquadrados em determinadas entidades, sistémicas ou não, são também abordados noutras partes do livro, designadamente (Infecciologia, Imunoalergologia, Reumatologia, Oftalmologia, etc.).

A estrutura e a função da pele

A pele é um órgão estrutural e funcionalmente complexo. Envolve totalmente o corpo e continua-se com as mucosas orificiais. É composta por duas partes embriologicamente distintas: a epiderme e seus anexos (pêlos, unhas e glândulas), de origem ectodérmica, e a derme e hipoderme, com origem na mesoderme. Os nervos e melanócitos têm origem neuroectodérmica.

A epiderme é um epitélio estratificado pavimentoso, queratinizado e avascular que está submetido a um ciclo contínuo de renovação. É composta por quatro tipos de células: os queratinócitos, os melanócitos, as células de Langerhans e as células de Merkel. Microscopicamente organiza-se em quatro estratos, que da profundidade para a superfície, se denominam de basal, espinhoso, granuloso e córneo. Os queratinócitos são dotados de capacidade de diferenciação em células anucleadas (corneócitos) que revestem a superfície epidérmica – camada córnea.

A derme é constituída por células residentes (fibroblastos, mastócitos, histiócitos e macrófagos), por uma população variável de células migrantes (linfócitos, plasmócitos e eosinófilos), por fibras (colagénio e elásticas) e por substância fundamental. Nela se integram os anexos epidérmicos, os vasos e os nervos provenientes da hipoderme.

A derme, assentando na hipoderme ou tecido celular subcutâneo, é constituída por lobos adiposos separados por septos fibrosos.

A função mais importante da pele é manter a homeostasia interna, prevenindo a perda de água, regulando a temperatura corporal e protegendo da absorção de substâncias nocivas, radiação ultravioleta, entrada de microrganismo e traumatismos físicos.

Tal função de barreira cutânea começa a desenvolver-se in utero, com aparecimento de uma epiderme totalmente desenvolvida às 34 semanas de gestação e uma maturação completa do estrato córneo entre as 30 e as 37 semanas.

 Diferenças estruturais entre a pele do recém-nascido e do adulto

Nos primeiros dias de vida, a pele dos recém-nascidos (RN) sofre vários processos de adaptação necessários à transição do ambiente húmido intrauterino para a atmosfera, considerada “ambiente seco”.

Extensas pesquisas levadas a cabo nos últimos 10 anos mostraram que a pele no RN a é estrutural e funcionalmente imatura comparada com a dos adultos: sucintamentre, realça-se que: – a epiderme é mais fina; – o grau de hidratação é reduzido por aumento da perda transepidérmica de água; – o pH é básico, sendo que a progressiva acidificação que vai surgindo progressivamente confere protecção contra potenciais microrganismos; – a colonização microbiana precoce favorece o desenvolvimento da função imunológica da pele, e provavelmente a maturação de outras funções de defesa da barreira cutânea; – o estabelecimento do microbioma cutâneo saudável processa-se ao longo do primeiro ano de vida; – a relação superfície/massa corporal consideravelmente superior nos RN (700 cm2/kg) comparativamente aos adultos (250 cm2/kg); – a imaturidade do sistema de metabolização, transporte e destoxificação de fármacos, convergem para se verificar maior susceptibilidade aos efeitos de eventual toxicidade percutânea.

Tendo em consideração as implicações práticas da especial susceptibilidade inerente à pele do RN, podem ser tiradas as seguintes ilações: – apenas produtos indispensáveis deverão ser aplicados a pequenos lactentes; – está contraindicada a utilização de antissépticos como o ácido bórico; – recomenda-se prudência na aplicação de certos parasiticidas ou repelentes; – certos fármacos como corticóides tópicos potentes administrados durante tempo prolongado poderão originar supressão funcional do do eixo hipófise suprarrenal.

Recomendações quanto à necessidade de cuidados com a pele

Os cuidados com a pele dos RN e crianças pequenas variam entre populações e são maioritariamente baseados em factores tradicionais e culturais. Em 2009 e 2016 foram publicadas recomendações, a seguir sintetizadas.

  • Primeira limpeza: o RN deve ser apenas seco com uma toalha para estabilização da temperatura. A permanência da vernix caseosa oferece vantagens em termos de protecção cutânea e apenas o excesso deve ser removido. Um primeiro banho muito precoce deve ser evitado para não atrasar de forma desnecessária a amamentação e o contacto pele com pele e aumentar o risco de hipotermia. Se o primeiro banho for dado por profissionais de saúde, estes devem idealmente usar luvas para prevenir a contaminação microbiana dos RN. (ver Parte referente à Perinatologia/Neonatologia).
  • Banho regular: pode ser dado sem receios, mesmo antes da queda do cordão umbilical. A recomendação para dar banho tem vantagens em relação à limpeza com um pano ou esponja, nomeadamente no que diz respeito a menor perda de água transepidérmica e maior hidratação do estrato córneo. Por outro lado, o banho ao fim do dia ajuda a acalmar o bebé e a melhorar o sono, sendo um momento de divertimento, estimulação táctil e criação de laços com o cuidador. O banho deve ter uma duração ideal entre 5 a 10 minutos e uma frequência de, pelo menos, duas a três vezes por semana.
    Podem ser usados agentes de limpeza líquidos suaves, preferencialmente compostos por detergentes sintéticos (syndets), não perfumados e com pH neutro ou ácido (5,5-7,0). Os vulgares sabões ou sabonetes contêm surfactantes na sua composição, o que contribui para remover o factor de hidratação natural e lípidos cutâneos, podendo comprometer a normal maturação da barreira cutânea.
  • Segurança durante o banho: a banheira deve estar colocada num local seguro. A contaminação microbiana é evitada mantendo a banheira e brinquedos limpos (a desinfecção apenas é necessária em contexto hospitalar). A temperatura ideal da água situa-se entre os 37-37,5ºC e a do ambiente entre 22-24ºC. A altura do nível da água não deve ultrapassar o nível da anca do bebé sentado (+/- 5 cm) e a criança nunca deve ser deixada sozinha.
  • Após o banho: o bebé deve ser coberto com uma toalha seca imediatamente após o banho para evitar diminuição da temperatura corporal. É recomendada a aplicação diária de emoliente em todo o tegumento, idealmente logo após o banho. O seu uso habitual preserva e aumenta a função de barreira cutânea. Devem ser aplicados em camada fina para evitar efeito oclusivo, sobretudo na área das pregas. A escolha deve recair sobre os emolientes sem fragrâncias e conservantes para evitar efeitos de irritação ou sensibilização cutâneas.
    Não está recomendada a utilização de óleos vegetais alimentares na água do banho ou directamente na pele do bebé, uma vez que é difícil garantir a sua composição química e biológica e não estão comprovados os seus efeitos benéficos. Os óleos minerais adequadamente formulados são estáveis, quimicamente inertes e seguros, podendo ser usados para massagem do bebé.

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