Definição e importância do problema

A bronquiolite obliterante (BO) é uma doença pulmonar crónica pouco comum na idade infantil secundária a agressão ao aparelho respiratório inferior, do que resulta: pequenos brônquios e bronquíolos obstruídos por tecido de granulação e fibrose, por vezes em associação a bronquiectasias nas vias aéreas de maior calibre. Actualmente esta afecção é englobada, sob o ponto de vista nosológico, nas chamadas doenças pulmonares intersticiais (DPI).

As chamadas doenças pulmonares intersticiais da infância (segundo alguns autores anglófonos designadas síndromas ChILD) compreendem um grupo heterogéneo de doenças pulmonares crónicas caracterizadas por infiltrados parenquimatosos difusos com repercussão na hematose, levando a hipoxémia. A sua classificação é complexa dado que: – integra situações clínicas com manifestações semelhantes , mas com etiopatogénese diversa; – e a patologia respectiva envolve sobretudo a via aérea, mais do que o interstício. Na sua base estão factores genéticos, podendo associar-se a doenças sistémicas e processos inflamatórios ou fibróticos como resposta a diversos estímulos. São considerados 3 grandes grupos de DPI ou ILD/interstitial lung disease: 1) de etiologia conhecida[por ex. doenças genéticas (lisossómicas, do metabolismo do surfactante, etc.), infecção crónica, DBP, etc.]; 2) de etiologia desconhecida[por ex. síndromas de hemorragia alveolar difusa (incluindo a “histórica” hemossiderose pulmonar a abordar adiante), certas formas de bronquiolite obliterante, doenças do colagénio, proteinose alveolar, etc.]; 3) formas exclusivas da infância , sobretudo em crianças com < 2 anos [por ex. hiperplasia celular neuroendócrina, glicogenose intersticial pulmonar, anomalias do crescimento e desenvolvimento pulmonares, defeitos genéticos do metabolismo do surfactante a que foi feita alusão sob outro ponto de vista noutra alínea, hemorragia pulmonar idiopática da infância, etc.].

Em estudos de exames necrópsicos em idade pediátrica foi calculada a prevalência de cerca de 2/1.000.

Etiopatogénese

A maioria dos casos segue-se a infecção respiratória causada por adenovírus, particularmente dos tipos 3, 7 e 21. Outras infecções têm sido associadas ao aparecimento de BO, nomeadamente por Legionella, Mycoplasma, B. pertussis, vírus influenza e do sarampo. Também a aspiração de material estranho, em particular conteúdo gástrico ácido em casos de refluxo gastresofágico, ou a inalação de tóxicos (por ex. NO2, NH3), podem levar ao aparecimento de BO. Alguns casos têm sido associados a artrite reumatóide, esclerodermia, lúpus eritematoso e síndroma de Stevens-Johnson.

Nos últimos anos a BO tem sido descrita como uma complicação tardia major da transplantação pulmonar. Além disso, têm sido identificadas lesões semelhantes nos doentes transplantados com medula óssea associadas a doença enxerto-hospedeiro. Nalguns casos não é possível determinar a etiologia.

A BO inicia-se como uma pneumonia grave necrosante com destruição do epitélio bronquiolar. Quando ocorre a cicatrização, massas de tecido de granulação obstruem o lume dos pequenos brônquios e bronquíolos, tornando-se posteriormente fibróticas e causando obliteração parcial ou total das vias aéreas. Nos casos mais graves há destruição do músculo e do tecido elástico com fibrose da parede e áreas envolventes. Existem áreas heterogéneas de distensão e outras de atelectasia. O calibre do leito capilar pulmonar fica diminuído. Devido à obstrução, a resistência aérea e o trabalho respiratório aumentam. A perfusão de áreas pulmonares mal ventiladas causa hipoxémia, e a diminuição na ventilação eficaz causa hipercapnia. A hipoxémia crónica, obstrução aérea e redução do calibre do leito vascular pulmonar, levam a edema pulmonar, o que compromete adicionalmente as trocas gasosas.

Manifestações clínicas

Na fase aguda a doença não se distingue da bronquiolite aguda: tosse, febre, pieira e dificuldade respiratória, com hipoxemia nos casos mais graves. Contudo, a evidência de broncopneumonia e pneumonia intersticial é mais comum. Após um período breve de aparente melhoria ou resolução, voltam a surgir sintomas de doença obstrutiva pulmonar com dispneia, taquipneia e tosse crónica. A auscultação pulmonar revela fervores e sibilos geralmente dispersos.

Ocasionalmente o processo obliterativo é predominantemente unilateral traduzido radiologicamente por um quadro de pulmão hipertransparente unilateral ou síndroma de Swyer-James. Neste caso, um exame torácico cuidadoso pode evidenciar sinais localizados no pulmão afectado.

Diagnóstico

O diagnóstico é sugerido pela clínica de tosse arrastada, pieira e dificuldade respiratória variável, evoluindo: com períodos de melhoria seguidos de agravamento, mais frequentemente após infecção pulmonar moderada a grave por adenovírus ou Mycoplasma; ou com obstrução respiratória persistente respondendo mal aos broncodilatadores, após transplante de medula óssea. A recuperação clínica em geral é incompleta e o doente raramente fica assintomático.

A radiografia do tórax evidencia sinais de insuflação com hipertransparência pulmonar periférica e zonas de opacidade do interstício, espessamentos peribrônquicos e áreas dispersas de broncopneumonia, podendo haver colapso ou consolidação de segmentos ou lobos.

A tomografia computadorizada de alta definição (TCAD) melhorou muito a capacidade de diagnóstico de lesões das pequenas vias aéreas. Na BO frequentemente existe um padrão em vidro despolido bilateral, com áreas de hiperdensidade alternando com outras de hipodensidade e rarefacção da vascularização na periferia dos campos pulmonares.

A angiografia digital pode evidenciar a diminuição da vasculatura pulmonar periférica. Estes aspectos geralmente são difusos, dispersos e bilaterais, mas podem ser localizados a um pulmão ou lobo como na síndroma de Swyer-James.

A confirmação diagnóstica obtém-se com biopsia pulmonar, sobretudo nos transplantados. Nos outros doentes, presentemente a história clínica associada aos aspectos típicos na TCAD, tornam desnecessária a biopsia pulmonar em muitos casos.

As provas de função respiratória são importantes não só no diagnóstico como no seguimento destes doentes, sobretudo a espirometria. Geralmente evidenciam sinais de doença pulmonar obstrutiva com diminuição de FEV1 e da relação FEV1/capacidade vital forçada (FVC). O fluxo expiratório forçado a meio da expiração (FEF 25-75) é um bom indicador de doença das pequenas vias aéreas.

A BO pode ocorrer, tal como foi referido, como complicação tardia grave do transplante pulmonar. A patogénese é desconhecida, mas parece tratar-se de uma forma peculiar de rejeição de órgão. Ocorre em quase 50% dos sobreviventes de transplante pulmonar e não responde à terapêutica usual, podendo ser irreversível.

Nos últimos anos uma entidade patológica diferente chamada bronquiolite obliterante-pneumonia organizativa (BOOP) tem sido descrita associada a várias doenças pulmonares incluindo pneumonias infecciosas, inalação de tóxicos e doenças do colagénio vascular. O aspecto anatomopatológico é semelhante à BO excepto no que respeita a uma característica: os septos alveolares estão espessados por um infiltrado celular inflamatório crónico e existe hiperplasia das células tipo II. Outra entidade é a síndroma de bronquiolite obliterante, surgindo em doentes transplantados de pulmão. 

Tratamento

O tratamento é de suporte e inclui oxigénio para manter saturação O2-Hb (SpO2) adequada prevenindo a hipertensão pulmonar e a insuficiência cardíaca. Por vezes os diuréticos são úteis no tratamento do edema pulmonar. É importante evitar lesão pulmonar secundária, quer por infecção, quer por aspiração nos casos em que há refluxo gastresofágico. A fisioterapia respiratória e a manutenção de um bom estado nutricional são também muito importantes.

O papel dos broncodilatadores é controverso, pois os doentes com BO têm obstrução fixa. Contudo, geralmente são usados, podendo haver benefício clínico mesmo em doentes em que não se verifica melhoria da função respiratória.

Vários tratamentos anti-inflamatórios têm sido usados na BO com êxito variável. Estes tratamentos dependem da causa pois a BO que se associa ao transplante de medula ou pulmonar difere na evolução e prognóstico da BO pós infeção vírica.

É possível que os corticóides possam limitar a progressão da doença modificando a resposta fibroblástica na fase inicial. Usam-se por via oral, por vezes durante períodos prolongados de meses. Alguns doentes beneficiam desta terapêutica melhorando a sua função pulmonar; contudo, outros não. Admite-se que a resposta positiva aos broncodilatadores possa indiciar utilidade da corticoterapia prolongada.

Em centros especializados têm sido utilizados agentes imunomodulares (por ex. tacrolimus), ciclofosfamida em aerossol e macrólidos (azitromicina) nos casos de BO associada a transplantes pulmonares.

Também o infliximab (anticorpo monoclonal), que se liga ao TNF-alfa, tem sido empregue nos casos de doentes transplantados com medula óssea.

Prognóstico

A evolução dos doentes com BO varia muito: desde alguns com sintomas ligeiros que melhoram gradualmente sobretudo depois dos 8-10 anos, até outros que continuam a ter significativa doença respiratória com obstrução crónica, bronquiectasias e infecções recorrentes. Mais raramente podem ter evolução rapidamente progressiva para insuficiência respiratória e morte pouco tempo depois do início dos sintomas. Presentemente o prognóstico em geral é razoavelmente bom com uma mortalidade baixa. Nalguns casos graves tem sido feito transplante pulmonar.

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