Definição e importância do problema

Está hoje demonstrado que muitas doenças chamadas da “civilização” têm as suas raízes na idade pediátrica. Para essas doenças contribuem de modo determinante factores ambientais relacionados fortemente com a alimentação na primeira infância. O adequado estado de nutrição (e de saúde) está, assim, muito dependente de factores relacionados com hábitos alimentares, sendo desejável um correcto plano de alimentação do lactente desde o seu nascimento.

São desde há muito conhecidas as vantagens imediatas do leite materno, nomeadamente a protecção conferida por numerosos factores anti-infecciosos. Estudos epidemiológicos recentes têm também registado efeitos benéficos a longo prazo, relativamente à massa corporal, com uma menor prevalência de excesso de peso/obesidade nos alimentados com leite materno, e à pressão arterial, com valores inferiores nos amamentados.

É unanimemente reconhecida pelos peritos em nutrição e amplamente recomendada pela OMS, a alimentação com leite materno de modo exclusivo nos primeiros 6 meses de vida.

diversificação alimentar* é definida genericamente pelo especialista mundial em alimentação infantil –Fomon- como aquela que se compõe de qualquer alimento sólido, ou líquido distinto do leite humano ou de fórmula, substituindo gradualmente o leite exclusivo dos primeiros meses.

Reitera-se que a alimentação do lactente deve idealmente iniciar-se com o leite materno logo desde os primeiros minutos de vida e durante, pelo menos, o decurso do primeiro ano de vida. Quando não é possível o aleitamento materno, é recomendável a utilização de uma fórmula láctea.

Em situações particulares, como os casos de alergia às proteínas do leite de vaca, ou de refluxo gastresofágico, estão indicadas fórmulas especiais com uma composição adequada para tais situações.

A diversificação alimentar – princípios gerais e fundamentação

Dum modo geral a partir do 6º mês de vida, não sendo possível suprir de modo adequado todas as necessidades em macro e micronutrientes com o leite materno como alimentação exclusiva, torna-se necessário iniciar um plano alimentar com introdução progressiva de novos alimentos (começando com pequenas porções).

Efectivamente, a partir daquela idade, o suprimento pelo leite materno, quer energético, quer em micronutrientes, como o ferro, é também claramente insuficiente para a maioria dos lactentes. De salientar, no entanto, que o aleitamento materno a par de alimentação diversificada, pode continuar até aos 12 meses. Entre os 6 meses e 12 meses, a par da alimentação diversificada, a alimentação com leite não deve ultrapassar 700 ml/dia nem ser inferior a 500 ml.

A diversificação alimentar deve obedecer a um planeamento que, não sendo rígido, deve ser fundamentado em certos princípios, a saber:

  1. Necessidade de suprir o lactente de modo adequado em todos os nutrientes, sem risco, quer de certas carências que neste período crítico do crescimento e desenvolvimento conduziriam a alterações irreversíveis a nível físico em diferentes domínios comportamentais, psicomotores, sensoriais e cognitivos, quer de excessos nomeadamente energético e proteico, predispondo a situações de excesso de peso e de obesidade.
  2. Necessidade de respeitar limitações morfológicas e maturativas próprias dos primeiros meses de vida nomeadamente do tracto digestivo. São exemplos:
    • Capacidade gástrica: o volume gástrico vai aumentando progressivamente, desde cerca de 20 ml nas primeiras semanas de vida, até cerca de 250 ml no final do primeiro ano.
    • Maturação enzimática: nos primeiros meses algumas enzimas importantes para a clivagem de macronutrientes não atingem ainda níveis suficientes. Tal ocorre com a amilase (ainda que a glucoamilase intestinal possa, em parte, participar na digestão do amido ou de moléculas intermédias) e com a tripsina pancreáticas. Também a concentração de sais biliares está diminuída nas primeiras semanas de vida.
    • Protecção imunológica: nos primeiros meses de vida o sistema imunológico intestinal não está suficientemente desenvolvido, o que permite uma maior permeabilidade à passagem de macromoléculas proteicas com aumento do risco de sensibilização e ocorrência ulterior de alergias alimentares. A diminuição da proteólise intestinal e a deficiência transitória da produção de IgA secretora são factores de maior risco de sensibilização alérgica.
  3. Neurodesenvolvimento e comportamento: a aquisição progressiva de determinadas competências no primeiro ano de vida permite que a criança se vá adaptando aos alimentos semi-sólidos e sólidos introduzidos na boca; pelos 4 a 6 meses – desaparecido o reflexo de extrusão que “expulsa os alimentos não líquidos da boca”, a mobilidade ântero-posterior da língua permite empurrar aqueles para a faringe, assim como a deglutição; entre 6 e 10 meses – surgem movimentos rítmicos do maxilar inferior com tendência para abrir e fechar a boca em aproximação ou em fuga ao alimento; surgindo movimentos de “mastigação” e o controlo manual e ocular, torna-se possível beber líquidos pelo copo; entre os 10 e 12 meses – a capacidade de agarrar os alimentos (em pinça e com a mão) levando-os à boca permite que, a pouco e pouco vá comendo cada vez com “mais autonomia”.
  4. Maturação progressiva da função renal que condiciona também a alimentação do lactente:
    • são exemplos de imaturidade renal a incapacidade de manuseamento de sobrecargas de sódio e de concentração renal nas primeiras semanas de vida; desta particularidade decorrem riscos de ocorrência de desidratação hipernatrémica com a utilização de alimentos de elevada osmolaridade.
  5. Necessidade de conhecimento pormenorizado da história familiar de determinadas patologias que poderão condicionar a opção por determinados alimentos, quer quanto à idade indicada para a sua introdução, quer quanto à quantidade recomendada.

* Como sinónimos de diversificação alimentar são frequentemente empregues outros termos como: complementar, suplementar, de transição, não láctea exclusiva, weaning, “beikost”, significando “para além de”, “à-côtés”, solid foods, etc.. (ver Glossário)

Um exemplo em que a história familiar poderá levantar algumas dúvidas relativamente à selecção dos alimentos a introduzir é a que se reporta à existência de dislipidémia familiar, ou simplesmente ao risco aterosclerótico que o consumo de alguns alimentos acarreta, particularmente as fontes alimentares de gordura animal.

Relativamente a este grupo de patologia importa referir que não está recomendada qualquer manipulação dietética específica, já que os riscos de dietas restritivas são claramente superiores aos eventuais efeitos benéficos relativamente à expressão fenotípica da dislipidemia ou ao risco de desenvolvimento da aterosclerose, particularmente a médio e longo prazo.

De acordo com os peritos de nutrição essa manipulação deverá ocorrer somente a partir dos 24 a 36 meses idade, idade a partir da qual se deve proceder ao rastreio das referidas patologias. Assim, durante aquele período não deve haver restrições à ingestão de gordura, já que os ácidos gordos e o colesterol são vitais para o desenvolvimento do sistema nervoso central e para o crescimento em geral.

A idade de início

De acordo com as recomendações nacionais e internacionais (nomeadamente, Comissão de Nutrição da SPP, OMS, AAP e ESPGHAN), a alimentação diversificada deve ser iniciada muito proximamente aos 5- 6 meses de vida; ou seja, sem intenção de redundância, importa salientar que não deverá ocorrer antes das 17 semanas de vida (~4 meses + 1 semana), nem depois das 26 (~ 6 meses).

Nunca é demais reforçar que a introdução de novos alimentos, para além de respeitar características maturativas, deve, necessariamente, ter em conta características culturais e sócio-económicas. Assim, não há regras rígidas, não há verdades absolutas.

Demonstrou-se que não há qualquer benefício nutricional em ser iniciada antes dos 5 meses de vida sendo vários os riscos do seu início precoce:

  • Interferência com a lactação materna: diminuição progressiva da produção de leite materno. redução da biodisponibilidade da maioria dos macro e micronutrientes do leite materno.
  • Fornecimento de alimentos com aumento da osmolaridade. Os alimentos sólidos têm, no geral, um teor mais elevado em sódio, de que poderá resultar um maior risco de ocorrência de hipernatrémia.
  • Maior risco de alergia alimentar pelos motivos já acima referidos.
  • Suprimento energético excessivo com risco de condicionar excesso de peso ou mesmo obesidade, logo desde o primeiro ano de vida.
  • Suprimento proteico excessivo que, para além da sobrecarga renal, parece ser também um factor que favorece a ocorrência de obesidade.
  • Suprimento de componentes desnecessários ou mesmo prejudiciais em período ainda muito vulnerável:
    1. Sacarose, criando desde muito cedo uma maior apetência pelos doces, para além do potencial risco cariogénico;
    2. Nitratos, com o risco de condicionar o aparecimento de metemoglobinémia;
    3. Fitatos, com interferência na absorção de micronutrientes nomeadamente de oligoelementos, sobretudo ferro, cobre e zinco;
    4. Aditivos e contaminantes presentes numa grande variedade de alimentos utilizados na alimentação do lactente.

Quanto às consequências da diversificação tardia, apontam-se como principais as seguintes:

  • Insuficiência energética do leite em exclusivo;
  • Risco de suprimento deficiente em certos nutrientes como o zinco e o ferro;
  • Compromisso da aquisição e desenvolvimento das capacidades motoras (como coordenação da deglutição, mastigação, etc.) e sensoriais (paladar, texturas, etc.).

A cronologia da introdução de novos alimentos e evolução

É importante referir que a cronologia da introdução dos diferentes alimentos não pode ser rígida e deve ter em consideração uma série de factores de ordem social e cultural, tais como costumes de cada região, questões sócio-económicas, temperamento da criança, disponibilidade do agregado familiar e ainda particularidades do lactente (ex: atopia, alergias alimentares, patologia específica, etc.).

Efectivamente, também não existe base científica para a recomendação no sentido de se respeitar uma determinada ordem sequencial de introdução de novos alimentos.

Importa lembrar que os alimentos, de início fornecidos exclusivamente na forma líquida (regime lácteo exclusivo nos primeiros 4-6 meses), devem evoluir na textura, a qual deverá progressivamente passar da cremosa a grumosa e a pastosa, antes dos alimentos fornecidos na forma sólida a partir do 2º ano de vida.

Esta evolução é fundamental para uma correcta aprendizagem da mastigação, competência que se verifica progressivamente no lactente a partir dos 7-8 meses de vida.

Não estimular o lactente à transição progressiva da textura dos alimentos no decurso do segundo semestre de vida pode levar a grandes dificuldades quanto à aceitação de alimentação sólida e à integração na alimentação familiar no segundo ano de vida.

Esta evolução gradual, permitindo que a criança, habituada a deglutir líquidos, retenha por mais tempo na boca os alimentos mais consistentes, submetendo-os, por isso mais tempo à acção da saliva, amolecendo-os, constitui um passo fundamental da educação alimentar no que respeita à aprendizagem da mastigação – aprender a mastigar bem e devagar constitui uma atitude fundamental com benefícios para toda a vida.

Quanto ao treino dos sabores e texturas cabe salientar as seguintes noções na generalidade: 1-a sensação gustativa para o doce e salgado/amargo é inata, registando-se forte preferência para o doce; 2-a sensação para o azedo e amargo implicam aprendizagem a partir do 5º mês, isto é, os mecanismos inatos de preferência alimentar podem ser contrariados à medida que persiste a diversificação alimentar; 3-a variabilidade do paladar do leite materno facilita a aceitação de novos sabores pelo bebé; 4-a exposição pré-natal e pós-natal a determinado sabor facilita a aceitação do referido sabor em alimentos sólidos.

Relativamente à sensibilidade ao sabor salgado, convém particularizar a importância concomitante de factores ambientais, associados a factores hereditários; com efeito, a exposição mais precoce aumenta o interesse por esse sabor. Esta noção tem implicações práticas importantes a curto, médio e longo prazo (ver alínea seguinte).

Cabe salientar que o comportamento alimentar tem uma base de programação genética, com selecção de genes ao longo de milhões de anos.

Os alimentos a introduzir

Cereais

Os cereais enriquecidos em ferro devem ser dados ao lactente até aos 18 – 24 meses, tendo em conta que a ferropénia é também muito prevalente no segundo ano de vida.

Os cereais são fornecidos sob a forma de farinhas, lácteas (com maior teor proteico, desaconselhadas por alguns autores) ou não lácteas, constituídas por um ou vários cereais. sem ou com glúten. Estas últimas poderão ser reconstituídas com leite materno ou leite de fórmula.

As recomendações actuais vão no sentido da não introdução de glúten antes dos 4 nem após os 7 meses, devendo a introdução ser gradual e preferencialmente acompanhada pela manutenção do aleitamento materno, visando uma redução do risco de diabetes mellitus tipo 1, de doença celíaca e de alergia ao trigo. Tal como as fórmulas infantis, também os cereais a partir do 6º mês deverão ser enriquecidos em ferro, de forma a reduzir o risco de ferropénia ou anemia ferripriva prevalentes nesta fase do crescimento. Diversos estudos demonstraram que a introdução do glúten após os 7 meses de idade está associada a maior risco de diabetes mellitus tipo 1.

Os cereais são fonte rica de hidratos de carbono (polissacarídeos amiláceos e não amiláceos) e ainda de proteínas de origem vegetal (trigo), de ácidos gordos essenciais (trigo, milho), de minerais (fósforo: aveia, milho e cevada; magnésio e cálcio: trigo) e vitaminas (B1 e B6: arroz). De referir o elevado valor energético das farinhas (cerca de 400 kcal/100 g) mas particularmente o seu considerável teor proteico (12 a 18 g/100 g). Uma refeição deve corresponder a cerca de 35 a 50 g de farinha (o que evita um suprimento energético-proteico excessivo).

Constituem, pois, uma fonte energética indispensável numa fase em que se verifica uma actividade motora progressiva a qual despende energia. Estas farinhas são tratadas por hidrólise térmica e enzimática de modo a facilitar a absorção dos seus nutrientes.

No exemplo da Figura 1 (ver adiante) considerou-se o início da diversificação com a farinha de cereais (pressupondo início em idade não rígida, desde que não antes das 17 semanas de vida).

Frutos

São fonte importante de vitaminas, minerais e de fibras. Para além do seu importante papel nutricional, são de extrema relevância os benefícios para a saúde na dependência dos compostos não-nutricionais dos frutos (antioxidantes e fitoesteróides) pelo que se aconselha o seu consumo regular e variado em detrimento dos suplementos farmacológicos vitamínicos ou minerais. Os frutos ricos em vitamina C deverão preferencialmente ser consumidos em simultâneo com legumes ricos em ferro (feijão, lentilha, agrião, salsa, etc.) ou cereais, pois aumentam a absorção do ferro não hémico. Poderão ser introduzidos por volta do 6º mês, mas nunca deverão constituir uma refeição, pois o volume necessário para suprir as necessidades energéticas seria incomportável sob o ponto de vista de tolerância digestiva, devido ao elevado teor de fibra que poderia conduzir a desequilíbrios em micronutrientes por compromisso absortivo. A maçã e a pêra (cozidas ou assadas com casca e caroço ou em vapor) e a banana, são habitualmente os primeiros frutos a ser utilizados.

Devem privilegiar-se as frutas frescas e maduras evitando as potencialmente alergénicas ou as libertadoras de histamina como os morangos, o kiwi e o pêssego. Não devem adicionar-se na sua preparação outros alimentos como o mel ou o açúcar.

Aliás não será de esquecer a regra fundamental (respeitando situações especiais): sacarose (e sal) não devem ser acrescentados ao regime alimentar no primeiro ano de vida.

Não parece haver nenhuma vantagem em iniciar o fornecimento de fruta sob a forma de sumos relativamente à fruta completa. Os 4 principais açúcares nos sumos são a sacarose, a glucose, a frutose e o sorbitol com diferentes percentagens de absorção e em proporções variáveis de fruto para fruto. A concentração global de hidratos de carbono nos sumos varia de 11 a 16 g/100 ml (0,44 a 0,64 Kcal/ml).

Importa lembrar que não devem nunca ser utilizadas bebidas artificiais de fruta, actualmente disponíveis no mercado em múltiplas composições.

Poderá, em resumo, dizer-se que os sumos não têm qualquer interesse nutricional no primeiro semestre de vida e não oferecem qualquer vantagem relativamente à fruta completa a partir do segundo semestre podendo mesmo, se fornecidos em excesso, condicionar à ocorrência de distúrbios da nutrição.

Legumes e produtos hortícolas

Fornecendo particularmente vitaminas, minerais e fibras, facilitam a formação do bolo fecal, exercendo uma acção favorável sobre o peristaltismo intestinal. São inicialmente dados sob a forma de caldos e, posteriormente, sob a forma de purés.

Dado que o sabor doce é inato, em princípio não requerendo treino, é importante iniciar-se a estimulação / treino do paladar para sabores não doces. Daí a fundamentação segundo alguns autores, para o início da diversificação com caldo de legumes, isto é, precedendo a farinha de cereais. Os legumes mais utilizados são: batata, cenoura, abóbora, alho francês, alface, couve branca, brócolo e curgete, inicialmente agrupados 2 a 3 e, depois, 4 a 5, perfazendo o total de ~120 gramas.

Outros legumes como nabo, nabiça, e beterraba, pelo elevado teor de nitrato e fitato deverão ser reservados para idades de 11-12 meses.

As hortaliças e tubérculos, com baixo valor energético (40 – 80 kcal/ 100 g), são importantes fontes de macronutrientes (excepto gordura) e micronutrientes (batata: vitamina B1; abóbora: zinco, magnésio, potássio; alface: cobre e ácido fólico; agrião: vitamina C, fósforo, cálcio e ferro; etc.). Atendendo à completa ausência de gordura nos legumes e hortícolas, e ao reconhecimento da sua importância na estruturação das membranas celulares e na maturação do SNC, retina e sistema imunológico, devem ser adicionados 5 – 7,5 mL de azeite cru a cada dose de puré ou caldo de legumes.

Nota importante:

  • À luz do conhecimento actual acerca do padrão de crescimento desejável no 1º ano de vida, acrescido do facto de o sabor doce ser inato, não necessitando de treino, importa estimular precocemente o treino do paladar para sabores não doces. Assim, a tendência actual é proceder à diversificação entre o 5º e o 6º mês com um caldo ou puré de legumes, e não com a tradicional farinha de cereais.

Dentro do grupo dos fornecedores de proteínas de alto valor biológico incluem-se a carne, o peixe e o ovo.

Carne e peixe

A carne e o peixe são importantes fornecedores de proteína (20% de proteína de alto valor biológico por 100 g de alimento) mas também de outros nutrientes com uma função determinante no desenvolvimento.

 A carne (branca ou vermelha) é uma importante fonte nutricional de minerais de elevada biodisponibilidade (nomeadamente zinco e ferro) bem como de ácido araquidónico, o maior ácido gordo poli-insaturado de cadeia longa da série n-6. O consumo elevado de proteínas de origem animal particularmente o leite durante o primeiro ano de vida tem sido associado a uma aceleração do ganho ponderal, mediado sobretudo pelo teor proteico. Ingestas proteicas elevadas têm sido associadas a um risco acrescido de obesidade.

Como nota importante, refere-se que a melhor fonte de ferro a partir do segundo semestre de vida é a carne. O ferro apresenta-se na forma de ferro hémico com uma biodisponibilidade muito superior à do ferro não-hémico fornecido pelos cereais, legumes e produtos hortícolas. A presença de carne ou de peixe numa refeição favorece a absorção do ferro não-hémico.

É suficiente o fornecimento de 30 a 35 gramas de carne ou peixe por dia, começando-se com 10-15 gramas/dia aos 6 meses.

Ovos

Fornecem todos os aminoácidos essenciais. A gordura encontra-se na sua quase totalidade na gema, onde se encontram também as vitaminas lipossolúveis, estando as hidrossolúveis maioritariamente presentes na clara.

A clara do ovo poderá desencadear, com mais probabilidade, reacções alérgicas do que a gema; por isso, aquela deverá ser introduzida mais tardiamente, ou seja, a partir do primeiro ano de vida (ou após os dois anos em situações com antecedentes familiares de patologia alérgica). Os ovos devem ser dados cozidos, alternando com carne ou peixe.

Nota importante:

  • De acordo com os peritos da AAP, não está provado que retardar a introdução de alimentos potencialmente alérgicos como o carne, peixe e ovo reduz alergias, quer haja ou não história familiar de patologia alérgica.

Iogurtes

Embora se trate um alimento obtido do leite de vaca sem modificação qualitativa, é bem tolerado pela diminuição do conteúdo em lactose e pela hidrólise parcial das suas proteínas; tem, tal como o leite completo, um teor elevado em ácidos gordos saturados.

Recomenda-se a sua utilização a partir dos 10 meses. Estão actualmente disponíveis no mercado iogurtes com uma composição qualitativa mais adequada ao lactente pelo que a sua utilização poderá iniciar-se um pouco mais precocemente.

Leguminosas frescas e secas

Classicamente utilizam-se no nosso meio: grão, feijão, favas, ervilhas e lentilhas. Com um teor muito mais elevado em proteínas do que os produtos hortícolas, são também fonte importante de oligoelementos, vitaminas e fibras. Podem ser oferecidos na alimentação a partir dos 10 meses, mas em pequenas quantidades, para evitar flatulência e favorecer a digestão.

Leite de vaca em natureza

O leite de vaca em natureza não deverá ser utilizado no primeiro ano de vida. Com efeito, o leite de vaca não fornece os nutrientes de modo adequado às necessidades da criança nesta faixa etária: é elevado o seu teor em ácidos gordos saturados e é muito reduzido o conteúdo em ácidos gordos essenciais. No 2º ano de vida é ainda prevalente a ferropénia como se referiu, tendo o leite de vaca um teor de ferro que, além de baixo, é muito pouco biodisponível.

Exemplifica-se na Figura 1, um plano de diversificação alimentar no decurso do primeiro ano de vida.

FIGURA 1. Exemplo de diversificação alimentar no primeiro ano de vida

Minerais e outros nutrientes na alimentação do lactente

Agência Europeia para a Segurança Alimentar, é o órgão que tem como função elaborar as recomendações sobre micronutrientes na Europa. A EURRECA (EURopean micronutriente RECommendations Aligned), (http://www.eurreca.org/everyone), financiada pela Comissão Europeia (CE colabora com a Agência Europeia para a Segurança Alimentar.

Esta rede europeia considera que os micronutrientes prioritários são o ácido fólico, a vitamina D e o ferro. Dois destes micronutrientes elegidos como os prioritários são, especialmente importantes no primeiro ano de vida, dado o leite materno ser, precisamente, pobre em ferro e em vitamina D.

O ferro é um mineral que necessita de recomendações em Portugal pela frequência da deficiência e suas consequências. Há deficiência de ferro e anemia por deficiência de ferro em lactentes de outra forma saudáveis e é, talvez, o único mineral em deficiência na Europa.

Num documento relativo à alimentação no primeiro ano de vida, as recomendações relativas ao ferro serão apenas genéricas e necessitariam pela sua importância de um documento mais detalhado. Fica apenas aqui referido o ideal que aponta para a amamentação exclusiva até aos 6 meses de vida, seguida por suplemento de ferro de 1 mg/kg/dia dos 6 aos 12 meses, ou até se obter um suprimento diário de 11 mg/dia de ferro através dos alimentos. Em Portugal, o suplemento de ferro deve ser dado à refeição, porque o veículo do ferro elementar na única formulação em solução oral para lactentes é mais bem absorvido com os alimentos.

Há macrominerais que no primeiro ano de vida devem ser excluídos da dieta como o é o caso do sódio, na forma de sal (NaCl) acrescentado.

Sobre as principais funções e fontes alimentares de macrominerais e Microminerais, sugere-se a consulta do capítulo sobre Nutrientes.

Aspectos práticos

São enumeradas a seguir algumas regras práticas em relação com a alimentação diversificada.

  1. Não deve forçar-se o lactente à ingestão da totalidade do volume da refeição oferecida. É importante que o lactente controle a ingestão alimentar em função da sua saciedade, a qual pode variar ao longo do dia e dos dias. Regimes hiper-proteicos e hiper-energéticos são a principal causa de excesso de peso e de obesidade logo desde o primeiro ano de vida.
  2. Não deve adicionar-se açúcar aos alimentos (leite, iogurte, etc.) que, para além de criar a apetência pelo doce, tem ainda um indesejável efeito cariogénico. Também o mel, qualquer que seja a forma de apresentação, não traz qualquer vantagem nutricional podendo mesmo haver alguns riscos, pelo que não deve ser dado, pelo menos no primeiro ano de vida.
  3. Proscrita deve ser também a adição de edulcorantes como o aspartame. Com efeito, o aspartame inclui metanol (10%) para além do ácido aspártico (40%) e fenilalanina (50%). A sua adição pode provocar efeitos indesejáveis alguns dos quais de difícil identificação no lactente.
  4. Nunca é de mais repetir: não é necessária nem desejável a adição de sal aos alimentos; o respectivo teor de sal intrínseco é suficiente para suprir as necessidades diárias em sódio.
  5. A partir do início da alimentação diversificada, os alimentos (designadamente os não líquidos) devem ser dados à colher. Trata-se duma regra básica da educação alimentar. Para além dos aspectos estritamente nutricionais, há que atender à estimulação progressiva com a aquisição de experiências sensoriais (tácteis, térmicas, gustativas, etc.). Actualmente verifica-se a tendência de se aconselhar que a criança, numa fase de “aprendizagem”, confrontada com alimentos sólidos no prato, seja estimulada a pegar livremente nos mesmos, levando-os à boca. Tal procedimento, implicando vigilância rigorosa por parte do prestador de cuidados, poderá contribuir para o desenvolvimento de capacidades motoras e sensoriais, designadamente.
  6. Por outro lado, para que a digestão dos alimentos sólidos dados (inicialmente farinha de cereais e depois legumes) se realize eficazmente é indispensável que os mesmos tenham um contacto relativamente prolongado com a saliva e maior tempo de permanência na boca. Inversamente, a maior rapidez com que os alimentos passam pela boca quando administrados por biberão, impede a sua mistura homogénea com a saliva, comprometendo, por isso, a digestão.
  7. Refira-se que é possível verificar um comportamento de sensibilidade ao sódio desde a primeira infância o que aumenta o risco de valores elevados de pressão arterial logo desde os primeiros anos de vida.
  8. Sublinhe-se a este respeito que os alimentos enlatados podem conter grandes quantidades de açúcar e de sal, para além de outros conservantes, devendo, por isso, estar proscritos na alimentação do lactente. O suprimento em fibras não deve ser preocupação durante o primeiro ano de vida.
  9. Apenas a partir dos 2 anos de vida se recomenda um suprimento mínimo de fibra equivalente à idade mais 5 gramas/dia. Sugerem-se como limites de segurança para a criança, os valores de 5 a 10 gramas/dia.
  10.  Uma oferta variada de alimentos é outra atitude que contribui para o estabelecimento de bons hábitos alimentares em etapas posteriores da vida; de notar que a monotonia do regime favorece a anorexia.
  11.  Uma referência importante relativamente à consistência dos alimentos sólidos (legumes, carne e peixe, etc.) e às sensações tácteis e gustativas que os mesmos despertam. Tais alimentos devem ser dados de forma progressivamente menos fraccionada e mais consistente; desaconselha-se, por isso, a utilização por tempo muito prolongado de máquinas trituradoras que transformam os alimentos sólidos em semi-líquidos ou cremosos muito fluidos; passagem progressiva da trituradora eléctrica para o clássico passe-vite manual.
  12.  É importante garantir que a alimentação diversificada forneça densidade energética adequada com VCT mínimo de 25% e boas fontes de ferro, proteínas e zinco.
  13. Não deverá igualmente ser esquecida a componente social dos actos alimentares e das refeições; idealmente a criança deverá (deveria, na medida do possível) ter as suas refeições convivendo com a família.
  14. Com o início da diversificação alimentar deve oferecer-se água extra (~400-600 mL/dia) ao longo do dia (não outra bebida), salientando-se que os chás de ervas interferem na absorção de minerais e na motilidade intestinal.

Fontes alimentares

Especifica-se, a seguir, a composição de algumas fontes alimentares utilizadas na composição da alimentação diversificada.

Cereais
(composição por 100 g)

Arroz Trigo Soja Milho
Proteínas (g) 7,3 12,6 36,8 8,3
Glúcidos (g) 85,8 68,5 23,5 75,3

Em regra, o valor calórico por 100 gramas é cerca de 400 kcal. A sua constituição é sobretudo à base de glúcidos, polissacáridos, amido e pequenas quantidades de proteínas vegetais, ácidos gordos essenciais, minerais e vitaminas do complexo B.

Cereais manipulados
(composição por 100 g)

Massa Pão branco Pão de mistura
Proteínas (g) 8,7 6,3 6,5
Energia (kCal) 358 246 278
Cálcio (mg) 7 110 100

Frutos
(composição por 100 g)

Maçã Pêra Banana Laranja
Vitamina C (mg) 14 6 11 54
Fibra (g) 1,6 2,2 1,1 1,2

As papas de frutas de preparação caseira têm um valor calórico aproximado de 120 kcal/100 gramas; salienta-se que o valor calórico dos preparados comerciais (boiões) é cerca de 220 kcal/100 ml.

Legumes/hortaliças
(composição por 100 g)

Em geral as hortaliças e verduras (cenoura, batata, abóbora, alface) têm um baixo valor calórico – cerca de 40 a 80 kcal/100 gramas, sendo fonte importante de minerais, oligoelementos, vitaminas, alto conteúdo em celulose e variável de fibras.

Carne, peixe e ovo
(composição por 100 g) 

Relativamente a estes alimentos salienta-se a composição em ferro (respectivamente em mg/100 gramas) das seguintes variedades:

 FrangoVacaPorcoCoelhoPescadaLinguado
Ferro (mg)7,312,636,81,71,00,6

A carne e o peixe contêm cerca de 15-20% de proteínas/100 gramas e, entre 5-10% de gordura/100 gramas. Um ovo de 60 gramas fornece cerca de 80 kcal e a mesma quantidade de proteínas que 10 gramas de carne ou peixe.

Leguminosas
(composição por 100 g)

Quanto a estes alimentos (fornecendo cerca de 8-16 gramas de proteínas/100 gramas) salienta-se a composição em ferro, cálcio, magnésio, fósforo e fibra das seguintes variedades:

 ErvilhaFeijãoLentilhaGrão
Ferro (mg)1,563,51,2
Cálcio (g)1989220,4
Magnésio (mg)2915034
Fósforo (mg)130360130
Fibra (g)4,5103,82,5

Produtos lácteos
(composição por 100 g)

 IogurteLeite inteiroQueijo
Proteínas (g)3,23030
Glúcidos (g)4,34,60,2
Lípidos (g)3,23,014
Cálcio (mg)125126850

Leites (valor energético)

  • Leite (fórmula padrão): 500 ml <>335 Kcal
  • Leite materno: 500 ml <>335 – 370 Kcal
  • Leite de vaca em natureza: <>300 – 438 Kcal

Seguidamente são referidos exemplos práticos de regimes alimentares aplicáveis a crianças saudáveis até ao 1 ano de idade.

Plano de refeições

  • 1.º Trimestre
    • Refeições de leite:
      • Materno (n.º variável) ou
      • Fórmula: 6 biberões
  • 2.º e 3.º Trimestres
    • Refeições de leite:
      • Materno (n.º variável) ou
      • Fórmula: 3 biberões
    • Alimentos sólidos:
      • Farinha / cereais: 1 (após 4 meses)
      • Refeição diversificada (caldo de legumes): 1 (após 5 meses)
      • Introduzir fruta a partir dos 6 meses
  • 4.º Trimestre
    • Refeições de leite:
      • Fórmula: 1 biberão
    • Alimentos sólidos:
      • Farinha de cereais: 1
      • Refeição diversificada com sobremesa de fruta: 2

Nota: Tratando-se de alimentação com fórmula/leite, o nº de biberões pode variar (± 1) em função do volume de leite distribuído pelo número de biberões/dia.

O Quadro 1 exemplifica um esquema alimentar diário para criança de 6-7 meses.

QUADRO 1 – Exemplo de esquema alimentar diário para criança de 6-7 meses

 Proteínas (g)Gorduras (g)Hidratos de carbono (g)

(*) A partir dos 10 meses a refeição de cereais poderá ser substituída por 1 iogurte natural, sem açúcar; g= gramas; (“) A designação de caldo ou puré de legumes relaciona-se com a consistência da refeição diversificada em função do volume de água utilizado; (# Carne: depois dos 6-7 meses, peixe depois dos 7-8 meses com incremento progressivo até 30-35 gramas/dia – fase de 2 refeições diversificadas com carne ou peixe, por dia)

Fórmula/Leite de transição a 15% (2 x 200 ml)8,912,231,8
Farinha não láctea (*)3,62,741,0
– pó de farinha: 40 g2,00,635,6
– leite de transição: 2 medidas1,62,15,4
Água: 200 ml   
Caldo de legumes (2 x 200 ml) (“)6,95,029,7
– Cenoura: 50 g0,33,2
– Cebola: 50 g0,50,11,9
– Batata: 120 g3,024,0
– Hortaliça: 30 g1,00,30,6
– Carne ou peixe: 10 g (#)2,10,6
– Azeite cru (no fim da cozedura)
(1 colher de sobremesa)
4,0
Fruta: 60 g0,48,0
Total:19,619,6110,2

Nesta refeição tipo os legumes podem ser cozidos no vapor empregando um utensílio apropriado ou um simples passador de rede que se coloca numa caçarola com água fervente. No passador, que não deve mergulhar na água, colocam-se os legumes que devem ser cozidos tapados. Depois de cozidos, os legumes passam-se na trituradora manual ou eléctrica.

A refeição designada por <> Fruta poderá ser dada duas vezes por dia, a seguir a cada uma das sopas, em função do apetite e características da criança.

Neste esquema a que corresponde o valor calórico total (VCT) de 696 kcal/dia para o peso ~ 7.700 gramas <> 93 kcal/kg/dia, as percentagens de VC estão assim distribuídas: Glúcidos ~64%; Proteínas ~11%; Lípidos~ 25%.

As quantidades dos ingredientes destas refeições são pesadas somente quando se realizam os primeiros cozinhados. A prática e a utilização, por ex., de colheres, chávenas, etc., dispensam depois tais pesagens.

Como exemplo de refeição diversificada incluindo leguminosas secas (grão ou feijão ou ervilha ou lentilha), mais consistente que o caldo ou sopa de legumes (tipo puré), a introduzir cerca dos 10 meses para substituir uma das duas sopas de legumes mencionadas no esquema anterior, são descritas duas variedades de puré de leguminosas secas:

1.  Puré de lentilhas

  • gema de ovo – 1
  • massa / estrelinha – 15 gramas
  • lentilhas – 35 gramas
  • cebola – 30 gramas
  • tomate – 40 gramas
  • azeite (no fim da confecção) – 5 gramas
  • água q.b.p. para se obter um volume final de 250 cc.

A relação calórica/peso nesta refeição/tipo é: 1 cc./ 1 kcal.

Tratando-se duma refeição mais consistente, prevê-se que se ofereça água por copo à criança, alternando com as colheres que vão sendo dadas.

 2. Puré de feijão (com carne ou peixe)

  • carne – 25 gramas; ou peixe -30 gramas
  • massa / estrelinha – 20 gramas
  • feijão – 35 gramas
  • cebola – 30 gramas
  • azeite (no fim da confecção) – 5 gramas
  • água q.b.p. para se obter um volume final de 250 cc.

A relação calórica/peso nesta refeição-tipo é: 1 cc./ 1 kcal.

Como pormenor da confecção dos “purés de leguminosas secas”, estas deverão ser postas de molho de água desde a véspera para uma correcta lavagem; depois desta operação as mesmas levam-se ao lume com os restantes ingredientes e com nova água.

GLOSSÁRIO

Desmame > Separação da criança do seio materno ou da ama

Ablactação > Transição da alimentação láctea exclusiva para o regime alimentar comum

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