Microbioma

A designação de microbiota refere-se ao conjunto de microrganismos ou micróbios (termo antigo, mas actualmente “reabilitado”) que se encontram localizados em tecidos orgânicos – no interior ou à superfície – em maior concentração no tubo digestivo, mas também na pele e mucosas (boca, conjuntivas, vagina, etc.). Ao genoma que expressa o microbiota dá-se o nome de microbiomaA situação de desequilíbrio nos componentes do microbiota é designada disbiose, situação que poderá estar associada a cólicas infantis.

Tais microrganismos, cerca de triliões (em número dez vezes superior ao da totalidade das células do corpo humano), agrupados em colónias (número superior ao da totalidade das células do organismo humano), distribuídos por mais de 10.000 espécies, incluem bactérias e fungos, por sua vez transportando vírus.

Não produzindo doença, designam-se por microbiota normal. Produzindo doença (em períodos variáveis)designam-se por microbiota transitório.

O epitélio intestinal, constituindo a maior superfície de mucosa do corpo humano com uma complexidade de funções de absorção de nutrientes, de motilidade, neuroendócrina e imunológica, contém um microbiota muito extenso localizado principalmente no cólon; inclui cerca de 100 triliões de bactérias pertencentes a centenas de espécies diferentes e incorporando mais de 600.000 genes.

A diversidade microbiana entre indivíduos é enorme. Com efeito cada indivíduo (hospedeiro) possui um padrão próprio, distintivo quanto à composição microbiana intestinal, o qual depende de diversos factores: da genética daquele, da respectiva colonização inicial no momento do parto (por sua vez dependente do tipo de parto e, consequentemente, do microbiota materno vaginal e intestinal), do tipo de nutrição e também da exposição ao meio ambiente.

Recorda-se, a propósito, que a colonização do intestino do recém-nascido pelas bactérias começa na altura do parto; e que o microbiota intestinal materno é a única fonte natural de bactérias benéficas para o intestino.

Pormenorizando, é importante atender ao facto de determinados factores, actuando durante a gravidez (obesidade materna, antibioticoterapia materna, exposição a terapia intensiva e dieta) influenciam o desenvolvimento do microbioma durante a própria gravidez, no RN, e no lactente.

De referir também que o desenvolvimento do microbiota intestinal dos lactentes alimentados com fórmulas padrão é diferente do dos lactentes amamentados, particularmente, no que diz respeito a progressão das bifidobactérias que, no último caso, se tornam os microrganismos dominantes.

O microbioma gastrintestinal, o epitélio intestinal e o sistema imune da respectiva mucosa constituem uma unidade funcional altamente integrada e complexa designada por ecossistema gastrintestinal, pelo que alterações intrínsecas ou adquiridas em qualquer destes componentes poderão originar alterações do carácter patológico ao nível do tubo digestivo.

O ecossistema intestinal humano compõe-se fundamentalmente de três grandes grupos bacterianos, consoante o papel que desempenham (Quadro 1).

QUADRO 1 – Composição do microbiota bacteriano intestinal

Bactérias benéficas

Bifidobacterium spp.

Lactobacillus spp.

Eubatterium spp.

Bactérias potencialmente nocivas

Staphylococcus spp.

Clostridium spp.

Proteus spp.

Pseudomonas (sp. aeruginosa)

Veillonella spp.

Bactérias oportunistas

Escherichia (sp. coli)

Streptococcus spp.

Bacteroides spp.

Enterococcus spp.

Probióticos

Antecedentes históricos

Reza a história que o iogurte mais antigo era egípcio (3500 AC) e que Hipócrates descreveu as propriedades benéficas do iogurte e dos leites fermentados. Só muito mais tarde, na Bulgária e na Turquia, se vulgarizou o seu consumo. Uma das bactérias usadas na sua fermentação recebeu o nome científico de Lactobacillus bulgaricus, e foi da tradição oral destes povos que nos chegou o nome de “iogurte” por “contribuir para a enorme longevidade” dos seus habitantes.

Os benefícios para a saúde das bactérias produtoras de ácido láctico foram pela primeira vez estabelecidos no início do século XX pelo cientista russo Elie Metchnikoff, defendendo os benefícios invocados na Antiguidade. As suas observações baseavam-se no conceito de “auto-intoxicação” e consequente “envelhecimento intestinal” por agentes capazes de produzir substâncias proteolíticas (Clostridium, por exemplo).

Em 1919, Isaac Carasso, fundador da Danone, começou a produzir industrialmente o iogurte que nessa época, por ser considerado um medicamento, era vendido nas farmácias. Posteriormente, por conter bactérias cujo principal alvo era a microflora intestinal com efeitos benéficos para a saúde do hospedeiro, passou a ser considerado um alimento funcional, salientando-se o estudo científico de Metchinikoff no Instituto Pasteur de Paris.

Definição

A designação de probióticos é conhecida desde 1965 (Lilley & Stilwell); contudo, foi Fuller que em 1989, definiu probióticos como microrganismos vivos, componentes de alimentos, que produzem efeitos benéficos no hospedeiro através da melhoria do balanço microbiano do seu microbiota intestinal.

Os probióticos, pelo seu interesse, constituem um motivo de investigação actual em várias áreas de medicina, em veterinária e na indústria alimentar. Por isso, em 1999 foi elaborado pela Comunidade Europeia um documento de consenso que define probiótico como um alimento que incorpora microrganismos vivos (lactobacilos, bifidobactérias) o qual, consumido em quantidades suficientes, produz efeitos benéficos para a saúde e para o bem-estar, para além dos efeitos nutricionais.

Alguns produtos considerados como probióticos são constituídos por lisados bacterianos ou produtos inactivados pelo calor que, quando ingeridos, também exercem efeitos benéficos para a saúde do hospedeiro pela capacidade de inibir a adesividade de bactérias patogénicas às células da mucosa intestinal, melhorando o equilíbrio microbiano intestinal do hospedeiro.

Os microrganismos que fazem parte dos probióticos mais utilizados são:

  • Bactérias vivas produtoras de ácido láctico
    • Lactobacillus (bulgaricus, acidophilus, casei, rhamnosus GG (LGG), plantarium, shirota, reuteri, brevis, clusei), componentes importantes da microflora intestinal e dominantes no intestino delgado.
    • Bifidobacterium (lactis, longum, bifidus, infantum, termophilus), que são dominantes no cólon, e também componentes importantes do microbioma intestinal. Predominam no intestino dos recém-nascidos e dos lactentes alimentados com leite materno. As bifidobactérias são germes anaeróbios e utilizam uma via específica para metabolizar a lactose da alimentação produzindo acido láctico, (como outros probióticos), mas também acido acético com maior efeito bacteriostático.
    • Streptoccocus (thermophilus, lactis, salibarius, faecium, beta-hemolítico, intermedius) que têm uma forte actividade lactásica e que pela sua resistência à hidrólise, chegam em grandes quantidades ao intestino.
    • Cocos Gram-negativos ( coli)
  • Leveduras, células vivas
    • Saccharomyces (boulardii, cerevisiae), resistente aos antibióticos. (Quadro 2)

De salientar que um preparado probiótico pode conter uma ou mais estirpes de microrganismos.

As condições a que deve obedecer um probiótico são:

  1. Resistência à acidez gástrica, à bílis e às enzimas pancreáticas;
  2. Boa adesividade às células da mucosa intestinal;
  3. Boa capacidade de colonização;
  4. Tolerância imunológica com os micróbios autóctones;
  5. Ausência de translocação;
  6. Modulação do trânsito intestinal ajudando a evitar obstipação;
  7. Melhor digestibilidade dos nutrientes aumentando o seu valor nutricional;
  8. Comprovados efeitos benéficos para a saúde.

Mecanismos de acção

Os principais mecanismos de acção, dos quais se podem deduzir os determinados efeitos, são sucintamente descritos no Quadro 2.

QUADRO 2 – Principais mecanismos de acção dos probióticos

Imunológicos

· Activação dos macrófagos locais promovendo a apresentação de antigénios aos linfócitos B

· Aumento local e sistémico da secreção de imunoglobulina A secretória

· Modulação do perfil de citocinas

· Indução de menor intensidade da resposta a antigénios alimentares

Não imunológicos 

· Digestão de alimentos e competição com os microrganismos patogénicos por determinados nutrientes

· Alteração do pH local para criar condições desfavoráveis ao crescimento de agentes patogénicos

· Produção de substâncias que inibem o crescimento de outros microrganismos

· Eliminação de radicais livres de oxigénio

· Estimulação da produção epitelial de mucina

· Estimulação da função de barreira intestinal

· Competição pela adesão à mucosa

· Modificação de toxinas patogénicas

Principais efeitos

Os principais efeitos, intestinais e extraintestinais, em parte sobreponíveis aos mecanismos de acção, podem ser assim sistematizados:

  1. Actividade antimicrobiana contra as bactérias patogénicas: pela inibição do crescimento bacteriano competindo com o consumo de nutrientes; pela síntese de péptidos e outras substâncias bactericidas; pelo impedimento da sua adesividade às células da mucosa intestinal, pela inactivação de toxinas ( coli, V cholorae, C difficille).
  2. Aumento da secreção de mucina com diminuição da permeabilidade intestinal; daí o efeito barreira contra as bactérias patogénicas (coli).
  3. Acidificação do pH intestinal pela produção de ácidos gordos de cadeia curta e consequente menor pH fecal (fezes mais ácidas).
  4. Inibição da actividade enzimática bacteriana no cólon e aumento da actividade de algumas enzimas intestinais (lactase, maltase e sacarase); também melhor absorção de cálcio e ferro evitando a sua utilização pelas bactérias patogénicas.
  5. Imunomodulação do sistema imunitário intestinal com (estímulo da fagocitose contra os agentes patogénicos) e efeito anti-alérgico aos alimentos.
  6. Melhoria da circulação entero-hepática e da desagregação dos ácidos biliares o que reduz os níveis sanguíneos de amónia em doentes com hepatopatia.

Utilidade na prática clínica

Os probióticos mais utilizados (Lactobacillus spp e Bifidobacterium spp), podendo ser incluídos em diferentes tipos de produtos, incluindo alimentos, fármacos e suplementos alimentares, têm aplicação diversificada na prevenção e tratamento de diversas situações clínicas a seguir discriminadas.

Diarreia infecciosa

Os mecanismos de acção dos probióticos na diarreia aguda parecem ser os seguintes: -promoção da função de barreira intestinal; – inibição da adesão e colonização da mucosa por agentes patogénicos; – interacção com o sistema imune inato do organismo; – estimulação da produção de IgA secretórias específicas de antigénio.

Diarreia associada a antibióticos

Vários estudos têm comprovado a eficácia dos probióticos na prevenção e no tratamento da diarreia associada a antibioticoterapia. Os mais utilizados têm sido as Bifidobacteria, os Lactobacillus rhamnosus GG (LGG) e o Saccharomyces boulardii.

Diarreia do viajante

A diarreia do viajante é a doença mais comum durante a visita às regiões tropicais. O efeito preventivo dos probióticos em tal contexto não está suficientemente demonstrado e os estudos são contraditórios. No entanto, alguns ensaios clínicos referem uma redução de incidência da diarreia, variando consoante as regiões visitadas e as doses utilizadas.

Síndroma do cólon irritável

Embora seja referida a diminuição de dor abdominal e da diarreia nesta patologia, os resultados dos estudos em crianças são contraditórios. Em suma, apesar de com algumas espécies se ter obtido alívio sintomático, ainda não existem provas científicas legitimando recomendar o seu uso neste contexto.

Doença inflamatória crónica do intestino e outras situações do foro digestivo

Os estudos realizados em adultos sobre a utilização de probióticos na doença inflamatória intestinal parecem demonstrar que existe um efeito benéfico, mas os estudos em populações pediátricas não obtiveram os mesmos resultados. Com efeito, quer na doença de Crohn, quer na colite ulcerosa, não se observou qualquer benefício relativamente à indução ou prolongamento da remissão. Portanto, no âmbito destas duas entidades clínicas, na fase actual do conhecimento não está indicado o uso de probióticos.

Têm sido referidos resultados animadores com a utilização de probióticos na síndroma do intestino curto e em casos de alergia alimentar, provavelmente pela diminuição da permeabilidade intestinal e da imunomodulação. Está referida a eficácia dos probióticos (L. casei e S. boulardii) no tratamento e profilaxia de recidivas da colite pseudomembranosa induzida pelo Clostridium difficile.

Enterocolite necrosante

O papel protector dos probióticos nesta situação está actualmente bem estabelecido, tendo-se demonstrado uma redução quer da incidência, quer da mortalidade. Assim, numa revisão da Cochrane sobre esta entidade clínica, foi recomendado o uso preventivo de probióticos em recém-nascidos pré-termo.

Cólicas

O efeito dos probióticos na cólica infantil está bem estudado e foi inclusivamente alvo de uma revisão da Cochrane incidindo sobretudo sobre L. reuteri. Admite-se que o seu mecanismo de acção quanto à redução do desconforto abdominal se prende com a alteração do padrão de fermentação no cólon e com menor produção de gás e, consequentemente, com diminuindo o desconforto. Contudo, há resultados doutros estudos gerando controvérsia.

Doenças atópicas

Através da sua modulação do sistema imune intestinal, os probióticos parecem ter algum efeito na promoção da formação de linfócitos Th1 (supressores) em relação aos linfócitos Th2 (pró-alérgicos). No entanto, as provas científicas não suficientes para suportar o seu uso para prevenção de dermatite atópica, alergias alimentares ou hipersensibilidades.

Obstipação

O efeito dos probióticos nesta situação pode dever-se aos seguintes mecanismos:

  • Diminuição do tónus da sigmóide;
  • Estimulação da motilidade do cólon; e
  • Redução do tempo de motilidade intestinal, devido às alterações no microbioma.

Numa revisão da Cochrane de 2016 concluiu-se que os probióticos têm uma eficácia superior ao placebo nesta situação com um grau de evidência moderado, pelo que os mesmos podem ser considerados uma opção terapêutica.

Intolerância à lactose

Um dos efeitos dos probióticos (particularmente Lactobacillus spp. e Bifidobacterium spp.) é estimular a produção de lactase, pelo que o seu uso neste contexto parece lógico; reduzindo a má absorção, diminuirá a intensidade das manifestações clínicas. Os estudos parecem demonstrar esse benefício, mas também nesta área são necessários mais ensaios clínicos para poder suportar uma recomendação formal do seu uso.

Infecção por Helicobacter pylori

A utilização de probióticos pode ajudar a diminuir os efeitos colaterais das terapêuticas de erradicação para H. pylori. Parece haver também um efeito benéfico nas taxas de erradicação com essa administração conjunta, mas os estudos que avaliam esses benefícios são em pequena escala, o que não permite suportar uma recomendação formal para o uso de probióticos nesta situação.

Infecções do tracto urinário

O fundamento para utilização dos probióticos nas infecções do tracto urinário prende-se com o facto de em alguns estudos se ter demonstrado que a sua administração por via oral aumenta as taxas de colonização vaginal com os referidos microrganismos (por contiguidade). Essa colonização serviria assim como uma espécie de barreira microbiológica natural contra infecções ascendentes. Trata-se, pois, duma área promissora requerendo no entanto mais investigação para avaliar a sua eficácia.

Relativamente ao tratamento das infecções do tracto urinário, o uso de probióticos é bastante controverso, pois os dados publicados na literatura são contraditórios e não justificam uma recomendação para o seu uso.

Dislipidémias e hipertensão arterial

Uma das propriedades das bifidobactérias é a sua influência no metabolismo lipídico. Alguns estudos clínicos apresentam como resultado de utilização dos probióticos reduções significativas dos níveis do colesterol total pela diminuição do colesterol-LDL, enquanto os níveis de colesterol-HDL aumentam ligeiramente. O efeito hipocolesterolemiante das bifidobactérias resulta da diminuição da absorção e do transporte do colesterol alimentar para o fígado (via quilomicrones) e, por outro lado, pela desconjugação dos sais biliares com menor absorção do colesterol pelo intestino. A niacina formada pelas bifidobactérias reduz o fluxo de ácidos gordos livres que, ao diminuir a biossíntese da lipoproteína VLDL, contribui para a redução dos níveis plasmáticos dos triglicéridos.

Além da acção sobre o colesterol, as bifidobactérias produzem um conjunto de tripéptidos que foram identificados como efectivos na redução da angiotensina e, consequentemente, na hipertensão arterial.

Estes efeitos benéficos de combate aos factores de risco das doenças cardiovasculares levam a fomentar a inclusão de alimentos funcionais com probióticos no regime preventivo.

Obesidade e diabetes

Estudos recentes em animais e humanos demonstraram uma relação importante entre a composição do microbiota intestinal, e obesidade e diabetes tipo 2. Alguns dos mecanismos capazes de justificar essa relação são os seguintes:

  • Fermentação no cólon de alimentos não digeridos no intestino delgado formando ácidos gordos de cadeia curta (AGCC) que são absorvidos pelo intestino, o que aumenta a recuperação calórica;
  • Inflamação intestinal de baixo grau, que aumenta a permeabilidade intestinal e altera a absorção dos nutrientes;
  • Alimentação hipercalórica que altera a composição do microbiota intestinal.

Assim, a administração de probióticos permitiria, desse modo, normalizar o microbiota intestinal, reduzir o estado inflamatório, diminuir a permeabilidade intestinal e melhorar a função de barreira intestinal.

Outras situações clínicas

Embora com resultados ainda mal definidos, os probióticos estão a ser utilizados na candidíase mucocutânea, na fibrose quística, nas infecções urogenitais e nas vaginites, tendo em conta a sua acção imunoestimulante, inibição da actividade enzimática bacteriana e recolonização do tracto vaginal com lactobacilos.

Quanto à tolerância, uma extensa revisão de ensaios com probióticos contendo Lactobacillus, Bifidobacterium, Streptococcus thermophilus, Saccharomyces boulardii não evidencia quaisquer efeitos indesejáveis. Não estão também referidos quaisquer efeitos adversos em lactentes alimentados com fórmulas incorporando probióticos.

Centenas de anos de experiência com o uso de produtos lácteos fermentados e do iogurte atestam a sua inocuidade. A administração controlada de probióticos poderá ser muito útil para reduzir o potencial patogénico do microbioma intestinal.

Assim os probióticos pelos seus efeitos na prevenção dos factores de risco e no tratamento de algumas situações patológicas, representam um contributo promissor para a Saúde pela Nutrição, e um vasto campo para a Investigação.

Pré-bióticos

Antecedentes históricos

A influência da nutrição na composição do microbioma do sistema digestivo passa a ser cada vez mais determinante a partir da segunda semana de vida e tal facto reflecte-se nas diferenças encontradas entre o microbioma gastrintestinal de bebés alimentados com leite materno e o de bebés alimentados com fórmulas para lactentes.

No primeiro caso (alimentação com leite materno) desenvolve-se um microbioma com predomínio nítido de Bifidobacterium e, em menor escala com StaphylococcusStreptococcus e Lactbacillus.

No segundo caso (alimentação com leite de fórmula) desenvolve-se um microbioma mais complexo, com maior número de bactérias anaeróbicas, particularmente EnterococcusEnterobacteriaeClostridium e Klebsiella.

Estas diferenças quanto ao perfil dos mencionados microbiomas parecem depender, essencialmente de certos componentes presentes no leite materno, particularmente no que respeita ao seu elevado teor em oligossacáridos e em certos mediadores da resposta imune, nomeadamente IgA secretória, citocinas e factores de crescimento (IL-1, IL-6, IL-8, G-CSF, M-CSF, TNF-alfa e IFN-gama).

Com efeito, o leite materno é muito rico oligossacáridos complexos (mais de 100 tipos diferentes) na quantidade de 10-12g/L, o que espelha uma diferença muito significativa em relação ao leite de vaca que, para além de os conter em muito menor quantidade, os respectivos isómeros são também diferentes.

Especificando melhor, os oligossacáridos do leite materno, estimulando o desenvolvimento de Bifidobacterium e Lactobacillus, modificam as condições do meio intestinal, designadamente diminuindo o risco de colonização e invasão por bactérias patogénicas pelo efeito sobre a permeabilidade da mucosa intestinal.

Tais características do microbiota intestinal de crianças amamentadas têm assim efeitos benéficos, tais como:

  • Inibição do crescimento de agentes patogénicos;
  • Redução dos níveis sanguíneos de amónia;
  • Produção de vitaminas e enzimas digestivas

Definição e mecanismo de acção

Do que foi relatado na alínea anterior nasce o conceito de pré-bióticos, que são ingrediente ou substâncias dietéticas (a maioria consistindo em fibras solúveis ou hidratos de carbono complexos) que não digeríveis e não metabolizados a nível intestinal. Têm como característica o facto de influenciariam a composição e/ou actividade do microbioma intestinal, favorecendo o crescimento de bactérias anaeróbicas benéficas do intestino, sobretudo do cólon, particularmente das bifidobactérias e dos lactobacilos, em detrimento das bactérias nocivas, contribuindo assim para melhorar o estado de saúde e bem-estar do hospedeiro.

Para serem consideradas pré-bióticos, as referidas substâncias deverão obedecer aos seguintes requisitos:

  • Não podem ser hidrolisadas ou absorvidas no tracto gastrointestinal superior;
  • Devem funcionar como substracto selectivo para bactérias específicas do cólon, tais como Lactobacillus e Bifidobacterium spp;
  • Devem ter a capacidade para alterar o microbioma intestinal para um padrão mais benéfico para o indivíduo.

Assim, qualquer componente alimentar que chegue ao cólon na sua forma inalterada é potencialmente um pré-biótico. Ao contrário dos probióticos, muitos pré-bióticos são utilizados como ingredientes alimentares (em bolachas e cereais, por exemplo).

Principais efeitos e utilidade na prática clínica

Com base nos efeitos benéficos do leite materno, os pré-bióticos mais estudados em larga escala são os galacto-oligossacáridos (GOS) e os fruto-oligossacáridos (FOS). Na última década foram muitos os avanços realizados nesta área, tendo sido demonstrados os seguintes efeitos atribuídos à mistura GOS/FOS:

  1. Efeito de biomassa – A presença de oligossacáridos em grande quantidade no intestino distal promove o desenvolvimento selectivo da flora bifidogénica, reduzindo a percentagem de BacteroidesClostridium e Fusobacterium. O mestabolismo fermentativo determina a produção de ácidos gordos de cadeia curta (AGCC), aminoácidos, poliaminas, factores de crescimento, vitaminas e antioxidantes, compostos que participam em inúmeros processos metabólicos. Os AGCC têm ainda um efeito trófico na mucosa intestinal, diminuem a reabsorção de água, reduzem o pH intestinal e ajudam a regular o crescimento bacteriano;
  2. Efeito de fibra – Como atingem grandes concentrações no cólon, aumentam a massa fecal e o número de dejecções;
  3. Efeito imunomodulador – Os AGCC, tal como o butirato, reduzem as necessidades de glutamina por parte do epitélio e mantêm a imunocompetência do sistema imune intestinal;
  4. Efeito anti-infeccioso – Este efeito pode ser conseguido através de mecanismos directos e indirectos. Os primeiros estão relacionados com a estrutura química dos oligossacáridos, que é semelhante à dos locais de ligação das bactérias ao epitélio intestinal. Como resultado, actuam competitivamente como receptores solúveis desprovidos de função, bloqueando a acção dos agentes patogénicos, salientando-se que este efeito protector parece existir também no tracto respiratório superior. O mecanismo indirecto compreende a redução do pH intestinal, o que dificulta o crescimento bacteriano.

FIGURA 1. Estrutura química de oligossacáridos pré-bióticos



Os efeitos descritos, resultante de investigação em centros devotados à nutrição pediátrica conduziram ao desenvolvimento de uma mistura de fibras GOS/FOS como pré-bióticos para enriquecer as fórmulas infantis com 0,8g /dL de oligossacáridos (GOS/FOS na proporção de 9:1). (Figura 1)

A Comissão Científica dos Alimentos da Comissão Europeia aceitou em Dezembro de 2001 a utilização de GOS/FOS como ingredientes nas fórmulas de continuação, numa concentração referida.

A eficácia pré-biótica está relacionada com a maior ou menor capacidade de estimular o crescimento de estirpes benéficas para o microbioma intestinal, sobretudo do cólon, em detrimento de outras potencialmente patogénicas.

Quanto à tolerância dos pré-bióticos existem diversos estudos que demonstram a inocuidade de oligossacáridos GOS/FOS em doses recomendadas e o normal crescimento e desenvolvimento de lactentes alimentados com fórmulas com este tipo de suplemento funcional.

Outros exemplos de pré-bióticos frequentemente utilizados na prática clínica são a inulina e a lactulose; esta última é um dissacárido sintético utilizado designadamente em situações de obstipação e encefalopatia hepática.

Simbióticos

Definição, efeitos e utilização prática

Os simbióticos são combinações de prebióticos e probióticos, pelo que os seus efeitos benéficos se prendem com a acção concertada de ambos.

Este conceito é aplicado na prática às fórmulas infantis, designadamente às de continuação. Assim, as fórmulas de continuação com simbióticos contêm:

  • Um inóculo de bactérias produtoras de ácido láctico e leveduras que chegam ao intestino delgado e ao cólon onde desenvolvem uma interacção benéfica com a microflora intestinal – é o probiótico.
  • Um substrato não digerível nem metabolizável de oligossacáridos neutros que serve de nutriente para certos microrganismos benéficos da microflora intestinal, sobretudo para as bifidobactérias e para os lactobacilos, promovendo o crescimento dos mesmos – é o pré-biótico.

Desta combinação resulta uma fórmula com simbiótico. O simbiótico fornece, assim, microrganismos benéficos para um microbioma intestinal mais saudável e, simultaneamente, os nutrientes necessários para o seu desenvolvimento e actividade.

Neste momento, gera-se a dúvida sobre o que será mais importante:

  1. Se reforçar o microbiota intestinal benéfico, introduzindo através da fórmula os microrganismos benéficos como as bifidobactérias, os lactobacilos e as leveduras;
  2. Se fornecer oligossacáridos naturais que, servindo de nutrientes, estimulam o desenvolvimento daqueles microrganismos benéficos da microflora intestinal;
  3. Se combinar o probiótico e o pré-biótico para obter um simbiótico com efeito sinérgico e consequente aumento da eficácia das bifidobactérias e dos lactobacilos.

Os conhecimentos relativos ao mecanismo de acção dos probióticos e dos pré-bióticos, embora bastante avançados, são ainda restritos. São necessários mais estudos com rigor científico para determinar a sua verdadeira eficácia e segurança.

Em suma, a possibilidade de aumentar a eficácia dos probióticos pela sua associação aos pré-bióticos parece vantajosa, mas deve ser mais averiguada. A suplementação das fórmulas com os mesmos tem sido proposta como meio de reconstituição do microbioma intestinal e, assim, recriar o estado ecológico protector do intestino tanto quanto possível próximo do dos bebés alimentados ao peito.

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