Definição e importância do problema
A medicina baseada na evidência (MBE) é uma metodologia científica de apoio à decisão clínica que nas últimas três décadas adquiriu importância crescente na prática médica.
Considerando as diversas definições existentes, aquela que parece reflectir melhor os princípios e aplicações da MBE, foi descrita por Sackett (2000) que a refere como “the integration of best research with clinical expertise and patient values”. Na prática, a MBE pode ser vista como um processo sistemático de revisão, análise e utilização da literatura científica na avaliação das opções e no apoio às tomadas de decisão clínica.
Tal paradigma surge como opção do processo de tomada de decisão clínica utilizado durante séculos, que assentava, essencialmente, no ensino/ treino intensivo, na experiência individual (perícia/ expertise) acumulada e na aprendizagem com os “mestres” – medicina baseada na prática.
As principais críticas a este processo de decisão clínica residiam na enorme variabilidade das práticas, algumas delas com pouca sustentação científica e, consequentemente, dos resultados clínicos e económicos bem como no facto de nem sempre essas práticas serem avaliadas.
O desenvolvimento tecnológico, paralelamente aos sucessivos avanços na área da biomedicina, vieram colocar enormes desafios à prática clínica, exigindo uma constante actualização. Paralelamente, o difícil equilíbrio entre gerir recursos escassos e dispendiosos face a necessidades quase ilimitadas impõem, por parte da Sociedade, a prestação de cuidados efectivos, em tempo útil, centrados no doente, acessíveis, equitativos e com a máxima eficiência e segurança.
Na base desses desafios está a necessidade de obter e sintetizar a informação e o conhecimento científicos, válidos e relevantes, que sirvam de suporte à actividade clínica diária.
A questão central é, então, saber como podem os clínicos ter acesso à inovação e ao desenvolvimento que vai ocorrendo a um ritmo muito acelerado e, simultaneamente, dominar essa informação e conhecimento de modo a introduzir eventuais mudanças na sua prática para obter o máximo benefício para os doentes e o equilíbrio atrás referido.
Aspectos históricos
Historicamente, não obstante a utilização de estudos controlados no apoio à decisão clínica, remontar a 1940 pode dizer-se que a MBE, como metodologia sistemática, surgiu na década de 1970. Entre os pioneiros destaca-se Archie Cochrane (epidemiologista britânico), o principal impulsionador das revisões sistemáticas e o defensor da utilização de ensaios clínicos aleatorizados (randomized controlled trials – RCT) como “padrão de ouro” para se obter a prova ou a evidência em medicina, sendo igualmente.*
Mais tarde, nas décadas de 1980 e 1990, foram dados contributos muito significativos para a afirmação, conceptualização e desenvolvimento da MBE, salientando-se os estudos de David Sackett, Gordon Guyatt e Brian Haynes da Universidade de McMaster (Toronto, Canadá), e de David Eddy e colaboradores da Universidade de Duke (Carolina do Norte, EUA).
Virtudes e controvérsias
A MBE, ao defender a utilização da melhor prova ou evidência disponível para apoiar a tomada de decisão, incorpora três vantagens essenciais para a melhoria da prática clínica:
- Proporcionar uma forma mais robusta e objectiva de definir e manter consistentemente elevados padrões de qualidade e segurança;
- Promover o processo de transferência dos resultados decorrentes de estudos científicos para a prática clínica (medicina de translação);
- Possibilitar ganhos de eficiência (através da diminuição de desperdícios e da aplicação de boas práticas).
Apesar de as virtudes atrás descritas serem facilmente identificáveis e estarem robustamente fundamentadas (prós), existem algumas resistências e oposições (contras) a este paradigma.
No essencial, as críticas assentam em dois argumentos:
- A MBE diminui, ou não contempla, a importância da experiência clínica e a opinião do médico enquanto perito;
- As condições em que são feitos os estudos e ensaios clínicos que definem as melhores práticas não são as que existem na prática clínica do dia-a-dia.
* Na verdade, segundo os filólogos, a palavra “evidência“, já radicada na gíria médica, é uma tradução não totalmente correcta da palavra em língua inglesa evidence que, em português significa “prova”. Mais correctamente, a tradução para português de, por ex. there is evidence seria “está provado” ou “existem provas de que…” Este anglicismo deve-se ao grande impacte que a língua inglesa tem hoje em diversas áreas da ciência. João M. Videira Amaral |