Importância do problema

Na maioria dos casos, o feto/recém – nascido (RN) tem uma boa adaptação à vida extra-uterina, sem necessidade de qualquer intervenção; no entanto, circunstâncias especiais (tais como gravidez ou partos de risco, designadamente em relação com prematuridade, patologia perinatal diversa, ausência ou deficiência de vigilância pré-natal e perinatal) estão associadas a adaptação difícil implicando a necessidade urgente ou emergente de medidas terapêuticas intraparto ou pós-parto imediato por equipa treinada.

O objectivo de tais medidas é o restabelecimento das funções vitais, ou reanimação; tais medidas, não sendo efectivadas, ou sendo mal conduzidas, poderão conduzir a morte ou sequelas, designadamente do SNC –anomalias adquiridas do neurodesenvolvimento e do comportamento.

De acordo com dados da OMS, cerca de 6-10% dos RN necessitam de manobras de reanimação de grau variável no pós-parto imediato (em geral assistência ventilatória ligeira), sendo que em menos de 1% há necessidade de manobras consideradas avançadas. Por outro lado, sabendo-se que ocorrem em todo o mundo cerca de cinco milhões de mortes neonatais por ano, cabe salientar que cerca de 1/5 das mesmas é explicado por adaptação complicada à vida extrauterina.

Daqui se infere que a reanimação no bloco de partos (reanimação habitualmente designada por primária) pode e deve ser prevista e preparada. Trata-se duma estratégia de antecipação que faz parte dos cuidados perinatais. Tal implica um esquema organizativo, a existência de equipa treinada e de condições técnicas logísticas (espaço físico e equipamento adequado).

  • Cerca de 5-10% dos RN requerem estimulação simples no pós-parto imediato como “ajuda” para a respiração: secagem e massagem suave nas plantas dos pés.
  • Cerca de 3-6% dos RN necessitam de reanimação básica com balão tipo Ambou e máscara.
  • Menos de 1% dos RN necessitam de reanimação avançada obrigando e entubação traqueal para ventilação, massagem cardíaca e aplicação de fármacos.
  • Mundialmente, cerca de 1 milhão de RN morre de asfixia perinatal.
  • Daqui se infere que o desenvolvimento da competência em reanimação neonatal tem enorme impacte na saúde infantil.

História natural da asfixia

Durante o trabalho de parto ocorre episódio de hipoxémia transitória/fisiológica provocada pela contracção uterina, a qual é bem tolerada pelo feto dito saudável; salienta-se, contudo, que episódios repetidos de hipoxémia poderão produzir efeito cumulativo semelhante ao da hipoxémia progressiva.

Se se tratar de hipoxémia transitória/fisiológica, após a paragem inicial da respiração (apneia primária) verifica-se o início de um período de movimentos respiratórios lentos de amplitude variável mas pouco eficazes (gasping), após o qual surgirá um período de apneia secundária.

No período de apneia primária poderá haver retorno à respiração espontânea normal após estímulos tácteis mínimos (por ex. estimulação/massagem suave das plantas dos pés).

Pelo contrário, em situações de hipoxémia e hipercápnia acentuadas (asfixia), com consequente acidose respiratória, atingindo-se a fase de apneia secundária, verifica-se:

  1. depressão do centro respiratório;
  2. vasoconstrição periférica e diminuição da oxigenação tecidual periférica como mecanismo de compensação para garantir oxigenação de territórios “mais nobres” – SNC e miocárdio (é o chamado diving reflex ou reflexo do mergulhador).

Se este mecanismo de compensação claudicar, entra em acção a glicólise anaeróbia à custa das reservas de glicogénio (com risco de esgotamento), o que conduz a:

  1. agravamento da oxigenação tecidual com consequente diminuição da pressão parcial de O2 (pO2) e acidose;
  2. diminuição da contractilidade miocárdica e contribuindo para agravamento da diminuição do fluxo sanguíneo para o próprio miocárdio, SNC e outros órgãos. Estabelece-se, pois, um círculo vicioso que poderá conduzir à morte.

Como se pode calcular, para além da estimulação táctil anteriormente referida (eficaz na fase de apneia primária), haverá seguramente necessidade doutras medidas na fase de apneia secundária para reversão do estado de asfixia.

Nesta perspectiva, a reversão pronta da asfixia (focada essencialmente numa ventilação artificial efectiva) poderá prevenir ou minorar situações de falência multiorgânica, a morte ou a incapacidade permanente.

Equipa perinatal   

Idealmente, o parto deverá ocorrer numa maternidade acoplada (colada) a hospital geral ou a hospital pediátrico; tratando-se deste último, importa que, por sua vez, esteja acoplado a hospital geral. Independentemente da instituição em causa e do modelo assistencial, é fundamental que a equipa assistindo à grávida e ao recém-nascido, integrando uma diversidade de profissionais de saúde (obstetras, pediatras, médicos doutras especialidades, enfermeiros, técnicos, auxiliares, etc.), seja competente e esteja treinada. e possa contar com.

No âmbito do funcionamento da mesma, importa realçar os seguintes pontos:

  1. Existência de condições logísticas e técnicas em função do nível de cuidados a prestar pela instituição onde se realiza o parto.
  2. Presença dum responsável (chefe de equipa).
  3. Previsão da reanimação, conhecendo os factores de risco e evitando gestos precipitados e perdas de tempo.
  4. Cooperação interprofissional, com especial destaque para a ligação: especialistas de medicina materno – fetal/obstetrícia/pediatria neonatal/enfermagem, equipa de transporte da grávida e ou RN; ou seja, a equipa deverá funcionar como uma “orquestra afinada”.

Da equipa perinatal, no mínimo, deve fazer parte, em permanência, um profissional que domine os aspectos básicos da reanimação neonatal: um enfermeiro treinado poderá desempenhar papel crucial.

Igualmente (e porque cada minuto conta), deverá haver a possibilidade de recurso rápido e eficaz a, pelo menos, um segundo elemento, (idealmente neonatologista, ou pediatra com experiência em neonatologia, ou anestesista- reanimador) com competência em reanimação neonatal. Efectivamente, poderá tratar-se de situações complicadas e ou de partos gemelares, com necessidade de procedimentos em simultâneo.

Notas importantes:

    • A eficácia da execução das manobras de reanimação deverá ser assegurada regularmente através da realização de um programa de formação teórico-prática.
    • A boa comunicação entre os profissionais da equipa de urgência garante os cuidados de antecipação assim como a eficácia, eficiência e efectividade das manobras de reanimação.
    • Realça-se igualmente a importância do vínculo a estabelecer com os progenitores do RN e família esclarecendo-os, de forma humanizada, sobre o quadro clínico e procedimentos a realizar ou realizados.

Condições técnicas

O Quadro 1 mostra o material indispensável (colocado em local de fácil acesso e com conhecimento de todos os elementos da equipa) para se proceder a manobras de reanimação no RN. Tal material deverá ser verificado e experimentado pelo reanimador antes de actuar; e, diariamente, e após cada utilização, por responsável designado pelo chefe da equipa ou director do serviço. Do material deve fazer igualmente parte um conjunto de pequena cirurgia embalado em condições de assépsia, incluindo campos esterilizados, luvas esterilizadas, pinças, lancetas, agulhas/material de sutura, etc..

Importa prever a necessidade da existência de certos instrumentos em duplicado (ou mesmo, em triplicado) admitindo a hipótese de partos gemelares.

QUADRO 1 – Material indispensável para reanimação do RN no bloco de partos.

Material
    • Mesa de reanimação com sistema de aquecimento e iluminação
    • Relógio
    • Estetoscópio pediátrico ou neonatal
    • Fonte de oxigénio
    • Aspirador de pressão negativa regulável
    • Sondas de aspiração de calibres: 6; 8; 10
    • Bolsa ou balão (tipo Ambou) de 500 ou 750 ml, auto-insuflável tipo Ambu, ou bolsa tipo “anestésica” com válvula de pressão, ou ressuscitador com limite de pressão e peça em T, regulador de FiO2/ dispositivo para mistura de ar/O2 regulável, e monitor de pressão; se possível, capnógrafo
    • Tubos de Mayo (vários tamanhos)
    • Laringoscópio
    • Lâminas rectas de laringoscópio de tamanhos: 00; 0; 1
    • Tubo endotraqueal (TET) de calibres: 2.5; 3; 3.5; 4 (Quadro 3)
    • Fio condutor para tubo endotraqueal (TET)
    • Cateteres umbilicais
    • Fio de nastro esterilizado
    • Luvas esterilizadas
    • Adesivo/ tintura de benjoim
    • Tesoura
    • Seringas (de 1;3;5;10; 20 ml)
    • Torneira de 3 vias
    • Oxímetro de pulso e monitor electrónico para FC/ECG/3 eléctrodos
    • Peças de adaptação do TET para administração de surfactante
    • Peças de adaptação do TET para ligação ao dispositivo de pressão controlada e ao aspirador
    • Fármacos (Quadro 2)


No QUADRO 2 são discriminados os fármacos que podem ser utilizados em contextos diversos a descrever adiante; no mesmo quadro são incluídas as doses respectivas a utilizar.

QUADRO 2 – Fármacos e doses a utilizar em reanimação do RN.

Naloxona

    • 0,1 mg/Kg
    • Qualquer via (endotraqueal, endovenosa ou intramuscular), bólus
    • Contra-indicação: mãe toxicodependente

Adrenalina

    • 0,01-0,03 mg/Kg/dose
    • Diluir 1 ml de adrenalina em 9 ml de soro fisiológico: 0,1-0,3 ml/kg/dose
    • Via endotraqueal ou endovenosa, bólus
    • Repetir até máx. de 2 ml/kg

Bicarbonato de sódio

    • Diluir 10 ml de NaHCO3 a 8,4% em 10 ml de água destilada
    • 1-2 mEq/Kg/dose
    • Via endovenosa em 2 a 5 minutos

Expansores de volume

    • Soro fisiológico
    • Lactato de Ringer
    • Sangue ORh(-)
    • 10 ml/Kg IV

Glicose a 10%

    • 2 ml/Kg – em 1 minuto IV; depois glucose a 5% em perfusão lenta

Actuação prática

A reanimação do RN deverá ser encarada numa perspectiva de prevenção de lesões evitáveis do sistema nervoso central. Os objectivos gerais são: evitar a hipoxia, evitar a infecção, evitar a hipotermia e combater a acidose.

Relativamente à prevenção da infecção, importa salientar que, sendo  as manobras de reanimação realizadas em bloco de partos, portanto, em ambiente de bloco operatório, tal implica que todos os procedimentos devem ser levados a cabo em ambiente de assepsia cujas regras, não sendo aqui explicitadas, deverão estar sempre na mente de quem tem acesso a tal ambiente e reanima. Como na transição para a vida extrauterina o tempo conta muito, o tempo em  segundos conta, é importante que no bloco de partos exista , mais do que um relógio bem visível, um conta-segundos. De facto, há situações “exigindo” procedimentos a realizar nos primeiros 60 (sessenta) segundos que devem ser executados.

Sistematização geral  (Figura 1)

No pós-parto imediato (primeiros segundos), a primeira etapa consiste em verificar se estão presentes as seguintes condições (avaliação básica do risco): – RN de termo? – Choro imediato e respiração normal? – Bom tono muscular?

Se a resposta a todas estas questões for positiva, o RN deve ser “entregue” à mãe, colocado “pele com pele”, promovendo estimulação suave tipo “massagem” nas plantas dos pés. A temperatura corporal da mãe aquece o bebé, evitando a hipotermia.

Se a resposta a qualquer das questões for “não”, o RN deve ser colocado sob calor radiante no berço, ou na incubadora, garantindo temperatura cutânea entre 36,5 e 37,5ºC, secado e promovendo estimulação cutânea ligeira. Sobre certas particularidades nos casos de RN pré-termo e em situação de asfixia perinatal grave, ver adiante a alínea Ambiente térmico. Deve proceder-se à aplicação de oxímetro de pulso para monitorização contínua da SpO2.

FIGURA 1. Fluxograma de actuação na reanimação do recém-nascido (segundo AHA, 2020).

Ao mesmo tempo verificar a presença de eventuais secreções ou saliva na boca, as quais devem ser removidas suavemente e não aspiradas de rotina (pelo risco de bradicardia), desde que não existam sinais de mecónio ou de obstrução da via respiratória. (Figura 2)

Se, após 30 (trinta) segundos, se verificar apneia, gasping ou frequência cardíaca (FC) < 100 bpm, deverá iniciar-se ventilação com pressão positiva intermitente (IPPV – iniciando-se com pico de 20 cm H2O), FR (frequência respiratória – 40-60/ minuto), usando balão Ambou e máscara, e FiO2 a 21% (ar) se RN com 35 semanas ou >, e 21-30% se RN com < 35 semanas. (Figura 3)

Decorridos os 30 segundos iniciais, mantendo a aplicação do oxímetro, deve proceder-se à aplicação de 3 eléctrodos cutâneos no tórax para monitorização contínua com ECG + FC e FR (frequência respiratória), não devendo ultrapassar 1 minuto (30 segundos iniciais + 30 segundos com este último procedimento).

Se, após o referido 1 minuto (correspondendo ao tempo consumido com as manobras anteriores), e apesar da garantia da permeabilidade da via respiratória e da ventilação iniciada com balão Ambou e máscara, se verificar FC < 60 bpm, deve proceder-se a entubação traqueal, após o que se deve de imediato iniciar massagem cardíaca/ compressão cardíaca em sincronismo com a ventilação (ratio 3:1 ou seja, 90 compressões/ 30 insuflações com dedos no terço inferior do esterno durante 45-60 segundos pelo menos), avaliando entretanto a resposta da FC. Concomitantemente deve elevar-se a FiO2 para 100%. (Figuras 4 e 5)

Salienta-se que:

    • O indicador mais sensível e rigoroso do sucesso da actuação geral descrita é o aumento da FC;
    • A entubação traqueal deve sempre preceder o início da massagem cardíaca).

 

Se, com as manobras descritas, a FC não responder ao cabo de 60 segundos de ventilação + massagem cardíaca, continuando este procedimento, está indicado o início da fase seguinte (letra C de ABC) relacionada com a reanimação circulatória: utilização de fármacos: adrenalina e expansores da volémia (situação rara).

Adrenalina: está indicada, como foi referido, nos casos de FC<60 bpm para além de 60 segundos de massagem cardíaca e ventilação.

É recomendada a via IV (eventualmente, a veia umbilical após cateterismo), pelo seu efeito mais rápido, na dose de 10 – 30 mcg/kg (doses mais elevadas não são recomendadas). Utilizando, em situações extremas, a via traqueal, menos eficaz, torna-se necessário usar doses superiores para obter o mesmo efeito (pelo menos, 50 – 100 mcg/ kg). A concentração da adrenalina para qualquer das vias deverá ser 1: 10.000 (0,1 mg/mL). Obtido um efeito de vasoconstrição periférica por estimulação dos receptores alfa-adrenérgicos, verifica-se melhoria do suprimento de oxigénio ao SNC e miocárdio.

Expansores da volémia: estão indicados nas seguintes situações: – ausência de resposta às medidas anteriormente descritas; – choque hipovolémico traduzido por palidez, má perfusão periférica/pele marmoreada, hipotensão arterial, pulsos débeis (situação eventualmente relacionada com perda de sangue);

Como expansores, utilizam-se soluções cristalóides isotónicas: soro fisiológico (NaCl a 0,9%) ou lactato de Ringer. A dose inicial é 10 mL/kg por via IV periférica ou umbilical em 5 a 10 minutos, podendo repetir-se a administração. Em situações de hemorragia importante pode ser utilizado sangue 0 Rh (-). (Figura 1)

Resumindo:

As manobras de reanimação devem ser sequenciais, em etapas, sem hesitações nem perdas de tempo, como é sugerido no algoritmo da Figura 1 aplicando a regra do ABC:

A- airways <> permeabilização da via aérea com cabeça/ pescoço em posição neutra ou em extensão muito ligeira, e remoção/ limpeza das secreções na boca, e não obrigatoriamente aspiração das mesmas.

B- breathing <> início da respiração/ ventilação utilizando estímulo táctil suave (por ex. nas plantas dos pés), seguindo-se ventilação artificial.

C- circulation <> garantir a circulação através da aplicação de compressão torácica/ massagem cardíaca sincronizada com a ventilação artificial, eventualmente em associação à administração de fármacos como a adrenalina ou a perfusão endovenosa para expansão da volémia.

FIGURA 2. Remoção suave das secreções somente da boca se originarem obstrução (RN em decúbito dorsal, estando já laqueado o cordão umbilical).

FIGURA 3. Ventilação com balão Ambu no lactente: A – Cabeça em extensão. Aplicar bem a máscara à face (sobre a boca e nariz) de modo a não permitir “fugas”. Evitar traumatizar os globos oculares. Comprimir o balão entre os dedos. “Aliviar” a máscara da face imediata e momentaneamente após a insuflação; B – A pressão de ventilação pode ser regulada como se demonstra na figura, apertando o balão com um ou mais dedos (o ideal será, no entanto, verificar a pressão com dispositivo conectado ao sistema – manómetro)

FIGURA 4. Manobras sequenciais de entubação orotraqueal: A – A lâmina do laringoscópio aborda o lado direito da boca; B – Avançando para a linha média referencia-se a úvula; C – Pressão sobre a língua ao mesmo tempo que a extremidade da lâmina deve progredir em direcção à epiglote; D – Referência da epiglote; E – Os três tempos permitindo ultrapassar a epiglote; F – Epiglote ultrapassada (verifica-se facilmente que o esófago está por baixo da laringe; RN em decúbito dorsal).

FIGURA 5 – Massagem cardíaca externa/ compressão torácica e ventilação com máscara. NB: idealmente a ventilação deve ser com TET. Neste caso utilizou-se a técnica com os dois polegares do reanimador.

Particularidades

Laqueação do cordão umbilical

Actualmente aconselha-se a sua realização para além de 30 segundos. De acordo com a ACOG, nos casos de normal adaptação à vida extrauterina, recomenda-se 30-60 segundos, quer em RN de termo, quer pré-termo. Determinados centros aconselham, mesmo, diferir até 3 minutos. Tais atitudes fundamentam-se em certas evidências: teores mais elevados de Hb e de reservas de ferro pelos 3-6 meses de idade, menor necessidade de transfusões futuras, designadamente nos pré-termo, e menor incidência de enterocolite necrosante e de hemorragia intraperiventricular. Recorde-se que no RN de termo a volémia na placenta corresponde a cerca de 35 mL/kg de peso.

Temperatura corporal e ambiente 

O ambiente térmico e a termorregulação constituem elementos-chave na reanimação do RN. Múltiplos estudos demonstraram que a hipotermia se associa a taxa de mortalidade mais elevada, assim como a alto risco de problemas respiratórios, hipoglicémia e sépsis tardia.

Assim, a todos os RN, como regra geral, deve ser garantida manutenção da temperatura cutânea entre 36,5-37,5ºC e da temperatura ambiente entre 23 e 25ºC (ou superior, nos RN pré-termo). Independentemente de tal garantia poder ser concretizada na maior parte dos RN de termo com boa adaptação à vida extrauterina com o calor/ temperatura da pele da mãe (“pele com pele”), importa antecipar a possível necessidade de utilizar em determinadas condições: incubadora aquecida, mesmo em RN vestidos, sistema de aquecimento radiante superior, eventualmente com temperatura servorregulada, campos de pano estéreis aquecidos, concentradores de calor de perspex (túneis), folhas, sacos de estanho ou de plástico, ou ainda, colchões exotérmicos apropriados.

A secagem da pele não deverá ser realizada em RN pré-termo com < 28 semanas, pois com tal procedimento verifica-se maior perda de calor por evaporação e convecção.

Reiterando: nos RN de termo com boa adaptação à vida extrauterina, a fonte de calor imediata a utilizar no pós-parto imediato poderá ser o calor corporal do tórax/ abdómen da mãe (“pele com pele”).

Líquido amniótico com mecónio

À luz dos conhecimentos actuais, quer nos RN com boa vitalidade, quer nos deprimidos, não vigorosos, não está indicada a entubação traqueal para aspiração do líquido meconial. Ou seja, os cuidados iniciais são idênticos aos aplicados em circunstâncias ditas normais (aquecimento, estimulação táctil suave, etc.). Os critérios para entubação traqueal são os mesmos que existem quando não se verifica a situação de líquido amniótico com mecónio.

Encefalopatia neonatal

Sendo esta situação clínica abordada adiante em capítulo especial, cabe sintetizar aqui algumas particularidades relacionadas com a actuação no pós-parto imediato por asfixia perinatal grave, obrigando a manobras de reanimação laboriosas. Em tal contexto, havendo antecedentes perinatais tais como por ex. prolapso do cordão, descolamento da placenta, sofrimento fetal, etc., as manifestações clínicas no RN, traduzindo disfunção neurológica (designadamente alterações do tono muscular, dos reflexos e do estado de consciência) são o resultado de lesão cerebral hipóxico-isquémica.

Em tal situação, para além da actuação imediata, já descrita, e dado que a hipotermia tem efeito neuroprotector, em vez de se promover o aquecimento do RN, até observação por neurologista /intensivista, está indicado o não aquecimento até decisão final, a curto prazo, de se avançar para o protocolo específico.

Depressão neonatal versus asfixia

Importa referir que vários problemas perinatais podem interferir no processo de adaptação do feto à vida extrauterina conduzindo eventualmente a um processo de depressão neonatal, e não de asfixia, no sentido correcto do termo: asfixia = hipóxia + hipercápnia + acidose). Eis alguns exemplos:

  • Prematuridade (esta condição determina que o RN seja hipotónico e hiporreactivo, tenha imaturidade do centro respiratório dificultando o automatismo respiratório, entre outras particularidades);
  • Fármacos administrados à mãe e anomalias congénitas várias do RN (condições que dificultam o início de ventilação espontânea).

Contudo, torna-se evidente que em tais circunstâncias, se não forem postas em prática determinadas manobras descritas, poderá instalar-se quadro de verdadeira asfixia na sequência da depressão inicial.

Evolução de conceitos

Ao longo das últimas décadas, com a evolução da ciência baseada nos resultados da investigação, têm sido divulgadas normas sobre Reanimação do Recém-Nascido, evidenciando mudanças de atitudes e procedimentos. Da edição anterior desta obra, transcrevemos: “…o ILCOR (International Liaison Committee on Resuscitation) em 2010, e diversos organismos internacionais a nível mundial, destacando a American Heart Association, o European Resuscitation Council, e a American Academy of Pediatrics, publicaram novas recomendações ou normas de orientação/ guidelines, divergindo significativamente nalguns pontos-chave relativamente às de 2005, descritas na 1ª edição desta obra.”

Na presente edição, adaptámos as normas (NRP-Neonatal Resuscitation Program) divulgadas em 2015 no âmbito da American Heart Association, e American Academy of Pediatrics citando Wyckoff MH, et al. Estas foram revisitadas por Hainstock LM, et al em 2020 (consultar bibliografia).

Tendo em conta os objectivos deste tratado elementar, devotado essencialmente a estudantes e a clínicos gerais ou pediatras gerais, são relevados alguns tópicos que tipificam as modificações a que aludimos.

    • Vários estudos nos últimos anos têm questionado a necessidade de emprego sistemático de oxigénio (e, designadamente em concentrações elevadas, como FiO2 de 100%) para reanimar RN no pós-parto imediato. Com efeito, verificou-se que, após períodos prolongados de hiperóxia, as hipoxantinas se acumulam nos tecidos combinando-se com oxigénio na presença de xantinoxidase, libertando radicais livres que podem provocar lesão tecidual significativa; tal lesão tecidual que corresponde a processo inflamatório (peroxidação lipídica, essencialmente) resulta da inibição da síntese proteica e de ADN. De facto, os radicais livres de oxigénio (superóxido, peróxido de hidrogénio e radicais peróxido) têm sido implicados na patogénese de uma série de quadros clínicos neonatais (sobretudo pulmonares e neurológicos), particularmente nos RN pré-termo, os quais evidenciam limitações na capacidade antioxidante (défice de enzimas antioxidantes: catalase, superóxido-dismutase, glutationa-redutase, etc.). É, pois, possível utilizar ar ambiente e evitar FiO2 elevadas o que contribuirá para a redução do teor de radicais livres produzido e de lesões teciduais após reperfusão.
    • Relativamente ao índice de Apgar (que tem sido questionado por não permitir prever o desfecho clínico a prazo, mas tão somente a avaliação da resposta à reanimação), foi proposta a sua modificação: considerando como mais importante a frequência cardíaca (FC), tem sido sugerido não valorizar o parâmetro “cor da pele”.
    • Ainda, sobre o índice de Apgar, quanto ao parâmetro “irritabilidade reflexa” avaliada ao “aspirar as fossas nasais”: considerando que esta manobra actualmente não deve constituir rotina, por desnecessária e pelo efeito potencialmente nefasto, inclusivamente em RN deprimidos, a sua inclusão é controversa.
    • Nos casos de eliminação de líquido amniótico com mecónio (LAM), os cuidados iniciais são idênticos àqueles prestados nas circunstâncias em que o LA é límpido; de facto, não está actualmente indicada a entubação traqueal para aspiração daquele, independentemente de existir ou não depressão/ deficiente vitalidade. Somente existe uma excepção: nos casos de obstrução comprovada da via respiratória.
    • Chamada da atenção actual para a importância das manobras a realizar no Minuto 1 de vida (Minuto de Ouro) incluindo a necessidade de utilização, a par do oxímetro de pulso, da monitorização electrocardiográfica com três eléctrodos.
    • Chamada de atenção para a vantagem de diferir no tempo a laqueação do cordão umbilical (> 30-60 segundos, podendo em situações especiais atingir 3 minutos). (consultar texto e bibliografia)

Técnicas

O equipamento básico para a reanimação primária do RN no bloco de partos é descrito no Quadro 1. Essencialmente: fonte de oxigénio e de ar com misturador, aquecimento e humidificação, balão tipo Ambou para insuflação manual intermitente (para pressão positiva intermitente/ IPPV), máscara para aplicação boca/ narinas ligado ao balão, e tubos endotraqueais (TET). Eventualmente, tubo em T para aplicação de sistema de pressão positiva contínua, adiante delineado.

Sobre aspectos básicos da fisiologia da respiração neonatal e sobre pressão positiva contínua ou de distensão contínua no fim da expiração/ CPAP/ PEEP, aconselha-se, adiante, a consulta do capítulo sobre problemas respiratórios. Salienta-se que existe equipamento automático para gerar, quer IPPV, quer CPAP/ PEEP, para conectar a máscara ou TET.

Ventilação artificial*

Salientando que a cor da pele constitui um fraco indicador da SpO2 durante o período neonatal imediato, e que a ausência de cianose constitui um fraco indicador de oxigenação tecidual, daí o interesse e a grande utilidade da oximetria por via transcutânea (com o vulgarmente chamado oxímetro de pulso) para monitorização do estado de oxigenação, avaliando a necessidade de administrar, ou não, oxigénio suplementar em % regulável com o dispositivo/ misturador O2/ar. De acordo com o algoritmo da Figura 1, há que evitar, quer a hipóxia, quer a hiperóxia.

* Ao abordar o fenómeno da ventilação artificial importa uma referência muito básica a certas noções da fisiologia respiratória para melhor compreensão do funcionamento dos dispositivos de ventilação (quer básicos, quer sofisticados).

    • a frequência respiratória (FR) corresponde ao número de ciclos respiratórios por minuto;
    • numa inspiração controlada ou assistida por dispositivo de ventilação (sendo o balão tipo Ambou o mais básico) gera-se uma pressão positiva inspiratória na via aérea designada ventilação com pressão inspiratória positiva intermitente (PIP ou IPPV) ou pressão de “pico”; o ar introduzido nos pulmões é mantido na via aérea durante uma pausa, para que haja tempo para as trocas gasosas/difusão a nível alveolar; a pressão da via aérea durante esta pausa denomina-se pressão de plateau/planalto;
    • durante a expiração, o pulmão é esvaziado de forma passiva em função da retracção elástica pulmonar;
    • no final da expiração normal persiste no pulmão certo volume de ar (designado capacidade residual funcional);
    • após expiração forçada resta ainda certo volume de ar (designado volume residual); o volume residual, impedindo o colapso do alvéolo, gera certa pressão de distensão alveolar contínua fisiológica que garante as trocas gasosas – a chamada pressão positiva fisiológica no fim da expiração.  

Ora, para certas situações de dificuldade respiratória em que o paciente tem respiração espontânea (isto é, não está em apneia), no sentido de incrementar artificialmente a chamada pressão positiva fisiológica no fim da expiração, (tentando melhorar ou maximizar as trocas gasosas), é possível intercalar no circuito do fluxo gasoso, um dispositivo que aumente a referida pressão de distensão contínua, pressão medida em cm de H2O.

A este conceito de pressão positiva artificial no fim da expiração em paciente com respiração espontânea é dado o nome de ou CPAP –continuous positive airways pressure), equivalente ao de (PEEP ou positive end expiratory pressure) se ao paciente estiver a ser aplicada simultaneamente IPPV (ver adiante).           

Dispositivos para ventilação

A ventilação efectiva pode ser conseguida empregando dois dispositivos (ressuscitadores) como:

  • o vulgar balão (com capacidade máxima de 750 mL) do tipo Ambu, ligado a fonte ventilatória (em geral com débito de 5 L/min) permitindo variar a concentração de oxigénio através de misturador ar/O2;
  • o balão de tipo anestésico com a chamada peça em T, permitindo variar a pressão inspiratória.  

Empregando máscara bucofacial, esta deve ser de tamanho e material adequados (transparente, almofadada, cobrindo apenas nariz, boca e região mentoniana, e aplanada para reduzir o espaço morto) sendo que o formato anatómico de base triangular ajusta-se melhor ao RN de termo, e o formato arredondado ao RN pré-termo.

O sistema deve possuir um mecanismo de segurança (manómetro ou válvula) de modo a evitar pressão inspiratória excessiva) superior a 40 cm H2O (ver atrás).

Torna-se fundamental que o reanimador (isto é, a equipa) tenha prática e experiência, verificando designadamente, se a máscara está bem ajustada à face, garantindo que a boca fica ligeiramente aberta e tendo em atenção a eventualidade de secreções susceptíveis de originar obstrução.  

Constitui boa norma aplicar sonda nasogástrica ao proceder a ventilação com máscara para evitar ou diminuir a distensão gástrica.

As máscaras laríngeas (dispositivos que se adaptam à entrada da laringe e poderão ser manipulados por quem não tem experiência em entubação traqueal e destinados às situações de abordagem difícil das vias aéreas), constituem uma alternativa transitória até se conseguir uma solução mais estável para manter a permeabilidade da via aérea.

O ressuscitador manual neo-puff é um dispositivo incluindo debitómetro, ciclado manualmente, e permitindo gerar pressão inspiratória regulável e pressão de distensão contínua (PEEP). O mesmo tem aplicação prática quando se torna necessário o transporte de RN pré-termo sem disponibilidade de ventilador convencional.

Pressão positiva intermitente (PPI ou PIP)

Se se verificar apneia, gasping, ou FC < 100 /min após realização dos passos anteriormente descritos, deve ser iniciada ventilação com PPI. Na prática deve providenciar-se uma frequência de ventilação / insuflação de 40 a 60/min, monitorizando a FC, sendo objectivo que atinja, com a ventilação, > 100/min. A pressão de insuflação / pressão inspiratória deve ser monitorizada; uma pressão de 20 cm H2O poderá ser efectiva, mas nalguns casos são necessários picos de pressão mais elevados (~ 30-40 cm H2O), designadamente em RN de termo sem respiração espontânea.

Nalguns centros que possuem capnógrafo (dispositivo detector de CO2 por método colorimétrico para detectar obstrução da via aérea ou, no caso de entubação traqueal – ver adiante – para comprovar a correcta colocação do TET na via respiratória). Utilizando máscara, parece não haver utilidade do capnógrafo.

Pressão positiva contínua

A pressão positiva contínua (CPAP) poderá ser usada em RN pré-termo que respiram espontaneamente, mas manifestando dificuldade e esforço. Tal atitude poderá reduzir a necessidade de entubação traqueal e de ulterior doença pulmonar crónica; ter em atenção a maior a probabilidade de pneumotórax. (ver adiante INSURE).

Sobre o equipamento utilizado para CPAP e seu funcionamento, procede-se a uma abordagem sucinta adiante, no capítulo sobre Problemas respiratórios.

Pode utilizar-se a associação de PPI com pressão positiva no fim da expiração / pressão de distensão contínua (PEEP) pós-parto imediato, ainda no bloco de partos.

Entubação traqueal

As principais indicações da entubação traqueal são:

  • Apneia
  • Ventilação com máscara e balão Ambou ineficaz e prolongada. Aplicando em sincronismo ventilação + massagem cardíaca, esta última deverá ser iniciada após a entubação traqueal (nunca a preceder). (ver atrás)
  • Circunstâncias especiais, designadamente as descritas na alínea seguinte.

Após entubação endotraqueal e administração de PPI/IPPV o melhor indicador de que o tubo se encontra em posição correcta (no interior da via laringotraqueal), providenciando ventilação efectiva, é o rápido incremento da FC. Outros indicadores de correcta posição do TET são a auscultação de murmúrio vesicular bilateralmente e a expansão torácica simétrica em sincronismo com as insuflações.  

A  comprovação objectiva de correcta posição do TET também pode ser  realizada através da  detecção (positiva) de CO2 exalado através do capnógrafo. Caso tal não aconteça (detecção negativa), deduz- se que o tubo foi introduzido no esófago; a mesma conclusão se poderá tirar se a auscultação ao nível do epigastro  identificar ruído aéreo.

O Quadro 3 mostra, de modo aproximado, o diâmetro aconselhado do TET em função do peso do RN / idade gestacional, sendo prudente que o reanimador escolha como reserva um TET de diâmetro superior e outro de diâmetro inferior ao escolhido.  No mesmo é referido o comprimento a inserir desde o lábio superior (entubação orotraqueal).

Uma regra matemática permite calcular, também, o comprimento do TET a inserir: distância em cm = peso em kg + 6. Em alternativa, a distância tragus-nasal pode ser usada para avaliar a distância entre a extremidade do TET e o lábio.

QUADRO 3 – Calibre do TET.

TUBO ENDOTRAQUEAL (TET)
Peso (g)Idade gestacional (semanas)Diâmetro do tubo (mm)Comprimento a inserir desde o lábio superior (cm)

<1000
1000-1999
2000-2999
≥3000

<28
28-34
34-38
>38

2.5
3.0
3.5
3.5-4.0

6.5-7
7-8
8-9
>9

Notas importantes:
– Actuação:

1º – ventilação, idealmente com TET;
2º –  a massagem cardíaca que, portanto, só deve ser iniciada após a ventilação (e mantendo esta, idealmente via TET).

Como variante e pormenores desta técnica, referem-se:

    • Compressão feita com o indicador e o médio, “evitando o apêndice xifoideu”;
    • Grau de compressão correspondendo a cerca de 1/3 do diâmetro ântero-posterior do tórax;
    • Não deslocação dos dedos da sua posição inicial de contacto com a pele do RN para prevenir o traumatismo de órgãos vizinhos e a ineficácia da manobra.
    • O modo correcto das compressões e insuflações assim como a não interrupção do procedimento são mais importantes do que providenciar o número exacto de manobras por minuto. (Figura 5)

Actuação prática em casos especiais

Hérnia diafragmática congénita (HDC)

O diagnóstico de HDC, idealmente, deverá ser realizado antes do nascimento.

No RN com diagnóstico pré-natal de HDC, a equipa de reanimação, informada do diagnóstico, deverá electiva e imediatamente após o nascimeno proceder a; 1) entubação traqueal; 2) ventilação com pressão positiva; 3) colocação de sonda nasogástrica para evitar hiperdistensão gástrica; 4) restante suporte vital que a situação imponha.

Notas importantes:

    • Nos RN com síndroma de dificuldade respiratória no pós-parto imediato, abdómen escafóide, ventilação assimétrica, e desvio dos sons cardíacos é essencial ponderar este diagnóstico e proceder em conformidade.
    • Nos casos de HDC, o risco de pneumotórax durante a reanimação é considerável; caso se verifique, deverá ser feita a descompressão imediata através de punção pleural com agulha tipo butterfly no 4º espaço intercostal esquerdo (EIE) na linha axilar anterior, conectada a seringa ou a sistema de drenagem subaquática.

Gastrosquise

A gastrosquise pode ser diagnosticada no âmbito da vigilância pré-natal pela observação ecográfica de vísceras em localização extraparede abdominal, sem saco de revestimento.

Para além das manobras atrás descritas de reanimação caardiorrespiratória, salientam-se as particularidades da chamada fase de reanimação circulatória: reposição de líquidos (as perdas são essencialmente de plasma e fluidos intersticiais), com necessidade de volumes muito superiores aos habituais: 150-300 mL/kg/dia, isótonicos, colóides, soro fisiológico ou lactato de Ringer.

Obstrução da via respiratória superior

A obstrução da via respiratória superior, seja intrínseca ou extrínseca, pode determinar adaptação difícil à vida extrauterina (traduzida fundamentalmente por esforço respiratório precoce) susceptível de tornar a reanimação mais laboriosa.

  • No RN com macroglossia ou glossoptose, o decúbito lateral ou ventral pode ajudar a aliviar os sintomas; se tal não se verificar, com o apoio de anestesista e endoscopista, pode tentar-se a colocação de tubo nasofaríngeo sob controlo fibroendoscópico;  
  • No RN com anomalia congénita do maciço facial pode ser difícil a realização de entubação traqueal; se, após aplicação do laringoscópio a visualização das cordas vocais for difícil ou impossível, poderá tentar-se sem laringoscópio, usando o método táctil:
    1. RN em decúbito dorsal com plantas dos pés frente ao reanimador;
    2. Segura-se o TET com a mão direita e, com o 4º dedo da mão esquerda introduzido na boca do RN avança-se até tocar na ponta da epiglote que se tenta levantar enquanto se introduz o TET;

A entubação traqueal guiada por fibroendoscopia constitui uma alternativa a utilizar nos casos de obstrução da via respiratória superior.

Surfactante no bloco de partos

Essencialmente, existem duas estratégias no que respeita à administração de surfactante: a profiláctica e a de recurso (ou resgate).

Na estratégia profiláctica, o surfactante é administrado nos primeiros minutos de vida a RN com maior probabilidade de desenvolvimento do problema respiratório típico da prematuridade por défice de surfactante (doença da membrana hialina), designadamente, em situações associadas a idade gestacional < 28 semanas, e a não administração de corticoides à grávida.  

Na estratégia de recurso, a administração de surfactante é protelada até verificação dos primeiros sinais de dificuldade respiratória relacionável com a referida doença.

Muitos estudos publicados têm demonstrado que ambas as estratégias são seguras e eficazes, continuando, contudo, a existir controvérsia quanto à selecção de pacientes para tratamento profiláctico, e ao intervalo de tempo máximo recomendado para a administração de primeira dose. Salienta-se, contudo, que em regra é recomendada a administração profiláctica aos 10 minutos de vida após período de ventilação com pressão positiva iniciada no pós-parto imediato.

Tem sido observado um crescente interesse no uso precoce do método de pressão positiva contínua por via nasal (CPAP nasal – nasal continuous positive airway pressure) já a partir do bloco de partos, em RN com idades gestacionais mais baixas.

Alguns estudos têm sugerido que esta estratégia poderá diminuir a necessidade de ventilação invasiva, a utilização de surfactante e a incidência de doença pulmonar crónica.

Também, a estratégia designada de “INSURE” (ou intubation – surfactant – extubation) significando “entubação electiva para administração de surfactante seguida de extubação” e aplicação de CPAP nasal pode contribuir para reduzir a necessidade de ventilação mecânica e suas complicações. De facto, a pressão positiva contínua/CPAP, mantendo os alvéolos distendidos, reduz a probabilidade de lesão do surfactante e, por outro lado, estimula a sua produção.

Para melhor compreensão das estratégias de assistência respiratória no pós-parto imediato em RN pré-termo, e especialmente em situações de prematuridade  (< 28 semanas e < 1.000 gramas) tendo em vista a prevenção de lesão alveolar pulmonar e suas sequelas, será útil a consulta do capítulo sobre problemas respiratórios.

Cuidados pós-reanimação

Na fase imediata à reanimação (na Hora de Ouro), seguindo-se à recuperação dos sinais vitais (estabilização), existe risco de deterioração, o que implica preparação da equipa para eventual intervenção nas horas subsequentes. Mesmo que o RN submetido a reanimação não seja transferido para UCIN, deverá ficar sob vigilância nas horas subsequentes em unidade de internamento: – prevenindo a hipotermia, a hipoglicémia e a infecção; e – possibilitando a monitorização biofísica (frequência cardíaca, respiratória, pressão arterial, SpO2, etc.) e bioquímica.

Importa salientar que o aleitamento deve ser fomentado e iniciado o mais precocemente possível, exceptuando no contexto de eventual contraindicação relacionado com o estado clínico da mãe ou bebé.

A administração de naloxona não é recomendada como fazendo parte das medidas iniciais no bloco de partos para combater a depressão respiratória. Aliás, é importante referir que nunca deve ser utilizada em RN de mães com antecedentes de toxicodependência de opióides pelo risco de síndroma de abstinência neonatal caracterizada por hiperexcitabilidade e convulsões.

Outros fármacos tais como bicarbonato ou vasopressores (por ex epinefrina ou dopamina) raramente estão indicados na fase de estabilização, excepto perante acidose metabólica e ou necessidade de expansão da volémia.  

Tendo em consideração o efeito lesivo da hipoglicémia, a determinação da glucose no sangue deve ser realizada, sendo de considerar no pós parto imediato, em função do contexto clínico de cada caso, a perfusão de glucose IV para prevenir aquela situação.  

Nos casos de RN de termo ou quase de termo (com 36 semanas ou mais) com encefalopatia hipóxico-isquémica moderada a grave (ver capítulo sobre encefalopatia neonatal) os mesmos devem  beneficiar de hipotermia terapêutica devidamente controlada (33,5ºC a 34,5ºC), sendo tal procedimento  iniciado dentro das primeiras 6 horas após o parto, continuando durante 72 horas, com ulterior reaquecimento.

Dilemas éticos

No bloco de partos a equipa de pediatria-neonatologia é muitas vezes confrontada com situações que comportam decisão difícil, designadamente no que se refere à abstenção de reanimação ou à sua interrupção.

Cabe referir, a propósito, que se torna impossível estabelecer consenso absoluto no que respeita ao tópico “reanimação”, uma vez que a adopção de toda e qualquer medida é susceptível de abranger, não só aspectos éticos, mas também científicos, legais, culturais, religiosos, entre outros; por conseguinte, as normas estabelecidas poderão variar entre grupos sociais ou culturais. De qualquer modo, é geralmente admitido que o bloco de partos não constitui o local mais próprio para decidir sobre a vida ou a morte.

Tendo em conta tais condicionalismos, no âmbito de cada país e cada instituição é importante elaborar normas de actuação que poderão ser revistas regularmente, e modificadas se necessário. Por outro lado, as decisões deverão basear-se no maior número de elementos clínicos antenatais, sempre que possível, confirmados no período pós-natal.

As situações que na maior parte dos casos podem suscitar dúvidas e dilemas dizem respeito fundamentalmente aos RN com sinais de imaturidade extrema (RN inviáveis?), àqueles que evidenciam anomalias congénitas (incompatíveis com a vida?), e aos casos em que o tempo de reanimação se prolonga.

Na fase actual dos conhecimentos, no âmbito da maioria dos centros e sociedades científicas perinatais dos países industrializados foram, entretanto, obtidos determinados consensos em situações de parto pré-termo:

  • a idade gestacional é considerada melhor “marcador” de viabilidade do que o peso de nascimento;
  • inviabilidade definida quando a idade gestacional é inferior a 23 semanas;
  • a reanimação deve ser instituída se o diagnóstico de maturidade (idade gestacional precisa) não tiver sido previamente estabelecido;
  • a reanimação não deve ser instituída se a idade gestacional confirmada for inferior a 23 semanas, ou o peso de nascimento inferior a 400 gramas;
  • o sinal clínico “fusão palpebral” habitualmente conotado com imaturidade inviável pode surgir em cerca de 20% dos RN com idades gestacionais compreendidas entre 24 e 27 semanas; todos os esforços devem ser feitos na assistência ao parto e na reanimação de RN com idade gestacional > 27 semanas;
  • nos RN com idade gestacional compreendida entre 25 e 27 semanas haverá que ponderar determinados factores tais como, por ex. a medicação na grávida com corticóides, parto em centro diferenciado com UCIN pressupondo transporte in utero prévio, problemas associados imediatamente detectados no pós-parto, etc..

A este propósito cabe referir que, de acordo com resultados dos estudos da Rede Neonatal Vermont Oxford, a maioria dos RN com peso de nascimento <1.000 gramas submetida a massagem cardíaca e ou tratamento com adrenalina sobrevive (50 % sem HIPV).

Quanto aos RN portadores de anomalias congénitas evidentes, designadamente nos casos de diagnóstico confirmado de trissomia 13 ou trissomia 18, considera-se em geral que se deverá tomar a decisão de iniciar a reanimação. Dada a posssibilidade actual de diagnóstico pré-natal das situações atrás referidas, considera-se que a decisão deva ser discutida com os pais sob os pontos de vista cultural, legal, religioso, etc..

Nas situações de reanimação prolongada, e após 15 minutos de ausência de batimentos cardíacos, apesar da realização de todos os procedimentos de modo adequado, aquela deverá ser interrompida.

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