Importância do problema

Para uma correcta actuação nos casos em que se verifica alteração do equilíbrio hidro-electrolítico no RN, torna-se fundamental compreender a homeostase da água corporal e dos electrólitos, com especial ênfase para o sódio e potássio.

Este problema assume particular acuidade em situações de patologia grave do RN, especialmente no RN pré-termo de muito baixo peso e na fase de adaptação fetal à vida extrauterina.

Neste capítulo são descritas certas particularidades do balanço hidro-electrolítico no RN, em complemento da abordagem global feita na  Parte X.  

Água corporal, sódio e potássio

Pelas 15 semanas de gestação, a água corporal total corresponde a cerca de 95% do peso do feto. À medida que a gestação progride, a água corporal diminui, sendo que, pelas 24 semanas representa cerca de 86% do peso e, no termo, cerca de 75-80%.

Durante o crescimento fetal ocorrem igualmente modificações quanto à relação de água no espaço extracelular e no espaço intracelular: entre as 24 e 37 semanas o espaço extracelular diminui passando, respectivamente, de 59% do peso corporal para 44% do referido peso; pelo contrário, o espaço intracelular no mesmo período aumenta de 27% para 34% do peso corporal. Pode depreender-se que no RN pré-termo a magnitude do espaço extracelular em termos de percentagem do peso corporal é superior à do RN de termo. (Figura 1)

Os mecanismos homeostáticos que dizem respeito a estes movimentos da água e ao espaço extracelular são regulados pela intervenção dum conjunto de processos integrando hormonas e outros componentes de características hormonais, os quais têm particularidades e limitações no RN e, sobretudo, no RN pré-termo (RN PT).

FIGURA 1. Modificação gradual dos espaços líquidos do organismo no decurso da vida fetal e primeiro ano de vida.

Rim

Em circunstâncias de normalidade o sistema renal maturo reage ao aumento do volume no espaço extracelular com incremento da filtração glomerular e diminuição da reabsorção tubular de sódio e água filtrados no glomérulo; ora, esta resposta no RN PT é limitada tendo em conta o número reduzido de nefrónios.

Com efeito, o número de nefrónios vai aumentando com a gestação e, com a maturação dos mesmos, a taxa de filtração glomerular continua a aumentar nos 2 anos subsequentes.

Por outro lado, no RN em geral, e no RN PT em especial, a capacidade de concentração urinária é limitada em relação ao lactente e criança mais velha, o que compromete a resposta à contracção do espaço extracelular.

Coração e vasos

O débito cardíaco é directamente proporcional ao enchimento ventricular e, consequentemente, à perfusão renal (lei de Starling); ora, no RN de termo em geral, e no RN PT em especial, tal resposta é mais limitada tendo em conta a menor massa de miocárdio contráctil, o que compromete a resposta à expansão do espaço extracelular.

Sistema renina-angiotensina-aldosterona

Retomando o que foi dito a propósito da lei de Starling, cabe acrescentar que a menor perfusão renal – do que resulta menor taxa de filtração glomerular – conduz a menor oferta de sódio ao túbulo distal. As células justaglomerulares respondem a este fenómeno aumentando a produção de renina com as seguintes consequências: 1 – aumento da produção da angiotensina II; 2 – aumento da pressão arterial sistémica; 3 – aumento da filtração glomerular; 4 – maior secreção de aldosterona, a qual promove incremento da reabsorção de sódio e água no túbulo distal.

No que respeita a este mecanismo, que está desenvolvido já no RN PT, a limitação principal prende-se com as situações de patologia grave (insuficiência respiratória, assistência ventilatória, etc.).

Péptido natriurético auricular (PNA)

Este péptido é segregado na parede auricular cardíaca, a qual possui determinados receptores sensíveis ao aumento do volume sanguíneo; como resultado da distensão da referida parede e aumento do volume auricular o péptido produzido aumenta a taxa de filtração glomerular, diminui a produção de renina, diminui a secreção de aldosterona e reduz a pressão arterial através de bloqueio do efeito vasoconstritor da angiotensina.

Este mecanismo está comprometido em RN PT, sobretudo no PT extremo, com idade gestacional inferior a 28 semanas, e em maior grau se existir insuficiência respiratória (ver Glossário geral – péptidos natriuréticos).

Hormona antidiurética (HAD-sistema arginina-vasopressina)

A secreção da HAD, cuja acção é aumentar a reabsorção de água no túbulo distal renal e especialmente no tubo colector, inicia-se por volta das 14 semanas de gestação. A sua concentração aumenta com a idade gestacional, atingindo os níveis iguais aos do RN de termo por volta das 24 semanas.

A limitação quanto a este mecanismo da homeostase prende-se também com a fraca resposta tubular renal à hormona.

Catecolaminas

A noradrenalina limita a filtração glomerular e estimula a bomba de sódio-potássio ao nível do túbulo renal, reduzindo a excreção de sódio; de referir que as catecolaminas aumentam após o parto. Este mecanismo também está limitado no RN PT.

O sódio (Na) é o electrólito com maior concentração no líquido extracelular e plasma, de cuja composição electrolítica fazem parte outros catiões (potássio, cálcio e magnésio) e aniões (cloreto, bicarbonato e proteínas). A composição electrolítica sérica do RN também é determinada pela idade gestacional; com efeito, no RN pré-termo existe maior proporção de sódio e cloro por kg de peso devido à maior proporção do líquido extracelular.

No RN de termo verifica-se um balanço de Na positivo e menor capacidade de excreção renal a partir das 48 horas de vida.

Nos RN pré-termo (PT), sobretudo nos de peso < 1.500 gramas (MBP) verifica-se uma fracção excretada de sódio (Na) urinário aumentada (FeNa) da ordem de 4-5%, a qual se mantém até cerca da 4ª-6ª semana, data em que é atingido o valor que se verifica no RN de termo.

O potássio (K) é o catião mais abundante no líquido intracelular; estima-se que o conteúdo de potássio corporal total na data de nascimento seja da ordem de 40 mEq/L. De salientar que os valores de K plasmático são superiores aos verificados na criança maior, o que é explicado pela menor actividade da ATPase-Na+/K+ (bomba de sódio – potássio) que determina taxa mais elevada de transferência do líquido intracelular para o extracelular).

Em condições fisiológicas no RN de termo verifica-se menor capacidade de excreção devido à baixa taxa de filtração glomerular (TFG) e de secreção tubular. No RN PT (sobretudo de idade gestacional inferior a 32 semanas – muito pré-termo) a limitação quanto à secreção tubular renal é ainda mais acentuada.

Equilíbrio hidroelectrolítico na transição para a vida extrauterina; implicações clínicas

Tendo em conta a indicação frequente da fluidoterapia IV no RN com patologia – quer seja ou não pré-termo – e a imaturidade funcional renal, torna-se fundamental descrever as fases de adaptação fetal à vida extrauterina no que respeita à homeostase da água e electrólitos para compreensão das estratégias a adoptar.

Após o nascimento são descritas três fases:

Pré-diurética

Nesta fase pós-parto – primeiras horas de vida – verifica-se expansão do espaço extracelular com hipervolémia explicável pelos seguintes factores:

  • Reabsorção do líquido pulmonar fetal (LPF);
  • Fluidoterapia administrada à parturiente com hiponatrémia de diluição;
  • Passagem de água do espaço intracelular para o extracelular;
  • Baixa TFG do RN com défice de excreção de água e Na; contudo, o resultado final também contribui para a hiponatrémia de diluição, que se pode manter durante a primeira semana;
  • Menor excreção de K com tendência para hiperpotassémia não oligúrica (isto é, não acompanhada de disfunção renal).

Nesta fase existe risco de sobrecarga hídrica em situações associadas a fluidoterapia; contudo, se as perdas de água através da pele e do sistema respiratório forem importantes e não compensadas por fluidoterapia, poderá surgir elevação do Na no espaço vascular (hipernatrémia).

Esta fase transitória pode ser mais prolongada (dias) em situações de difícil adaptação à vida extrauterina (por ex. asfixia perinatal).

Diurética

Segue-se uma fase caracterizada por:

  • Diurese abundante surgida de modo abrupto, originando perda de água e retoma da proporção do espaço extracelular que se verifica cerca das 37 semanas (44% do peso) (ver atrás);
  • Perda de Na paralelamente a ulterior diminuição do compartimento extracelular a que se associa perda de Na pela urina; o resultado final poderá levar a hiponatrémia de depleção;
  • Concomitantemente, surge aumento progressivo da excreção de K, o que contribui para diminuir progressivamente a hiperpotassémia não oligúrica da fase pré-diurética.

Se a perda de água (relativamente superior à perda de sódio) for elevada, torna-se mais provável o aparecimento de hipernatrémia associada a défice de água (desidratação hipernatrémica).

Pós-diurética

Esta fase é caracterizada por diurese variável, com aumento da secreção tubular de K, estabilidade dos respectivos níveis séricos, e excreção renal estável de Na; se esta perda renal de Na não for compensada, poderá surgir hiponatrémia.

Perdas e necessidades em fluidos (manutenção)

Na perspectiva da administração de água e electrólitos (fluidoterapia) e da garantia de manutenção das condições fisiológicas (homeostase), torna-se fundamental conhecer as respectivas necessidades e perdas (habituais ou fisiológicas, e anormais). É igualmente importante reter as seguintes noções:

  1. O movimento e renovação (turnover) de água no organismo (entradas/suprimento e saídas/perdas) são, relativamente ao peso, tanto maiores e mais rápidos quanto menor a idade e maior a velocidade do crescimento; deduz-se que esta particularidade cria maior vulnerabilidade e maior probabilidade de desequilíbrio;
  2. A água é fundamental para o crescimento;
  3. Como resultado dos processos metabólicos em geral, produz-se água endógena.

Assim, na prática, para o cálculo do suprimento de fluidos e garantia da manutenção do equilíbrio torna-se fundamental:

  1. Repor as perdas insensíveis (PI) de água (saída pela pele e sistema respiratório);
  2. Repor as perdas sensíveis de água (saída pelos sistema renal-urina, digestivo-fezes, e sudação activa);
  3. Contabilizar a chamada água endógena (produzida no próprio organismo como resultado da oxidação de proteínas, hidratos de carbono e gorduras), considerando esta parcela ~ 5-10 mL/kg/dia como suprimento ou entrada (ver Parte X).

Perdas insensíveis (PI)    

Na prática clínica é fundamental ter em conta os factores que interferem nas PI:

Factores de incremento de PI

*Fototerapia → + 30-50%
*Hipertermia → + 30-50%
*Taquipneia → + 20-30%
*Convecção forçada → +30-50%
*Berço aquecido com aquecimento radiante superior → + 50-100% (não incubadora)
*Prematuridade extrema (peso < 1.000 gramas) → +100-300%
*Lesão da pele ou defeitos de encerramento (por ex. onfalocele, gastrosquise) → variável

Factores de decréscimo de PI

*Assistência ventilatória/mistura gasosa humidificada (tubo endotraqueal) → – 20-30%
*Humidificação do ambiente da incubadora → – 50-100%
*Cobertura de plástico ou de “estanho” (incubadora ou berço aquecido) → – 30-50%
*Dupla parede da incubadora → -30-50%.

  • Como regras gerais, pode fixar-se que:
    • as PI oscilam entre 20 e 80 mL/kg/dia;
    • os cálculos das PI devem ser feitos caso a caso tendo em conta, nomeadamente, o peso e idade gestacional, a humidade ambiental e a condição de doença e sua gravidade;
  • Após a primeira semana de vida as perdas insensíveis no RN pré-termo aproximam-se das perdas insensíveis do RN de termo tendo em conta o processo relativamente rápido de maturação cutânea.    

Perdas urinárias

Em complemento do que foi descrito atrás, a propósito da adaptação renal à vida extrauterina – cabe recordar que a quantidade de água necessária para a formação da urina depende da função renal e da carga de soluto renal.

Como regras gerais, pode fixar-se que:

  • As perdas urinárias oscilam entre 25 e 60 mL/kg/dia;
  • Os cálculos das perdas urinárias devem ser feitos caso a caso, tendo em conta, nomeadamente, o peso e idade gestacional, a humidade ambiental, a condição de doença e sua gravidade, assim como a eventual administração de solutos a partir do nascimento.

Perdas fecais

Após a primeira semana de vida as referidas perdas correspondem a cerca de 10 mL/kg/dia.

Perdas e necessidades em fluidos (crescimento)

Em fase de estabilização clínica haverá que fornecer água necessária para o crescimento (taxa ~ 5-20 g/kg/dia), cerca de 12-14 mL/kg/dia no RN de termo e 15-25 mL/kg/dia no RN pré-termo, acrescentando esta parcela aos cálculos descritos atrás para a manutenção [-1) + -2) + -3)] (ver atrás – manutenção).

O Quadro 1 sintetiza de modo global as perdas e necessidades em fluidos em mL/kg/dia, no RN de termo e no RN pré-termo de muito baixo peso (MBP) para a manutenção, assim como para o crescimento.

QUADRO 1 – Perdas e necessidades em fluídos.

Perdas de fluídos (mL/ Kg/ dia)
Perdas insensíveis:  20-80
Perdas urinárias:  25-60
Perdas fecais:  2-10
Necessidades em fluídos (mL/ Kg/ dia)
RN de termo →
(D = dia de vida)
D1-D2: 70
D3-D4: 80
D5-D6: 90
(S = semana de vida) S2-3-4: 120 mL/kg/dia
RN pré-termo →
(D = dia de vida)
D1: 60-70
D2: 80-90
D3: 100-110
D4: 120-140
D5-6: 125-150
(S = semana de vida) S2-3-4: 150 -200
Necessidades hídricas adicionais para o crescimento (mL/kg/dia)
RN de termo → 12-14; RN pré-termo  → 15-25

Objectivos práticos e monitorização

Tendo em consideração as noções explanadas, a estratégia da fluidoterapia hidroelectrolítica consiste fundamentalmente na administração inicial de fluidos IV (em regra dextrose em água a 5% com registo do débito de glicose em mg/kg/minuto) aos quais são incorporados, a partir de determinada fase, Na (NaCl) e K (KCl), procedendo concomitantemente ao registo dos seguintes parâmetros:

  • Peso diário (em circunstâncias especiais – RN em terapia intensiva – registo do peso de 8-8 horas); perda de peso > 20% nos primeiros cinco dias indica, em princípio, perda insensível não devidamente contabilizada; perda < 2% nos primeiros cinco dias indica, em princípio, retenção hídrica;
  • Registo rigoroso da entrada/suprimento de fluidos IV, ou por via oral/entérica; é fundamental também contabilizar os líquidos que servem de veículo à administração de medicamentos ou utilizados para “lavagem” de cateteres inseridos em linhas endovenosas;
  • Diurese (utilizando saco colector de urina ou, quando tal for inviável, pesagem da fralda seca antes e imediatamente após a micção, acautelando a eventualidade de evaporação da urina caso se ultrapasse determinado tempo após a eliminação de urina. O objectivo é manter diurese entre 1 e 3 mL/kg/hora;
  • Ionograma sérico com especial realce para o Na e K. O objectivo é manter natrémia entre 130 e 150 mEq/L, e a potassémia entre 3,5 e 6 mEq/L;
  • Osmolalidade sérica e urinária. Idealmente a osmolalidade sérica deverá manter-se entre 274-305 mOsm/kg de água e a osmolalidade urinária entre 150 e 400 mOsm/kg de água;
  • Densidade urinária, utilizada na prática, com mais frequência do que a osmolalidade; a densidade urinária deverá ser mantida entre 1.008 e 1.012, sendo que densidade de 1.012 <> osmolalidade entre 280 e 400 mOsm/kg de água.

Como regra geral pode estabelecer-se que a adição de electrólitos aos fluidos depende da diurese e da concentração plasmática de electrólitos.
A administração de sódio (Na), de potássio (K) e de cloro (Cl) no RN pré-termo de muito baixo peso obedece à seguintes regras:

  • Na: início de administração sob a forma de cloreto de sódio (NaCl) somente após início da diurese e após perda de peso superior a 7% do peso de nascimento); com efeito, até então ter-se-á verificado contracção do espaço extracelular que, entretanto, contribuiu com suprimento endógeno de Na ao espaço vascular.

Em síntese:

Iniciar sódio após perda > 7% do peso ao nascer:

  • RN de termo: 2-3 mEq/kg/24h;
  • RN pré-termo de peso entre 1.000-1.500 g: até 3-5 mEq/kg/24h;
  • RN pré-termo de peso inferior a 1.000 g: até 4-8 mEq/kg/24h;
  • Se as necessidades forem superiores, será de considerar perfusão independente de solução de Na, em torneira de 3 vias;
  • Se houver perdas anormais há que contabilizá-las para o suprimento extra.

Conclui-se, pois, que as necessidades em Na podem ser superiores nos RN PT de muito baixo peso (em geral com < 32 semanas-34 semanas).

  • K: início de administração somente após diurese francamente mantida (sob a forma de KCl) na dose de 2 mEq/kg/dia.

Após os 10 dias de vida, em geral, dose de 3 mEq/kg/dia é suficiente para manter balanço positivo quanto a crescimento em todas as idades gestacionais.

Integrando os parâmetros descritos, o Quadro 2 pode orientar o clínico à cabeceira do doente no sentido de restringir ou liberalizar o suprimento de líquidos.

QUADRO 2 – Regras para o reajustamento da fluidoterapia.

1 – Restrição do suprimento de líquidos
    • Diurese > 4 mL/kg/hora
    • Na sérico < 130 mEq/L
    • Ganho ponderal nos primeiros 3 dias de vida
    • Edema sem sinais de compromisso hemodinâmico (pele rosada, boa perfusão periférica, frequência cardíaca e pressão arterial normais)
2 – Liberalização do suprimento de líquidos
    • Diurese < 0.5 mL/kg/hora
    • Na sérico > 150 mEq/L
    • Perda de peso ~ 15% do peso de nascimento ou > 2%/dia.
    • Sinais de desidratação na fase pós-diurética e de melhoria da função pulmonar: deficiente perfusão periférica/preenchimento capilar periférico lento, palidez, perda do turgor da pele, fontanela anterior deprimida, e hipotensão e choque em situações graves.

Nota: O suprimento de nutrientes acompanhando o de fluidos e electrólitos é abordado noutros capítulos.

Alterações iónicas  do sódio e potássio

Como complemento dos capítulos da Parte X, são descritas as alterações iónicas do sódio e potássio, chamando-se a atenção para certas particularidades no RN.

Hiponatrémia

Definição

A hiponatrémia é definida como o valor de Na plasmático inferior a 130 mEq/L.

Etiopatogénese

São descritos classicamente os seguintes mecanismos de hiponatrémia:

  1. Hiponatrémia de diluição no pós-parto imediato
    • Nesta situação a hiponatrémia é transitória – período pós-parto imediato – resultando da expansão do espaço extracelular por suprimento excessivo de fluidos intra-parto. De recordar que a esta fase se segue a fase de contracção do referido espaço extracelular.
  2. Hiponatrémia de diluição na primeira semana de vida (precoce ou tardia)
    Verifica-se água corporal aumentada (hipervolémia) fundamentalmente por:
    • Suprimento excessivo de líquidos;
    • Associada a lesão renal aguda (LRA) intrínseca com oligúria, ou a LRA funcional;
    • Associada a outras situações como: insuficiência cardíaca congestiva, nefropatia congénita, etc.;
    • Associada à síndroma de secreção inapropriada de hormona antidiurética (SIADH): secreção aumentada de HAD como resposta a estímulos osmóticos e não osmóticos.
  1. Hiponatrémia de depleção relacionada com diversos factores que promovem a excreção renal de Na: por ex. diuréticos de ansa e tiazídicos, metilxantinas, prostaglandinas, indometacina, dopamina, variante da síndroma de Bartter (defeito de transporte do cloro no ramo ascendente da ansa de Henle), etc.. A hiponatrémia de depleção pode ser acompanhada de hipovolémia (diminuição da água corporal) por ex. em casos de diarreia, vómitos, drenagem de fluidos, etc..
  1. Hiponatrémia de depleção tardia
    Surge em situações de normovolémia com água corporal normal no contexto de imaturidade renal (RN pré-termo de idade gestacional inferior a 34 semanas, entre a 2ª e 4ª semana pós-natal). Os factores fundamentais que podem contribuir para esta situação são:
    • Excreção aumentada de sódio por imaturidade tubular renal (défice da actividade da Na/K- ATPase e/ou por défice de resposta à aldosterona);
    • Desvio de sódio plasmático para os tecidos com necessidades aumentadas para o crescimento, designadamente o tecido ósseo;
    • Suprimento de Na inferior às necessidades.
Manifestações clínicas e exames complementares

As manifestações clínicas, por vezes inexistentes, dependem dos valores séricos: hipotonia e hiporreactividade nos casos de valores entre 120 e 130 mEq/L, e vómitos, hiperexcitabilidade e convulsões nos casos com valores inferiores a 120 mEq/L.

A SIADH, que surge em cerca de 1-2% dos RN submetidos a terapia intensiva, ocorre tipicamente no contexto de patologia respiratória e do SNC (meningite, EHI, etc.). Os critérios fundamentais de diagnóstico, para além da hiponatrémia e da ausência de edema e de insuficiência cardíaca são: osmolaridade urinária elevada, osmolaridade plasmática diminuída, função renal e suprarrenal normais, FeNa aumentada.

A síndroma de Bartter, para além doutras manifestações, cursa com hiponatrémia e natriurese.

Tratamento

A hiponatrémia de diluição no pós-parto imediato obriga na maior parte das vezes a atitude expectante vigiando o valor sérico do Na.

Na hiponatrémia de diluição assintomática correspondendo a valores de natrémia entre 120-130 mEq/L (incluindo SIADH) está indicada apenas a restrição hídrica; nos casos sintomáticos e/ou se a natrémia for inferior a 120 mEq/L, deve ser administrado sódio IV durante o período entre 1 e 4 horas, para se atingir valor de 130 mEq/L aplicando a fórmula:

Na (mEq/L) a administrar = 0,6 X peso (em kg) X 130 – Na (em mEq/L) do doente 

Na prática: utilizando soluto de NaCl a 20% (15 mL) + água destilada (85 mL) obtém-se uma solução (100 mL) em que 1 mL<>0,5 mEq.

Nos casos de hiponatrémia de depleção aplica-se a mesma fórmula, com suprimento de sódio em cerca de 24 horas.

Hipernatrémia

Definição

A hipernatrémia é definida como o valor de Na plasmático superior a 150 mEq/L. Detectada com a frequência de cerca de 15% em RN submetidos a terapia intensiva, a sua importância deriva, sobretudo, do risco de HIPV em RN pré-termo.

Etiopatogénese

São descritos os seguintes mecanismos:

  1. Suprimento hídrico deficitário;
  2. Suprimento excessivo de sódio (por exemplo, veiculado pelo bicarbonato de sódio e soro fisiológico administrados em diversas circunstâncias);
  3. Perdas hídricas excessivas: perdas insensíveis aumentadas, podendo conduzir a desidratação hipernatrémica, diarreia e vómitos, perdas renais aumentadas em relação com nefropatia, uropatia obstrutiva, tubulopatia, hipercalcémia, etc..
Manifestações clínicas

Nas situações de suprimento hídrico deficitário e de perdas hídricas excessivas (correspondendo a água corporal diminuída) verifica-se perda de peso, taquicárdia, hipotensão, acidose metabólica e oligúria. De salientar que a hipernatrémia nesta circunstância não significa excesso de sódio corporal, mas sim maior concentração do ião por défice de água.

Nas situações de suprimento excessivo de sódio (acompanhado de água corporal aumentada) verifica-se aumento de peso (> 2% em relação às 24 horas anteriores), edema, taquicardia, hipertensão e diurese normal.

Tratamento

O tratamento incide essencialmente na causa: primeiramente, reposição das perdas insensíveis através de suprimento hídrico adequado; depois, restrição do suprimento de sódio (que não deverá ser inferior a 0,5 mEq/kg/hora).

Hipopotassémia (Hipocaliémia)

Definição

A hipopotassémia é definida como o valor de K plasmático inferior a 3,5 mEq/L sendo que se considera o valor inferior a 2,5 mEq/L como crítico.

Etiopatogénese

São descritos os seguintes mecanismos causais:

  1. Suprimento deficitário de K;
  2. Perdas anormais de causas renais, digestivas, metabólicas, medicamentosas, etc. (diuréticos tiazídicos, furosemido, aminoglicosídeos, corticóides, tubulopatia com défice de reabsorção tubular, uropatia obstrutiva, diarreia, drenagem gástrica, diálise, hiperglicémia, hipercalcémia, insuficiência renal poliúrica, etc.);
  3. Captação intracelular incrementada de K (alcalose metabólica, administração de insulina, hipotermia, etc.).
Manifestações clínicas e exames complementares

As manifestações mais frequentes de hipopotassémia são: hipoactividade, letargia, bradicárdia, arritmia, hiporreflexia, distensão abdominal e íleo paralítico.

O ECG evidencia sinais de intervalo QT prolongado, onda T achatada e de depressão do segmento ST.

Tratamento

O tratamento é substitutivo, consistindo em aumentar o suprimento de K por via oral ou IV utilizando cloreto de potássio (que contribui para corrigir também a hipoclorémia que acompanha quase sempre a hipopotassémia).

Nas formas ditas ligeiras de RN estável (potassémia entre 3 e 3,5 mEq/L) pode utilizar-se a solução de KCl a 7,5% na dose de 3 mEq/kg/dia 4 vezes por dia. Deve vigiar-se laboratorialmente a situação para decisão terapêutica ulterior. (De salientar que esta estratégia é utilizada igualmente como prevenção nos casos de utilização prolongada de diuréticos).

A solução de KCl pode associar-se ao leite na dose de 2,5-3 mEq/kg/dia.

Nos casos de RN em estado crítico, com sintomatologia mais exuberante (arritmia, bradicárdia, íleo paralítico, etc.) e/ou com valores inferiores a 3 mEq/L, utiliza-se a via IV administrando K na dose de 0,3-0,4 mEq/kg/hora e utilizando a concentração de K de 20-40 mEq/L na solução, procedendo sempre a vigilância electrocardiográfica.

Hiperpotassémia

Definição

A hiperpotassémia é definida como o valor de K plasmático superior a 6 mEq/L, sendo que se considera o valor superior a 7,5 mEq/L como limite crítico. Salienta-se que a velocidade de elevação do potássio é mais importante do que a concentração sérica exacta do ião.

É frequente em RNPT com idade gestacional inferior a 30 semanas, sobretudo entre as 24 e 72 horas de vida

Tratando-se duma situação que comporta morbilidade e mortalidade significativas, relacionávies sobretudo com o seu efeito sobre a condução cardíaca, pode culminar na assistolia e paragem cardíaca.

Etiopatogénese

São descritos os seguintes mecanismos causais:

  1. Libertação excessiva de K intracelular (hemólise, hematomas, hemorragia intracraniana, hipercatabolismo celular, asfixia perinatal, etc.);
  2. Suprimento excessivo de K;
  3. Eliminação renal diminuída (imaturidade renal, IRA, IRC, uropatia obstrutiva, nefropatia de refluxo, etc.);
  4. Medicamentos (indometacina, captopril, espironolactona, etc.).
Manifestações clínicas

O quadro clínico caracteriza-se fundamentalmente por arritmia e alterações do ECG; estas, por ordem de gravidade, incluem: maior amplitude das ondas T, em “pico”, bloqueio cardíaco com alargamento do complexo QRS, arritmia e paragem cardíaca.

Tratamento

O tratamento depende essencialmente da situação de base e dos valores do potássio plasmático que devem ser monitorizados frequentemente.

Nas hiperpotassémias moderadas (6,0-7,5 mEq/L) sem alterações do ECG deve suspender-se o suprimento de potássio e administrar-se glucose IV com ou sem insulina. No esquema prático mais habitual procede-se a perfusão de solução de glucose a 25% (0,5 mL/kg/hora) associada a insulina (0,15U/kg/hora), esta última com duração de acção variando entre 1 a 4 horas (entrada de K na célula).

As formas graves (K > 7,5 mEq/L), associadas a alterações do ECG, constituem uma emergência médica, estando indicado o seguinte procedimento:

  • Gluconato de cálcio a 10% IV (1-2 mL/kg em 5 a 10 minutos) cuja acção pode durar até cerca de 4 horas; esta perfusão, cujo efeito é restaurar a excitabilidade da membrana celular, pode ser repetida;
  • Bicarbonato de sódio a 3% IV (1-3 mEq/kg em 10 minutos) cuja acção pode durar 2-4 horas; esta perfusão promove a entrada do K na célula e combate a acidose. Recorda-se que o bicarbonato deve ser administrado por acesso diferente do gluconato de cálcio;
  • Insulina na dose referida atrás;
  • Salbutamol (promovendo a deslocação do K do espaço extracelular para o intracelular) na dose de 4 mcg/kg em 5 mL de água destilada durante 20 minutos; este procedimento pode ser repetido. A via inalatória também pode ser utilizada.

Nas hiperpotassémias refractárias, para além da utilização simultânea de gluconato de cálcio, bicarbonato de sódio, glicose/insulina e salbutamol, está indicada a associação a medidas que promovem a eliminação do K [resinas permutadoras de iões, diuréticos de ansa (furosemido)] e, eventualmente, diálise peritoneal:

  • Resinas (por ex. suspensão de poli-estireno-sulfonato de sódio <> 15 g/60 mL) na dose de 1 g/kg 4 vezes por dia; como acções acessórias salienta-se o risco de hipercalcémia e calcificação do tubo digestivo com possibilidade de obstrução;
  • Furosemido na dose de 2 a 4 mg/kg/dia IV dividida em 4 vezes ou em perfusão contínua;
  • Diálise, hemodiafiltração ou exsanguinotransfusão, com a colaboração da equipa de nefrologia e da UCIN.

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