Generalidades

O imperativo da cobertura geral universal da população por cuidados de saúde primários e as necessidades especiais de grupos populacionais vulneráveis, obrigam a conferir alta prioridade aos cuidados de saúde a prestar às mulheres em idade fértil e às crianças.

A este propósito importa reter algumas noções extremamente básicas, mas muito importantes, tais como:

  1. É essencial que todas as grávidas possam ser examinadas durante a gestação; daqui nasce o conceito de vigilância ou assistência pré-natal.
  2. Uma gravidez não vigiada ou deficientemente vigiada leva ao insucesso, constituindo só por si um factor de risco.
  3. A melhoria dos indicadores de saúde perinatal, nomeadamente da mortalidade neonatal, depende fundamentalmente duma vigilância pré-natal correcta, idealmente na sequência duma avaliação pré-concepcional.
    • Nos últimos quarenta anos, sobretudo nos países industrializados (e designadamente em Portugal) tem-se assistido a uma diminuição significativa das taxas da mortalidade materna e neonatal, mercê de programas integrados de vigilância da grávida. Hoje em dia, para além da melhoria dos referidos indicadores, um dos grandes desafios é o combate à prematuridade.
    • Nos referidos países o parto prematuro espontâneo (antes das 37 semanas de gestação) ocorre em 6-11% de todas as gravidezes, e antes das 34 semanas em cerca de 3-5% das mesmas. Neste último período, a prematuridade comparticipa em cerca de ¾ a mortalidade neonatal, contribuindo igualmente para a morbilidade, sobretudo em termos de doenças do neurodesenvolvimento.
    • Os resultados de estudos recentes, incidindo sobre grávidas, demonstraram efeito benéfico e com segurança, da aspirina (ácido acetilsalicílico) em baixas doses, administrada desde fase muito precoce, mesmo antes das 16 semanas: redução muito significativa da taxa de prematuridade (em 8% no caso da aspirina), assim como da incidência de pré-eclâmpsia, restrição do crescimento fetal, insuficiência placentar, prematuridade e da contractilidade uterina. Tais efeitos foram explicados pelos efeitos de inibição da cicloxigenase e da acção antiagregante plaquetário da aspirina em baixas doses. Noutros estudos, utilizando fármacos do grupo dos antiagregantes plaquetários, foram obtidos resultados semelhantes.

Consulta pré-concepcional e pré-natal

I. Idealmente, e numa perspectiva extraordinariamente importante de prevenção, antes da gravidez deverá processar-se a chamada consulta pré-concepcional. Nesta consulta é avaliado o estado geral da “pré-grávida”, ponderando a eventual repercussão de antecedentes pessoais e familiares, quer da própria grávida, quer do parceiro, sobre a gravidez e produto de concepção.

Os aspectos específicos da consulta pré-concepcional podem ser sintetizados do seguinte modo:

  • Ponderar o risco genético susceptível de originar manifestações na futura criança;
  • Avaliar a somatometria (peso, altura, etc.) e os seguintes parâmetros: pressão arterial, Hb, Hct, regime alimentar, estado nutricional, tipo de actividade física habitual, etc.;
  • Propiciar orientações e aconselhamento sobre: vantagens do aleitamento materno, exercício físico, regime alimentar e factores de risco, etc..

II. A consulta pré-natal tem objectivos gerais e específicos:

Objectivos gerais:

  • Avaliar o bem-estar fetal e materno através de parâmetros clínicos e de exames complementares;
  • Detectar factores de risco que possam comprometer a evolução da gravidez e o bem-estar fetal, orientando correctamente cada situação;
  • Promover a educação para a saúde, integrando o aconselhamento sobre a importância do aleitamento materno e o apoio psicossocial ao longo de toda a gravidez.

Não existindo consenso (inclusive a nível internacional) sobre o número ideal de consultas pré-natais, de acordo com a Direcção Geral da Saúde é recomendado seguinte esquema:

  • Consultas mensais até à 32ª semana;
  • Consultas quinzenais entre 33ª e 37ª semanas;
  • Consultas semanais a partir da 38ª semana.

Considera-se esquema reduzido o número de 6 consultas (às 12, 20, 28, 32, 36 e 40 semanas).

Objectivos específicos:

  • Propiciar educação para a saúde e aconselhamento à grávida e sua família;
  • Propiciar um plano de rastreio e vigilância clínica com apoio de exames complementares com os objectivos de:
    • detectar precocemente desvios da normalidade,
    • minorar a sintomatologia associada à gravidez e apoiar a grávida na adaptação às alterações fisiológicas e às complicações que possam decorrer dos factores de risco.

Dos aspectos específicos da consulta pré-natal fazem parte:

  • Anamnese incidindo fundamentalmente sobre a detecção de factores de risco;
  • Exame físico incluindo determinação do peso (actual e incremento desde o início da gravidez), da altura, da pressão arterial, auscultação cardíaca e pulmonar, detecção de eventual mamilo pouco saliente, requerendo procedimento preventivo de repuxamento, edema, varizes, hemorróidas, outra patologia; e exame ginecológico (toque vaginal para apreciação do colo uterino e do estádio de apresentação depois das 34 semanas);
  • Aspectos indirectos relacionados com a semiologia fetal clínica convencional: determinação da altura do fundo uterino (distância entre sínfise púbica e fundo uterino), avaliação dos movimentos fetais, auscultação fetal (sendo que os batimentos cardíacos são audíveis com o estetoscópio de Pinard a partir das 19 semanas e a partir das 10 semanas com aparelhos do tipo Doptone), e avaliação da apresentação fetal no 3º trimestre;
  • Exames laboratoriais (grupo sanguíneo (A B 0) e factor Rh (assim como factor Rh do marido se a grávida tiver grupo Rh negativo), Hb e Hct, VDRL (a repetir obrigatoriamente em cada trimestre), serologia do grupo TORCHS e análise sumária de urina; em casos especiais: uricémia, creatininémia, prova de Coombs indirecta se for Rh- e marido Rh+, glicémia em jejum e pós-prandial, uricémia e urocultura;
  • Avaliação da pressão arterial da grávida;
  • Exames de imagem (ecografia fetal), a partir das 11-12 semanas;
  • Eventuais prescrições e revisão do regime alimentar.

Nota importante: Para o registo sequencial dos aspectos referidos, e de outros importantes, designadamente dos relacionadaos com promoção da saúde e prevenção da doença, foi concebido o pequeno livro chamado “Boletim da Grávida” de que a mesma deve ser portadora aquando das consultas ou episódios de observação por médico ou profissional de enfermagem. Trata-se, pois, dum documento informativo em circulação, de grande utilidade em prol da saúde da díade grávida feto/RN.

Avaliação do risco

Relativamente à avaliação do grau de risco (entendido como probabilidade de doença grave ou morte para a grávida e/ou feto/RN), exemplifica-se com o índice de Goodwinn. (Quadro 1), em que se atribui determinada pontuação [de 0 a 3] a certos parâmetros.

QUADRO 1 – Avaliação do risco pré-natal de Goodwinn, modificado.

I. História reprodutiva
IdadeParidade
≤ 17 e ≥ 40 = 3 
18 – 29 = 01 – 4 = 0  
30 – 39 = 1≥ 5 = 3  
História obstétrica anterior
Aborto habitual (≥ 3 consecutivos)= 1  
Infertilidade= 1  
Hemorragia pós-parto/dequitadura manual= 1  
Pré-eclâmpsia/eclâmpsia= 1  
Cesariana anterior= 2  
Feto morto/morte neonatal= 3  
Trabalho de parto prolongado ou difícil= 1  
Índice …………… ________________ + 
II. Patologia associada
Cirurgia ginecológica anterior= 1  
Doença renal crónica= 2  
Diabetes gestacional= 1  
Diabetes mellitus= 3  
Doença cardíaca= 3  
Outros problemas médicos
(Bronquite crónica, lúpus, etc.) Índice de acordo com a gravidade (1 a 3)
=  
Índice …………… ________________ +
III. Gravidez actual
Hemorragias1º Exame36ª Semana
≤ 20 semanas= 1   
> 20 semanas= 3   
Anemia (Hb ≤ 10 g/dL)= 1   
Gravidez prolongada (≥ 42 semanas)= 1   
Hipertensão= 2   
Rotura prematura das membranas= 2   
Hidrâmnio= 2   
Gravidez múltipla
Apresentação pélvica
Má apresentação
= 3   
Isoimunização Rh= 3   
Índice ……………________________________________
Total …………………………________________________________
BAIXO RISCO = 0-2
MÉDIO RISCO = 3-6
ALTO RISCO = ≥ 7


Em situações de risco médio ou alto (pontuação igual ou superior a 3), a grávida deverá ser encaminhada para centro especializado, sendo que a consulta neste último poderá envolver outros especialistas para além do especialista em medicina materno-fetal; o objectivo é avaliar a história natural da doença, estabelecer no feto o diagnóstico e o prognóstico, explicando aos pais e família aspectos psicossociais, assim como as possibilidades terapêuticas, incluindo, benefícios e riscos (aconselhamento).

A acessibilidade do feto leva ao conceito de diagnóstico pré-natal (DPN) como um conjunto de procedimentos que permitem identificar ou excluir anomalias estruturais ou morfológicas, e funcionais, de um feto em desenvolvimento; ou seja, através do mesmo, é possível objectivar múltiplas situações de patologia fetal (ou excluí-las com elevado grau de especificidade), estabelecer eventual indicação de tratamento in utero, tratamento neonatal precoce, o que poderá contribuir para a melhoria do prognóstico.
Nesta perspectiva, subentende-se que o DPN, abordado adiante, deve ser encarado como uma das valências avançadas da vigilância pré-natal, o que pressupõe o cumprimento de determinadas etapas em centros especializados.

Notas importantes:

    1. Reportando-nos ao capítulo 1 desta obra, recorda-se a definição abrangente de Pediatria como “medicina integral de um grupo etário desde a concepção ao fim da adolescência”, citada por uma figura de referência da pediatria e perinatologia: A. Torrado da Silva. A filosofia desta definição prende-se com a ideia de que o clínico que presta assistência a crianças (pediatra ou médico de família) deve valorizar os antecedentes pré-natais, dizendo respeito a eventos durante a gravidez com eventual impacto no embrião e ou no feto. Aliás, uma noção faz parte da história clínica pediátrica. Esta filosofia consubstancia a necessidade e o benefício em prol da saúde, de cooperação efectiva entre “médico da grávida e do parto” e “médico da criança”: este último, interessando-se pela evolução da gravidez e os primeiros, interessando-se pela evolução do bebé. É esta a base fundamental da perinatologia. Efectivamente, de acordo com a legislação portuguesa, no âmbito dos cuidados primários/centros de saúde, a grávida e a criança são observadas e seguidas por médico de família, os quais poderão referenciar os pacientes para especialistas em função do contexto clínico.
    2. Constituindo rotina a avaliação do risco pré-natal, a verificação de situações de médio ou alto risco implica a referenciação da grávida para centro especializado, local em que poderão ser realizados exames complementares mais sofisticados (abordados adiante), para além dos clássicos laboratoriais e ecografias pré-natais anteriormente citados.
    3. Relevando o papel da vigilância na gravidez, na década de 70 do século XX, em época anterior às novas tecnologias, um especialista sueco de renome – H. Hagberg – chamava a atenção para a enorme importância da utilização de instrumentos simples, perante recursos limitados: balança para avaliação seriada do peso, fita métrica para avaliação seriada da altura do fundo uterino, estetoscópio de Pinard para avaliação dos batimentos cardíacos fetais, esfigmomanómetro para avaliação da pressão arterial da grávida e bloco notas de papel para a mesma registar o número e horário dos movimentos fetais.
    4. Tendo sido sintetizados alguns aspectos das consultas pré-concepcional e pré-natal, salienta-se que, no âmbito da assistência pré-natal, as normas de orientação clínica poderão variar de centro para centro.
    5. Após o parto é distribuído à mãe/família do bebé um pequeno livro, chamado Boletim de Saúde Infantil e Juvenil para utilizar durante a idade pediátrica (contendo informação importante sobre a gestação, o período neonatal, educação para a saúde, recomendações em idades-chave, gráficos de crescimento e folhas para preencher pelo médico ou profissional de saúde no âmbito de actos médicos, vacinações ou episódios de doença. Trata-se, pois, dum importante documento informativo em circulação, que deve acompanhar a criança ou o jovem. Em anexo, contém o chamado Boletim Individual de Saúde (portfólio para registo de vacinas).

Semiologia fetal

Ecografia fetal convencional

A ecografia fetal é um exame imagiológico não invasivo que pode ser realizado por via transvaginal no primeiro trimestre da gestação, ou por via transabdominal em fases ulteriores.

De acordo com a experiência de vários centros considera-se como esquema ideal a realização de quatro ecografias durante a gestação:

  • 1ª entre as 11 e 14 semanas;
  • 2ª entre as 20 e 22 semanas;
  • 3ª entre as 26 e 28 semanas;
  • 4ª entre as 32 e 36 semanas.

As limitações da técnica estão relacionadas essencialmente com a posição do feto e a experiência do ecografista. Em função da experiência do ecografista e do grau de diferenciação do centro e capacidade técnica da aparelhagem onde é realizada a ecografia, são considerados classicamente três níveis:

  • Ecografia básica (nível I) realizada em ambulatório por imagiologistas, técnicos ou obstetras;
  • Ecografia diferenciada (nível II) realizada por obstetras com diferenciação especializada nesta área ou por imagiologistas;
  • Ecografia altamente diferenciada em centros altamente especializados onde se pode proceder igualmente a terapia fetal (nível III), realizada por especialistas em medicina fetal.

A ecografia fetal possui muitas potencialidades; entre outras, são destacadas as seguintes: avaliação da idade gestacional possibilitando melhor vigilância da evolução da gravidez, detecção de gravidez gemelar, detecção de restrição de crescimento fetal, detecção de anomalias congénitas com sensibilidade e especificidade de cerca de 95%, auxiliar para a realização de técnicas invasivas, avaliação do bem-estar fetal e medição da chamada translucência da nuca (TN).

A TN (imagem ecográfica hipoecogénica correspondente a líquido acumulado entre a pele e o tecido celular subcutâneo no triângulo posterior do pescoço do concepto entre as 11 e 13 semanas) constitui um método de rastreio de várias anomalias congénitas, incluindo anomalias cromossómicas e génicas; nalguns estudos sobre detecção pré-natal de trissomias 21, 13 e 18 verificou-se sensibilidade ~ 86% e especificidade ~ 95%.

O valor considerado normal é inferior a 2,5 mm; ou seja, a translucência considera-se aumentada quando evidenciar valor superior ao percentil 95 para a idade de gestação, o que obrigará a orientação da grávida para centro de medicina materno-fetal diferenciado.

Aquando da medição da TN pelas 11-13 semanas, o ecografista avalia em paralelo a anatomia fetal, sendo que o uso de sonda transvaginal aumenta o sucesso do referido estudo, designadamente quanto à visualização da face, rins e bexiga. Tal sucesso depende também da distância craniocaudal, do índice da massa corporal da mãe e do tempo despendido para o exame (idealmente nunca inferior a 25 minutos).

Ecografia tridimensional

Esta nova técnica, que não dispensa a ecografia convencional, permite a visualização do feto em três dimensões.

Como nota adicional, refere-se que o extraordinário desenvolvimento da ecografia destronou uma técnica invasiva envolvendo elevadas taxas de morbilidade e mortalidade que hoje pode ser considerada histórica – embrioscopia (visualização do feto por endoscopia intramniótica).

Ressonância magnética (RM)

A principal indicação deste exame imagiológico (ainda não exequível em todos os centros perinatais) é a detecção de anomalias congénitas do SNC.

Ecocardiografia fetal com ou sem doppler

A ecografia fetal, com ou sem doppler, está indicada em situações de risco gravídico elevado, e perante suspeita de defeito cardíaco. É realizada por cardiologista pediátrico com experiência nesta área, integrado na equipa multidisciplinar perinatal.

No Quadro 2 são resumidas algumas indicações deste exame complementar fetal.

QUADRO 2 – Indicações da ecocardiografia fetal.

Antecedentes familiares de cardiopatia congénita
Antecedentes familiares de morte perinatal de causa não esclarecida

Gravidez actual:

      • Arritmia cardíaca fetal
      • Hydrops fetalis de causa não imune
      • Anomalias fetais identificadas
      • Gemelaridade
      • Restrição do crescimento intra-uterino
      • Infecção do grupo TORCHS (ver adiante)
      • Idade materna > 35 anos
      • Outros factores de risco (diabetes, HTA, alcoolismo, fármacos, exposição a poluentes, etc.)

Amniocentese

A amniocentese (técnica de colheita de líquido amniótico por via abdominal para estudos vários – no âmbito da citogenética, biquímica, infecciologia, doenças metabólicas, etc.) é tradicionalmente realizada sob controlo ecográfico, entre as 16 e 18 semanas; em circunstâncias especiais pode ser realizada entre as 12 e 15 semanas.

Tal técnica, realizada por equipas experientes, propicia resultados conclusivos em cerca de 95% dos casos. As principais indicações deste procedimento constam do Quadro 3, que relaciona o tipo de exame a efectuar com a situação a esclarecer.

QUADRO 3 – Indicações da amniocentese.

Situação a esclarecerTipo de exame no líquido amniótico
Defeito do tubo neuralDoseamento da alfafetoproteína (AFP) acetilcolinesterase e pesquisa de células do sistema nervoso
Fibrose quística Fosfatase alcalina, aminopeptidase, dissacaridase
Maturidade pulmonar Relação lecitina/esfigomielina, fosfatidilglicerol
Infecções fetaisPesquisa de germe microbiano através do método PCR (reacção da polimerase em cadeia)
Doenças genéticasAnálise do ADN
Iso-imunizaçãoBilirrubina por espectrofotometria
Doenças metabólicasDoseamentos enzimáticos, identificação de metabólitos, estudo do fenótipo HLA, estudo molecular
Anomalias do tubo digestivoDoseamento de ácidos biliares, bilirrubina
Anomalias cromossómicasEstudo do cariótipo, sexo fetal, etc.

Cordocentese

A cordocentese é um procedimento em que se obtém amostra de sangue do cordão in útero por via percutânea com apoio imagiológico (ecogáfico), em geral realizado após as 19 semanas.

As principais indicações da cordocentese são:

  • Análise citogenética em caso de suspeita de anomalia congénita, doseamento de factor VIII, determinação da Hb em caso de iso-imunização fetal; e
  • Determinação de imunoglobulina M (IgM), PCR (reacção da polimerase em cadeia) e análise de ADN para identificação microbiana, havendo suspeita de infecção.

Biópsia das vilosidades coriónicas

Trata-se duma técnica em que se procede ao estudo histológico da camada citotrofoblástica das vilosidades da placenta em desenvolvimento, entre as 8 e 11 semanas de gestação contadas a partir do primeiro dia da última menstruação (mais frequentemente entre as 9 e 10 semanas); de acordo com a posição da placenta, utilizam-se as vias vaginal ou transabdominal, sob visualização ecográfica.

A biópsia das vilosidades coriónicas (que proporciona resultados rápidos e em fase precoce da gestação) realiza-se para estudo citogenético ao nível das células em mitose activa; podem também ser tiradas conclusões sobre o material genético do embrião a partir de cultura de células de fragmentos das vilosidades.

O grau de precisão dos resultados é semelhante ao obtido com a amniocentese; os riscos, no entanto, são ligeiramente superiores em comparação com esta última técnica.

Punção-biópsia e análise de células fetais

Em situações seleccionadas e muito específicas é possível, com o auxílio da ecografia, realizar punção ao nível de diversos órgãos (pele, fígado). Por outro lado, no sangue materno é possível detectar células fetais circulantes, pesquisando, designadamente, o respectivo ADN.

Ossos do nariz

Diversos estudos demonstraram, por método imagiológico, a existência de anomalias nos ossos do nariz em fetos com síndroma de Down, detectáveis já no primeiro trimestre (taxa de detecção de 73% para 5% de falsos positivos). A combinação deste parâmetro com o critério atrás descrito (associação de três parâmetros) permite aumentar para 95% o número de casos detectados, com 5% de falsos positivos.

Alterações hemodinâmicas no ductus venosus (DV)

Como se sabe, o ductus venosus é um vaso sanguíneo que, na vida intrauterina funciona como derivação reguladora (shunt) do fluxo venoso entre a circulação umbilical e o coração.

Através de ecografia doppler transvaginal ou transabdominal, estudo das alterações da forma das ondas de fluxo no sistema venoso fetal poderá dar informações importantes sobre a circulação central em fase precoce da gravidez (primeiro trimestre) devido às características do sistema venoso (baixa pressão, baixa velocidade e grande distensibilidade da parede vascular).

Ou seja, tal avaliação permitirá identificar precocemente na gravidez sinais de compromisso miocárdico e alterações do fluxo durante a contracção auricular fetais, as quais constituem o sinal mais precoce de compromisso cardíaco. Assim, é possível identificar fetos em risco de anomalia cromossómica, aneuploidia e/ou de insuficiência cardíaca.

Em estudos efectuados em fetos com aneuploidia verificou-se associação a dados anómalos do fluxo do DV, variável entre 59% a 95% dos casos; comparativamente com fetos evidenciando cariótipo normal foram encontrados sinais de fluxo anómalo em percentagens variando entre 3% e 21%.

Trata-se, no entanto, de um exame difícil, requerendo muita experiência para evitar erros de interpretação. Salienta-se, a propósito, que entre as dez e catorze semanas de gestação o DV tem um calibre de cerca de 2 mm.

Avaliação do bem-estar fetal

Para a avaliação do chamado “bem-estar fetal” ou estado vital do feto podem ser utilizados vários métodos:

Cardiotocografia (CTG)

Trata-se duma técnica sensível, mas pouco específica, para detecção de hipóxia fetal, habitualmente aplicada a partir das 28 semanas de gestação. Com o desenvolvimento da informática, existe hoje aparelhagem sofisticada que permite a interpretação automática dos dados obtidos. De salientar que a sua utilização foi suplantada pela fluxometria/doppler a referir seguidamente.

Fundamentalmente, cabe referir que a CTG integra um conjunto de parâmetros tais como: frequência cardíaca fetal (FCF) basal, a sua variabilidade, a relação entre aceleração da FCF e movimentos fetais, e a relação entre desaceleração ou diminuição da FCF com ausência ou presença de contracções uterinas.

Fluxometria

Trata-se duma técnica utilizada hoje em todos os centros de medicina perinatal, a qual tem como principal indicação a suspeita de restrição do crescimento do feto.

O fundamento da mesma é medir, pelo método doppler, a resistência vascular/onda pulsátil do sangue circulante nas artérias uterinas (compartimento materno), umbilicais (compartimento placentar), ou cerebral média (compartimento fetal), para avaliar o estado circulatório feto-materno.

Admite-se que uma diminuição do débito ou fluxo sanguíneo (por exemplo por disfunção placentar progressiva) traduz aumento da resistência ao mesmo fluxo. Tal aumento da resistência é evidenciado por diminuição do fluxo diastólico, e por eventual ausência ou inversão do fluxo durante a diástole.

Actualmente dá-se importância prognóstica ao padrão de onda pulsátil ao nível do ductus venosus, designadamente nas situações associadas a restrição de crescimento intra-uterino. (ver adiante)

Perfil biofísico

O chamado perfil biofísico integra um conjunto de parâmetros com o objectivo de avaliar o bem-estar fetal e, consequentemente, identificar situações de estresse ou de sofrimento fetal. Como instrumentos de avaliação são utilizados o CTG e a ecografia.

Os parâmetros avaliados são os seguintes: respiração fetal, movimentos fetais, tono muscular, frequência cardíaca fetal (FCF), e volume de líquido amniótico (Quadro 4). À situação de normalidade é dada a pontuação de dois (2); à situação anormal é dada a pontuação de zero (0). Os parâmetros são avaliados em períodos de 30 minutos.

QUADRO 4 – Critérios utilizados na avaliação do perfil biofísico.

(Adaptado de Creasy RK & Resnik R, 1994)

→ CTG

    • Pelo menos 2 episódios de aceleração da FCF de 15 ou mais batimentos/minuto, com duração de, pelo menos, 15 segundos, associados a movimentos fetais, durante período de 30 minutos = (2)
    • Menos de 2 episódios de aceleração da FCF, ou aceleração < 15 batimentos/minuto, durante período de 30 minutos = (0) 

→ Volume do líquido amniótico

    • Pelo menos 1 bolsa de LA com, pelo menos, 2 cm em 2 planos perpendiculares = (2)
    • Ausência de bolsa de LA ou 1 bolsa com < 2 cm = (0)

→ Tono fetal

    • Pelo menos 1 episódio de extensão activa com retorno à posição de flexão do, ou dos membros do feto; abrir e fechar a mão é considerado tono normal = (2)
    • Ou extensão lenta com retorno à flexão parcial, ou movimento do membro em extensão completa, ou ausência de movimento fetal com a mão em deflexão completa ou parcial = (0)

Movimentos de expansão e retracção do tórax (MER)

    • Pelo menos 1 episódio, durando pelo menos 30 segundos, no período de observação de 30 minutos = (2)
    • Ausência de MER ou nenhum episódio, durando pelo menos 30 segundos, no período de observação de 30 minutos = (0)

→ Movimentos fetais (do corpo ou membros)

    • Pelo menos 3 movimentos discretos em 30 minutos (episódios de movimentos contínuos são considerados 1 só movimento) = (2)
    • 2 ou menos episódios em 30 minutos = (0)

Uma pontuação total de 8-10 pode significar com elevado grau de confiança “bem-estar fetal”; pontuação de 6 é duvidosa, o que obrigará a repetição dentro de 12-24 horas; pontuação de 4 ou menos corresponde a alto risco e obrigará a reavaliação imediata e, provavelmente, a desencadear o parto.

Parâmetros laboratoriais no soro materno

É consensual que deverá ser disponibilizado a todas as grávidas um programa de rastreio de anomalias fetais e de patologia associada à gravidez a todas as grávidas, o qual pode ser sintetizado do seguinte modo:

Rastreio bioquímico de cromossomopatias

Entre as 11 e 13 semanas de gestação pode proceder-se ao doseamento da PAPP-A (sigla de pregnancy-associated plasma protein A – proteína A do plasma associada à gravidez) e da alfa-fetoproteína no soro da grávida.

  • O valor da PAPP-A aumenta em condições de normalidade com a idade de gestação. Na trissomia 21 os níveis são mais baixos, sendo que, de acordo com dados da literatura, a percentagem de casos falsos positivos é cerca de 5%. Tal determinação poderá detectar ~ 40% dos casos de trissomia.
  • O valor da alfa-fetoproteína está elevado em situações de gemelaridade e de defeitos do tubo neural (em ~ 100% dos casos de anencefalia, e em ~ 70% dos casos de spina bífida ou de defeitos de encerramento da parede abdominal). Nas trissomias e nas aneuploidias, o valor está reduzido.
Rastreio bioquímico de cromossomopatias e defeitos do tubo neural

Entre as 15 e 18 semanas pode proceder-se ao doseamento da alfa-fetoproteína e da gonadotrofina coriónica (b-hCG ou b-human chorionic gonadotropin) livre.

  • No soro materno o valor da b-gonadotrofina coriónica humana livre, diminui em condições de normalidade a partir das 10 semanas. Na trissomia 21 os respectivos valores estão aumentados. Isoladamente utilizada, a b-hCG livre poderá detectar cerca de 35% dos casos de trissomia 21, com 5% de casos falsos positivos. Associando a b-hCG livre à idade materna, é possível a detecção de cerca de 45% de trissomias. De referir que, no 1º trimestre, o doseamento da b-hCG total é menos discriminatório do que a b-hCG livre.*

*De salientar que a sub-unidade beta da gonadotrofina coriónica constitui um marcador biológico para diagnóstico da gravidez; em situação de normalidade, valor < 10 mUI/mL exclui estado de gravidez. Por ex., valores de referência entre 1.500 e 23.000 mUI/mL correspondem a gravidez de 4-5 semanas, sendo que os valores variam em função do número de semanas decorridas.

Neste tipo de rastreio aplica-se o que foi referido antes relativamente à alfa-fetoproteína.

Diagnóstico pré-natal no primeiro trimestre

Os avanços tecnológicos relacionados com o diagnóstico de patologia diversa e aplicáveis à díade materno-fetal, têm contribuído para o rápido progresso do chamado DPN. Estes avanços, cada vez mais seguros e sensíveis, e aplicados a populações de baixo risco, tiveram como resultado a sua expansão.

Assim, exames já antes referidos, como a ecografia de alta definição, técnicas de análise citogenética e molecular e respectiva divulgação pelos meios de comunicação social, têm permitido que os procedimentos que integram o DPN sejam bem aceites, não só pela população em geral, mas também pelos profissionais de saúde.

A este respeito, importa escolher um modelo de rastreio sistemático e universal, adequado para determinada população, com boa relação custo/benefício.

A realização do DPN no primeiro trimestre tem vantagens relacionadas, designadamente, com: 1- possibilidade de conhecer o resultado mais cedo, o que corresponde a um período menor de incerteza; 2- a gestação não é ainda conhecida pelo agregado familiar, o que torna mais simples decidir em função de um resultado desfavorável.

Nesta perspectiva, para que determinados procedimentos invasivos de DPN possam ser aplicados, deverão, à partida, estar satisfeitos os critérios de exequibilidade técnica, confiabilidade e utilidade (tratamento ou interrupção), necessidade, segurança (benefício superior ao risco) e consentimento informado e esclarecido.

De acordo com dados da literatura, o modelo de DPN no primeiro trimestre, aparentemente mais adequado e com melhor relação custo-benefício, integra o rastreio conjugado de dois parâmetros bioquímicos (doseamento de PAPP-A + b-hCG livre) e de um parâmetro imagiológico (medição da translucência da nuca), a realizar pelas doze semanas de gestação.

Segundo a Fetal Medicine Foundation, combinando num modelo matemático a idade materna, TN, b-hCG livre e PAPP-A, marcadores independentes entre si, é possível identificar anomalias em 87% dos casos rastreados, com 5% de falsos positivos.

A propósito de diagnóstico e tratamento pré-natal precoces, importa referir os avanços alcançados com a utilização de novas tecnologias para identificação e tratamento de diversas patologias fetais através da administração de células precursoras pluripotenciais/estaminais/stem cells.

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