Importância do problema

Excluindo as doenças com compromisso geral do esqueleto e as situações localizadas ou regionais de natureza congénita, habitualmente raras (sinostose radiocubital com bloqueio da prono-supinação, luxação completa ou parcial da cabeça radial com proeminência posterior desta e restrição da mobilidade do cotovelo, as “mãos botas”, etc.), infecciosa e tumoral, pode dizer-se que a patologia deste segmento anatómico é dominada pelas situações de origem traumática e suas sequelas, as quais não serão abordadas por ultrapassarem o âmbito do livro.

Neste capítulo apenas será feita referência: 1) à chamada pronação dolorosa de Ombredanne ou simplesmente pronação dolorosa, por ser uma situação comum causando alguma perplexidade ao clínico menos habituado a lidar com patologia do esqueleto infantil; e 2) às osteocondroses.

Pronação dolorosa

Verifica-se nas crianças pequenas (até cerca dos 4-5 anos), ainda com grande elasticidade cápsulo-ligamentar e musculatura débil. Consiste numa subluxação da cabeça radial por distensão ou ruptura parcial do ligamento anular do rádio que se desloca sobre a cabeça deste, interpondo-se às superfícies articulares da cúpula cefálica radial e do côndilo umeral, bloqueando os movimentos. O mecanismo da lesão deve-se à tracção do membro, em extensão do cotovelo e pronação, como acontece quando os pais ou educadores levantam ou suspendem a criança pela mão, ou seja, o membro superior é submetido a um esticão brusco.

A sintomatologia resume-se a dor intensa e impotência funcional imediata, com o cotovelo bloqueado em extensão e pronação. O diagnóstico é fácil e a terapêutica também, embora seja aconselhável ser executada por especialista. A manobra de redução dessa subluxação consta da manipulação imediata, suave, do cotovelo, reproduzindo o movimento contrário ao que esteve na origem da lesão, ou seja, realizar simultaneamente a compressão da cúpula radial contra o côndilo umeral, a supinação e a flexão do cotovelo, mantendo este em repouso transitório (“braço ao peito” com o cotovelo em flexão a 90° e supinação completa).

O prognóstico costuma ser excelente, pelo que a sua importância não corresponde à intensidade das queixas nem ao sentimento de culpa do adulto, causador involuntário da situação.

Osteocondroses

Sob esta designação costuma considerar-se um conjunto de doenças caracterizadas pelo aparecimento de alterações necrótico-degenerativas, de natureza provavelmente isquémica, mais ou menos extensas e localizadas nos núcleos de ossificação de algumas epífises ou apófises; a causa é desconhecida, embora pareça relacionada com traumatismos repetidos. A doença evolui espontaneamente para a cura com revascularização da zona necrótica e reconstituição do tecido ósseo normal em tempo variável, mas habitualmente longo (meses ou até anos), dependendo da sua localização anatómica.

As mais importantes do ponto de vista clínico situam-se no membro inferior, pelo que as abordaremos com mais pormenor no capítulo seguinte. No entanto, podem também aparecer no membro superior, mas só muito raramente, localizando-se a nível do cotovelo e carpo e recebendo denominação diferente consoante o segmento ósseo atingido (doença de Panner – côndilo umeral; doença de Kienbock – no semilunar; doença de Burns – cabeça do cúbito).

A sintomatologia, dependendo da localização e do estádio de evolução da doença, é dominada pela dor, habitualmente moderada, e pela incapacidade funcional, mais ou menos intensa que lhe está associada. O diagnóstico baseia-se na clínica e na imagiologia, sendo suficiente o exame radiológico convencional, em dois planos perpendiculares. A imagem visualizada na radiografia simples corresponde ao estádio de evolução do processo patológico: de início, condensação óssea (atrofia e hipercalcificação⁄necrose), fragmentação dessa imagem (revascularização⁄início da reossificação); ulteriormente, normalização das características radiográficas da zona afectada, com ou sem alteração da sua morfologia (cura do processo, com ou sem deformidade residual).

O tratamento é sintomático (antiálgicos e/ou anti-inflamatórios), a que se associa o repouso ou descarga da zona afectada, nomeadamente em período de agudização das queixas dolorosas. O prognóstico é, em geral, excelente.

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