Definição e anatomia

Entende-se por estenose pulmonar qualquer obstrução à saída do ventrículo direito, a qual pode ocorrer a vários níveis: valvular, subvalvular e supravalvular.

Neste capítulo é abordada apenas a estenose pulmonar valvular isolada, ou seja, estenose pulmonar com septo interventricular intacto e sem patologia associada.

Os dois tipos anatómicos mais frequentes são: a) válvula pulmonar em cúpula (dome) que corresponde a 42% dos casos e apresenta fusão das comissuras; b) válvula pulmonar displásica, presente em 19% dos casos, caracterizada por folhetos espessados e redundantes, sem fusão das comissuras. Em ambas pode haver espessamento variável dos folhetos valvulares e redução do orifício de abertura valvular. Na presença de displasia, o obstáculo é produzido essencialmente pelo excesso de tecido valvular associado a uma reduzida dimensão do anel.

A estenose valvular pulmonar é uma das cardiopatias congénitas mais frequentes, representando cerca de 7 a 12% dos casos em idade pediátrica e 15% na idade adulta. Ocorre associada a outras cardiopatias congénitas em cerca de 50%. Não existe predomínio por sexos (distribuição ~1/1).

Fisiopatologia

A principal consequência da estenose pulmonar é a elevação da pressão ventricular direita. Esta elevação da pressão é proporcional à gravidade da estenose e destina-se a manter o débito cardíaco. O aumento da pressão provoca hipertrofia ventricular direita, também proporcional à gravidade do obstáculo. Quando é excedida a capacidade de o ventrículo direito gerar a pressão necessária para ultrapassar o obstáculo, surge insuficiência ventricular direita, e a hipertrofia dá lugar à dilatação. Trata-se duma situação extrema, observada em dois grupos de doentes: os recém-nascidos que têm uma reserva cardíaca muito limitada; e, mais raramente, nos casos de estenose pulmonar grave diagnosticada tardiamente.

Manifestações clínicas

A estenose pulmonar classifica-se de acordo com a gravidade do obstáculo. Esta gravidade é estimada em termos de gradiente de pressão sistólica entre o ventrículo direito e artéria pulmonar, e da relação entre as pressões sistólicas dos ventrículos direito e esquerdo (ou pressão sistémica). Não existe unanimidade entre os autores quanto aos valores limite das pressões e dos gradientes para quantificar a gravidade, mas geralmente considera-se que a estenose é ligeira quando o gradiente de pressão transvalvular pulmonar é igual ou inferior a 30 mmHg, e a pressão no ventrículo direito é igual ou inferior a metade da pressão sistémica.

A estenose pulmonar é moderada quando o gradiente transvalvular se situa entre 30 mmHg e 50 mmHg, ou a pressão no ventrículo direito é superior a metade da pressão sistémica.

A estenose é grave quando o gradiente transvalvular é superior a 60 mm Hg, ou a pressão do ventrículo direito é igual ou superior à pressão sistémica. Os doentes estão geralmente assintomáticos e a curva de crescimento é normal. Ausculta-se sopro de expulsão (em crescendo – decrescendo), audível sobre o bordo esquerdo do esterno, com irradiação para o lado direito do pescoço, de duração variável; o pico de intensidade é tanto mais tardio quanto mais grave for a estenose. O sopro é antecedido por um estalido protossistólico de abertura da válvula pulmonar, mais audível no segundo ou terceiro espaço intercostal esquerdo; a sua intensidade varia com a respiração, aumentando na expiração. O primeiro ruído é normal e o segundo ruído tem desdobramento largo, mas variável com a respiração.

Na estenose valvular muito grave o estalido é inaudível e o componente aórtico do segundo ruído poderá estar englobado no sopro. Este grupo de doentes, particularmente no período neonatal, pode apresentar-se com cianose devido a shunt direito-esquerdo através do foramen ovale patente, devido à reduzida distensibilidade ventricular direita. A estenose pulmonar crítica do recém-nascido pode apresentar ventrículo direito de cavidade pequena e hipertrofia muito acentuada; neste caso o débito pulmonar pode estar dependente do shunt esquerdo-direito do canal arterial.

Nos casos de válvula pulmonar displásica a auscultação cardíaca é atípica, não se ouvindo estalido de abertura, independentemente da gravidade do obstáculo.

Na estenose pulmonar subvalvular ou infundibular também não se ouve estalido de abertura, há diminuição da intensidade do componente pulmonar do segundo ruído e o sopro de expulsão tem duração inversamente proporcional à gravidade do obstáculo.

A estenose supravalvular e a estenose dos ramos da artéria pulmonar são raras e ocorrem associadas a síndromas como de rubéola congénita, Noonan, Williams, Alagille, e a cardiopatias congénitas complexas. Nestes casos o sopro de expulsão irradia amplamente, sendo audível também na face posterior do tórax.

Exames complementares

Electrocardiograma

O electrocardiograma (ECG) é bastante confiável para estimar a gravidade do obstáculo pulmonar. Nas estenoses ligeiras, o ECG é normal ou apresenta apenas ligeiro desvio direito do eixo do QRS no plano frontal. A amplitude das ondas R nas derivações pré-cordiais direitas é inferior a 15 mm.

Na estenose pulmonar moderada há sinais de hipertrofia ventricular direita: desvio direito do eixo do QRS e inversão da relação R/S em V1; a amplitude de R é, em regra, inferior a 20 mm, e a relação R/S igual ou superior a 4/1. A onda T pode ser positiva em V1.

Na estenose pulmonar grave observam-se sinais de hipertrofia ventricular direita acentuada, com desvio direito do eixo de QRS (superior a +150º) e padrão “qR” ou “Rs” nas derivações pré-cordiais direitas ou onda “R pura”, de amplitude superior a 20 mm. A relação R/S em V1 está invertida. Nos casos mais graves, a onda P tem uma amplitude superior a 2,5 mm, sugestiva de dilatação da aurícula direita, podendo surgir alterações de ST-T de isquemia, por sobrecarga de pressão. (Figura 1)

FIGURA 1. ECG sugestivo de hipertrofia ventricular direita em criança com estenose valvular pulmonar

Radiografia do tórax

A procidência do arco pulmonar na silhueta cardíaca, correspondente à dilatação pós-estenótica do tronco da artéria pulmonar e da porção proximal do ramo esquerdo, está presente em 90% dos casos, mas não tem relação com a gravidade da estenose. A sua existência é rara nos recém-nascidos e nos doentes com válvula pulmonar displásica. Nos casos com estenose ligeira ou moderada, as dimensões da silhueta cardíaca e a vascularização pulmonar são normais.

Nos casos graves, como o da estenose pulmonar crítica do recém-nascido, poder-se-á observar cardiomegália por dilatação da aurícula direita, e redução da vascularização pulmonar por diminuição significativa do volume de ejecção, tendo em conta o shunt direito-esquerdo através do foramen ovale patente.

Ecocardiografia

A ecocardiografia bidimensional permite a visualização das anomalias morfológicas da válvula pulmonar, a dilatação pós-estenótica, a hipertrofia ventricular direita e outros defeitos cardíacos eventualmente associados. Como método de Döppler estima-se o gradiente transvalvular pulmonar que se correlaciona bastante bem com a medição directa obtida por cateterismo cardíaco, o que permite quantificar a gravidade do obstáculo.

Cateterismo cardíaco

Está indicado apenas nos doentes que vão ser submetidos a intervenção terapêutica. Permite determinar a pressão no ventrículo direito (e compará-la com a pressão sistémica) e o gradiente através do obstáculo. A cineangiocardiografia evidencia a localização do obstáculo e a sua gravidade, de forma a orientar a valvuloplastia.

Tratamento

O tratamento de eleição é a valvuloplastia pulmonar por via percutânea que consiste na dilatação da válvula com um cateter de balão apropriado (Figura 2). Tal procedimento é eficaz e seguro, particularmente nos casos de válvulas pulmonares não displásicas.

FIGURA 2. Angiografia do ventrículo direito em perfil, visualizando-se a válvula pulmonar espessada e abrindo em cúpula (seta). À direita pode observar-se a valvuloplastia, neste caso efectuada com dois balões

A angioplastia percutânea das artérias pulmonares é igualmente o tratamento de primeira escolha para a estenose pulmonar supravalvular sendo, no entanto, menos eficaz que na variante valvular. O tratamento definitivo consegue-se associando a implantação de stent. Actualmente a cirurgia cardíaca está limitada aos casos de insucesso das plastias percutâneas e à estenose pulmonar subvalvular. Após tratamento bem sucedido, os doentes podem ter um estilo de vida sem restrições, incluindo actividade desportiva.

Nota Importante: De acordo com os conceitos actuais só têm indicação para profilaxia da endocardite bacteriana, os doentes submetidos a tratamento cirúrgico com utilização de remendos, os submetidos a tratamento percutâneo com implantação de stent, e naqueles que têm outras anomalias associadas.

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