Importância do problema

As cefaleias são um problema frequente em idade pediátrica com repercussões no desempenho escolar, memória, personalidade, atenção e relação social em função da etiologia, frequência e intensidade.

Não é claro a que se deve o sub-reconhecimento deste facto; possivelmente (no caso dos profissionais de saúde) à escassez de literatura médica sobre este tema e (no caso dos familiares da criança) à ideia estabelecida de que as cefaleias primárias não existem em crianças.

As causas mais frequentes, abordadas neste capítulo, são a enxaqueca, factores psicogénicos ou estresse, e hipertensão intracraniana. Situações mais raras como erros de refracção, estrabismo, sinusite e má-oclusão dentária também podem explicar o problema (Partes XIII, XXVI, XXVII).

Etiopatogénese e semiologia

As estruturas intracranianas sensíveis à dor são: a pele, o tecido subcutâneo, os músculos e artérias extracranianas, o periósteo, os seios venosos durais, (sobretudo o seio cavernoso), as meninges da base do crânio, as artérias intracranianas proximais e a porção intracraniana da carótida interna; os seios perinasais e estruturas do olho, do ouvido; e ainda os nervos óptico, oculomotores, trigémeo, glossofaríngeo e primeiras três raízes cervicais.

A tenda do cerebelo demarca, em termos de enervação sensitiva, as estruturas com dor referida à região frontotemporal e orbitária (acima da tenda), e a dor referida à região occipital (abaixo da tenda).

É necessário ter em conta que a dor referida à região frontotemporal pode ter origem nasossinusal, orbitária, na carótida intra ou extracraniana, em estruturas extracranianas subcutâneas, ou ainda na articulação temporomaxilar e em múltiplas patologias intracranianas supratentoriais.

A dor referida à região occipital pode estar relacionada com patologia intracraniana na fossa posterior, ou ter origem na região cervical superior.

Os mecanismos pelos quais ocorre a dor podem ser a hipertensão intracraniana, por exemplo, por uma lesão ocupando espaço, ou uma anomalia na circulação, reabsorção ou, mais raramente na produção de líquido céfalo-raquidiano (LCR). A inflamação e distorção de artérias intracranianas por múltiplas patologias também podem originar dor. Igualmente, inflamação ou obstrução à drenagem dos seios perinasais são causa de cefaleias. O esforço visual associado a um erro de refracção pode causar uma cefaleia frontal, moderada em relação com um esforço continuado dos músculos oculares extrínsecos; e a uveíte e o glaucoma são causas importantes de dor retro-ocular.

O agravamento com a tosse ou com a mudança de posição da cabeça (por exemplo quando a criança se baixa para apanhar um objecto do chão) sugerem hipertensão intracraniana (HIC).

A hipoventilação que acompanha o sono causa uma relativa retenção de CO2 e um aumento correspondente da pressão intracraniana, razão pela qual as cefaleias que ocorrem no sono ou estão presentes no despertar, aliviando subsequentemente, são também sugestivas de HIC.

É bem conhecido que a cefaleia de hipotensão intracraniana (mais frequentemente pós-punção lombar) se inicia na posição de pé e alivia em minutos com o decúbito.

Uma cefaleia unilateral pode dever-se a enxaqueca (tópico a analisar adiante); mas a presença de uma dor deste tipo com características progressivas ou outros sinais de HIC (presente no sono ou no despertar, associada a vómitos, ou a certos sintomas e sinais neurológicos como diplopia e estrabismo, ataxia ou sinais focais) devem fazer suspeitar de uma lesão intracraniana expansiva.

Na criança existem dificuldades particulares relacionadas com a informação anamnéstica, tendo em conta o estádio de desenvolvimento cognitivo e a sua capacidade de aquela se exprimir e de descrever os sintomas. A localização de uma cefaleia é provavelmente mais vaga, nem sempre sendo possível localizar a dor, nem avaliar a sua intensidade e tipo com precisão.

Enxaqueca

Aspectos da epidemiologia e genética

Embora a literatura sobre cefaleias em crianças e adolescentes seja escassa, o consenso actual é de que enxaqueca constitui o tipo de cefaleia mais frequente (cerca de 75% dos casos).

Estudos epidemiológicos apontam uma prevalência de enxaqueca na população de 13 a 18% na idade adulta, de 5 a 10% entre os 6 anos e a adolescência, e de 2,5% na idade pré-escolar. Na criança, a frequência é igual em ambos os sexos, mas após a adolescência é maior no sexo feminino (3/2).

Nalgumas famílias a enxaqueca segue o padrão mendeliano de transmissão autossómica dominante («enxaqueca hemiplégica familiar») com um locus genético identificado (mutações dos genes PRRT2, CACNA1A, ATP1A2, SLC1A3, SLC2A1 e SCN1A). 

Com efeito, existe um componente hereditário nítido que se traduz pela comprovação de antecedentes familiares de tal patologia em cerca de 80% das pessoas com enxaqueca.

Fisiopatologia

Não há uma compreensão completa dos mecanismos que entram em acção na enxaqueca para produzir uma constelação de sintomas e sinais, neurológicos (a aura)*, autonómicos (náuseas e vómitos, palidez) e a própria cefaleia; desconhece-se também o mecanismo das peculiares relações que a enxaqueca tem com o sono e os factores ambientais (luz, ruído, estímulos olfactivos).

Muitas pessoas com enxaqueca relatam, mesmo fora dos períodos de crise, uma sensibilidade exagerada para uma ou várias modalidades de estimulação sensitiva ou sensorial.

As observações clínicas e vários estudos de imagem suportam a noção de que há na fase inicial de aura uma vasoconstrição das artérias intracranianas e hipoperfusão cerebral, seguida de uma fase de vasodilatação e possivelmente, de uma pulsatilidade excessiva que corresponde à sensação de “martelar”. Outros estudos sugerem que a anomalia primária é, não vascular, mas uma depressão da actividade cortical com início nas regiões occipitais e progressão póstero-anterior, sendo as anomalias de perfusão mais provavelmente secundárias. De acordo com uma teoria mais recente admite-se que o nervo trigémeo tem um conjunto de pequenas fibras não mielinizadas que enervam as artérias intracranianas, e que a estimulação destas fibras liberta na parede vascular vários péptidos vasodilatadores que iniciam uma resposta inflamatória na parede vascular. Tem sido sugerido que este sistema trigeminovascular está num estado de excitabilidade persistente nas pessoas com enxaqueca com períodos de maior activação relacionados com influxos** sensoriais ou de origem hipotalâmica.

Manifestações clínicas

Com as limitações relacionadas com a capacidade de a criança descrever os sintomas e, talvez, com as características clínicas intrínsecas da enxaqueca infantil, os respectivos sintomas são muito semelhantes aos dos adultos. Trata-se de uma cefaleia intermitente, não progressiva, diurna, habitualmente frontal, frontotemporal e retro-ocular, de intensidade crescente, pulsátil, precedida ou não de aura* habitualmente visual (por exemplo escotomas ou hemianópsia), acompanhada de náuseas e, por vezes, de vómitos, palidez e sensação subjectiva de «frio». Habitualmente interrompe a actividade, dura mais de uma hora (geralmente não mais de 24 horas), agrava-se com o ruído e a exposição à luz, e melhora com o repouso e o sono. Algumas crianças reportam uma sensação de desequilíbrio.

O exame neurológico é normal fora das crises.

A cefaleia tende frequentemente a ocorrer por «surtos» separados por intervalos livres que podem ser bastante prolongados.

Em geral verifica-se remissão completa até aos 25 anos em 20-30% dos casos.

*Recordam-se as definições de aura: conjunto de sintomas motores, sensitivo-sensoriais, vegetativos ou psíquicos que marcam o início de determinado evento (do latim: aura = sopro); **e de influxo: modificação físico-química fisiológica que se propaga ao longo de um nervo

Diagnóstico

Se o quadro clínico for típico (incluindo a comprovação de antecedentes familiares) e o exame neurológico normal, não estão indicados exames complementares. Deve realizar-se, contudo, um exame de imagem se a história clínica tiver características atípicas, incluindo a presença de aura persistente ou de cefaleia unilateral sempre do mesmo lado, ou de qualquer anomalia no exame neurológico.

Tratamento

O tratamento da enxaqueca (que implica um esclarecimento dos pais e crianças sobre o carácter benigno da situação) resume-se, muitas vezes, a aconselhar o repouso e, ocasionalmente, o uso de analgésicos (paracetamol, ibuprofeno, naproxeno).

Actualmente têm sido publicados estudos sobre a avaliação do papel da hipnoterapia no contexto de enxaquecas.

A terapêutica oral necessita de ser precoce para ser eficaz; tem, contudo, grandes limitações se a criança tiver náusea ou se vomitar. É nestes casos raramente necessário recorrer a terapêutica rectal com analgésicos e, mais raramente, analgésicos e anti-eméticos (como ondansetron) pela via intravenosa, num contexto hospitalar.

No adolescente põem-se problemas terapêuticos por vezes mais complexos; com efeito, há que considerar ocasionalmente o uso excessivo de analgésicos como um factor de agravamento e até de cronicidade; por outro lado, a cefaleia pode ser mais intensa e frequente ou prolongada. Em geral podem ser usados os mesmos recursos terapêuticos (analgésicos, anti-eméticos) ou, se a resposta for inadequada, tentar o uso de triptanos, nomeadamente sumatriptano ou zolmitriptano nasal, almotriptano ou rizatriptano oral. Os triptanos são agonistas dos receptores da serotonina, os receptores 5HT1B e 5HT1D.

Esta terapêutica deve ser reservada para casos especiais e no contexto de seguimento em centro especializado.

A terapêutica profiláctica poderá ser necessária quando a cefaleia é excessivamente frequente (mais de 2 ou 3 episódios por mês). É muito importante fazer um “diário” durante um período de, pelo menos, 1 a 2 meses para se ter uma ideia correcta da frequência das cefaleias, já que é muito subjectiva a resposta à pergunta sobre a sua frequência numa primeira consulta. Os pais tendem nitidamente a exagerar ou minimizar a frequência das crises. Os medicamentos profilácticos de enxaqueca mais frequentemente usados em Pediatria são a flunarizina e o propranolol. É necessário ter a garantia de que a criança não apresenta uma das contra-indicações para o uso de propranolol (asma, diabetes, insuficiência cardíaca, bloqueio auriculo-ventricular ou outra disritmia).

O CGRP (péptido relacionado com o gene da calcitonina) é um neuropéptido implicado na fisiopatologia das crises de enxaqueca; o tratamento da crise reverte a actividade do CGRP. Uma inovação recente é a dos antagonistas do CGRP ou dos seus receptores (gepants).  Estão em curso estudos sobre a sua utilização em adolescentes.

Enxaqueca complicada

Além da aura típica de enxaqueca, podem ocorrer auras neurológicas mais complexas nas síndromas designadas por enxaqueca complicada; a enxaqueca hemiplégica e a enxaqueca da artéria basilar são as mais reconhecidas neste grupo.

A hemiparésia, geralmente associada a sintomatologia sensitiva proeminente, consistindo em parestesias ou hipostesia, e afectando unilateralmente os membros e a face, segue-se a uma cefaleia pulsátil habitualmente contralateral.

Por vezes a hemiparésia prolonga-se para além da cefaleia, mas regride sempre completamente. Esta situação, embora benigna, necessita sempre duma avaliação complementar nomeadamente por RM para excluir diagnósticos alternativos como doença cardiovascular embolígena, encefalopatia mitocondrial, malformação arteriovenosa ou vasculite cerebral.

Na enxaqueca da artéria basilar, a aura é atribuível a disfunção neurológica no território da artéria basilar (defeitos bilaterais dos campos visuais, vertigem, diplopia, hemi ou teraparésia, hemi ou tetra parestesias e ataxia). A estes sintomas segue-se uma cefaleia occipital com náuseas e vómitos. Pode ainda ocorrer estado confusional, e mesmo coma, com características de reversibilidade.

O diagnóstico diferencial inclui epilepsia occipital, doença desmielinizante e trauma com dissecção da artéria vertebral. Raramente pode ocorrer estado confusional. É sempre necessário neste contexto clínico uma avaliação por RMN e estudos adicionais de acordo com o quadro clínico, nomeadamente EEG se houver suspeita clínica de epilepsia. Trata-se, pois, de situações que, pela sintomatologia, têm indicação para envio a centros especializados.

Equivalentes de enxaqueca

Algumas situações mal definidas são chamadas «equivalentes de enxaqueca»: vertigem paroxística benigna, vómitos cíclicos e o torcicolo paroxístico benigno. São abordadas as duas primeiras alterações.

Vertigem paroxística benigna

A chamada vertigem paroxística benigna é uma situação recorrente em crianças dos 2 aos 6 anos, traduzida habitualmente pelo seguinte quadro: num período breve, de alguns segundos a poucos minutos, a criança refere subitamente desequilíbrio e, quando tem capacidade verbal para descrever, refere uma sensação vertiginosa que ocorre na ausência de qualquer alteração do estado de consciência, podendo acompanhar-se de sinais autonómicos como palidez ou vómitos. Desconhece-se a etiopatogénese deste quadro clínico, sendo que o exame neurológico é normal e os episódios são habitualmente raros e finalmente extinguem-se. É comum haver uma história familiar de enxaqueca e, mais tarde, estas crianças terem um verdadeiro quadro de enxaqueca.

Se os episódios forem frequentes, a terapêutica com difenidramina pode ser eficaz.

Vómitos cíclicos

É bem conhecida em Pediatria a situação denominada “vómitos cíclicos”. Crianças saudáveis, por vezes com uma periodicidade de 2 a 4 semanas, têm durante algumas horas (habitualmente até 1 a 2 dias) vómitos incoercíveis com uma vaga dor abdominal periumbilical (embora a dor abdominal não seja proeminente e possa mesmo estar ausente).

Algumas crianças permanecem deitadas, com alguma prostração e fotofobia; outras referem também uma situação mal definida de vertigem. O quadro regride espontaneamente para se repetir algumas semanas mais tarde. Nos intervalos livres a criança está assintomática. Não há uma psicopatologia significativa associada.

Nalguns casos pode verificar-se tendência para evolução para uma situação, também recorrente, sugestiva de enxaqueca no contexto de história familiar com idêntico quadro.

A situação clínica caracterizada por vómitos que surgem “ciclicamente” obriga a uma cuidadosa observação implicando o diagnóstico diferencial com quadros clínicos específicos tais como volvo gástrico, má-rotação intestinal e, raramente, doença metabólica com expressão intermitente (por exemplo defeito da beta-oxidação dos ácidos gordos, acidúria orgânica ou doença do ciclo da ureia).

Cefaleias de tensão

Definição

Considera-se cefaleia de tensão a que surge associada a situações de conflito ou estresse emocional.

Manifestações clínicas

A literatura mais recente reconhece que a chamada cefaleia de tensão, quer de tipo episódico, quer crónica, existe, de facto, em crianças e adolescentes com uma frequência que não é conhecida.

Pode tratar-se de uma dor, de tipo aperto, bilateral difusa, com intensidade moderada, diurna, vespertina, não interrompendo habitualmente a actividade. Pode acompanhar-se de mialgia cervical posterior. Está em geral associada a uma personalidade patológica onde predominam traços ansiosos, fóbicos, obsessivos ou de tipo depressivo. Em mais de 50% dos doentes verifica-se a ocorrência simultânea de enxaqueca.

Diagnóstico

A normalidade do exame neurológico e a história do tipo de cefaleias associada às características psicopatológicas permitem em geral o diagnóstico; contudo, não é raro que seja necessário realizar exames de imagem devido à marcada tendência para a cefaleia se tornar recorrente ou mesmo crónica. Excluídas, com tais exames, causas orgânicas torna-se, por vezes, necessário estabelecer um plano terapêutico que pode passar por intervenção psiquiátrica.

Cefaleias de hipertensão intracraniana

As cefaleias de hipertensão intracraniana podem ser devidas a uma multiplicidade de lesões que ocupam espaço. Na criança, a situação mais frequente é a dos tumores (a neoplasia mais frequente em crianças após as leucemias). Os tumores cerebrais nas crianças são mais frequentes na fossa posterior que em localização supratentorial. Os tumores da fossa posterior mais frequentes são o astrocitoma do cerebelo (Figura 1), o meduloblastoma, o ependimoma e o glioma da protuberância.

FIGURA 1. TAC – Astrocitoma do cerebelo: criança de 9 anos com cefaleias com algumas semanas de evolução; as cefaleias tinham um carácter progressivo e ocorriam no despertar, com vómitos ocasionais (o nódulo mural com captação de contraste, assinalado por uma seta, sugere este diagnóstico)

Manifestações clínicas

Os tumores, independentemente do grau de malignidade e da rapidez de crescimento, produzem uma cefaleia progressiva que tende a ser diária. Nas crianças, não estando as suturas cranianas completamente encerradas, uma situação de hipertensão intracraniana pode levar a diastase das referidas suturas capaz de transitoriamente aliviar os sintomas. A cefaleia tem por vezes um agravamento nocturno, acorda a criança ou está presente no despertar, aliviando ao longo da manhã ou com um episódio de vómitos. Com efeito, como foi já referido, durante o sono a hipoventilação aumenta a pressão de CO2, a qual conduz a vasodilatação e a aumento da volémia intracraniana. Quando a criança vomita de manhã, e/ou se verifica hiperventilação, há consequente diminuição da pressão de CO2, aliviando a cefaleia.

Algumas crianças manifestam irritabilidade ou mesmo anomalias de comportamento mais complexas. Mais tarde, poderão surgir diplopia, estrabismo e ataxia do tronco ou hemiataxia.

Nos casos de cefaleia occipital, o risco de tumor é muito significativo.

O exame neurológico pode mostrar, além das alterações referidas, estase papilar, um dos componentes da tríade clássica apontando para hipertensão intracraniana (cefaleia, vómitos e a referida estase papilar).

Diagnóstico

A suspeita de hipertensão intracraniana implica o encaminhamento atempado da criança para um centro especializado de neurocirurgia.

O diagnóstico é facilmente acessível aos exames de imagem (TAC e RM). Para tumores como o meduloblastoma, com grau de malignidade maior e tendência para disseminação meníngea, é necessário proceder, na avaliação inicial, ao estudo imagiológico por RM de todo o neuroeixo (cerebral e medular).

Tratamento

A terapêutica destas lesões passa, em geral, por intervenção cirúrgica inicial. A terapêutica cirúrgica pode incluir, além da ressecção da lesão tumoral, um procedimento terapêutico para a hidrocefalia secundária (por exemplo uma drenagem ventricular externa). O prognóstico depende, entre outros factores, de se ter obtido, ou não, ressecção completa da lesão.

Hipertensão intracraniana idiopática

Definição

A hipertensão intracraniana idiopática (ou benigna/pseudo-tumor cerebri) é devida a um desequilíbrio entre os mecanismos de formação e de reabsorção do LCR, estando provavelmente implicado um defeito na reabsorção.

Manifestações clínicas

O quadro clínico típico é o de uma adolescente habitualmente obesa com um quadro mais ou menos arrastado de cefaleias com características clínicas de HIC. Muitos doentes referem que a cefaleia é occipital, irradia para a nuca e ouvem um ruído intracraniano. O exame neurológico pode mostrar somente estase papilar ou, adicionalmente, paralisia do VIº par uni ou bilateral.

Diagnóstico diferencial

Só se pode afirmar o diagnóstico de HIC idiopática mediante a realização de punção lombar com medição, em condições adequadas, da pressão intracraniana e após a exclusão de trombose venosa intracraniana, por RM e angio-RM (Figura 2). As causas secundárias, que deverão ser excluídas, são sintetizadas no Quadro 1.

FIGURA 2. Angio-RM – Trombose séptica do seio lateral direito (na imagem de angio-RM a seta branca assinala a ausência de visualização do seio lateral direito, sendo visíveis os seios longitudinal superior e o seio lateral direito; na imagem à direita estão assinaladas a veia jugular com «vazio» de sinal indicativo de fluxo, à esquerda, e um hipersinal devido a trombose à direita). Esta criança tinha uma mastoidite crónica e a trombose do seio lateral é uma complicação desta situação (trombose séptica): o quadro clínico consistiu em cefaleias progressivas no decurso de 2 a 3 semanas seguido de diplopia por paralisia do VIº par (uma complicação de hipertensão intracraniana).

QUADRO 1 – Causas de hipertensão intracraniana benigna secundária

1. Endocrinopatias
    • Doença de Addison
    • Doença de Cushing
    • Hipoparatiroidismo
2. Outras doenças sistémicas
    • Insuficiência renal crónica
    • Anemia carencial
3. Medicamentos
    • Vitamina A
    • Vitamina D
    • Corticosteróides
    • Tetraciclinas
    • Nitrofurantoína
    • Ácido nalidíxico
    • Tamoxifeno
    • Retinóides
    • Carbonato de lítio
    • Ciclosporina

Tratamento

O tratamento baseia-se inicialmente na realização de punções lombares, acompanhadas da administração de acetazolamida. Eventualmente pode ser necessária corticoterapia havendo que ter em conta, com esta última terapêutica, a maior probabilidade de recidiva. É necessário ter presente que a perda de visão pode ocorrer rapidamente numa situação de HIC crónica; por isso é conveniente encarar a cirurgia nos casos em que não há uma resposta pronta às terapêuticas referidas. A cirurgia mais recomendada actualmente é a fenestração da baínha dos nervos ópticos, embora esteja também a ser usada a derivação lomboperitoneal.

AGRADECIMENTOS

À Dr.ª Leonor Bastos Gomes (Neurorradiologia – Hospital de Dona Estefânia) pela cedência das fotos das Figuras 1 e 2.

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