Fisiologia do córtex suprarrenal
A suprarrenal é constituída por dois tecidos endócrinos distintos: o córtex e a medula.
O córtex da suprarrenal (SR) integra 3 zonas: externa (glomerular), intermédia (fasciculada), e interna (reticular). A zona glomerular sintetiza aldosterona, mineralocorticóide da espécie humana; a fasciculada sintetiza o cortisol, o mais potente glucocorticóide natural; e a reticular, os androgénios suprarrenais.
Sob o ponto de vista genético, para o desenvolvimento da SR são cruciais dois factores de transcrição esteroidogénicos (SF-1/NR5A1 no cromossoma 9q33, e DAX1/NEOB1 no cromossoma X).
A síntese de glucocorticóides, mineralocorticóides e androgénios verifica-se a partir do colesterol através de uma via metabólica complexa (Figura 1). A existência de bloqueios enzimáticos condiciona, não só a não produção das hormonas respectivas, como também a acumulação de metabolitos e a produção excessiva de outros metabolitos.
A síntese de cortisol é estimulada pela ACTH hipofisária, que tem também acção estimulante do melanócito. A ACTH é, por sua vez, influenciada pela CRH (corticotropin releasing hormone) hipotalâmica. O cortisol produzido irá depois inibir a produção de ACTH e CRH (Figura 2); os níveis de cortisol têm uma variação circadiana, com níveis máximos de manhã e mínimos durante a noite.
O cortisol actua em todo o organismo, permitindo a sobrevivência em caso de estresse; tem também uma acção anti-inflamatória e sobre o metabolismo intermediário com aumento da lipólise a nível do tecido adiposo, da proteólise muscular, e da neoglucogénese hepática levando a elevação da glicémia.
A aldosterona actua no rim promovendo a reabsorção de sódio e a excreção de potássio na urina. A produção de aldosterona é influenciada pelo sistema renina/angiotensina, pela concentração circulante de potássio, e pela ACTH. (Figura 3)
FIGURA 1. Síntese de glucocorticóides, mineralocorticóides, androgénios e estrogénios
FIGURA 2. Mecanismo de controlo da síntese de glucocorticóides
FIGURA 3. Mecanismo de regulação hidroelectrolítica e do metabolismo da aldosterona
Os androgénios suprarrenais têm uma acção que pode ser importante em ambos os sexos nos períodos fetal, neonatal, e na criança antes da puberdade; são também importantes no sexo feminino durante e após a puberdade em associação aos androgénios de origem ovárica. No sexo masculino, a partir da puberdade a acção dos androgénios suprarrenais é diminuta devido à preponderância da testosterona produzida pelo testículo. Os androgénios suprarrenais começam a ser produzidos entre os 6-8 anos nas raparigas, e entre os 7-9 anos nos rapazes. Estes períodos correspondem à chamada pubarca, em que se verifica aparecimento de pilosidade pública e/ou axilar. Esta deve-se à maturação da zona mais interna do córtex suprarrenal, a zona reticular, passando esta a produzir DHEA e o DHEA-S em resposta à ACTH. A produção de androgénios pelo ovário aumenta durante a puberdade. Os androgénios são necessários para a diferenciação do folículo piloso pré-pubertário em folículo piloso terminal e folículo sebáceo (unidade pilo-sebácea) nas áreas cutâneas sensíveis aos androgénios.
Os sinais e sintomas das doenças da suprarrenal devem-se à carência ou excesso das hormonas afectadas, o que poderá levar ao desenvolvimento precoce dos caracteres sexuais secundários. Alguns sintomas de doença suprarrenal podem estar associados a doença de outros órgãos, nomeadamente o ovário. Assim, as alterações da função suprarrenal podem causar um grande número de situações patológicas, com clínica, diagnóstico e terapêutica muito variados.
Fisiologia da medula SR
As principais hormonas segregadas pela medula SR são as catecolaminas fisiologicamente activas: dopamina, norepinefrina, e epinefrina. A síntese de catecolaminas também ocorre no cérebro, nas terminações dos nervos simpáticos e no tecido cromafim, extramedula SR.
Os metabólitos das catecolaminas são excretados na urina, destacando-se o ácido vanilmandélico (VMA ou ácido 3-metoxi-4-hidroximandélico).
Os efeitos das catecolaminas são mediados através de receptores adrenérgicos incorporando a chamadas proteínas G. Quer a epinefrina, quer a norepinefrina elevam a pressão arterial, mas somente a epinefrina aumenta o débito cardíaco. Relativamente ao efeito hiperglicémico, o mesmo é mais pronunciado no caso da epinefrina.
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