Definições e importância do problema

A litíase urinária ou urolitíase (UL) é definida pela presença de cálculos ou concreções localizadas em qualquer zona do tracto urinário a partir de substâncias habitualmente dissolvidas na urina. A nefrocalcinose, consistindo no depósito de sais de cálcio nos túbulos e/ou interstício renal, ocorre menos frequentemente que a litíase urinária. Ambas as situações podem coexistir no mesmo doente.

A UL na idade pediátrica, menos frequente do que na idade adulta, tem-se contudo manifestado com incidência e prevalência crescentes nas últimas décadas, o que pode ser explicado por mudanças de hábitos alimentares, condições socioeconómicas e progressos nos métodos de diagnóstico determinando taxa mais elevada de diagnósticos. O referido incremento tem-se traduzido ao longo do tempo em número crescente de admissões hospitalares com implicações nos custos na área da saúde.

Aspectos epidemiológicos

Embora a verdadeira incidência da UL não seja conhecida, estima-se actualmente que afecte cerca de 12% da população mundial adulta e cerca de 1-5% da população pediátrica. Trata-se duma entidade que é endémica na Turquia, Paquistão, nalguns países do Sueste Asiático, África e América do Sul. Nos Estados Unidos da América do Norte é mais comum entre os caucasianos e hispânicos.

A UL pediátrica pode ocorrer em qualquer grupo etário. Os lactentes e crianças jovens apresentam mais frequentemente cálculos renais, enquanto os cálculos ureterais são predominantes nas crianças mais velhas e nos adolescentes.

Estudos recentes mostraram um aumento da prevalência/incidência nas raparigas e maior susceptibilidade nos rapazes na primeira década de vida.

Nos países de menores recursos económicos a localização vesical é muito frequente, enquanto nos países industrializados predominam os cálculos de localização renal e ureteral, e de composição cálcica (oxalato e fosfato).

Quanto à composição dos cálculos, os dados disponíveis permitem estabelecer as seguintes proporções: oxalato de cálcio – 50-70%; fosfato de cálcio – 10-20%; ácido úrico – 1-5%; cistina – 1-5%; outras composições – 2-4%.

Etiopatogénese

 

  1. Numa grande percentagem de casos (75-85%) é possível identificar um factor etiológico ou um factor de risco subjacente.
    Assim, quanto à etiopatogénese da urolitíase, podem ser sistematizados os seguintes factores em geral interligados: metabólicos hereditários, infecções do tracto urinário, defeitos anatómicos congénitos do tracto urinário e ambientais ou exógenos.
    Relativamente aos factores hereditários metabólicos importa dar relevância a entidades monogénicas manifestando-se com litíase e nefrocalcinose: hipercalciúria, hiperoxalúria, hiperuricosúria, cistinúria, hipocitratúria.

    A hipercalciúria é uma alteração metabólica, integrando três formas: idiopática, secundária (a imobilização aguda ou prolongada, a acidose metabólica crónica, a tubulopatias e a fármacos como furosemida e glucocorticoides) e associada a hipercalcémia (por hiperparatiroidismo, intoxicação com vitamina D e doença neoplásica óssea).

    Na hipercalciúria idiopática ou primária, a mais frequente (50-80% dos casos), existe interacção de diversos genes (receptor sensível ao Ca++, receptor da vitamina D e receptores que modulam a reabsorção óssea, a absorção intestinal de cálcio e oxalato, e a excreção renal de cálcio, oxalato e citrato) com factores ambientais.

    A hiperoxalúria, comparticipando 10-20% dos casos de urolitíase, pode ser primária (rara, hereditária, autossómica recessiva, por produção hepática excessiva de oxalato e aumento da sua excreção urinária) ou secundária (mais frequente, por aumento da absorção intestinal de oxalato). Na hiperoxalúria secundária existe uma exposição dietética excessiva ao oxalato ou aos seus precursores, ou uma doença de base (doença inflamatória intestinal, insuficiência pancreática exócrina e fibrose quística, síndroma do intestino curto) que causa aumento da sua absorção intestinal; geralmente cursa com má-absorção de gorduras e diarreia crónica.

    A hiperuricosúria pode desencadear a formação de cálculos de ácido úrico (2-20% das UL pediátricas de causa metabólica). A presença de hiperuricémia (dieta com excesso de proteínas, doenças mieloproliferativas, síndroma de lise tumoral, erros inatos do metabolismo como a síndroma Lesch-Nyhan), pH urinário inferior a 5,5 e um baixo débito urinário constituem  factores de risco para a formação de cálculos.

    A cistinúria pode ocorrer em 5-20% dos doentes com UL metabólica pediátrica. Tem transmissão autossómica recessiva e resulta de um defeito no transporte de aminoácidos no túbulo proximal, com excreção urinária aumentada de cistina (insolúvel), lisina, arginina e ornitina. A litíase ocorre nas duas primeiras décadas de vida e é bilateral em mais de metade dos doentes. Nas crianças mais pequenas os cálculos podem formar-se na bexiga; nas mais velhas predomina a localização renal, podendo assumir grandes dimensões (cálculos coraliformes). A associação a infecção urinária é frequente.

    A hipocitratúria, responsável por cerca de 10% das UL pediátricas, é quase sempre idiopática. Contudo, pode ocorrer em doentes com acidose tubular renal distal, acidose metabólica, hipocaliémia, síndromas de má-absorção, dieta cetogénica e consumo de alguns fármacos (topiramato e acetazolamida). Uma dieta rica em proteína animal e pobre em vegetais e em potássio pode ser responsável por uma menor excreção urinária de citrato.

    As infecções urinárias e as anomalias congénitas nefrourológicas podem estar presentes como factores etiológicos em cerca de 10 a 25% dos casos.

    Os microrganismos bacterianos produzindo urease (por ex. Proteus e outros) estão frequentemente implicados. Com efeito, a hidrólise da ureia em bicarbonato e amónio criam um meio adequado para a formação de concreções de fosfato amónico-magnésico (estruvite) as quais, tendendo a crescer para a pelve renal, moldando-se ramificando-se, dão origem aos chamados cálculos coraliformes.

    Os factores ambientais ou exógenos, muitos dos quais associados a alterações metabólicas adquiridas, abrangem um vasto leque de situações ou circunstâncias tais como a reduzida ingestão de líquidos, certos fármacos, o sedentarismo, a obesidade e o regime alimentar em geral.

    Os regimes alimentares: – com excesso de sacarose, sódio, minerais, oxalatos, proteína animal, produtos lácteos, suplementação vitamínica (especialmente de vitaminas A, C e D), chocolate e refrescos de cola; ou – com défice de frutas, legumes e cereais integrais (ricos em citrato, fitato e magnésio), são componentes da chamada “dieta litogénica”.

    Alguns fármacos (diuréticos de ansa, cálcio, vitamina D) podem aumentar a excreção urinária de substâncias litogénicas, enquanto outros (topiramato e inibidores da anidrase carbónica) são responsáveis pela redução da excreção de substâncias antilitogénicas.

    O indinavir (antirretrovírico) indicado nos casos de infecção por VIH, e a ceftriaxona (antibiótico) são igualmente fármacos classicamente associados a urolitíase pelas alterações metabólicas que provocam. Salienta-se, a propósito, que cerca de 1-2% dos cálculos urinários nas crianças e jovens são exclusivamente associados a fármacos.

  1. A litogénese é um processo complexo, dependente da interacção de vários factores. Sob o ponto de vista físico-químico, a litíase traduz uma alteração das condições naturais de cristalização da urina.

    Para compreender melhor o referido processo, importa recordar duas noções básicas:
    • Numa solução simples, como a água, determinada substância dissolvida precipita quando alcança o seu ponto de saturação (índice de solubilidade);
    • Numa solução complexa, como a urina, é possível a “sobressaturação” de alguns produtos dissolvidos (cálcio, fosfato, oxalato ou ácido úrico) pela presença de outros compostos que permitem mantê-los na solução em concentrações superiores ao seu índice de solubilidade. Assim, a cristalização duma substância dissolvida depende do equilíbrio entre o excesso desta (sobressaturação) e a existência de factores que facilitam a sua precipitação (promotores) ou que a impedem (inibidores).

O primeiro passo da litogénese é a chamada nucleação, que corresponde à formação de unidades de cristais (isto é, à concentração a que a substância dissolvida cristaliza); este passo requer:
– a hiperexcreção e a sobressaturação de certos iões na urina;
– volume urinário reduzido;
– concentração diminuta de inibidores de cristalização (citrato, magnésio, pirofosfato e glicoproteínas); e
– alterações do pH urinário.

A formação de concreções pressupõe uma diversidade de condições. Assim, os cálculos de cistina e de ácido úrico têm maior probabilidade de formação em urina ácida (pH < 5,5); os cálculos de fosfato de cálcio e de estruvite (fosfato de amónia e magnésio) ocorrem mais frequentemente com urinas alcalinas (pH > 6,5); e a solubilidade dos cristais de oxalato de cálcio não é afectada pelo pH urinário.

Após a nucleação ocorrem fenómenos de agregação e de precipitação que culminam na formação do cálculo. Para que tal ocorra, é necessário que os cristais permaneçam no tracto urinário durante algum tempo, pelo que, como foi referido antes, uma baixa ingesta de água e a consequente redução do fluxo urinário são condições de enorme importância.

Os defeitos congénitos nefrourológicos (nomeadamente os obstrutivos) que se acompanham de hidronefrose/uretero-hidronefrose e que promovem a estase urinária predispõem, pois, à formação dos cálculos.
Por sua vez, a existência de lesão na superfície do urotélio (secundária a infecção) favorece a aderência dos cristais e prolonga o tempo de exposição à urina sobressaturada, o que facilita a agregação e o crescimento do cálculo. (ver atrás Microrganismos Produtores de Urease)

Os cálculos vesicais podem ter origem renal, com posterior migração para a bexiga, ou podem ser aqui primariamente formados.

A urina contém diversos inibidores da cristalização, como o difosfonato, o magnésio e o citrato (o mais importante). O citrato inibe a nucleação espontânea dos cristais de oxalato e de fosfato de cálcio, a nucleação heterogénea de oxalato de cálcio e urato monossódico, e impede o crescimento dos cristais cálcicos. 

Manifestações clínicas

A UL constitui uma patologia com elevada morbilidade, sobretudo quando o diagnóstico e o tratamento etiológico não se concretizam atempadamente. De salientar que se pode verificar lesão estrutural nos rins ou nas vias urinárias, facto agravado pela possibilidade de  recorrência (em 16-44% dos casos, com risco mais elevado abaixo dos dez anos, conquanto menos comummente que no adulto).

A referida patologia poderá ser diagnosticada acidentalmente (em cerca de 15-40% dos casos) durante a avaliação imagiológica de determinada entidade clínica e permanecer assintomática durante longo período de tempo. A UL é muito mais frequentemente sintomática nos adolescentes do que nas crianças com idade inferior a três anos.

As manifestações clínicas da UL sintomática são variáveis, dependendo especialmente da idade e da localização do cálculo.

A apresentação clássica do adulto também ocorre na criança mais velha e no adolescente: dor intensa de início súbito, intermitente, tipo cólica, no flanco com irradiação para a região inguinal, escroto ou grandes lábios. As crianças mais novas apresentam mais frequentemente sintomas inespecíficos como dor abdominal, náusea, vómitos ou irritabilidade. Pode ocorrer hematúria (micro ou macroscópica) em proporção que pode atingir 90% dos casos. A infecção do tracto urinário pode ser a forma de apresentação, especialmente em crianças com menos de cinco anos de idade.

Os cálculos que se complicam de obstrução do fluxo urinário localizam-se tipicamente nas regiões de estreitamento do tracto urinário (junção uréter-pélvica, cruzamento do uréter com os vasos ilíacos e junção uréter-vesical); nestes casos, pode ocorrer dor intensa no flanco (cólica renal) ou dor abdominal. Se o cálculo estiver localizado no uréter distal, a criança pode apresentar sintomas como disúria, urgência miccional e polaquiúria. Os cálculos vesicais são habitualmente assintomáticos e, quando localizados na uretra,  pode surgir disúria, especialmente no sexo masculino.

Diagnóstico

Anamnese e exame objectivo

A anamnese pormenorizada e o exame objectivo completo e sistemático são essenciais para o diagnóstico.

A avaliação inicial deve incluir a pesquisa de factores de risco de litogénese: história familiar (UL, consanguinidade, doença/insuficiência renal, doença metabólica) e antecedentes pessoais (UL, anomalia congénita nefrourológica, doença metabólica, infecção urinária). A ocorrência familiar de nefrolitíase não indica necessariamente uma causa genética, uma vez que os factores ambientais e dietéticos podem contribuir para a predisposição familiar.

A presença de consanguinidade e história familiar de cálculos renais, diagnóstico numa idade precoce e cálculos renais recorrentes ou bilaterais, são pistas para uma possível doença metabólica.

Os aspectos que podem sugerir uma possível etiologia hereditária incluem: história familiar de falência renal, apresentação em idade jovem, consanguinidade parental, nefrolitíase recorrente, sinais e sintomas de disfunção tubular com poliúria, acidose, restrição do crescimento e insuficiência renal associadas, nefrocalcinose e sinais dismórficos.

No âmbito da anamnese importa aprofundar aspectos relacionados com características do regime alimentar em geral, consumo de líquidos, sal, cálcio, oxalatos, proteína animal,  suplementação vitamínica (especialmente de vitaminas A, C e D), mineral e medicamentos. Algumas doenças específicas podem ser predisponentes: obstrução do tracto urinário, refluxo vesicoureteral, doença inflamatória intestinal, síndroma do intestino curto, fibrose quística, epilepsia e situações de imobilização prolongada.

O exame objectivo deve incluir: medição da temperatura corporal, avaliação somatométrica, medição da pressão arterial e exame abdominal para detecção de sinais de obstrução urinária ou de qualquer outra causa de dor abdominal. Importa igualmente identificar deformidades ósseas, sinais de raquitismo, alterações genitais ou outras alterações fazendo parte de doenças sistémicas e genéticas.

Estudo analítico

Na suspeita de episódio agudo de UL é obrigatória a colheita de urina para exame bacteriológico e estudo de densidade, pH, hematúria, piúria e cristalúria; a determinação da creatinina sérica é fundamental para determinação da taxa de filtração glomerular inicial.

Posteriormente, todos os pacientes com cálculos urinários deverão ser submetidas a uma avaliação metabólica completa que inclua os factores promotores e os inibidores da cristalização; o objectivo desta intervenção (realizada em ambulatório e fora do episódio agudo, devendo o doente manter o regime alimentar habitual), é a tentativa de identificação de quaisquer alterações para as quais existam medidas preventivas e terapêuticas específicas e dirigidas, por forma a diminuir o risco de recorrência.

O estudo analítico do sangue deve contemplar os doseamentos dos seguintes parâmetros: equilíbrio ácido-base, creatinina, sódio, potássio, cloro, cálcio, fosfato, magnésio, ácido úrico, fosfatase alcalina, albumina, calcitriol e PTH intacta (se hipercalcémia).

A avaliação pormenorizada da excreção urinária de cálcio, fosfato, oxalato, citrato, ácido úrico e cistina deve ser obtida através da colheita de urina de 24 horas, tendo em conta a  variabilidade da dieta e do consumo de líquidos.

Nos lactentes e nas crianças ainda sem controlo de esfíncteres, a excreção de cada um daqueles solutos pode ser analisada numa amostra ocasional de urina, e comparada com a excreção urinária concomitante de creatinina. Em caso de alteração de algum dos parâmetros analisados, os resultados deverão ser sempre confirmados. Os valores de referência aplicáveis às amostras ocasionais de urina e às recolhas de 24 horas estão expressos respectivamente nos Quadros 1 e 2.  

QUADRO 1 – Valores de referência para amostras ocasionais de urina

Adaptado de Moudi E, Ghaffari R, Moradi A. Pediatric nephrolithiasis: trend, evaluation and management: a systematic review. J Pediatr Rev 2016 (in press). doi: 10.17795/jpr-7785.
Abreviaturas: TFG: taxa de filtração glomerular
a Calculada pela multiplicação da razão ácido úrico/creatinina (mg/mg) pela creatinina sérica (mg/dL)
Constituinte da urinaIdadeValor (mg/mg creatinina)
Cálcio< 7 meses< 0,86
7 – 18 meses< 0,6
19 meses – 6 anos< 0,42
> 6 anos< 0,2
Oxalato< 6 meses< 0,29
6 meses – 2 anos< 0,20
> 2 – 5 anos< 0,11
6 – 12 anos< 0,06
Citrato< 5 anos> 0,42
> 5 anos> 0,25
CistinaTodas as idades< 0,07
Ácido úricoTodas as idades< 0,56 por TFGa

QUADRO 2 – Valores de referência para recolha de urina de 24 horas

Adaptado de Moudi E, Ghaffari R, Moradi A. Pediatric nephrolithiasis: trend, evaluation and management: a systematic review.
J Pediatr Rev 2017; 5(1):e7785. doi: 10.17795/jpr-7785.
 a A adequação da colheita de urina pode ser avaliada pelo valor da creatinina urinária para a idade e género
Constituinte da urinaIdadeValor
CálcioTodas as idades< 4 mg/kg
Oxalato> 2 anos< 0,45 mg/1,73m2
CitratoTodas as idades, sexo masculino> 365 mg/1,73m2
Todas as idades, sexo feminino> 310 mg/1,73m2
CistinaTodas as idades< 60 mg/1,73m2
Ácido úricoTodas as idades< 815 mg/1,73m2
Creatininaa3 – 5 anos12 – 20 mg
6 – 13 anos15 – 25 mg
14 – 18 anos, sexo masculino18 – 27 mg
14 – 18 anos, sexo feminino17 – 24 mg

O doente/família devem ser instruídos para guardar a urina durante o período de tempo necessário para reter o cálculo ou algum dos seus fragmentos. Sempre que for possível recuperar o cálculo, deve ser efectuada a análise da sua composição química, informação que pode ser decisiva para o diagnóstico etiológico e para a prevenção e tratamento de eventuais recorrências.

Imagiologia

O radiograma simples de abdómen: – é útil na identificação de cálculos com conteúdo cálcico (oxalato, fosfato e carbonato) os quais são radiopacos; – é muito pouco sensível nos cálculos de cistina; e – inútil nos de ácido úrico ou xantina. A sensibilidade do radiograma simples do abdómen para o diagnóstico de UL situa-se entre  45% e  60%.

A ecografia renal e vesical, isenta de radiação e com baixo custo, é considerada o exame de primeira linha na avaliação imagiológica de crianças e jovens com suspeita de UL. Com tal exame obtém-se uma elevada taxa de detecção de cálculos renais (90%), e menor sensibilidade para cálculos ureterais e/ou cálculos de pequena dimensão (< 5 mm).

A tomografia computadorizada (uro-TC) permite obter sensibilidade e especificidade próximas dos 100%. No entanto, devido aos potenciais riscos de exposição a radiação ionizante, deve apenas ser considerada se, após uma ecografia renal e vesical não conclusiva,  a suspeita clínica de UL se mantiver elevada.

A ressonância magnética com gadolínio (uro-RM) e o renograma diurético com MAG3 podem ser úteis em casos particulares.

Tratamento

A intervenção terapêutica incide no tratamento do episódio agudo e na prevenção de recorrências.

Episódio agudo

Na fase aguda, em que o doente se apresenta habitualmente com quadro álgico muito intenso, as prioridades são o controlo da dor, a facilitação da progressão e eliminação do cálculo ou cálculos, e a identificação da necessidade urgente de remoção. É também importante a identificação e tratamento de eventual infecção urinária.

Alguns doentes pediátricos com cólica renal aguda podem ser tratados em ambulatório, com analgesia oral e hidratação adequadas. Mas outros, com dor grave, náuseas e vómitos, beneficiam de internamento para vigilância clínica e imagiológica mais acessíveis e para administração endovenosa de fluidos e analgésicos. Nos casos que ocorrem em contexto de rim único, que se acompanham de obstrução progressiva e grave, e de infecção urinária, está também indicada a hospitalização.

A hidratação aumenta o fluxo urinário, facilitando a progressão e ulterior eliminação do cálculo. O controlo da dor associada é frequentemente obtido no ambulatório com o recurso a analgésicos como os anti-inflamatórios não esteróides (ibuprofeno, naproxeno, cetorolac) eficazes e seguros (se a filtração glomerular estiver conservada).

Em regime de internamento  é habitual a utilização endovenosa de cetorolac (0,5 mg/Kg/dose, até de 6-6 horas, com dose unitária máxima de 30 mg) e de morfina (0,05-0,1 mg/kg/dose, até de 2-2 horas). Nos casos sem obstrução grave ou progressiva e sem deterioração da função glomerular, a hidratação endovenosa é agressiva (1,5 a 2 vezes as necessidades diárias habituais). Os antieméticos endovenosos (ondansetron, 5 mg/m2/dose ou 0,1 mg/kg/dose, até de 8-8 horas) são úteis nos casos de vómitos incoercíveis. A antibioticoterapia endovenosa está indicada nos casos de infecção urinária.

Na idade pediátrica, os cálculos de menor dimensão (renais e ureterais, sobretudo se < 5 mm) são expulsos espontaneamente em ~32 – 60% dos doentes, pelo que cerca de metade dos casos pode ser tratada com sucesso apenas com vigilância clínica e as medidas atrás enunciadas.

Nos adultos, alguns fármacos (antiespasmódicos, bloqueadores dos canais de cálcio e antagonistas alfa adrenérgicos) têm sido utilizados para promover a aceleração da passagem dos cálculos de localização ureteral; a utilização nas crianças de antagonistas alfa-adrenérgicos como a tansulosina (4 mg/dia, via oral) é ainda na actualidade off-label; contudo, de acordo com resultados de diversos estudos na população pediátrica, verificou-se maior  probabilidade de expulsão espontânea de cálculos ureterais com menos de 10 mm, e de  redução do tempo de expulsão do cálculo.

Se ao cabo de cerca de quatro semanas não ocorrer expulsão do cálculo, a remoção cirúrgica será habitualmente necessária.

A remoção urológica de cálculos pode estar ainda indicada nos casos de:

  • Dor grave, persistente e refractária à terapêutica analgésica (por cálculo localizado quase sempre na junção uréter-vesical ou na junção pieloureteral);
  • Obstrução completa;
  • Obstrução parcial em rim único com evidência de sofrimento renal;
  • Cálculos de estruvite (com grande potencial de crescimento e evolução para aspecto coraliforme); e
  • Pielonefrite/uro-sépsis, a ponderar.

O tempo aceitável para uma atitude expectante não pode ser previamente determinado; a decisão deve resultar de um sensato equilíbrio entre o risco cirúrgico e o risco de lesão renal decorrente de uma obstrução grave e permanente.

Cerca de um quarto das crianças necessita de intervenção cirúrgica nos primeiros seis meses após o diagnóstico de UL, e em cerca de 25% destas há necessidade de mais do que um procedimento.

Nos Quadros 3 e 4 são discriminadas as indicações para remoção activa dos cálculos de localização respectivamente ureteral e renal.

QUADRO 3 – Indicações para remoção activa de cálculos ureterais

Adaptado de Jung H, Osther PJS. Acute management of stones: when to treat or not to treat? World J Urol 2015; 33: 203-211.

    • Cálculos com pouca probabilidade de expulsão espontânea
    • Dor persistente apesar de analgesia adequada
    • Obstrução persistente
    • Insuficiência renal (falência renal, obstrução bilateral ou rim único)

QUADRO 4 – Indicações para remoção activa de cálculos renais

 Adaptado de Jung H, Osther PJS. Acute management of stones: when to treat or not to treat? World J Urol 2015; 33: 203-211.
    • Crescimento do cálculo
    • Cálculos em doentes com elevado risco de UL
    • Obstrução causada pelos cálculos
    • Infecção
    • Cálculos sintomáticos (dor ou hematúria)
    • Cálculos > 15 mm
    • Cálculos < 15 mm se a vigilância não for uma opção
    • Preferência do doente
    • Comorbilidades
    • Situação social do doente
    • Escolha de tratamento

As opções cirúrgicas incluem litotrícia extracorporal por ondas de choque, ureteroscopia com litotrícia e/ou extracção dos cálculos, nefrolitotomia percutânea e pielolitotomia aberta ou laparoscópica. A escolha do procedimento cirúrgico depende da experiência da equipa cirúrgica, dos meios tecnológicos disponíveis, e ainda de outros factores como a dimensão, localização e composição do cálculo, e a existência de anomalia congénita urológica obstrutiva subjacente. A litotrícia extracorporal e a ureteroscopia, precedidas por vezes de colocação de um stent temporário, são classicamente usadas para cálculos de pequena e média dimensão (< 20 mm), e consideradas relativamente equivalentes em termos de taxa de sucesso; a nefrolitotomia percutânea e a pielolitotomia (por via aberta ou por via laparoscópica) são geralmente reservadas para a remoção dos cálculos de maiores dimensões.

No Quadro 5 estão indicados os diversos tipos de tratamento cirúrgico da UL pediátrica, de acordo com a dimensão e localização do cálculo.

QUADRO 5 – Opções cirúrgicas para o tratamento de UL pediátrica

Adaptado de Gnessin E, Chertin L, Chertin B. Current management of paediatric urolithiasis. Pediatr Surg Int 2012; 28: 659-665.
Abreviaturas: NLPC: nefrolitotomia percutânea; LEOC: litrotícia extracorporal por ondas de choque; CIRR: cirurgia intra-renal retrógrada.
Localização do cálculoTratamento primárioTratamento secundárioNotas
Cálculos coraliformesNLPCCirurgia aberta/ LEOCTratamento combinado com LEOC
Pelve renal (< 10 mm)LEOCCIRR/NLPC

Pelve renal

(10-20 mm)

LEOCNLPC/cirurgia abertaOcasionalmente podem ser necessárias várias sessões de LEOC
Pelve renal (> 20 mm)NLPCLEOC/cirurgia abertaOcasionalmente podem ser necessárias várias sessões de LEOC
Cálice do pólo inferior (< 10 mm)LEOCCIRR/NLPC
Cálice do pólo inferior (> 10 mm)NLPCLEOC
Uréter superiorLEOCCIRR/ Ureteroscopia
Uréter inferior (< 5 mm)Terapêutica médica expulsiva com bloqueadores alfaUreteroscopia
Uréter inferior (> 5 mm)UreteroscopiaLEOCPode ser considerada terapêutica médica expulsiva

Prevenção de recorrências

A ingesta hídrica adequada (1,5 a 2 L/m2/dia), pelo aumento da diurese e diminuição da concentração urinária de solutos, constitui um elemento chave na prevenção do risco de recorrência. Deve-se promover um débito urinário diário de, pelo menos:  750 mL no lactente, e > 1000 mL (1-5 anos), > 1500 mL (5-10 anos) e > 2000 mL (> 10 anos).

Após resolução do episódio agudo é fundamental a tentativa de identificação de algum dos factores de risco litogénico anteriormente indicados. A sua incidência é manifestamente superior nos casos de doença metabólica subjacente, o que acontece em cerca de 50% dos doentes com episódios recorrentes. Nestes doentes, o controlo e/ou a correcção da alteração metabólica diagnosticada são decisivos para a sua prevenção.

Na hipercalciúria está indicada uma dieta:

  • Com restrição salina (inferior a 2-3 mEq/kg/dia de sódio nas crianças, e menor que 2,4 g/dia nos adolescentes; tal restrição favorece a reabsorção tubular renal de sódio e de cálcio e reduz a eliminação urinária de cálcio);
  • Sem ingesta elevada de proteína animal; e
  • Com um suprimento equilibrado de cálcio (para previnir a osteopenia e a hiperoxalúria secundária) e de potássio (sendo que a hipocaliémia aumenta a excreção urinária de cálcio).

Os diuréticos tiazídicos (hidroclorotiazida, 0,5-2 mg/kg/dia nas crianças, 25-100 mg/dia nos adolescentes), com ou sem associação ao amiloride (que também favorece a reabsorção renal de cálcio), podem estar indicados nos casos de recorrência em que as medidas dietéticas não tenham sido eficazes para a normalização dos níveis de calciúria.

Nos casos de hiperoxalúria, a diminuição de oxalato alimentar pode ser útil nos casos de ingesta prévia comprovadamente exagerada (sendo importante destacar que apenas 10-20% da sua excreção é derivada da dieta). É igualmente aconselhável uma dieta com restrição de gorduras, rica em magnésio, equilibrada em cálcio, e sem excesso de vitamina C.

A piridoxina (5-20 mg/kg/dia) é eficaz nalguns doentes com hiperoxalúria primária; em tal situação está obrigatoriamente indicado proceder a hiper-hidratação (> 3 L/m2/dia). Admitindo-se a indicação da transplantação hepática, esta deverá ser efectuada antes da evolução para insuficiência renal terminal.

Na hiperuricosúria a alcalinização da urina através da administração de citrato de potássio (1-4 mEq/kg/dia na criança, 30-90 mEq/dia nos adolescentes), aumentando a solubilidade do ácido úrico, pode promover-se a dissolução de cristais ou cálculos. O alopurinol (4-10 mg/kg/dia, dose máxima diária de 300 mg) diminui a produção de ácido úrico e está indicado em casos raros (síndroma de Lesch-Nyhan). A restrição da ingesta salina e de purinas é também importante.

A alcalinização da urina assume igualmente um papel preponderante nos casos de cistinúria. Nesta patologia pode estar indicada a utilização de fármacos como a tiopronina (20-30 mg/kg/dia) ou a D-penicilamina (20-40 mg/kg/dia) os quais formam complexos altamente solúveis com a cistina (salientando-se que os mesmos têm toxicidade elevada e efeitos secundários significativos).

Na hipocitratúria, o aumento da excreção urinária de citrato, o qual pode ser obtido pela alcalinização do plasma através da administração de citrato de potássio, reduz o cálcio disponível para ligação ao oxalato e ao fosfato.

As anomalias congénitas nefrourológicas, que aumentam o risco de estase e de infecção urinária, podem ter indicação para correcção cirúrgica. Neste contexto também, os fármacos litogénicos devem, sempre que possível, ser evitados ou suspensos.

A monitorização (ecográfica e laboratorial) subsequente ao primeiro episódio de UL implica:

  • A vigilância e a detecção da eventual formação de novos cálculos (ou do crescimento dos já existentes); e
  • A avaliação laboratorial da resposta às medidas dietéticas e farmacológicas entretanto aplicadas.

A frequência e a magnitude de tal monitorização devem ser individualizadas de acordo, quer com o tipo, número, dimensão e velocidade de recorrência dos cálculos, quer com a gravidade da patologia metabólica eventualmente identificada (maior risco nos casos de hiperoxalúria primária e cistinúria).

Em suma, a ocorrência de sintomatologia aguda sugestiva de recorrência deverá conduzir a uma reavaliação imediata.

Prognóstico

O prognóstico da UL em termos de compromisso da função renal é muito variável. O maior risco de evolução para doença renal crónica ocorre nos doentes com doença metabólica grave, como a hiperoxalúria primária e a cistinúria.

Com vista à melhoria do prognóstico, salienta-se a importância do papel duma equipa multidisciplinar (nefrologia, urologia, imagiologia, dietética e enfermagem), tendo como objectivos primordiais promover a regular e rigorosa vigilância  clínica, imagiológica e analítica, o esclarecimento e apoio emocional nas consultas de seguimento, assim como o apoio dietético diferenciado e a intervenção terapêutica (dietética, farmacológica e cirúrgica).

Glossário

Litotrícia > Operação que consiste em triturar os cálculos existentes na bexiga com o auxílio de um litotritor, extraindo os fragmentos pela uretra.

Solução > Mistura líquida homogénea de uma substância sólida, líquida ou gasosa (a substância dissolvida é o soluto) e de um líquido (o solvente), geralmente em quantidade mais elevada. A substância dissolvida pode ser recuperada por evaporação do solvente ou por outro processo físico.

BIBLIOGRAFIA

Assimos D, Krambeck A, Miller NL, et al. Surgical management of stones. American Urological Association/Endourological Society Guideline, Part I. J Urol 2016; 196: 1153-1160

Avner ED, Harmon WE, Niaudet P, Yoshikawa N, Emma F, Goldstein SL (eds). Pediatric Nephrology. Berlin Heidelberg: Springer-Verlag, 2016

Copelovitch L. Urolithiasis in children: medical approach. Pediatr Clin North Am 2012; 59: 881-896

Edvardsson VO, Goldfarb DS, Lieske JC, et al. Hereditary causes of kidney stones and chronic kidney disease. Pediatr Nephrol 2013; 28: 1923-1942

Gearhart JP, Rink RC, Mouriquand PDE (eds). Pediatric Urology. Philadelphia: Elsevier, 2010

Gellin CE, Urinary tract stones. Pediatr Rev 2019; 40: 154-156 DOI: 10.542/pir.2017-0235

Gnessin E, Chertin L, Chertin B. Current management of paediatric urolithiasis. Pediatr Surg Int 2012; 28: 659-665

Granberg CF, Baker LA. Urolithiasis in children: surgical approach. Pediatr Clin North Am 2012; 59: 897-908

Halstead SB. Epidemiology of bladder stone of children: precipitating events. Urolithiasis 2016; 44: 101-108

Hernandez JD, Ellison JS, Lendvay TS. Current trends, evaluation, and management of pediatric nephrolithiasis. JAMA Pediatr 2015; 169: 964-970

Hoppe B. Renal calculi in children. Paediatr Child Health 2014; 24: 293-302

Ishii H, Griffin S, Somani BK. Flexible ureteroscopy and lasertripsy for paediatric renal calculi: results from a systematic review. J Pediatr Urol 2014; 10:1020-1025

Jiménez MR, Calderón CV. Litiasis renal e hipercalciuria idiopática [Acesso Abril de 2017]  http://www.aeped.es/sites/default/files/documentos/11_litiasis_hipercalciuria.pdf

Jung H, Osther PJS. Acute management of stones: when to treat or not to treat? World J Urol 2015; 33: 203-211

Kliegman RM, StGeme JW, et al (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Long CJ, Srinivasan AK. Percutaneous nephrolitotomy and ureteroscopy in children: evolutions. Urol Clin North Am 2015; 42: 1-17

Lu P, Wang Z, Song R, Wang X, et al. The clinical efficacy of extracorporeal shock wave lithotripsy in pediatric urolithiasis: a systematic review and meta-analysis. Urolithiasis 2015; 43: 199-206

Miah TKamat D. Pediatric nephrolithiasis: a review. Pediatr Ann 2017; 46(6):e242-e244. doi: 10.3928/19382359-20170517-02

Moudi E, Ghaffari R, Moradi A. Pediatric nephrolithiasis: trend, evaluation and management: a systematic review. J Pediatr Rev 2017; 5(1):e7785. doi: 10.17795/jpr-7785

Rodriguez Cuellar CIWang PZTFreundlich M, et al. Educational review: role of the pediatric nephrologists in the work-up and management of kidney stones. Pediatr Nephrol 2019 Jan 4. doi: 10.1007/s00467-018-4179-9

Shoag J, Tasian GE, Goldfarb DS, Eisner BH. The new epidemiology of nephrolithiasis. Adv Chronic Kidney Dis 2015; 22: 273-278

Snodgrass WT. Pediatric Urology. New York: Springer, 2013

Tasian GE, Copelovitch L. Evaluation and medical management of kidney stones in children. J Urol 2014; 192: 1329-1336

Tian D, Li N, Huang W, Zong H, Zhang Y. The efficacy and safety of adrenergic alpha-antagonists in treatment of distal ureteral stones in pediatric patients: a systematic review and meta-analysis. J Pediatr Surg 2017; 52: 360-365

Velázquez N, Zapata D, Wang H-HS, et al. Medical expulsive therapy for pediatric urolithiasis: systematic revue and meta-analysis. J Pediatr Urol 2015; 11: 321-327