Importância do problema e etiopatogénese

A perturbação de hiperactividade e défice de atenção (PHDA) corresponde à patologia neurocomportamental mais comum na infância. Com uma prevalência estimada de 5% nas crianças em idade escolar, persistindo na adolescência e idade adulta, conta-se entre as doenças crónicas mais prevalentes no grupo etário pediátrico.

Os primeiros casos foram estudados e descritos em 1935 por Childers e, em 1967, por Menkes. Durante muitos anos pensou-se que resultaria de uma lesão cerebral, mas o predomínio familiar apontou para causas genéticas. Estudos mais recentes, especialmente estudos em gémeos monozigóticos e dizigóticos, revelaram haver elevada hereditabilidade (70-80%).

Os investigadores consideram a hipótese de uma alteração genética que determina uma alteração na actividade dos neurotransmissores (especialmente da dopamina e da noradrenalina) originando um padrão comportamental característico. Têm sido estudados o AT1 (gene do transportador da dopamina) e o DRD4 (gene de uma forma particular de receptor da dopamina – o receptor D4). De facto, admite-se papel importante da dopamina na etiopatogénese com implicações práticas nas medidas terapêuticas, algumas das quais são constituídas por inibidores da recaptação da dopamina.

Os estudos genómicos identificaram vários loci de susceptibilidade (ex. 4q13.2, 5p15.33, 9q22, 12p13, 16p14 e 16q24.1) mas cada um deles com escasso efeito, pelo que a hereditabilidade continua por explicar. Para que se verifiquem manifestações clínicas da PHDA, considera-se que poderá haver vários genes de susceptibilidade interagindo entre si e sobre os quais igualmente interferem factores ambientais.

Têm sido estudados factores ambientais que poderão aumentar o risco de PHDA, designadamente tabagismo materno, exantemas víricos ou anemia materna durante a gestação, parto pélvico, baixo peso de nascimento ou prematuridade, encefalopatia hipóxico-isquémica, microcefalia ou exposição a cocaína, álcool, chumbo ou iodo e hipotiroidismo. De acordo com estudos científicos, citam-se como os mais relevantes, a prematuridade e/ou baixo peso, assim como o tabagismo materno. Os restantes poderão ser potenciadores associados a genes de susceptibilidade.

Os familiares de crianças com PHDA têm um risco 6 vezes superior de PHDA relativamente à população normal. O ambiente é também importante na modulação dos sintomas e no grau de disfunção causada. Os sintomas podem ser atenuados por um ambiente mais estruturado ou, pelo contrário, exacerbados por um ambiente menos favorável e mais desorganizado. No entanto, apesar da possível comparticipação de factores culturais, a prevalência da PHDA tem-se mantido relativamente estável em diferentes países e diferentes culturas.

Manifestações clínicas e diagnóstico

A forma de apresentação clínica pode ser muito variável, em função da diversidade de mecanismos etiopatogénicos implicados. São frequentes as queixas de insucesso escolar, alterações do comportamento na sala de aula, desatenção, problemas nas relações sociais, ou baixa autoestima. Os sintomas principais da PHDA incluem essencialmente falta de atenção, hiperactividade e impulsividade, não associados a qualquer patologia psiquiátrica. O Quadro 1, adaptado do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, – DSM 5, sintetiza os critérios diagnósticos da referida entidade clínica, modificados em 2013.

Em relação à anterior classificação (DSM-4), o DSM-5 mantém os mesmos critérios, mas reduz para 5 o número de critérios de impulsividade/hipercinésia, no adulto. Também aumentou a idade de início dos sintomas para os 12 anos, permitindo assim incluir formas menos graves em que os problemas surgem sobretudo quando a exigência escolar aumenta.

A nova classificação, permitindo ainda que possa ser feito o co-diagnóstico com perturbação do espectro do autismo, também recorre a parâmetros de especificação ou “especificadores”, quer para o tipo de apresentação (predominantemente desatento, predominantemente hiperactivo/impulsivo, combinada), quer para a gravidade (ligeira, moderada, grave).

As crianças com os sintomas típicos de hiperactividade e impulsividade são geralmente identificadas pelos professores porque perturbam a sala de aula. No entanto, as crianças com o subtipo desatento da PHDA, com sintomas de hiperactividade e impulsividade ausentes ou mínimos, podem passar despercebidas, manifestando apenas insucesso escolar e, por vezes, ser rotuladas como desinteressadas ou desmotivadas em relação à escola.

QUADRO 1 – Critérios de diagnóstico de perturbação de hiperactividade e défice de atenção segundo a DSM-5

A. Um padrão persistente de desatenção e/ou hiperactividade/impulsividade que interfere com o funcionamento ou desenvolvimento caracterizado por (1) e/ou (2)

  1. Desatenção: Seis (ou mais) dos seguintes sintomas, persistindo pelo menos durante seis meses, com uma intensidade inconsistente com o nível de desenvolvimento e causando disfunção (não por atitude negativa ou de oposição ou por não compreensão das tarefas):
    1. Frequentemente, não presta atenção suficiente aos pormenores ou comete erros por descuido nas tarefas escolares, no trabalho ou noutras actividades;
    2. Frequentemente, tem dificuldade em manter a atenção no desempenho de tarefas ou actividades;
    3. Frequentemente, parece não ouvir quando se lhe fala directamente;
    4. Frequentemente, não segue as instruções e não termina os trabalhos escolares, tarefas ou deveres no local de trabalho;
    5. Frequentemente, tem dificuldades em organizar tarefas ou actividades;
    6. Frequentemente, evita, não gosta, ou está relutante em envolver-se em tarefas que requeiram esforço mental mantido;
    7. Frequentemente perde objectos necessários a tarefas ou actividades;
    8. Frequentemente, é facilmente distraído por estímulos alheios;
    9. Esquece-se com frequência das actividades quotidianas;
  2. Hiperactividade e impulsividade: Seis (ou mais) dos seguintes sintomas, persistindo pelo menos durante seis meses, a um nível inconsistente com o nível de desenvolvimento e causando disfunção:
    1. Frequentemente, agita ou bate com as mãos ou os pés ou remexe-se quando está sentado;
    2. Frequentemente, levanta-se em situações em que se espera que esteja sentado;
    3. Frequentemente, corre ou salta em situações em que não é próprio fazê-lo;
    4. Frequentemente, é incapaz de jogar ou envolver-se com tranquilidade em actividades de lazer;
    5. Está frequentemente “em movimento”, agindo como se estivesse “ligado a um motor”;
    6. Frequentemente, fala excessivamente;
    7. Frequentemente, precipita as respostas antes que as perguntas tenham acabado;
    8. Frequentemente, tem dificuldade em esperar pela sua vez;
    9. Frequentemente, interrompe ou interfere nas actividades dos outros;

B. Vários dos sintomas de desatenção ou de hiperactividade-impulsividade surgiram antes dos 12 anos.

C. Vários dos sintomas estão presentes em mais contextos.

D. Os sintomas interferem ou reduzem a qualidade do funcionamento social, académico ou ocupacional.

E. Não ocorrem exclusivamente no curso de esquizofrenia ou perturbação psicótica nem são mais bem explicados por outra perturbação mental.

Especificar tipo de apresentação:

314.01 – Apresentação combinada: se preenchidos os critérios A1 e A2 durante os últimos seis meses.

314.00 – Apresentação predominantemente de desatenção: se preenchido o critério A1, mas não o critério A2 durante os últimos seis meses.

341.01 – Apresentação predominantemente de hiperactividade-impulsividade: se critério A2 preenchido, mas não o critério A1 durante os últimos seis meses.

Em remissão parcial: quando critérios preenchidos no passado, mas não nos últimos 6 meses, ainda com impacto no funcionamento.

Na população em geral verifica-se um predomínio no sexo masculino, admitindo-se contudo que tal nosologia (do tipo “desatento”) possa ser subdiagnosticada no sexo feminino. Em Portugal não existem estudos epidemiológicos de âmbito nacional.

Segundo as recomendações internacionais, perante uma criança entre os 6 e 12 anos, com falta de atenção, hiperactividade, impulsividade, insucesso escolar ou problemas de comportamento, o clínico deve iniciar uma avaliação no sentido de PHDA, com encaminhamento para uma consulta de especialidade.

Não há testes físicos ou exames específicos para o diagnóstico da PHDA; por isso, o diagnóstico é clínico, baseado nos critérios definidos no DSM V. Para o diagnóstico da PHDA torna-se fundamental recolher informação de várias fontes: dos pais, dos professores, ou de outros profissionais que conhecem a criança. Como não há instrumentos que indiquem com confiança o grau e a natureza da perturbação funcional de uma forma objectiva, devem ser utilizadas perguntas livres genéricas, perguntas específicas sobre alguns comportamentos, questionários semiestruturados, assim como questionários e escalas específicas (como os questionários de Conner, validados e aferidos para a população portuguesa).

No âmbito da aplicação de escalas e questionários específicos tem-se verificado sensibilidade e especificidade acima de 94%, permitindo distinguir crianças com e sem PHDA. Estes questionários e escalas são aplicáveis aos pais e professores, com modelos apropriados para cada.

De realçar dois aspectos fundamentais: 1- uma correcta anamnese, valorizando devidamente os antecedentes familiares; 2- exclusão de patologia de base susceptível de conduzir a diagnóstico falacioso de défice de atenção ou de alterações do comportamento: referimo-nos a situações associadas a hipoglicémia, ferropénia ou a patologia da tiróide, impondo-se o tratamento correcto antes de se avançar com o diagnóstico de PHDA.

Outra patologia que é importante diagnosticar e tratar relaciona-se com as perturbações do sono e os défices sensoriais os quais podem implicar também alterações de comportamento e probabilidade de confusão com PHDA.

Várias outras perturbações, consideradas como comorbilidades, podem estar associadas à PHDA em cerca de um terço dos casos; como mais frequentes citam-se: a perturbação de oposição ou a perturbação do comportamento; as perturbações do humor; a ansiedade; as perturbações da aprendizagem (dislexia ou discalculia); ou a cognição em estado limite do normal.

A existência de uma perturbação do desenvolvimento da coordenação motora, concomitante com a PHDA, resultando num quadro característico de défice da coordenação motora (grosseira e fina), de atenção e de percepção (visual e/ou auditiva), justificou a definição de uma entidade designada por défice de atenção, motricidade e percepção (DAMP). Esta entidade, apesar de ter sido discutida pela comunidade científica internacional, não foi aceite como entidade nosológica contemplada na DSM V.

A DAMP, de prognóstico mais reservado, é actualmente considerada um subtipo da PHDA, obrigando a uma intervenção mais abrangente ao nível de diferentes áreas. É, pois, fundamental a sua identificação precoce, devendo ser sempre excluída perante uma criança com PHDA.

Intervenção

O clínico responsável pelo diagnóstico deve: – informar a criança/jovem e a família sobre a doença, ajudando a esclarecer os mitos; – aconselhá-la e estar disponível para prestar todos os esclarecimentos; e – promover a ligação a outras famílias, assegurando a coordenação dos serviços de saúde e educação.

A PHDA, como outras doenças crónicas, necessita dum plano de tratamento específico, idealmente levado a cabo por uma equipa multidisciplinar, com metas definidas e formas de seguimento e de vigilância. A principal meta do tratamento deve ser a de valorizar devidamente toda a função, contribuindo para melhorar a relação com os outros, assim como o desempenho académico, a independência e a autoestima.

Na maioria das crianças o tratamento farmacológico é muito eficaz, particularmente no que respeita à atenção, cujo défice causa mais prejuízo na aprendizagem. Em situações de grande impulsividade e difícil controlo dos impulsos, o tratamento cognitivo-comportamental ou comportamental pode ser eficaz. A par da intervenção farmacológica deve haver sempre uma intervenção psicoeducacional (aplicando estratégias de treino da atenção e controlo dos impulsos) dirigida ao paciente, pais e professores.

Em função das especificidades de certos quadros clínicos, algumas escolas de Pedopsiquiatria e de Pediatria do Desenvolvimento aconselham a prática desportiva e a administração de café de forma regulada.

Quanto a fármacos, os mais utilizados são os estimulantes, particularmente o metilfenidato. Em Portugal há disponíveis no mercado formulações de acção prolongada (Concerta®, 8-12 horas, cápsulas com sistema OROS, nas dosagens de 18, 36, 54 e 72 mg) de ação intermédia (Ritalina LA®, 6-8 horas, cápsulas, nas dosagens de 20, 30 e 40 mg) e de ação curta (Rubifen® 3-4 horas, comprimidos, nas dosagens 5, 10 e 20 mg). A dose terapêutica deve ser calculada com rigor: habitualmente uma dose de 1-1,5 mg/kg/dia, não se devendo ultrapassar a dose de 2 mg/kg/dia.

A dextroanfetamina não é comercializada entre nós.

Em relação aos fármacos não estimulantes (adrenérgicos) como a atomoxetina, tem sido pouco usada pelo custo da formulação em solução oral; tal fármaco é mais usado em adolescentes, ou mesmo em adultos.

Tratando-se de uma doença crónica, o tratamento é prolongado. Os sintomas podem persistir até à idade adulta, geralmente com uma atenuação dos comportamentos mais hipercinéticos, mas mantendo desatenção e impulsividade. De referir que os adolescentes e jovens adultos com PHDA não tratados estão em maior risco de instabilidade familiar e laboral, de consumo de drogas de abuso, de delinquência, ou de gravidez indesejada.

Chama-se a atenção para a possibilidade de efeitos cardiovasculares adversos dos estimulantes, o que obrigará, em função do contexto clínico, a exame clínico cardiovascular antecedendo tal tratamento.

É possível que o futuro, com os avanços da genética, nos venha a elucidar melhor sobre os mecanismos etiopatogénicos da PHDA, e a permitir um diagnóstico mais fácil e um tratamento não apenas sintomático, mas sim dirigido à causa da perturbação.

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