Definição e aspectos epidemiológicos
A bronquiolite aguda é uma infecção das vias aéreas de pequeno calibre, de etiologia predominantemente vírica, própria das crianças com idade inferior a 2 anos, e conduzindo a dificuldade respiratória. Este quadro é precedido por sintomatologia das vias aéreas superiores (tosse seca, rinorreia e eventual febre). A designação bronquiolite aguda deve reservar-se para o primeiro episódio de sibilância, sendo de evitar em situações de sibilância recorrente.
Nas regiões temperadas do hemisfério norte, a maior incidência ocorre entre os meses de Novembro e Abril, correspondendo às épocas de maior actividade epidémica dos principais agentes etiológicos. O sexo masculino é afectado em cerca de 60% dos casos. As crianças integradas em famílias de baixo nível económico, expostas a fumo de tabaco e não amamentadas, têm maior risco.
A bronquiolite aguda é habitualmente autolimitada, com resolução em menos de 2 semanas, levando a internamento hospitalar em 1 a 2% dos casos. No entanto, dada a sua elevada incidência, constitui, em números absolutos, a primeira causa de internamento hospitalar em lactentes abaixo dos 6 meses, frequentemente com necessidade de cuidados intensivos.
A mortalidade é inferior a 1% dos doentes internados, ocorrendo predominantemente em crianças com patologia crónica cardíaca, pulmonar, neurológica ou imunitária concomitante.
Cerca de 50% dos doentes podem, após resolução da bronquiolite aguda, evoluir para situações de hiperreactividade brônquica.
É, assim, uma doença com significativa morbilidade e custos elevados sobre os serviços de saúde.
Etiopatogénese
O principal agente etiológico é o Vírus Sincicial Respiratório (VSR), responsável por 60 a 75% dos casos, seguindo-se o Metapneumovírus e Bocavírus humanos (10 a 15%). Outros agentes víricos podem ser detectados (Parainfluenza, Influenza, Rinovírus e Adenovírus). Em 30% dos casos, são documentadas infecções mistas (2 ou mais vírus), que se associam, nalgumas séries, a maior gravidade clínica. Os serótipos 3, 7 e 21 de Adenovírus são responsáveis por casos de maior gravidade, com probabilidade de evolução para bronquiolite obliterante.
Raramente, agentes como Mycoplasma pneumoniae ou Haemophilus influenzae têm sido associados a quadros de bronquiolite aguda.
O VSR, altamente contagioso, afecta virtualmente 100% das crianças até aos 2 anos sem que a evolução conduza necessariamente a bronquiolite aguda. A transmissão faz-se por gotículas de secreções ou contacto directo com mucosas ou objectos infectados e o vírus permanece viável em superfícies durante 6 horas, em roupa ou lenços de papel durante 30 minutos, e na pele durante 20 minutos. O tempo de incubação da doença é 4 a 6 dias.
O VSR infecta as células epiteliais respiratórias, transmitindo-se célula a célula, praticamente sem virémia, mas com lesão das membranas celulares, formação de sincícios e destruição epitelial. Estas alterações iniciam-se na mucosa nasal e progridem para o aparelho respiratório distal, atingindo os bronquíolos em 3 a 5 dias. A necrose epitelial é acompanhada por resposta do hospedeiro, com reacção inflamatória local (infiltração da submucosa por neutrófilos, macrófagos, eosinófilos e plasmócitos, desgranulação e libertação de substâncias citotóxicas, edema, acumulação intra-luminal de muco e detritos celulares, disfunção e destruição de cílios).
No que respeita à libertação de substâncias citotóxicas, importa pormenorizar os fenómenos mais significativos: a) desgranulação de eosinófilos com libertação de proteínas catiónicas com efeito citotóxico sobre o epitélio da via respiratória; b) libertação de IgE com papel importante na sibilância; c) outros mediadores com papel na patogénese da inflamação da via respiratória incluem a IL-8, a proteína inflamatória dos macrófagos 1 alfa, etc.; d) níveis mais elevados de interferão-gama e de leucotrienos na via aérea correlacionam-se com o grau de sibilância.
O broncospasmo é pouco significativo nos lactentes. A obstrução dos bronquíolos de calibres entre 300 e 73 micra leva a áreas arejadas irregularmente distribuídas, de atelectasia e hiperinsuflação por mecanismo valvular, com alteração da relação ventilação/perfusão. Como consequência poderá surgir insuficiência respiratória tipo I (hipoxémia) ou de tipo II (com hipercápnia).
Nos pequenos lactentes, o menor diâmetro das vias aéreas, o menor desenvolvimento de ventilação colateral, a maior elasticidade torácica, a reduzida eficácia da tosse e a menor eficácia da função ciliar, podem contribuir para maior gravidade da doença.
Manifestações clínicas
O quadro clínico inicia-se por rinorreia, injecção conjuntival, tosse irritativa, por vezes febre (inferior a 38ºC). Três a quatro dias depois surge respiração ruidosa ou sibilante, polipneia, retracção costal, adejo nasal, hiperinsuflação torácica e dificuldade alimentar. Abaixo dos 3 meses, a apneia pode constituir a forma de apresentação.
Na sua evolução, a bronquiolite pode complicar-se com irritabilidade, perturbação do sono, prostração, coma, vómitos ou desidratação.
A inspecção detecta hiperinsuflação torácica, e sinais de dificuldade respiratória, com polipneia. À auscultação pulmonar identifica-se prolongamento do tempo expiratório, expiração sibilante, sibilos bilaterais, roncos e fervores subcrepitantes dispersos. A diminuição global do murmúrio vesicular, o gemido, o balanceio da cabeça e a cianose são habitualmente sinais de maior gravidade. Na observação abdominal pode palpar-se fígado, por empurramento pelo diafragma.
São considerados principais factores de risco de bronquiolite grave: idade inferior a 3 meses, antecedentes de prematuridade, imunodeficiência, doença pulmonar crónica, doença neuromuscular e cardiopatia congénita, doenças cromossómicas, hipotonia, exaustão e episódios anteriores de sibilância.
Avaliação de gravidade
O curso clínico da bronquiolite aguda é variável e dinâmico, com ocorrências súbitas e transitórias (episódios de engasgamento ou apneia por exemplo); oscilações ao longo dos dias, com períodos de agravamento e melhoria, condicionados pela alimentação, agitação ou acumulação de secreções respiratórias; ou agravamento progressivo da dificuldade respiratória, a qual pode levar a insuficiência respiratória.
A classificação de gravidade pode ser dificultada pela evolução dinâmica da doença, obrigando a reavaliações clínicas frequentes. A obstrução das vias aéreas superiores, a relação com as refeições, posicionamento e o ciclo de sono/vigília, podem alterar a observação.
A avaliação da gravidade deve incluir a repercussão das alterações respiratórias sobre os estados de consciência, nutrição e de hidratação. O clínico deve também avaliar a capacidade da família para a prestação de cuidados e assegurar as necessárias reavaliações médicas. A presença de factores de risco anteriormente citados deve ser identificada.
Diversos índices de gravidade têm sido desenvolvidos com a finalidade de tornar mais objectiva a valorização do grau de dificuldade respiratória. Nenhum é, no entanto, universalmente aceite e considera-se que todos têm, em geral, pouco valor preditivo pela variabilidade temporal dos achados clínicos e diferenças de objectividade ou subjectividade entre observadores. Como exemplo, apresenta-se o índice de gravidade de Wang, que tem sido usado em diversos estudos aleatorizados e que, na opinião do autor, poderá ser adoptado como referência na prática clínica. A frequência respiratória deve ser avaliada por contagem visual dos movimentos torácicos durante um minuto. (Quadro 1)
QUADRO 1 – Índice de gravidade da bronquiolite aguda (Wang et al, 1992)
Nota: A pontuação pode variar entre 3 e 18, permitindo uniformizar diferentes observações ao longo do tempo, mesmo efectuadas por diferentes técnicos. |
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PONTUAÇÃO | 0 | 1 | 2 | 3 |
Frequência respiratória (ciclos por minuto) | <30 | 31-45 | 46-60 | >60 |
Retracção costal | Ausente | Intercostal apenas | Traqueo-esternal | Grave com adejo nasal |
Sibilos | Ausente | No final da expiração ou apenas audível com estetoscópio | Em toda a expiração ou audível sem estetoscópio | Expiratórios e inspiratórios |
Estado geral | Normal | Irritabilidade, letargia, dificuldade alimentar |
Exames complementares
O diagnóstico de bronquiolite aguda é clínico, baseado na síndroma de dificuldade respiratória obstrutiva baixa (primeiro episódio), idade da criança e contexto epidemiológico, principalmente durante as épocas epidémicas de VRS, Vírus Parainfluenza ou Influenza. O Adenovírus e Rinovírus ocorrem de forma esporádica.
A radiografia do tórax não é necessária na generalidade dos casos. As alterações radiográficas são muito frequentes (hiperinsuflação, acentuação do retículo, áreas de atelectasia ou condensação), mas não se correlacionam com a gravidade clínica. Diversos estudos concluem que as alterações inespecíficas detectadas na radiografia do tórax tendem a aumentar a prescrição inadequada de antibióticos ou corticosteróides sem benefícios para os doentes. A requisição de radiografia do tórax deve, assim, reservar-se para casos graves, com necessidade de cuidados intensivos ou suspeita de pneumotórax. (Figura 1)
FIGURA 1. Aspecto radiográfico do tórax (póstero-anterior e perfil), na bronquiolite aguda: sinais de hiperinsuflação; setas indicando áreas de espessamento peribrônquico e focos de atelectasia/enfisema
Os resultados do hemograma e doseamento de proteína C reactiva não dão contributo importante na bronquiolite aguda, sendo habitualmente desnecessários.
A determinação da saturação em oxigénio da hemoglobina (SpO2) por método percutâneo (oximetria de pulso) tem sido utilizada como complemento da avaliação clínica da gravidade da bronquiolite aguda, nomeadamente para a detecção de hipoxemia subclínica. Não há consensos em relação aos níveis de SpO2 admissíveis nas condições fisiológicas de vigília ou sono, verificando-se, no entanto, que situações de hipoxemia ligeira (91-93% no doente respirando em ar ambiente) são desprovidas de complicações, podendo, no entanto, levar a aumento do número de observações médicas, permanência no hospital ou internamento, sem claros benefícios para a criança. Assim, a monitorização de SpO2 deve ser feita de forma descontínua e criteriosa, mesmo durante o internamento.
A pesquisa de vírus nas secreções ou lavado nasal, por imunofluorescência ou polymerase chain reaction (PCR) está disponível na maioria das unidades de saúde. Pode ser útil para efeitos de agrupamento de doentes em contexto de internamento.
O diagnóstico serológico não é recomendado, por ser demorado e ter baixa sensibilidade.
A determinação do pH e gases pode ser feita no sangue capilar ou arterial, dando um importante contributo no doente grave, principalmente na decisão de internamento em unidade de cuidados intensivos.
O diagnóstico diferencial de bronquiolite aguda pode ser difícil, sobretudo nas formas clínicas menos típicas e sem contexto epidemiológico, podendo ser feito com causas anatómicas, outras infecções, síndromas aspirativas, doenças sistémicas ou asma brônquica. (Quadro 2)
QUADRO 2 – Diagnóstico diferencial da bronquiolite aguda
Causas anatómicas |
Anel vascular, quisto pulmonar, enfisema lobar Pneumotórax, hidrotórax, quilotórax Aspiração de corpo estranho |
Insuficiência circulatória |
Doença cardíaca congénita ou adquirida Anemia |
Infecções |
Pneumonia por vírus, Chlamydia, Rickettsia, Mycoplasma, bactérias, fungos Parasitas |
Irritantes |
Inalação de substâncias tóxicas Pneumonia de aspiração Refluxo gastresofágico Causas metabólicas Intoxicações (ex: salicilatos) Acidose |
Causas metabólicas |
Intoxicações (ex: salicilatos) Acidose |
Causas alérgicas |
Asma Pneumonias designadas de hipersensibilidade |
Critérios de internamento
As seguintes apresentações clínicas são habitualmente motivo para internamento: idade inferior a 6 semanas; episódios de apneia (observados ou relatados); SpO2 persistentemente inferior a 92% em ar ambiente; suprimento inadequado de fluidos (inferior a 2/3 da dose habitual em mais do que duas refeições, quer por vómitos, quer por recusa alimentar); sinais de dificuldade respiratória grave (gemido, cianose, tiragem global, balanceio da cabeça, polipneia superior a 70 cpm); presença de co-morbilidades (cardiopatia congénita cianótica ou hemodinamicamente significativa, doença pulmonar crónica incluindo displasia broncopulmonar, imunodeficiência, doença neuromuscular). O ambiente socioeconómico e a capacidade da família em prestar cuidados e devem avaliados e tidos em consideração.
Tratamento
A bronquiolite aguda é uma doença autolimitada, evoluindo para a cura em 7 a 14 dias, habitualmente sem sequelas nem complicações. As formas ligeiras necessitam apenas de humidificação e aspiração cuidadosa das secreções das vias aéreas (o que promove a drenagem e desobstrução por mecanismos fisiológicos), cuidados no posicionamento, e alimentação do lactente. A família deve ser esclarecida no sentido de saber reconhecer precocemente qualquer eventual agravamento do quadro, havendo apoios disponíveis em termos de serviços de saúde.
A elevação da cabeça é recomendada para evitar a aspiração de alimentos. As refeições devem ser fraccionadas e, se a criança não conseguir ingerir, pelo menos, dois terços das suas necessidades diárias habituais, deverá ser ponderada a alimentação por sonda oro ou nasogástrica. Em caso de vómitos ou evidência de desidratação, poderá ser necessária a administração de fluidos endovenosos.
Nos últimos anos têm sido efectuados estudos duplamente cegos e aleatorizados com a finalidade de verificar a utilidade clínica dos fármacos tradicionalmente utilizados na terapêutica de bronquiolite aguda. Os resultados da investigação no sentido de provar cientificamente a utilidade de determinados fármacos no contexto do tópico em análise têm nulos; por isso, pode afirmar-se que actualmente não existe nenhum medicamento considerado eficaz ou útil na terapêutica desta infecção. Diversas entidades têm emitido normas para diagnóstico e terapêutica da bronquiolite aguda, sendo de destacar as da Direcção Geral da Saúde/Sociedade Portuguesa de Pediatria, Associação Americana de Pediatria e NICE Guidelines do Reino Unido, todas publicadas desde 2014.
Oxigénio
A administração de oxigénio suplementar, por prongas nasais, máscara ou cânulas nasais de alto fluxo, é habitualmente recomendada na bronquiolite aguda moderada a grave se SpO2 < 90%. Em caso de apneia, exaustão muscular, ou sinais clínicos com critérios gasométricos de insuficiência respiratória (gasometria capilar com pO2 < 60 mmHg, pCO2 > 60 mmHg ou pH < 7,25) pode estar indicado o internamento da criança em unidade de cuidados intensivos, para assistência respiratória não invasiva ou ventilação convencional.
Nos doentes com SpO2 entre 90 e 93%, a necessidade de administração de oxigénio suplementar não está bem estabelecida, havendo autores que referem que esta suplementação pode ser prejudicial, por prolongar a estadia no serviço de urgência ou o internamento, com custos acrescidos e eventuais efeitos secundários daí decorrentes.
Dados fisiológicos baseados no estudo da curva de dissociação de oxi-hemoglobina demonstram que pequenos aumentos da pressão arterial de oxigénio (Pa O2) associam-se a grandes aumentos de SpO2, na porção da curva abaixo dos 90%. Pelo contrário, para valores superiores a 90%, são necessários maiores incrementos da PaO2 para fazer aumentar a SpO2. Em lactentes com bronquiolite não há dados para afirmar qualquer diferença na sintomatologia, resultados clínicos ou diferenças na função respiratória que apoiem a administração de oxigénio suplementar em doentes com SpO2 entre 90 e 93%. O risco da hipoxemia deve ser sempre comparado com o risco de permanência nos serviços médicos ou de hospitalização. Períodos transitórios de hipoxemia, como os verificados na bronquiolite aguda, não têm habitualmente efeitos deletérios, ao contrário do que sucede na hipoxia crónica. A monitorização contínua de SpO2 durante o internamento leva também a maior duração do mesmo, sem evidência de benefícios. Os erros de medição e os alarmes erróneos e frequentes (má captação, deslocamento), levam perturbação do sono e ansiedade parental.
O oxigénio de alto fluxo melhora as avaliações fisiológicas de esforço respiratório, reduz o trabalho respiratório e diminui a necessidade de entubação. Como efeito secundário é de referir algum risco acrescido de pneumotórax. São necessários mais estudos, mas a administração de oxigénio de alto fluxo parece ser um método com interesse pela eficácia demonstrada no doente grave, antes do recurso à ventilação mecânica.
Nalguns centros, nas formas graves, é utilizada como primeira escolha a ventilação não invasiva com pressão positiva contínua (CPAP).
Hidratação e nutrição
A alimentação oral está habitualmente mantida nos casos ligeiros. No entanto, lactentes com frequência respiratória aumentada, obstrução nasal e alteração de coordenação entre a respiração e a deglutição, têm dificuldade em se alimentar, o que comporta risco de regurgitação ou vómito. Sendo uma doença altamente consumidora de energia, recomenda-se alimentação por sonda oro ou nasogástrica se o suprimento calórico for inferior a 2/3 das necessidades.
As necessidades hídricas e calóricas podem ser asseguradas por via endovenosa, obrigatória se a criança tiver vómitos persistentes ou sinais de desidratação. Pelo risco de hiponatrémia e síndroma inapropriada de hormona antidiurética, os solutos hipotónicos estão contraindicados, recomendando-se, habitualmente, NaCl a 0,9% com dextrose 5%.
Terapêutica farmacológica
Salbutamol
Pela frequência de sibilos na bronquiolite aguda vírica, é comum a utilização de broncodilatadores no tratamento da mesma. A maioria dos ensaios clínicos aleatorizados não demonstrou, no entanto, efeitos benéficos consistentes na sua utilização. Ocasionalmente verifica-se melhoria transitória dos índices de gravidade, sem repercussão, quer na duração dos sintomas, quer na necessidade ou duração do internamento hospitalar. Esses estudos são heterogéneos, com diferentes critérios de selecção dos doentes, vias de administração, sistemas de nebulização, etc., o que limita a sua interpretação. O uso de broncodilatadores pode comportar riscos como o tremor e a taquicardia.
As recomendações anteriores, que sugeriam a administração de uma dose de salbutamol na bronquiolite, que se manteria, posteriormente, em caso de resposta positiva, já não são válidas, uma vez que se constatou dificuldade em objectivar, não só a resposta, mas também, em definir o subgrupo dos respondentes.
O uso de salbutamol não é, assim, recomendado na bronquiolite aguda. Não são recomendados outros broncodilatadores, como terbutalina, procaterol ou brometo de ipratrópio.
Epinefrina
A epinefrina nebulizada tem efeitos alfa e beta-adrenérgicos com broncodilatação, vasoconstrição e diminuição do edema. Em estudos aleatorizados e controlados não foi demonstrado benefício da epinefrina nebulizada vs placebo nem vs salbutamol, nem sequer diminuição do tempo de internamento. Actualmente não se recomenda o seu uso na bronquiolite aguda vírica.
Corticosteróides
Apesar das provas científicas robustas favorecendo o uso de corticosteróides inalados ou sistémicos noutras situações que cursam com inflamação brônquica, não se demonstrou o mesmo na bronquiolite aguda. Uma revisão sistemática demonstrou que a corticoterapia não se associou a redução do número de internamentos ou da sua duração. Poderá verificar-se contudo certa melhoria em doentes com fundo atópico. Alguns autores referem que a corticoterapia prolonga o tempo de eliminação de vírus pelos lactentes.
Cloreto de sódio hipertónico
O cloreto de sódio hipertónico nebulizado tem sido largamente investigado no âmbito da terapêutica da bronquiolite aguda. O mecanismo fisiológico inclui a diminuição de edema da submucosa, com chamada de água ao lume brônquico, diminuição da viscosidade do muco e melhoria da função ciliar. Com efeito, provou-se cientificamente que o uso de cloreto de sódio hipertónico diminui a duração do internamento hospitalar, bem como os índices de gravidade ao longo do internamento. Têm sido testadas diversas concentrações (3%, 5%, 7%) com idênticos resultados. Ulteriormente, os resultados doutros estudos, aleatorizados e duplamente cegos contestaram as referidas vantagens.
No entanto, a AAP mantém a recomendação de uso de cloreto de sódio hipertónico em doentes seleccionados com bronquiolite aguda, chamando a atenção para a segurança de tal actuação terapêutica e para certos efeitos acessórios ligeiros e pouco frequentes (tosse, rinorreia).
Antibióticos
Os antibióticos não estão recomendados na terapêutica da bronquiolite aguda. No entanto, pela idade, pela presença de febre, e pela possibilidade de infecção bacteriana secundária, é frequente a sua utilização. O risco de sépsis ou bacteriemia em lactentes com quadro clínico de bronquiolite é de apenas 1%, em contraponto com a mesma probabilidade em lactentes com febre sem foco identificável (habitualmente referida ~ 7%). Risco com magnitude idêntica existe relativamente a outras infecções como meningite, infecção urinária, pneumonia ou outras doenças bacterianas graves; por isso, não se justifica a administração de antibioticoterapia empírica.
A realização de hemograma, avaliação dos parâmetros de fase aguda de infecção, a hemocultura, urocultura ou outros exames culturais em lactentes com o diagnóstico de bronquiolite aguda também não se justificam de forma generalizada. Na radiografia do tórax, as imagens de hipotransparência correspondem maioritariamente a áreas de atelectasia, sendo muito rara a sobreinfecção bacteriana pulmonar.
A presença de otite média aguda concomitante com a bronquiolite aguda é motivo de prescrição de antibióticos na prática clínica corrente. No entanto, na maioria dos casos, a otite é, neste contexto, muitas vezes de etiologia vírica; a este respeito, deve valorizar-se, como critério de otite média aguda bacteriana, o abaulamento da membrana timpânica, bem como a presença de otorreia.
Outros fármacos
A ribavirina é um fármaco antivírico, derivado das purinas, activo contra o VSR, o vírus da gripe e o vírus da Hepatite C. O seu uso é recomendado em casos graves de infecção por VRS, em contexto de cuidados intensivos. Trata-se dum fármaco dispendioso, tecnicamente difícil de administrar, e com efeitos tóxicos graves, nomeadamente teratogénicos.
O palizivumab não é recomendado na bronquiolite aguda, devendo ser reservado para profilaxia passiva (ver adiante). Não se recomenda a utilização de montelucaste, anti-histamínicos, diuréticos, xantinas, sulfato de magnésio, imunoglobulina humana anti-VSR, interferão, rhDNAse, ervas chinesas ou surfactante. Nalguns doentes graves, em unidades de cuidados intensivos, têm sido relatados casos de sucesso com administração de heliox (mistura de hélio 70% com oxigénio 30%).
Cinesiterapia respiratória
Uma revisão Cochrane recente comparou nove estudos aleatorizados que avaliaram os resultados da realização de cinesiterapia respiratória em lactentes internados com bronquiolite aguda. Não foram encontrados efeitos benéficos, nem com técnicas activas (vibração ou percussão), nem passivas (drenagem). Num dos estudos demonstrou-se diminuição da necessidade de oxigénio em casos de atelectasia extensa.
Profilaxia da infecção por VSR
Não existe vacina contra VSR.
O anticorpo monoclonal humano (palivizumab) pode reduzir a taxa de hospitalização em grupos de risco (antecedentes de prematuridade < 29 semanas, displasia bronco-pulmonar ou cardiopatia grave). A Sociedade Portuguesa de Pediatria tem emitido normas para a sua utilização na realidade portuguesa. Habitualmente são administradas 5 doses mensais (de Novembro a Março) de 15 mg/kg IM nos primeiros dois anos de vida. Tal actuação é dispendiosa, e não recomendada noutras situações (fibrose quística, doenças neuromusculares, síndroma de Down, malformações pulmonares, designadamente).
Além de se transmitir facilmente entre os conviventes, o VSR é viável durante longos períodos no meio ambiente (superfícies: 6 horas; roupas e lenço de papel: 30 minutos; pele: 20 minutos). É importante a lavagem correcta das mãos antes e após a manipulação das crianças, com água e sabão ou solução alcoólica, bem como o uso de luvas, toucas e medidas de isolamento de gotículas. Deve-se evitar a partilha de objectos e encorajar a limitação de contactos. Neste aspecto, assume particular importância a limitação de visitas aos recém-nascidos durante os meses de Inverno, bem como a consciencialização das famílias.
A evicção de tabaco e a incentivação do aleitamento materno contribuem para diminuir o risco de infecção e a gravidade da bronquiolite aguda.
Complicações e prognóstico
A bronquiolite aguda tem baixa mortalidade (0,01%), estando esta associada a factores de risco prévios.
A morbilidade é, pelo contrário, muito significativa, com complicações na fase aguda (atelectasia, insuficiência respiratória, apneia, pneumotórax, sobreinfecção bacteriana), evolução arrastada com deterioração clínica e evolução para quadro de bronquiolite obliterante.
Em cerca de 20 a 30% das crianças, podem ocorrer crises recorrentes de hiperreactividade brônquica ao longo da infância. Grandes estudos populacionais identificaram três fenótipos de crianças com sibilância recorrente: alguns lactentes têm calibre reduzido das vias aéreas e compromisso da função respiratória antes da bronquiolite; outros têm antecedentes familiares ou pessoais de atopia, contribuindo a infecção vírica para desencadear um quadro de asma brônquica: Nalguns casos podem surgir sequelas mantidas da lesão induzida pelo vírus.
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