Importância do problema

Considera-se alimentação adequada aquela que propicia os nutrientes que promovem o crescimento e o desenvolvimento adequados, nomeadamente do sistema nervoso, o que constitui garantia para a saúde e bem-estar da criança, adolescente e futuro adulto.

O termo nutriente refere-se ao componente nutritivo do alimento, sendo este último definido como o composto ingerido; o alimento engloba, por sua vez, elementos nutritivos e não nutritivos.

São consideradas sete categorias principais de nutrientes:
1. Água;
2. Energia;
3. Proteínas;
4. Hidratos de carbono;
5. Gorduras;
6. Vitaminas;
7. Minerais (minerais major e oligoelementos). Os chamados micronutrientes compreendem 13 vitaminas e 17 minerais essenciais (destacando-se, entre estes, os oligoelementos).

O termo nutrição diz respeito ao conjunto de trocas que se verificam entre o organismo vivo e o meio que o rodeia.

Com efeito, as crianças são mais vulneráveis aos estados de subnutrição do que os adultos por três razões fundamentais: a) mais baixas reservas de nutrientes, (e tanto mais quanto mais baixos forem o peso corporal e a idade) pelo risco de mais rápido esgotamento; b) maiores necessidades para o crescimento que é mais rápido, sobretudo nos primeiros dois anos e, particularmente, no primeiro ano de vida (período em que o peso de nascimento triplica, o comprimento aumenta 50% e o cérebro atinge cerca de 70% do tamanho adulto); c) rápido desenvolvimento neuronal durante o último trimestre da gravidez e nos primeiros dois anos de vida pós-natal, sendo de salientar que a complexidade das conexões neuronais é extremamente vulnerável à subnutrição. Efectivamente, considera-se hoje, com base científica, que os primeiros 1.000 dias de vida, desde a data da concepção, são de crucial importância para a saúde futura da criança e adulto.

Os princípios da nutrição na actualidade repousam ainda numa certa base de empirismo e de hábitos transmitidos de geração em geração. De facto, é difícil ainda avaliar as possibilidades de adaptação e de compensação do organismo em desenvolvimento (regulada geneticamente) quanto à absorção, metabolismo e excreção de determinados nutrientes face à carência de outros.

Por outro lado, as chamadas “curvas ou tabelas“ de crescimento concebidas matematicamente com base nos dados colhidos em grande número de indivíduos de determinada população e região, poderão não se aplicar com rigor noutra população com características e padrão nutricional diversos para avaliação da “normalidade” dos incrementos em peso, altura e outros parâmetros, o que constitui uma limitação.

Talvez, num futuro próximo, os progressos da biologia molecular ajudem a compreender melhor a grande variabilidade dos mecanismos homeostáticos do metabolismo que expliquem, nomeadamente, as variações de susceptibilidade e de tolerância a carências e a excessos de nutrientes.

Critérios para o cálculo de nutrientes

As necessidades em macronutrientes (hidratos de carbono, lípidos, prótidos) e em micronutrientes (minerais e vitaminas) variam de indivíduo para indivíduo em função da idade, velocidade de crescimento, grau de actividade física e de factores genéticos interagindo com factores ambientais.

Diversos organismos como a FAO, OMS, UNICEF, a National Academy of Sciences e o Food and Nutrition Board, produzindo ao longo dos anos um acervo de dados científicos sobre nutrição, determinaram as necessidades nutricionais adequadas de algumas substâncias susceptíveis de originarem, quando em défice, estados carenciais; de referir que os valores estabelecidos são periodicamente revistos.

 O mesmo Food and Nutrition Board publicou os chamados “valores de referência a utilizar para o cálculo do regime alimentar” (Dietary Reference Intakes ou DRI) relativos ao cálcio, fósforo, magnésio, vitamina D, flúor, folato e vitaminas do complexo B, restantes nutrientes, água e electrólitos e fibras.

No conceito de DRI são abrangidos os seguintes parâmetros:

  • EAR (Estimated Average Requirement) – “necessidade média ou valor quantitativo estimado” significando o suprimento de determinado nutriente que satisfaz as necessidades de 50% da população considerada saudável em relação aos critérios utilizados como referência. Dum modo geral são considerados os valores diários durante uma semana ou durante uma etapa concreta da vida.
  • RDA (Recommended Dietary Allowance) ou “suprimento nutricional recomendado” significando o valor quantitativo de determinado nutriente que satisfaz as necessidades da maioria 97%–98% da população saudável.
    A relação quantitativa entre RDA e EAR é estabelecida pela seguinte equação: RDA = EAR + 2 DP (desvios-padrão).
  • AI (Adequate Intake) ou “suprimento adequado” ou Nutrient Intake Values (NIV).

Nos casos em que não se dispõe de dados suficientes para calcular o EAR, emprega-se a AI para determinar o consumo médio de nutrientes (por ex., nos recém-nascidos a AI baseia-se no consumo diário de nutrientes de um lactente saudável nascido de termo e alimentado exclusivamente com leite materno); globalmente pode afirmar-se que a AI se baseia no suprimento diário de determinado nutriente em indivíduos saudáveis.

Segundo os peritos dos organismos anteriormente referidos foi recomendado que se empreguem as AI para todos os nutrientes em crianças com menos de 1 ano, e, para o cálcio, vitamina D e flúor, em todas as etapas da vida.

  • ULs (Tolerable Upper Limits) ou “limite superior tolerável“ do nutriente que não comporta risco de efeitos adversos em indivíduos saudáveis; ou seja, o risco de efeitos adversos e de toxicidade aumenta com o aumento de consumo do nutriente acima de tal limite.
    É provável que, com o desenvolvimento de estudos e o conhecimento de mais resultados, os EAR venham a substituir os RDA.
  • UNL (Upper Nutrient Level) ou “suprimento máximo tolerável“ significando o suprimento máximo diário de determinado nutriente que não origina efeitos adversos na quase totalidade de um grupo da população saudável.

De acordo com as recomendações dos peritos internacionais em nutrição em idade pediátrica dos organismos atrás referidos assim como doutros (American Academy of Pediatrics/AAP, Food and Agriculture Organization/FAO da Organização Mundial de Saúde, European Society for Pediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition/ESPGHAN) abrangendo estudos populacionais representativos de todas as partes do globo, na prática é recomendado que se utilizem quanto aos suprimentos em nutrientes, os critérios DRI ou RDA.

Dado que para algumas substâncias essenciais ainda não se conhecem estes dados, poderá admitir-se que um regime alimentar variado seja a única forma prudente de as fornecer após o período da lactação. O leite humano parece fornecer todos os elementos essenciais durante um período prolongado. Ainda que alguns nutrientes essenciais devam ser incluídos no regime alimentar diário, outros são armazenados pelo organismo, podendo, por consequência ser administrados periodicamente.

Necessidades nutricionais e recomendações

1. Água

A água (o solvente do nosso organismo) é essencial para a existência, surgindo a morte por carência absoluta em número variável de dias. O conteúdo em água é maior nas crianças mais pequenas em relação às maiores e aos adultos – cerca de 75-80% do peso corporal nos recém-nascidos (RN) contra 55-60% nos adultos.

A água corporal total distribui-se pelos seguintes compartimentos: intracelular (IC) e extracelular (EC); o EC, por sua vez, compreende o interstício e o plasma.

No adulto as respectivas proporções são as seguintes: IC <> 2/3;EC<> 1/3. No EC: 3/4 <> ao interstício e 1/4 <> ao plasma.

Na criança a água corporal está diferentemente distribuída. No recém- nascido o EC <> 45% do peso corporal e o IC<> 35%. Com a idade a proporção do IC vai aumentando e a do EC diminuindo, atingindo-se os valores semelhantes aos do adulto quando é atingido o peso de 15 kg (EC<> 20-25%; IC<>30-40%.

Embora os líquidos administrados constituam o principal suprimento em água, parte desta obtém-se da oxidação dos alimentos (os regimes alimentares mistos fornecem aproximadamente 12 gramas de H2O/100 Kcal) e, em caso de necessidade, dos próprios tecidos corporais (fonte endógena: cerca de 5-10 mL/kg/dia).

A oxidação de 100 gramas de gordura, de hidratos de carbono e de proteínas produz respectivamente 107, 55 e 41 gramas de água.

As necessidades de água dos seres humanos dependem do consumo de energia (calorias) de que o organismo necessita (taxa metabólica), das perdas globais de líquidos incluindo as perdas insensíveis, e do funcionamento renal, o que pode ser avaliado de modo sumário e fora de situações patológicas, pela densidade urinária.

O valor de RDA para a água actualmente não está determinado, esperando- se no futuro que o Food and Nutrition Board defina o DRI.

O Quadro 1 resume globalmente as necessidades em água no grupo etário pediátrico.

O Quadro 2 resume as necessidades diárias de manutenção em líquidos aplicáveis na idade pediátrica.

QUADRO 1 – Necessidades em água

IdadePeso médio (kg)Água (ml/kg/24 horas)

d= dias; m= meses; a= anos

3 d3,080-100
10 d3,2125-150
3 m5,4140-160
6 m7,3130-155
9 m8,6125-145
12 m9,5120-135
2 a11,8115-125
4 a16,2100-110
6 a20,090-100
10 a28,770-85
14 a45,050-60
18 a54,040-50

QUADRO 2 – Necessidades de líquidos/Líquidos de manutenção

1-10 kg100 ml/kg
11-20 kg1000 ml + 50 ml / cada kg acima de 10
21 kg e mais1500 ml + 20 ml / cada kg acima de 20

 

Recorda-se, a propósito, o que foi referido na Parte X a propósito da terminologia água/hídrico versus fluidos/líquidos, assumindo relevância quando se trata de administração por via IV.

O consumo diário de líquidos por parte do RN saudável equivale a 10-15% do peso corporal, em comparação com 2-4% no adulto. De referir que o alimento habitual dos recém-nascidos e crianças mais pequenas (o leite) tem um grande conteúdo em água (cerca de 89%) o qual aumenta para 95% como resultado da oxidação a que atrás nos referimos; a maior parte dos alimentos sólidos do regime alimentar duma criança contém cerca de 60-70% de água e, muitas das verduras e frutas cerca de 90%.

A água absorve-se, em grau variável, em todo o trajecto do tubo intestinal. A quantidade de água que existe no compartimento intersticial muda com facilidade para manter o equilíbrio homeostático entre os compartimentos intracelular e vascular. As trocas de água entre estes compartimentos dependem das respectivas concentrações de proteínas e de electrólitos. Em função da velocidade de crescimento, fica “retida” no organismo uma percentagem variável do suprimento em líquidos (entre 0,5-3%). Num “lactente de referência do sexo masculino”, a retenção de água varia entre 9-25 mL/24 horas durante o primeiro ano de vida.

O equilíbrio hídrico depende de variáveis tais como o conteúdo de proteínas e minerais no regime alimentar o qual, por sua vez, determina a carga de solutos a ser submetida a excreção renal, as taxas metabólica e respiratória, e a temperatura corporal.

A osmolaridade do plasma traduz a osmolaridade do organismo a qual é mantida em valores da ordem de 287 mOsm/L para que o volume celular se mantenha constante.

O RN consome quantidades de água por unidade de peso corporal muito maiores que o adulto; contudo, fazendo os cálculos por unidade de ingestão calórica, as quantidades necessárias são quase idênticas. Como regra geral pode estabelecer-se que as necessidades são 60 ml/kg no primeiro dia de vida, atingindo-se 125-150 ml/kg/dia no 7º dia.

No RN de muito baixo peso (RNBP ou de peso inferior a 2500 gramas) e idade gestacional inferior a 37 semanas em circunstâncias consideradas de estabilidade clínica, em crescimento, e de ambiente de termoneutralidade com uma humidade entre 50-80%, as necessidades oscilam entre 130- 180 ml/kg/dia para um suprimento energético de 130 kcal/kg/dia (ver adiante).

No período de recém-nascido as perdas fecais são escassas (5-10 ml/kg/dia) e as perdas insensíveis entre 30-60 ml/kg/dia.

Por outro lado, mantendo o rim o equilíbrio hidro-electrolítico do organismo, o mesmo promove a excreção renal de água da ordem de 90 ml/kg/dia, variando a concentração osmolar e o volume de urina. A osmolaridade urinária máxima no RN é 600-700 mOsm/L, mais limitada que na criança maior.

De referir que as necessidades de água para o crescimento nesta fase da vida são 10 ml/kg/dia, estabelecendo-se a relação de 1,5 ml de H2O por kcal consumida.

2. Energia

Em metabolismo, a unidade de calor é a caloria grande ou kilocaloria (1 Cal= 1 Kcal); esta medida emprega-se para nos referirmos ao conteúdo energético dos alimentos. Uma kilocaloria define-se como a quantidade de calor necessária para elevar a temperatura de 1 kg de água, de 14,5ºC para 15,5ºC. A produção de calor por oxidação varia com os distintos alimentos. Ora, medindo-se a quantidade de O2 consumido, ou os produtos finais da oxidação (CO2+H2O), são obtidos valores sobreponíveis aos obtidos por calorimetria directa.

O kilojoule é outra medida utilizada com a seguinte correspondência: 1 kilojoule = 4,2 kcalorias.

As necessidades energéticas das crianças variam muito com as distintas idades e circunstâncias.

Cerca de 50% da energia fornecida pelos nutrientes é destinada a cobrir as necessidades do metabolismo basal.

Por cerca de 100 kcal ingeridas são produzidos cerca de 100 ml de água (água metabólica de acordo com o conceito atrás descrito).

O crescimento origina um consumo de energia da ordem de 20-30% da energia disponível. Tal consumo é directamente proporcional à velocidade de crescimento (mais elevado no primeiro ano de vida e, mais tarde, na adolescência).

A actividade física, em regra mais elevada na criança que no adulto, despende cerca de 10 a 25% da energia. No pequeno lactente o choro corresponde a um tipo de actividade física.

A acção dinâmica específica (ADE) ou incremento do metabolismo por dispêndio de energia acima dos valores basais originado pela ingestão, digestão e transporte dos nutrientes até à sua conversão final em ATP, corresponde a valores entre 5 a 10% da energia disponível. A ADE é mais elevada para as proteínas do que para as gorduras e mais elevada para estas do que para os hidratos de carbono.

As perdas fecais correspondem a cerca de 8% da energia, fundamentalmente como gordura não absorvida.

O metabolismo basal mede-se à temperatura ambiente (20ºC) entre 10 e 14 horas após uma refeição, com o indivíduo física e emocionalmente tranquilo. Para cada grau centígrado de temperatura o metabolismo basal aumenta aproximadamente 10%.

Nos RN as necessidades basais correspondem aproximadamente a 55 kcal/kg/24 horas, diminuindo progressivamente para 25-30 kcal/kg/24 horas à medida que avança o processo de maturação.

A digestão de proteínas pode elevar o metabolismo até 30% acima do nível basal excepto quando se verifica a sua deposição nos tecidos; por outro lado, as gorduras e os hidratos de carbono têm um efeito de “poupança” sobre a ADE das proteínas, produzindo incrementos mais discretos daquela, respectivamente 4% e 6%.

Nos RN a ADE corresponde a cerca de 7-8% do suprimento calórico, e a 5% nos lactentes e crianças maiores.

O cálculo da energia necessária para formar tecido corporal (crescimento) obtém-se calculando a diferença entre as calorias ingeridas e as utilizadas para outros fins.

Estudos populacionais realizados pela OMS/ FAO e outros peritos estabeleceram a seguinte relação de gasto ou consumo energético para o crescimento: 4,8 kcal – 5,6 kcal/grama de incremento de peso.

As necessidades médias para a actividade física são cerca de 15-25 kcal/kg/24 horas com máximos até 50-80 kcal/kg/24 horas durante períodos curtos.

Ainda que seja mais rigoroso calcular as necessidades calóricas a partir da superfície corporal do que em relação ao peso e à idade, o critério final para avaliar as necessidades na criança depende do modelo de crescimento, da sensação de bem-estar que se verifique, e da saciedade.

De acordo com a OMS/FAO e estudos de peritos internacionais as necessidades energéticas em kcal/kg/dia são resumidas no Quadro 3.

Globalmente, pode afirmar-se que as necessidades diárias após o primeiro ano de vida diminuem cerca de 10 kcal/kg por cada três anos.

Nos períodos de crescimento e desenvolvimento rápidos em torno da puberdade, haverá que incrementar o consumo de calorias.

Como regra geral é estabelecido que, por cada 100 kcal, devem ser fornecidos 120 ml de água.

O Quadro 4 relaciona estados mórbidos diversos com variação das necessidades calóricas.

QUADRO 3 – Relação de necessidades energéticas em kcal/kg/dia

m= meses; a= anos; RN= recém-nascido
(*) Em função da actividade (ligeira ou moderada) o coeficiente de variação é +- 20%

Idade

Suprimento energético
(Kcal/kg/dia) recomendado (RDI) (*)

0-1 m80-125 (110-165 no RN pré-termo)
2-3 m90-116
4-5 m84-103
6-9 m84-95
10-12 m93-101
1-3 a90-110
4-6 a80-90
7-9 a70-80
10-12 a45-70
13-18 a40-60
adulto40-50

QUADRO 4 – Relação entre estados mórbidos diversos e variação das necessidades calóricas

Estado mórbidoVariação das necessidades calóricas
Inanição-20 a + 20%
Estado pós-operatório+10 a + 20%
Fracturas/politraumatismo+7 a + 25%
Infecção sistémica grave+15 a + 50%
Queimaduras do 3º grau com >20% de área da pele afectada+35 a + 100%

A distribuição calórica de proteínas, gorduras e hidratos de carbono (percentagem do valor calórico total ou % VCT) no leite humano é semelhante à que se verifica na maioria dos leites industriais para lactentes num regime alimentar considerado equilibrado.

Assim, considera-se regime equilibrado aquele em que cerca de 7-15% das calorias derivam das proteínas, 35-55% dos hidratos de carbono, e 30-55% das gorduras.

Na criança maior, 10-15% das calorias devem proceder das proteínas, 55-60% dos hidratos de carbono e, aproximadamente 30%, das gorduras.

Cada grama de proteína ou hidrato de carbono ingerido proporciona 4 kcal. Um grama de ácidos gordos de cadeia curta proporciona 5,3 kcal; um grama de ácidos gordos de cadeia média gera 8,3 kcal e 1 grama de ácidos gordos de cadeia longa, 9 kcal. Um suprimento calórico continuado superior ou inferior ao consumo do organismo conduzirá a que a gordura corporal aumente ou diminua. Em geral, um desequilíbrio calórico constante de 500 kcal/dia modifica o peso corporal na proporção de cerca de 450 gramas/semana.

De referir que no primeiro ano de vida as curvas de referência baseadas em estudos de lactentes alimentados com leite materno exclusivo nos primeiros 6 meses de vida não se sobrepõem às baseadas em estudos de lactentes alimentados com leite industrial no mesmo período da vida, concluindo-se que as necessidades energéticas no primeiro caso-alimentação com leite materno- são inferiores (menos 10-25 kcal/kg/dia).

3. Proteínas

As proteínas, (moléculas que contêm azoto e constituídas por unidades básicas chamadas aminoácidos) correspondem aproximadamente a 20% do peso corporal do adulto.

Na idade pediátrica o processo de síntese e de proteólise estão aumentados, sendo que o processo de síntese predomina sobre o de proteólise com consequente acréscimo de proteínas que se traduz em crescimento e em balanço azotado positivo. Um dos mecanismos de regulação do metabolismo proteico depende da insulina que tem papel anabolisante contribuindo para o incremento de peso.

No adulto saudável o balanço de azoto é nulo.

Foram identificados 24 aminoácidos que são utilizados na síntese das proteínas; destes, 9 são essenciais (isto é, não sintetizados pelo organismo, o que obriga ao respectivo suprimento no regime alimentar): treonina, valina, isoleucina, leucina, lisina, triptofana, fenilalanina, metionina e histidina. Para além destes, a arginina, a cistina, a taurina, a glicina e a tirosina são também essenciais para os recém-nascidos pré-termo.

Como funções essenciais das proteínas cabe citar o seu papel no incremento ou formação de novos tecidos (massa magra), na função imunitária e no desenvolvimento de capacidades relacionadas com o comportamento.

De salientar que não se pode formar tecido novo se todos os aminoácidos essenciais não estiverem presentes no regime alimentar ao mesmo tempo; ou seja, a ausência ou défice de apenas um aminoácido essencial condiciona um balanço nitrogenado negativo.

As proteínas desdobram-se durante o processo digestivo em oligopéptidos e aminoácidos. O ácido clorídrico do estômago propicia o pH óptimo para a cisão dos péptidos através da acção da pepsina. A quimiosina transforma a caseína do leite em paracaseína a qual é hidrolisada pela pepsina juntamente com outras proteínas. As diversas proteases têm maior apetência para uniões peptídicas específicas; algumas provocam rupturas de uniões no interior da cadeia peptídica, e outras actuam em zonas de ligações mais terminais.

No meio alcalino do intestino, a tripsina, a quimiotripsina e a carboxipeptidase do pâncreas hidrolisam estas proteínas e peptonas em péptidos e em alguns aminoácidos; outras peptidases dos sucos intestinais promovem a digestão até à fase de aminoácidos.

Embora quantidades mínimas de certas proteínas se possam absorver “intactas” com é demonstrado através das reacções imunitárias, em condições ditas normais de maturidade do tubo digestivo, ou na ausência de patologia, são os produtos hidrolisados (aminoácidos) e alguns péptidos que se absorvem através da mucosa intestinal com a intervenção de transportadores específicos. Os oligopéptidos de maiores dimensões podem absorver-se durante os primeiros meses de vida ou na sequência de episódios de gastrenterite.

Os aminoácidos são transportados ao fígado pela circulação portal e, a partir daí, são distribuídos pelos diversos tecidos. Os mesmos reorganizam-se em forma de proteínas humanas funcionais (por ex. albumina, hemoglobina, hormonas) sendo que as porções nitrogenadas dos aminoácidos excedentários se convertem em ureia no fígado e se excretam pelo rim.

A oxidação do carbono dos aminoácidos é muito semelhante à dos hidratos de carbono e à das gorduras, sendo alguns glucogénicos e outros cetogénicos.

As proteínas não se podem armazenar de forma eficaz. Nas situações de carência proteica as proteínas dos músculos são destruídas para servirem de fonte de aminoácidos para utilização em zonas do organismo consideradas mais importantes, como o cérebro, ou para a síntese enzimática.

As anomalias do metabolismo das proteínas e dos aminoácidos, que serão abordados na Parte XXXII, constituem uma parte importante das entidades patológicas conhecidas vulgarmente por doenças hereditárias do metabolismo.

O suprimento nutricional recomendado para as proteínas em diversas idades tendo como base o teor em proteínas no leite humano, é inferior aos anteriormente divulgados pela OMS/FAO, com especial realce para o 1º ano de vida.

De acordo com dados divulgados em 2015 do Food and Nutrition Board, Institute of Medicine foram estabelecidos os seguintes valores considerados seguros (AI): 0-12 meses → 1,5 g/kg/dia; 1-3 anos → 1,1 g/kg/dia; 4 -13 anos → 0,95 g/kg/dia; 14-18 anos → 0,85 g/kg/dia; adultos → 0,8 g/kg/dia; grávidas e mulheres lactantes com base no peso pré-gravidez → 1,1 g/kg/dia.

No que respeita a RDA: 7-12 meses → 11 g/dia ou 1,2 g/kg/dia ; 1-3 anos → 13g/dia;

4-8 anos → 19 g/dia; 9-13 anos → 34 g/dia; 14-18 anos → 52 g/dia (sexo M) e → 46 g/dia (sexo F).

Quanto à EAR foram estabelecidos os seguintes valores: 7-12 meses → 0,98 g/kg/dia; 1-3 anos → 0,86 g/kg/dia; 4-8 anos → 0,76 g/kg/dia.

NB – Admitindo-se um coeficiente de variação de 12%, os valores referentes a RDA são obtidos multiplicando os de EAR por 1,24.

A justificação para os valores mais baixos de proteínas actualmente recomendados tem a ver com o facto de ter sido demonstrado que nem todo o azoto não proteico é utilizado na síntese proteica, sendo de referir que o leite materno é muito rico em azoto não proteico. Por outro lado, também se demonstrou que se pode obter idêntica eficiência da utilização das proteínas do regime alimentar com suprimentos mais baixos que os anteriormente recomendados.

O chamado “valor biológico”(VB) ou “qualidade” das proteínas relaciona-se com o perfil de aminoácidos que as constituem. O mesmo indica a eficácia da sua utilização. Uma proteína de elevado VB deve conter, além dos aminoácidos não essenciais, todos os nove aminoácidos essenciais em proporção aproximada à existente em proteínas de referência (do ovo e do leite humano). Esta característica permite sintetizar, de novo, tecidos corporais com mínimo de resíduos de acordo com os estudos do balanço nitrogenado.

Quanto aos suprimentos recomendados para o lactente alimentado com leite industrial, segundo a ESPGHAN não deverá ser ultrapassado o teor de 1,8-2,8 g/100 kcal nas fórmulas para lactentes tendo em vista diminuir o risco cardiovascular e metabólico.

4. Hidratos de carbono (ou glúcidos)

Os hidratos de carbono dividem-se em dois grandes grupos: digeríveis e não digeríveis.

Os hidratos de carbono digeríveis, para além de fornecerem a massa necessária para o regime alimentar, proporcionam a maior parte da energia necessária para o organismo. Na sua ausência, o organismo utiliza as proteínas e gorduras para obter energia. No entanto, a energia fornecida pelos hidratos de carbono a médio e longo prazo não pode ser substituída por energia obtida apenas através das fontes de gorduras e de proteínas.

Na sua maioria de origem vegetal, com excepção da lactose, são armazenados fundamentalmente como glicogénio no fígado e nos músculos; provavelmente os hidratos de carbono não constituem mais do que 1% do peso corporal.

Os hidratos de carbono oxidam-se sob a forma de glucose (dextrose), mas consomem-se de diversos modos: monossacáridos (glucose, frutose, galactose), dissacáridos (sacarose, lactose, maltose, isomaltose) e polissacáridos (amidos, dextrinas, glicogénio, gomas, celulose). As pentoses absorvem-se deficientemente.

Mediante uma série de reacções enzimáticas e químicas no tubo digestivo, os hidratos de carbono complexos são desdobrados em estruturas mais simples. As amilases salivar e pancreática desempenham um papel fundamental na decomposição do amido em oligossacáridos (dextrinas) e dissacáridos (fundamentalmente maltose). A amilase intestinal pode estar diminuída durante os primeiros quatro meses de vida. Os dissacáridos absorvem-se intactos através das células intestinais da “bordadura em escova” por acção das dissacaridases das microvilosidades as quais completam a hidrólise até monossacáridos: uma molécula de maltose transforma-se em duas moléculas de glucose; a sacarose, em glucose e frutose; a lactose em glucose e galactose.

Os monossacáridos absorvem-se rapidamente; a glucose e a galactose são absorvidas em função de gradientes de concentração, enquanto a absorção da frutose é passiva. Durante a absorção, os radicais “transportadores” de ácido fosfórico unem-se às hexoses na mucosa intestinal para atravessar a membrana celular. Quando a concentração extra-intestinal de açúcar é baixa, é necessário que haja sódio para que continue a absorção. Estes fosfatos de hexoses voltam a separar-se nos seus componentes, permitindo que o açúcar se difunda na circulação sanguínea portal.

Parte da glucose pode ser oxidada directamente, como ocorre no cérebro e no coração.

A maior parte do açúcar absorvido converte-se em glicogénio, ainda que noutros tecidos também se verifique a glicogénese. Até cerca de 15% do peso do fígado e 3% da massa muscular podem ser constituídos por glicogénio, encontrando-se pequenas quantidades, inferiores àquelas, em todos os órgãos. Dado que o cérebro praticamente só utiliza como substracto energético a glicose, a qual existe em teor escasso no referido órgão, tal implica que o débito sanguíneo cerebral veiculando aquele nutriente seja adequado tendo em conta a forte dependência e o papel crucial do suprimento da mesma glicose.

A glicogenólise, que tem lugar no fígado, produz glicose como principal produto, ao passo que a decomposição do glicogénio nos músculos gera ácido láctico. A oxidação global da glucose tem duas fases: a anaeróbia (glucólise) e a aeróbia (ciclo dos ácidos tricarboxílicos). Na primeira, a glucose decompõe-se em ácido pirúvico; na segunda, o ácido pirúvico é completamente oxidado em CO2 e H2O. De referir que a regulação deste processo depende da acção da insulina e das hormonas hipofisárias e suprarrenais; nas reacções enzimáticas participam igualmente o ácido nicotínico, a tiamina, a riboflavina e o ácido pantoténico.

Os hidratos de carbono que não se oxidam nem se armazenam como glucose são convertidos em gordura.

Os não digeríveis ou fibras alimentares (constituídos por polissacáridos e lenhinas) estão presentes nas paredes celulares de todas as plantas. Podem ser solúveis (por ex.: pectinas, gomas, mucilagens, algumas hemiceluloses, farelo de aveia, cevada, legumes, etc.) e insolúveis (cuja principal fonte é constituída pelo invólucro dos grãos de sementes de cereais).

Os chamados SCFAs (short chain fatty acids ou ácidos gordos de cadeia curta) são subprodutos da fermentação de hidratos de carbono não digeríveis que, ao nível do cólon, estimulam a absorção de fluidos e electrólitos (sobretudo sódio); foi demonstrada uma acção trófica (através de factor de crescimento) ao nível do cólon.

As principais anomalias do metabolismo dos hidratos de carbono (abordadas noutros capítulos) são a diabetes mellitus, as doenças por depósito de glicogénio (glicogenoses), a galactosémia, a intolerância à frutose e a intolerância à glucose.

As situações clínicas associadas a défices de enzimas que promovem a degradação de açúcares no intestino (lactase, maltase, isomaltase) associam-se a diarreia e má absorção, secundárias ao efeito osmótico do açúcar não absorvido, do que resulta fermentação dos hidratos de carbono pelas bactérias intestinais. (Parte Gastrenterologia). O Quadro 5 discrimina as DRI para os hidratos de carbono em gramas/dia.

QUADRO 5 – Suprimento de hidratos de carbono (gramas/dia)

m= meses; a= anos; M= sexo masculino; F= sexo feminino
(National Academy of Sciences, 2004)

0-6 m60 (AI)
7-12 m95 (AI)
1-3 a130 (RDA)
4-8 a130 (RDA)
9-13 a
M130 (RDA)
F130 (RDA)
14-18 a
M130 (RDA)
F130 (RDA)

5. Gorduras

As gorduras ou seus produtos metabólicos, eficientes reservas de energia, constituem parte integrante das membranas celulares cuja permeabilidade e fluidez depende das primeiras. Tais nutrientes dão sabor aos alimentos e servem de veículo para as vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K). Aproximadamente 98% das gorduras naturais encontram-se na forma de triglicéridos (ou seja, conjunto de três ácidos gordos naturais combinados com o glicerol). A parcela restante de 2% é formada pelos ácidos gordos livres, os monoglicéridos, os diglicéridos, o colesterol e outros compostos lipídicos como lecitina, cefalina, esfingomielina e cerebrósidos.

As gorduras da natureza contêm ácidos gordos de cadeia linear, saturados e insaturados, com um comprimento em função do número de átomos de carbono, variando entre 4 e 24. O coeficiente de absorção parece depender do ponto de fusão, do grau de insaturação e da posição dos ácidos gordos na molécula de glicerol; ela é directamente proporcional ao número de duplas ligações (grau de insaturação) e inversamente proporcional ao número de átomos de carbono da sua cadeia.

Os triglicéridos ingeridos são parcialmente hidrolisados pela lipase lingual e emulsionados no estômago. No duodeno a lipase pancreática promove a hidrólise dos triglicéridos formando monoglicéridos e ácidos gordos os quais, juntamente com os sais biliares, constituem micelas, o que aumenta a solubilidade das gorduras. Os triglicéridos (e os diglicéridos) não cindidos são insolúveis.

Como particularidade no recém-nascido de baixo peso refere-se a diminuição da quantidade de bílis e mais baixa taxa de absorção de gorduras.

Provavelmente, os ácidos gordos de cadeia longa (ou long chain poly unsaturated fatty acids ou LC-PUFA) e os monoglicéridos (com mais de 10 átomos de carbono), convertidos em micelas, são absorvidos para o interior das células da mucosa intestinal por difusão. Para o transporte através da célula, estes ácidos gordos terão de ser esterificados de novo (ácidos gordos e monoglicéridos, em triglicéridos).

Constituem-se, assim, depois, os quilomicrons, composto lipídico com uma parte interna com um invólucro membranoso. A parte interna inclui predominantemente triglicéridos e pequenas porções de colesterol livre e esterificado, vitaminas lipossolúveis e outras substâncias lipossolúveis; o invólucro membranoso contém sobretudo fosfolípidos e proteínas designadas apoproteínas.

Os quilomicrons sofrem processo de exocitose para o sistema linfático intestinal em direcção à circulação venosa por intermédio do canal torácico. As proteínas de transporte são proteínas de muito baixa densidade (VLDL – “very low density lipoproteins”), baixa densidade (LDL – “low density lipoproteins”) e alta densidade (HDL – “high density lipoproteins”), sintetizadas no fígado.

Os triglicéridos de cadeia curta e média seguem outro caminho; a lipase pancreática hidrolisa-os rapidamente para ácidos gordos livres os quais são transportados através da célula intestinal. De acentuar que quando a hidrólise no lume intestinal é inadequada por défice de lipase pancreática ou de sais biliares, estas gorduras são absorvidas e hidrolisadas para ácidos gordos livres dentro da célula por acção da lipase da mucosa. Estes ácidos gordos livres não são esterificados nem formam de seguida quilomicrons; outrossim entram directamente nas veias intestinais em direcção ao fígado pela via porta.

Esta via alternativa para os triglicéridos de cadeia curta e média é aproveitada na administração de preparados a crianças com graves problemas de absorção.

Há a salientar que ao nível do lume intestinal existe uma interacção entre cálcio e gorduras: maiores quantidades de cálcio comprometem a absorção de gorduras e vice-versa, pelo facto de se formarem sabões insolúveis.

Constituindo o leite materno um modelo nutricional contendo cerca de 40-55% de lípidos como parcela do VCT, com um coeficiente de absorção de cerca de 90%, no primeiro ano de vida o suprimento recomendado em lípidos deverá contemplar aquela percentagem.

De acordo com a National Academy of Sciences 2004 apenas foi determinado o suprimento (AI) de gorduras em gramas/dia até aos 12 meses: 0-6 meses → 31 g/dia; 7-12 meses → 30 g/dia.

Far-se-á uma referência especial aos ácidos gordos essenciais e aos ácidos gordos trans.

5.1 Ácidos gordos essenciais

Os ácidos gordos poli-insaturados (sigla internacional: PUFA ou poly-unsaturated fatty acids) denominam-se conforme a posição das duplas ligações. O átomo de carbono mais afastado do grupo carboxilo é o carbono omega ou n. Em nutrição infantil assumem grande importância os ácidos gordos omega ou n6 e omega ou n3 pelo facto de não serem sintetizados pelo organismo humano, obrigando ao seu fornecimento no regime alimentar (ácidos gordos essenciais).

O ácido linoleico, o ácido araquidónico e o ácido docosapentanóico pertencem à série omega ou n6. O ácido linolénico, o ácido eicosapentanóico e o ácido docosa-hexanóico pertencem à série omega ou n3.

O ácido araquidónico, que tem como precursor o ácido linoleico, é um importante constituinte dos fosfolípidos das membranas celulares e um precursor das prostaglandinas, prostaciclina, tromboxanos e leucotrienos.

O ácido docosa-hexanóico é componente dos fosfolípidos das membranas celulares, dos foto-receptores da retina e da substância cinzenta cerebral.

Dum modo geral os ácidos gordos essenciais têm acção importante nos fenómenos de neurotransmissão, sendo necessários para o crescimento, o desenvolvimento cognitivo, a integridade da pele e do cabelo e a regulação do metabolismo do colesterol, diminuindo a adesividade das plaquetas.

De acordo com as recomendações da ESPGHAN, para RN de termo não alimentados com leite materno, o suprimento em ácido linoleico deve constituir 4,5-10,8% do VCT e o de ácido linolénico 0,5% do mesmo VCT, para garantir uma relação ácido linoleico/ácido linolénico média de 10/1 (com limites entre 5/1 e 15/1).

É também recomendada a adjunção de LC (long chain) PUFA ou ácidos gordos poli-insaturados de cadeia longa tendo como modelo o leite materno respeitando a relação n-6/n-3 de 2/1 ou, respectivamente, 1%/0,5% do total de ácidos gordos.

Nos regimes alimentares em que a % do VCT de ácido linoleico é inferior a 1-2% será necessário fornecer maior número de calorias totais para se obter crescimento comparável aos dos regimes com aquela percentagem superior.

De referir que o excesso de ácidos insaturados aumenta a peroxidação, do que poderá resultar destruição das membranas celulares.

Nos lactentes pequenos em fase de crescimento rápido submetidos a regimes com baixo conteúdo em ácido linoleico verifica-se o aparecimento de sinais cutâneos (intertrigo, secura e descamação na pele). O Quadro 6 discrimina as AI para o ácido linoleico e alfa-linolénico.

QUADRO 6 – Suprimento de ácidos gordos essenciais (AI) (gramas/dia)

m= meses; a= anos; M= sexo masculino; F= sexo feminino

(National Academy of Sciences, 2004)

 Ácido LinoleicoÁcido Alfa-Linolénico
0-6 m4,40,5
7-12 m4,60,5
1-3 a70,7
4-8 a100,9
9-13 a
M121,2
F101
14-18 a
M161,6
F111,1
5.2 Ácidos gordos trans

Os ácidos gordos trans formam-se como resultado da hidrogenação parcial dos óleos vegetais; desta transformação resulta modificação das características físicas (maior consistência). A isomerização trans dos ácidos gordos não saturados confere-lhes características semelhantes aos saturados; daí as suas desvantagens e riscos em termos de maior predisposição para aterogénese.

6. Minerais

No recém-nascido o conteúdo mineral corresponde aproximadamente a 3% do peso corporal, aumentando ao longo da infância. Por cada grama de proteína retida armazena-se 0,3 gramas de matéria mineral. No fim da adolescência tal conteúdo corresponde a 4,3% do peso corporal distribuído, sobretudo, pelo esqueleto (cerca de 83%) e pelo músculo (cerca de 10%).

O cálcio, o sódio, o potássio e o magnésio constituem os principais catiões. O cloro, o fósforo e o enxofre constituem os aniões mais importantes. O ferro, o cobalto e o iodo formam importantes complexos orgânicos.

Quanto a oligoelementos (por definição elementos cujo conteúdo no organismo constitui menos de 0,01% do peso corporal), destacam-se o zinco, flúor, manganês, cobre, cobalto, cromo (ou crómio), selénio e molibdénio com funções importantes em diversos processos metabólicos; com efeito, os mesmos são componentes de sistemas enzimáticos ou actuam como componentes de metaloenzimas, ou como cofactores de determinadas enzimas (Quadro 7).

QUADRO 7 – Doses recomendadas de alguns oligoelementos*

mg= miligrama; mcg= micrograma

Segundo a NAS, 2004

Idade (meses)Ferro (mg)Zinco (mg)Iodo (mcg)Selénio (mg)Cobre (mcg)Manganês (mg)Crómio (mcg)Molibdénio (mcg)Flúor (mg)
0-60,27 (AI)2 (AI)110 (AI)15 (AI)200 (AI)0,003 (AI)0,2 (AI)2 (AI)0,01 (AI)
7-1210 (RDA)5 (RDA)130 (AI)20 (AI)220 (AI)0,6 (AI)5,5 (AI)3 (AI)0,25 (AI)

Nesta alínea referente a minerais será dada ênfase especial ao cálcio, fósforo, magnésio, ferro e flúor discriminando-se por fim, em quadro sinóptico, os principais sinais e sintomas de situações em que se verificam carências ou excessos de minerais. Relativamente ao cloro, sódio e potássio o Quadro 8 resume as RDA estabelecidas em mg/dia no primeiro ano de vida.

QUADRO 8 – Sódio, potássio e cloro (RDA em mg/dia)

IdadeSódioPotássioCloro
(0-6 meses)120500180
(6-12 meses)200700300
6.1 Cálcio

A absorção de cálcio, que pode variar de 20 a 70% da quantidade ingerida, relaciona-se fundamentalmente com os níveis de vitamina D e de paratormona, podendo ser facilitada por certos factores como a presença de lactose, lisina, arginina e ácido ascórbico no regime alimentar, e pela acção dos sais biliares.

Pelo contrário, a absorção pode diminuir com o suprimento excessivo de fosfato, oxalatos, e fibra, assim como em situações em que existe défice de absorção de gorduras.

O leite materno fornece cerca de 300 mg de cálcio/dia com uma taxa de absorção de 75%; nos lactentes alimentados com leites industriais (fórmulas) tal absorção é inferior: cerca de 20-50%.

De acordo com a NAS, 2004 a dose (AI) recomendada de cálcio a ingerir é 210 mg/dia no primeiro semestre e 270 mg/dia no segundo semestre. Entre o 1 ano e 9 anos as doses aumentam respectivamente de 500 mg para 700 mg e de 900 para 1000 mg dos 10 aos 16 anos.

Em todas as idades não devem ser ultrapassadas as doses de 2500 mg/dia.

A relação Ca/P afecta a absorção mineral, variando largamente em diferentes alimentos: vegetais verdes-2,8/1; leite humano – 2/1; leite de vaca – 1,2/1; carne -0,6/1. A relação Ca/P favorável no leite humano é particularmente importante para assegurar a mineralização óssea e a formação da estrutura dentária.

6.2 Fósforo

Relativamente ao fósforo, as doses (AI) recomendadas pela NAS, 2004 são: 150 mg/dia dos 0-6 meses e 275 mg/dia dos 5-12 meses.

A ESPGHAN (European Society for Pediatric Gastroenterology-Hepatology and Nutrition) recomenda suprimentos de 30 mg/100 kcal (20 mg/100 ml) e um máximo de 50 mg/100 kcal com uma relação Ca/P entre 1,2 e 2.

Entre o 1 ano e 16 anos as doses sobem progressivamente para valores entre 300 mg/dia e 850 mg/dia.

Os lactentes alimentados com fórmulas de alto conteúdo em fósforo, superior ao do leite materno (15 mg/100 ml), excretam grande parte deste mineral pela urina com consequente aumento da osmolalidade urinária. De referir, no entanto, que as fórmulas à base de proteína de soja apresentam uma menor biodisponibilidade do fósforo presente, pelo que possuem, geralmente, um maior teor deste elemento.

Por outro lado, um excesso de fósforo pode conduzir a hiperfosfatémia e, secundariamente, a hipocalcémia.

6.3 Magnésio

As doses recomendadas de magnésio (AI) pela NAS, 2004 no primeiro ano de vida oscilam entre 30 mg/dia (0-6 meses) e 75 mg/dia (7-12 meses). Até aos 16 anos as doses (RDA) sobem progressivamente até 200 mg/dia.

Salienta-se que, relativamente ao cálcio, fósforo e magnésio, a inexistência até aos 12 meses de dados seguros quanto aos suprimentos RDA conduziu à substituição por suprimento AI.

Após os 12 meses de idade apenas existem dados sobre RDA relativamente ao fósforo e magnésio.

6.4 Ferro

O ferro desempenha um importante papel no organismo, sendo fundamental para o crescimento em geral, e o desenvolvimento cognitivo. Assim, a carência do referido mineral comporta riscos imediatos e a longo prazo, pelo que se torna fundamental evitar tal situação, particularmente nos primeiros anos de vida e, mais tarde, na adolescência. Embora o leite humano e o leite de vaca contenham um fraco teor em ferro (respectivamente 0,50 mg/litro versus 0,25-0,75 mg/litro) a sua taxa de absorção é cerca de 50% no caso do leite humano, muito superior à que se verifica com o leite de vaca (7-15%).

O leite humano pode cobrir as necessidades nos primeiros 4-6 meses de vida após gravidez de termo. No recém-nascido pré-termo há que ter em conta as reservas deficitárias que se esgotam quando duplica o peso de nascimento.

Os lactentes entre os 4-12 meses absorvem, em geral, 0,8 mg/dia.

Entre os 0-6 meses a criança necessita aproximadamente de 0,27 mg/dia (AI) (Quadro 7). Entre os 14 e 18 anos as doses recomendadas oscilam entre 10 e 12 mg/ dia (RDA).

Para minorar o risco de anemia ferropénica no primeiro ano de vida, deve ser garantido a todos os lactentes, entre os 3 e os 12 meses de idade, um suprimento em ferro de cerca de 1 mg/kg/dia, pelo menos até que a sua ingestão alimentar assegure os 11 mg/dia. Neste contexto, é recomendável que as fórmulas lácteas sejam enriquecidas com ferro, com uma concentração de 10-12 mg/L. (ver capítulo sobre Anemia Ferropénica)

6.5 Flúor

Actualmente, considera-se polémico o papel do flúor como nutriente essencial e indubitável quanto ao efeito benéfico na prevenção da cárie dentária. Por razões históricas e científicas dá-se a conhecer ao leitor o Quadro 9, eventualmente aplicável em Portugal nas zonas onde se conhece o teor em flúor da água de consumo público. Por outro lado, considera-se fundamental consultar o Quadro 2 (baseado no Programa de Promoção da Saúde Oral da Direcção Geral da Saúde) no capítulo sobre Cárie Dentária, abordando-se a importância do flúor tópico em detrimento da administração do flúor por via oral, somente levada a efeito em situações de excepção.

QUADRO 9 – Suplementação de flúor (mg/dia) de acordo com a idade e o teor em ião flúor na água de consumo público na zona onde a criança vive 

Obs.: 2,2 mg de fluoreto de sódio contém 1 mg de ião flúor; 1 ppm= 1 mg/Litro (segundo CDC). Consultar capítulo sobre Cárie Dentária.

(ppm= partes por milhão)

Idade<0,3 ppm0,3-0,6 ppm>0,6 ppm
6 m-3 anos0,2500
> 3-6 anos0,500,250
> 6-16 anos1,000,500
6.6 Zinco, Iodo, Selénio, Cobre, Manganês, Crómio e Molibdénio

O Quadro 7 resume as doses recomendadas de ingestão (RDA e AI) destes minerais no primeiro ano de vida tendo como base o conteúdo dos mesmos no leite humano.

6.7 Carência e excesso de minerais

O Quadro 10 resume os principais sinais e sintomas de carência e de excesso de minerais.

QUADRO 10 – Sintomas e sinais de carência e de excesso de minerais

· Alumínio (excesso: alterações do sistema nervoso central)
· Boro (deficiência: anomalias de calcificação)
· Cálcio (deficiência: tetania, osteomalácia; excesso: obstipação, bloqueio cardíaco)
· Cloro (deficiência: alcalose)
· Crómio (deficiência: diabetes em animais)
· Cobalto (deficiência: carência de vitamina B12 e hipotiroidismo; excesso: cardiomiopatia)
· Cobre (deficiência: anemia, osteoporose; excesso: cirrose)
· Iodo (deficiência e carência: bócio)
· Ferro (deficiência: anemia, alterações do comportamento; excesso: hemossiderose)
· Chumbo (excesso: neuropatia)
· Magnésio (deficiência: hipocalcémia, hipocaliémia)
· Molibdénio (pouco conhecidos os efeitos de excesso ou de deficiência)
· Fósforo (deficiência: raquitismo; excesso: carência em cálcio)
· Potássio (deficiência: fraqueza muscular; excesso: bloqueio cardíaco)
· Selénio (deficiência: cardiomiopatia; excesso: alterações das unhas e cabelo, odor a alho)
· Sódio (deficiência: hipotensão; excesso: edema)
· Enxofre (deficiência: hipocrescimento; excesso: desconhecido)
· Zinco (deficiência: hipocrescimento, dermatite; excesso: vómitos, diarreia, dermatose)

7. Vitaminas

As vitaminas são substâncias indispensáveis ao crescimento e ao funcionamento dos órgãos, fornecidas, na sua maior parte, em pequena quantidade pela alimentação, que o organismo não é capaz de sintetizar. Com actividades muito diversas, actuam em doses mínimas, participando como cofactores no metabolismo celular, na elaboração de hormonas e de enzimas, quer favorecendo a sua produção, quer entrando directamente na sua composição química.

As vitaminas de origem alimentar classificam-se como: vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K) e hidrossolúveis (vitaminas do grupo B e vitamina C).

As necessidades de vitaminas foram estabelecidas no Codex Alimentarius.

Food and Nutrition Board, através das RDA (Recommended Dietary Allowances) em 1998 modificou as doses de ingestão respeitantes a vitaminas hidrossolúveis e vitamina D.

Antes duma abordagem sucinta sobre as vitaminas hidrossolúveis e lipossolúveis é importante referir três noções importantes em Nutrição na idade pediátrica:

  • O leite materno é deficitário em vitamina D e em vitamina K nos primeiros dias;
  • A modalidade de fórmula adaptada (tópico a analisar em mais pormenor no capítulo 55) cobre as necessidades se o lactente receber como mínimo 750 ml por dia;
  • Os suplementos vitamínicos são desnecessários a partir do primeiro ano de vida completo no pressuposto de que a alimentação variada cobre todas as necessidades.
7.1 Vitaminas lipossolúveis
Vitamina D

A vitamina D é uma verdadeira hormona secosteróide, com receptores em todos os tecidos humanos, salientando-se a sua acção ao nível do esqueleto, há muito conhecida. Actualmente, diversos estudos demonstraram igualmente efeitos na função imune, na protecção contra o cancro, doenças cardiovasculares, infecções e em doenças autoimunes como diabetes mellitus tipo 1 e esclerose múltipla. Como marcador do património ou “estado” da vitamina D no organismo utiliza-se a concentração do metabólito de vitamina D 25(OH) -vitamina D: deficiente se <15 ng/mL; insuficiente se entre 15 e 30 ng/mL; e suficiente se >30 ng/mL.

As principais acções bioquímicas (de tipo hormonal) são: a formação de uma proteína de ligação e de transporte do cálcio nas células epiteliais da mucosa duodenal; absorção do fósforo e a reabsorção óssea. Estas acções dependem da paratormona e da ingestão de cálcio.

De acordo com a ESPGHAN, 2013 foi estabelecida a ingestão recomendada (AI) de 400 UI/dia (10 mcg/dia de colecalciferol) no pressuposto de que é insuficiente, ou se desconhece, ou não existe exposição à luz solar. O nível máximo foi estabelecido em 1000 UI /dia (25 mcg/dia de colecalciferol). A suplementação deve ser feita diariamente a todos os lactentes e, a partir dos 12 meses de idade, sempre que a exposição solar for insuficiente. (ver adiante capítulo sobre Carências de vitaminas e minerais).

A maioria das fórmulas contém 1,5 mcg (60 UI) de vitamina D por 100 kcal (ou 10 mcg/Litro).

Em países como os EUA e Canadá é recomendada a suplementação em vitamina D nos casos de alimentação ao peito exclusiva. Por outro lado, diversos estudos demonstraram que a referida não suplementação em tal circunstância comporta risco de deficiência em vitamina D entre os 2 e 3 meses de idade.

Vitamina A

A vitamina A (retinol, axeroftalmol) é um álcool de cadeia pesada que se encontra na natureza essencialmente sob a forma de ésteres de ácidos gordos; pode apresentar-se sob 16 formas isómeras; destas, o chamado retinol “all trans” é a forma biologicamente mais activa.

A vitamina A somente se encontra em produtos de origem animal (óleo de fígado de peixes como pescada, bacalhau, atum, etc.). As pró-vitaminas (ou carotenóides, cujo representante principal é o beta-caroteno) encontram-se, sobretudo, em vegetais (cenouras, espinafres, couves), mas também em órgãos (como rim, fígado, baço). A bílis é indispensável para a sua absorção.

A vitamina A desempenha um papel importante: na manutenção da integridade dos epitélios favorecendo a síntese de mucopolissacáridos e a secreção de muco; como indutor enzimático com especial relevância ao nível dos microssomas hepáticos; e na formação da púrpura retiniana do pigmento vermelho retiniano ou rodopsina, receptor da luz para a visão de fracas intensidades (visão crepuscular). A dose diária recomendada de vitamina A (que é armazenada no fígado e requerendo uma proteína de ligação para circular) é 60 mcg de equivalentes de retinol (EAR) por 100 kcal (200 UI), sendo de referir que 1 mcg de retinol corresponde a 3.31 UI.

Na prática considera-se: dos 0-12 meses → 400-500 mcg/dia (AI); entre 1 e 18 anos → 300-900 mcg/dia (RDA).

Vitamina K (naftoquinonas)

Tem papel fundamental na coagulação do sangue contribuindo para a formação dos factores II, VII, IX, X, e das proteínas C, Z, S. Sintetizada pelas bactérias intestinais, a bílis é indispensável para a sua absorção.

Ao contrário doutras vitaminas, as reservas e os níveis séricos de vitamina K dos recém-nascidos de mães bem nutridas são baixos. Nesta conformidade, constitui rotina a administração de vitamina K a todos os recém-nascidos no pós-parto (0,5-1 mg) para prevenção da doença hemorrágica do recém-nascido. Posteriormente aconselham-se doses (AI) de 2 mcg/dia até aos 6 meses e 2,5 mcg/dia até ao 1 ano. A partir desta idade as doses sobem progressivamente entre 30 e 75 mcg/dia até ao final da adolescência e idade adulta.

A vitamina K está presente na maioria das fórmulas, não necessitando o lactente de suplemento. De referir que o teor em vitamina K no leite materno é inferior ao das fórmulas infantis.

Vitamina E (tocoferol)

Trata-se do principal antioxidante biológico lipossolúvel com um papel importante na estabilização das membranas biológicas prevenindo a peroxidação dos ácidos gordos poli-insaturados. A sua absorção depende da acção da bílis e do suco pancreático.

Os lactentes de termo requerem aproximadamente 0.7 UI de acetato de alfa-tocoferol (sendo 1 UI = 1 mg) por 100 kcal. As necessidades aumentam com a administração de grandes quantidades de ácidos gordos poli-insaturados. Entre os 0-12 meses as doses (AI) oscilam entre 4 e 5 mg/dia. Entre o 1 ano e a idade adulta as doses (RDA) sobem proporcionalmente à idade entre 6 e 10 mg/dia.

A vitamina está largamente distribuída nos óleos vegetais e nas sementes de cereais.

7.2 Vitaminas hidrossolúveis

As necessidades em vitaminas hidrossolúveis (complexo B e colina) são resumidas no Quadro 11.

QUADRO 11 – Suprimento diário (RDA) e (AI) de vitaminas hidrossolúveis (complexo B e colina)

(NAS, 2004)

Idade (meses)Tiamina (mg)Riboflavina (mg)Niacina (mg)Vit. B6 (mg)Folato (mcg)Vit. B12 (mcg)Ácido pantoténico (mg)Biotina (mcg)Colina (mg)
0-6 (AI)0,20,320,1650,41,75125
>6-12 (AI)0,30,440,3800,51,96150
(anos)
1-18 (RDA)0,4-1,10,5-1.35-150,5-1,3150-4000,9-2,42-5 (AI)8-30 (AI)200-400 (AI)

Dum modo geral pode afirmar-se que as carências em vitaminas hidrossolúveis são raras em crianças alimentadas, quer com leite materno, quer com fórmulas.

As vitaminas do complexo B são essenciais para o metabolismo das proteínas, gorduras e hidratos de carbono; actuam igualmente nas reacções de oxidação-redução, transaminação, descarboxilação, glicólise e hematopoiese.

A vitamina C é absorvida por simples difusão. Quanto às acções bioquímicas, desconhecem-se os mecanismos exactos, sendo de salientar o seu papel no metabolismo da folacina, na biossíntese do colagénio, na absorção e transporte do ferro, e no metabolismo da tirosina.

No leite materno existe quantidade de vitamina C necessária para cobrir as necessidades da criança durante o período de aleitamento exclusivo, não estando indicado nenhum tipo de suplementação.

Tendo em conta que o teor em vitamina C varia com o regime alimentar da mãe, de acordo com certas correntes é recomendado o suplemento de 35 mg/dia, durante o primeiro ano de vida e ulteriormente; saliente-se que as doses recomendadas para o adulto são cerca de 70 mg/dia (RDA/AI).

De acordo com a ESPGHAN recomenda-se a relação molar de 5:1 entre vitamina C e ferro na composição das fórmulas lácteas, o que equivale a estabelecer um valor mínimo de vitamina C de 16 mg /100 kcal.

Uma chamada de atenção para os riscos da ingestão de doses exageradas de vitamina C (500 mg–1500 mg) nos adultos (eventualmente extrapoláveis para a idade pediátrica) durante período superior a duas semanas: risco de nefrolitíase e de compromisso da absorção de vitamina B12, entre outros.

8. Carência e excesso de vitaminas

O Quadro 12 resume os principais sintomas e sinais de carência e de excesso de vitaminas.

QUADRO 12 – Sintomas e sinais de carência ou excesso de vitaminas

Vitamina A (carência: pele áspera, xeroftalmia, cegueira, predisposição para infecções; excesso: dores ósseas, pseudo tumor cerebri)

Vitamina D (carência ou deficiência: raquitismo, desmineralização óssea; excesso: obstipação, hipercalcémia, calcificações renais, insuficiência renal)

Vitamina E (carência: hemólise no recém-nascido pré-termo, neuropatia; excesso: interferência com o metabolismo da vitamina K predispondo a hemorragias)

Vitamina K (carência: hipoprotrombinémia, hemorragias, hematomas; excesso: hemólise)

Tiamina / vitamina B1 (carência: ataxia, beribéri)

Riboflavina / vitamina B2 (carência: queilose, seborreia)

Niacina / vitamina B3 ou PP (carência: pelagra; excesso: rubor)

Piridoxina / vitamina B6 (carência: convulsões, anemia; excesso: neuropatia)

Biotina / vitamina B8 ou H (carência: dermatite)

Folato (carência: anemia megaloblástica)

Vitamina B12 / cianocobalamina (carência: anemia megaloblástica, acidúria metilmalónica)

Vitamina C / ácido ascórbico (carência: escorbuto, gengivite ulcerosa, hemorragia subperióstica, rosário condrocostal, hematúria, etc.; excesso: nefrolitíase, compromisso da absorção da vitamina B12)

 

BIBLIOGRAFIA

Bachetta J. Vitamine D: une hormone d´intérêt général. Arch Pédiatr 2013; 20: 333-335

Bowman BA, Russel RM (eds). Present Knowledge in Nutrition. Washington DC: International Life Sciences Institute (ILSI) Press, 2007

Chesney RW. Vitamin D and the magic mountain: the anti-infectious role of the vitamin. J Pediatr 2010; 156: 698-703

Chesney RW. The five paradoxes of vitamin D and the importance of sunscreen protection. Clin Pediatr 2012; 51: 819 – 827

Diab L, Krebs NF. Vitamin E excess and deficiency. Pediatr Rev 2018; 39: 161-179; DOI: 10.1542/pir.2016-0068

Gomes Pedro J, Silva AC (eds). Nutrição Pediátrica – Princípios Básicos. Lisboa: ACSM/Mead Johnson Nutritionals, 2006

Goudoever von HV, Guandalini S, Kleinman R. Early Nutrition: Impact on Short -and Long-Term Health. Vevey: Nestlé Nutrition Institute, 2011

Guerra A& Comissão de Nutrição da SPP. Alimentação e Nutrição do Lactente. Acta Pediatr Port 2012; 43(5) /supl II: S17-S40

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Koletzko B, Koletzko S, Ruemmele F (eds). Drivers of Innovation in Pediatric Nutrition. Basel: Karger/Nestlé Nutrition Institute, 2010

Litonjua AA. Vitamin D deficiency as a risk factor for allergic disease and asthma. Curr Opin Allergy Clin Immunol 2012; 12: 179-185

Manson JE, Cook NR, Lee I-M, et al. Vitamin D supplements and prevention of cancer and cardiovascular disease. NEJM 2019; 380: 33- 44

Manson JE, Cook NR, Lee I-M, et al. Marine n-3 fatty acids and prevention of cardiovascular disease and cancer. NEJM 2019; 380: 23-32

Martin RJ, Fanaroff AA, Walsh MC (eds). Neonatal-Perinatal Medicine. St Louis: Elsevier Mosby, 2011

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Polin RA, Yoder MC. Workbook in Practical Neonatology. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2015

Rudolph CD, Rudolph AM, et al (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw-Hill Medical, 2011

Saraff V, Shaw N. Sunshine and vitamin D. Arch Dis Child 2016; 101: 190-192

Shergill-Bonner R. Micronutrients. Paediatrics and Child Health 2013; 27: 331-336

Shils ME, Shike M, Ross AC, et al. Modern Nutrition in Health and Disease. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins, 2006.

Wiskin AE, Davies JH, Wootton SA, Beattie RM. Energy expenditure, nutrition and growth. Arch Dis Child 2011; 96: 567-572