Aspectos gerais

O esquema terapêutico da desidratação (ou reidratação) é um processo dinâmico que implica vigilância constante ou frequente “à cabeceira do doente”, devendo, pois, ser individualizado.

A reidratação pode ser levada a cabo por via oral, por via endovenosa ou pelas duas vias em combinação.

Em muitos casos poderá haver necessidade de modificação de estratégias inicialmente planeadas face à evolução clínica, o que é explicável: pelos mecanismos de compensação do organismo que variam em função da gravidade; pela possibilidade de, a partir de determinada fase, o doente passar a tolerar a administração de solutos por via oral (nos casos de se ter iniciado a correcção por via endovenosa), ou o contrário (nos casos em que a correcção iniciada por via oral passar a ser inviável por diversos motivos).

Numa primeira fase haverá que calcular o valor das perdas, ou seja, o défice em líquidos.

Os exames complementares considerados essenciais são: ionograma sérico, (prioritário) determinação de ureia e creatinina no sangue, pH e gases no sangue, análise sumária de urina (densidade e osmolalidade) e hematócrito. Em casos especiais pode estar indicado o ionograma urinário de 12 ou 24 horas.

Quantificação do défice

Quantificando a desidratação pela percentagem de perda de peso relacionada com os sinais e sintomas atrás apontados são adoptados os seguintes procedimentos para reposição do défice:

  • Défice entre 3-5%
    Pode ser corrigido, em geral, com solutos por via oral e em regime ambulatório mantendo o regime alimentar habitual com algumas restrições (ver adiante).
  • Défice entre 6-10%
    Pode ser corrigido, em geral, com solutos por via endovenosa inicialmente, seguindo-se a administração ulterior de solutos por via oral, dependendo da tolerância digestiva (vómitos ou não).
  • Défice superior a 10%
    Nesta situação acompanhada ou não de choque, há indicação de fluidoterapia endovenosa e de seguimento inicial no hospital. Para melhor compreensão do problema é descrita primeiramente, como modelo, a correcção por via endovenosa.

Reidratação endovenosa

1ª Fase: reposição da volémia em situação de défice >10-15% (choque)

Trata-se duma actuação prioritária tendo em vista a preservação da função cardiovascular para garantia de eficaz perfusão dos órgãos, com especial relevância para o encéfalo e rins.

Actuação prática: solução isotónica (em geral “soro” fisiológico ou lactato de Ringer) ao ritmo de 10-20 mL/kg/hora; a duração desta fase, (entre 1 a 2 horas) variará em função do contexto clínico, grau de desidratação e resposta inicial.

Este procedimento pode ser repetido duas a três vezes até obtenção de pressão arterial adequada à idade e de diurese. Caso não haja resposta deverá ser monitorizada a pressão venosa central (PVC) mediante a colocação de cateter venoso central e solicitado internamento em unidade de cuidados intensivos pediátricos.

No caso de se tratar de situação com predomínio de vómitos (por exemplo estenose hipertrófica do piloro com perdas de conteúdo gástrico, ácido), dada a probabilidade de surgir alcalose metabólica, não está indicado o lactato de Ringer que pode exacerbar esta última.

2ª Fase: reposição do défice de líquidos e electrólitos

O plano de reposição do défice implica a obediência a um conjunto de princípios: administração concomitante, nesta fase, dos líquidos e electrólitos para a manutenção; reposição do défice em tempo a determinar, variando em função do tipo de desidratação; relativamente ao catião potássio (K+), predominantemente intracelular, a compensação/reposição das perdas não pode ser imediata pelos perigos que tal envolve: somente deverá ser incorporado no soluto de manutenção após comprovação de diurese mantida respeitando certos limites no suprimento (não exceder 40 mEq/litro de solução nem 0,5 mEq/kg/hora).

Tipo de solução

Na prática utiliza-se soluto salino fisiológico (SF ou NaCl a 0,9%) contendo 154 mEq da Na e 154 mEq de Cl.

Planos
I) Desidratação isotónica ou hipotónica em doentes com peso <25 kg
  • SF em dextrose a 5%;
  • Volume: correspondente ao défice (por exemplo doente de 10 kg e desidratação <> 10%, será 1000 mL);
  • Débito ou “velocidade” de administração: 6-8 horas (chamando-se a atenção para a necessidade de vigilância constante para avaliação da resposta do doente e, eventualmente, modificação da actuação) tentando corrigir, neste tempo, o défice; planeando para 8 horas, o débito será 125mL/hora;
  • Cloreto de potássio (K Cl) a acrescentar ao soluto na proporção, em regra empírica, de 20 mEq/L de solução após o doente ter tido duas micções.

Notas importantes:

  1. Este plano implicando administração de “grande volume” de soluto em ritmo relativamente rápido não é aplicável em doentes com mais de 25 kg, adolescentes, desidratação com défice/perda de peso superior a 10%, com cetoacidose diabética nem com desidratação hipernatrémica.
  2. Com este plano, está implícita a estratégia de considerar a contabilização das necessidades de manutenção somente após a correcção do défice (no exemplo atrás referido, somente após as 6-8 horas, corrigido o défice após administração de 1000 mL);
  3. Na desidratação hiponatrémica poderá haver necessidade de administrar sódio extra (a acrescentar à solução atrás referida (SF em dextrose a 5%) em função da natrémia entretanto determinada, aplicando a fórmula:
    Défice em sódio = (130 – Na sérico) x 0,6 x peso (em kg).

Em lactentes com perdas de carácter grave, os défices prováveis, por Kg peso, são os descritos no Quadro 1.

II) Desidratação isotónica ou hipotónica em doentes com peso ≥25 kg

Como particularidade nesta situação, está implícita a estratégia de reposição do défice mais lenta, e de contabilização concomitante, já nesta fase, das necessidades de manutenção.

  • SF em dextrose a 5%;
  • Volume: correspondente a metade do défice acrescentado das necessidades de manutenção (por exemplo doente de 26 kg e desidratação <> 10%, será 2600 mL + 1620 mL);
  • Débito ou “velocidade” de administração: 6-8 horas (chamando-se a atenção para a necessidade de vigilância constante para avaliação da resposta do doente e, eventualmente, modificação da actuação) tentando corrigir, neste tempo, o défice; assim, o débito nas primeiras 8 horas será metade de 2600 mL, isto é 1300 mL, acrescentando-se, para as 16 horas seguintes (ou 24 horas menos 8 horas = 16 horas) os restantes 1300 mL aos cálculos da manutenção: (ou seja, 1300 mL + 1620 mL = 2920 mL) o que corresponde a um ritmo ou débito de 182 ml /hora.
    Alguns autores contabilizam o volume calculado para as 24 horas seguintes; no exemplo citado, para o volume calculado, o débito seria então 121,6 mL/hora.
  • Cloreto de potássio (K Cl) a acrescentar ao soluto na proporção, em regra empírica de 20 mEq/L de solução após o doente ter tido duas micções.

Notas importantes:
Quer o plano I, quer o plano II poderão ser aplicados em casos de doentes com desidratação hipotónica ou isotónica em geral, mas não em crianças e lactentes com quadro de desidratação hipertónica.

QUADRO 1 – Défices prováveis/kg de peso em lactentes com quadro de desidratação grave

DesidrataçãoH20 (mL)Na (mEq)K (mEq)Cl (mEq)
Isotónica100-1208-108-105-10
Hipertónica100-1202-40-4(-2) a (-6)
Hipotónica100-12010-128-1010-12
Vómitos    
(Estenose do piloro)100-1208-1010-1210-12
III) Desidratação hipertónica

No caso da desidratação hipertónica a reposição do défice de líquidos e electrólitos tem particularidades relacionadas essencialmente com a necessidade de duração superior à referida para a forma iso-hipotónica; por outro lado, a particularidade de manifestação dos sinais subestima muitas vezes a gravidade da situação. Tratando-se duma forma de desidratação em que há predomínio de perda de água em relação ao sódio (Na) com consequentes hipernatrémia e hiperosmolaridade séricas, para a correcção não deverão ser utilizados solutos hipotónicos pelo risco de passagem rápida de água para o espaço intracelular, e de edema celular com implicações graves ao nível do sistema nervoso central (edema cerebral podendo originar, por exemplo, convulsões). Com efeito, neste tipo de desidratação predominantemente intracelular o encéfalo “gera” osmoles idiogénicos para manter o volume celular; assim, a correcção do défice deve ser realizada de modo muito lento.

Na prática, e não existindo sinais de choque (cujo tratamento é prioritário e semelhante ao que foi referido noutras formas de desidratação), procede-se do seguinte modo:

  • Soluto: SF em dextrose a 5%;
  • Débito ou “velocidade” de administração sempre superior a 24 horas, dependendo da natrémia (Na em mEq/L):
    • 145-157 → em 24 horas;
    • 158-170 → em 48 horas;
    • > 170 mEq/L → superior a 48 horas.

(Salienta-se que mais importante do que a composição do soluto é a lentidão da correcção do défice).

  • Volume inicial: correspondente a metade do défice, acrescentado das necessidades de manutenção (por exemplo doente de 10 kg e desidratação <> 10%, com valor de natrémia de 160 mEq/L implicando reposição do défice em 48 horas), será:
    • 500 mL (metade do défice para as primeiras 24 horas + 1000 mL de soluto de manutenção);
    • a restante metade do défice nas restantes 24 horas (ou os restantes 500 mL do défice) + 1000 mL de soluto de manutenção;
  • Cloreto de potássio (KCl) a acrescentar segundo a regra empírica de 20 mEq/L de solução após o doente ter tido duas micções (diurese >1 ml/kg/hora).

Complicações que podem ocorrer no contexto da desidratação hipernatrémica/hipertónica:

  • Hipocalcémia; se for sintomática, deve proceder-se à sua correcção administrando gluconato de cálcio por via endovenosa com monitorização cardíaca (ver tratamento da hipocalcémia) sendo que na solução de gluconato de cálcio (Ca) a 10%: 1 mL <> 100 mg de gluconato de cálcio e 9 mg de Ca elemento <> 0,45 mEq de Ca++ ionizado;
  • Acidose metabólica (ver tratamento da acidose); neste caso ter-se-á em conta o suprimento de Na que é veiculado com o bicarbonato administrado para correcção da acidose metabólica, o que implica diminuir o suprimento correspondente de Na no soluto de reposição a administrar calculado; tal poderá condicionar a administração de SF diluído a 1/2 ou mesmo a 1/3, sob pena de induzirmos o agravamento da hiperosmolaridade e hipernatrémia. Contudo, ao contrário do defendido por alguns clínicos, é fundamental a correcção da acidose metabólica grave na desidratação hipertónica, mesmo correndo o risco de agravar ligeiramente a hipernatrémia, atendendo a que órgãos como coração, rim e SNC estão em sofrimento agudo e podem sofrer danos irreversíveis. É este frágil equilíbrio hidroelectrolítico que torna particularmente difícil e de risco a correcção da desidratação hipertónica, particularmente quando grave e associada a acidose, exigindo monitorização clínico-laboratorial apertada;
  • Hiperglicémia (relacionada com défice de secreção de insulina e diminuição da sensibilidade dos receptores celulares à mesma). Ao avaliar a taxa de declínio da natrémia, há que entrar em linha de conta com o efeito da hiperglicémia; ou seja, o valor de Na sérico/natrémia determinado é mais baixo que a “verdadeira natrémia” em cerca de 1,6 mEq/L por cada 100 mg/dL de glicémia acima de 100 mg/dL. Exemplificando: o valor de uma natrémia de 170 mEq/L determinada em situação de glicémia de 600 mg/dL corresponde, de facto, a um valor real de 178 mEq/L de Na sérico.

Monitorização

Sendo a reidratação um processo dinâmico, chama-se a atenção para a necessidade de vigilância permanente com avaliação dos seguintes parâmetros:

  • Sinais vitais (frequência cardíaca/pulso, frequência respiratória, pressão arterial);
  • Peso;
  • Temperatura corporal;
  • Balanço com registo de suprimento e de “saídas” de líquidos (fezes, urina, perdas insensíveis, líquidos de drenagem, perdas para o “terceiro espaço”);
  • Ionograma sérico (natrémia, caliémia e calcémia), osmolalidade sérica, densidade urinária (elevada inicialmente entre 1020 e 1030);
  • Eventualmente: azotémia, creatinina e hematócrito, etc..

Estes procedimentos têm em vista possível reajustamento do débito e do volume em cada 8, 12 e 24 horas em função do tipo de resposta do doente.

O débito de administração deve ser ajustado de modo que se verifique diminuição da natrémia ao ritmo aproximado de 0,5 mEq/L/hora ou 12 mEq/L/dia (caso específico da desidratação hipertónica hipernatrémica).

Em cada 24 horas, no mínimo, deverá proceder-se a nova programação de débito e de volume contabilizando as necessidades de manutenção.

Concretizando com várias hipóteses:

  1. Se o doente evidenciar taquicardia persistente mantendo-se os sinais de desidratação, o grau de desidratação poderá ter sido subavaliado inicialmente ou poderá haver perdas superiores às inicialmente previstas. Em tais circunstâncias o débito da administração deverá ser aumentado;
  2. Se o doente melhorar rapidamente e a densidade urinária diminuir progressivamente, a fase da reposição do défice poderá ser encurtada, passando-se para a 3ª fase. (ver adiante)
  3. Se a natrémia (Na) diminuir rapidamente, diminuir o débito ou aumentar a concentração de Na no soluto;
  4. Se o Na diminuir muito lentamente (<12 mEq/L/dia ou <0,5 mEq/L/hora), diminuir a concentração de Na do soluto, ou aumentar o débito do mesmo. Sublinhe-se, contudo, que é preferível uma descida mais lenta do que demasiado rápida, tendo em conta que nem sempre é possível conseguir a descida do Na de acordo com o programado.

Salienta-se que as perdas, entretanto verificadas, deverão ser sempre contabilizadas ao longo do processo de correcção do défice.

3ª Fase: manutenção

A abordagem desta fase considerada separadamente, por razões de melhor compreensão, da fase de reposição do défice, é aplicável nas situações de desidratação iso-hipotónica (plano I) pois, de facto já foi feita referência à mesma a propósito das situações de desidratação hipernatrémica e de desidratação em casos de peso igual ou superior a 25 kg de peso.

  • Débito ou “velocidade” de administração: os cálculos são feitos tendo como base as necessidades em líquidos para 24 horas, contabilizando também, tanto quanto possível, as perdas para o “terceiro espaço”.
  • Soluto: soluto de manutenção (SF diluído a 1/5) em volume discriminado no Quadro 3 do primeiro capítulo desta Parte, acrescentado de KCl na dose de 20 mEq/L desde que haja garantia de diurese mantida.
  • Duração: em função da situação clínica, iniciando-se, logo que possível em concomitância, a reidratação oral (ver adiante).
  • Particularidades: se as perdas para o terceiro espaço forem significativas e prolongadas, dever-se-á determinar a composição em electrólitos das mesmas sendo necessário proceder à compensação em volume e em composição.

Reidratação oral/entérica

Indicações

A reidratação com solutos por via oral, utilizada actualmente na maioria dos casos, está indicada nos casos de desidratação ligeira a moderada por diarreia aguda (desidratação correspondente a perda de menos de 10% do peso); por vezes, se a situação o permitir, poderá ser levada a cabo concomitantemente com a reidratação por via endovenosa, contabilizando com rigor o suprimento dos respectivos solutos.

Contra-indicações

Esta modalidade de reidratação está contra-indicada nas seguintes situações: desequilíbrios hidroelectrolíticos importantes, choque, sépsis, íleo paralítico, vómitos incoercíveis, perdas fecais superiores a 10 mL/kg/hora, disfunção renal, alterações da consciência, idade inferior a 3 meses e falência de reidratação oral prévia.

Fundamentação

A base fisiológica que legitima a administração de soluções (água e electrólitos) por via oral relaciona-se com a verificação de que a absorção de água e sódio por via intestinal pode ser rendibilizada com a adição de glucose.

De acordo com estudos realizados demonstrou-se que as soluções de reidratação oral (SRO) podem corrigir com maior segurança a desidratação hipernatrémica do que os solutos por via endovenosa, havendo menor risco de convulsões.

Preparados comerciais

Existe grande variedade de preparados comerciais de soluções para reidratação oral (sigla ORS em inglês).

A composição-tipo por litro (/L) é a seguinte:
glicose /hidrato de carbono → 20 a 30 gramas; Na → 75 a 60 mEq; Cl → 35 a 80 mEq; k→ 20 a 25 mEq; citrato → 30 a 34 mEq; e 200 a 330 mOsm.

Como particularidades há a salientar diferença entre a solução tipo OMS/UNICEF (cuja relação Na/K em mEq/L é 90/20) e a solução tipo ESPGHAN em que a mesma relação é 60/20. O soluto OMS/UNICEF foi inicialmente concebido para o tratamento de situações de cólera em África e países em desenvolvimento; daí o seu teor superior em sódio.

No nosso meio, segundo a ESPGHAN (Portugal e países desenvolvidos sem aquele problema) estão mais indicadas as SRO com teor mais baixo em sódio; com efeito, a diarreia fora daquela situação (cólera) é constituída por líquido hipotónico.

Procedimento

Na prática:

  • Desidratação ligeira → alternar SRO com alimentação;
  • Desidratação moderada → SRO na dose de 15-25 ml/kg/hora (1 a 2 colheres das de chá de 5 em 5 minutos) durante 4 horas, mantendo alimentação por via oral (com leite materno ou fórmula).

Em regra, considera-se necessário o suprimento de cerca de 10 mL/kg por cada dejecção.

Quando a reidratação oral não é possível, pode recorrer-se à reidratação por via entérica por sonda gástrica (oro ou naso-), tão ou mais eficaz que a via endovenosa; com efeito, comporta menor risco de reacções adversas, obrigando em geral a menor duração do internamento.

Situações especiais

Seguidamente são sintetizados aspectos semiológicos e os procedimentos a realizar perante as alterações mais frequentes do equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base associadas, por vezes, a quadros clínicos de desidratação.

Acidose metabólica na desidratação (hipertónica ou iso-hipotónica)

Substituir parcialmente o soro fisiológico (Na Cl 0,9% em que 1 ml=0,154 mEq de Cl e 0,154 mEq de Na+) por bicarbonato de sódio a 8,4% em que 1 ml=1 mEq de H– CO3 e 1 mEq de Na+).
Aplicar as fórmulas: nº de mEq de H COa administrar: peso em Kg x Défice de Base x 0,3 (ou 0,5 se se tratar de recém-nascido).
Se pH <7.15: administrar 1/2 da dose calculada em injecção intravenosa (i.v. directa em 30-60 minutos), diluída como se referiu atrás, e 1/2 em perfusão lenta a juntar à perfusão prescrita.

N.B.

  • Após correcção da acidose, verificar calcémia e caliémia e corrigir em conformidade, se necessário.
  • Nunca juntar no mesmo frasco bicarbonato de sódio com gluconato de cálcio a 10%.
  • O défice de base de 0 a 5 não necessita de correcção.
  • A acidose metabólica pode ser acompanhada ou não de hiato aniónico alterado.
  • Na hipótese de hiato aniónico >11 com clorémia normal há que admitir a possibilidade de acumulação de compostos tóxicos ácidos (por ex. ácidos orgânicos e respectivos metabolitos, ou de lactato e corpos cetónicos).
  • Na hipótese de hiato aniónico entre 4 e 11 associado a pH urinário alcalino, na ausência de ácido láctico aumentado e de hipoglicémia, há que admitir a probabilidade de acidose tubular renal.
  • Na hipótese de acidose metabólica não completamente esclarecida e acompanhada de hiato aniónico >11, há que admitir a probabilidade de doença hereditária do metabolismo.

Hiponatrémia (Na+ inferior a 130 mEq/l)

a) De depleção (proteinémia e hematócrito normais ou aumentados); perda de Na+ por: vómitos e/ou diarreia; pelo rim (causa renal – tubulopatia; – ou suprarrenal); ou pela administração de NH4.
Sinais de desidratação.

  • Procedimento: para elevar a natrémia (Na ordem dos 10 mEq): P em Kg x0,6×10=nº de mEq de NaCl a administrar.

b) De diluição (proteinémia e hematócrito diminuídos); intoxicação pela água ou SIADH (síndroma de secreção inapropriada de hormona antidiurética) (Quadros 2 e 3).

  • SIADH: coma, ausência de sinais de desidratação, convulsões ou letargia, ausência de edema.
  • Intoxicação pela água: salivação, secreção lacrimal, vómitos, edema, convulsões.
    • Procedimento na SIADH: restringir líquidos; administrar sódio, sob a forma de NaCl isotónico (ou hipertónico se houver coma ou convulsões segundo a fórmula e esquema referido antes).
    • Procedimento na intoxicação aquosa: a) Manitol a 10%: 10 ml/Kg que pode ser repetido; b) Administrar Na+ segundo a fórmula atrás referida; em caso de convulsões, administrar NaCl a 3%, 1 ml/min. até máximo de 12 ml ou até que cessem as convulsões.

O Quadro 3 resume as principais causas de SIADH.

QUADRO 2 – Diagnóstico de síndroma de secreção inapropriada de hormona antidiurética (SIADH)

Ausência de insuficiência renal, suprarrenal, hipotiroidismo, insuficiência cardíaca, síndroma nefrótica, cirrose, ingestão de diuréticos, desidratação

Diagnóstico diferencial laboratorial: 
*Padrão de natrémia e osmolaridade sérica diminuídas (simile SIADH): intoxicação pela água, hipoaldosteroismo, perda renal de sódio, suprimento insuficiente de sódio, e SIADH associada a depleção de sódio.
*Osmolaridade urinária: diminuída na intoxicação pela água e na perda renal de sódio; e aumentada na SIADH, hipoaldosteronismo, SIADH associada a depleção de sódio, e suprimento insuficiente de sódio.

· Osmolaridade urinária >100 mOsm/Kg (em geral superior à sérica)
· Osmolaridade sérica <280 mOsm/Kg
· Natrémia <135 mEq/L
· Natriúria normal ou >30 mEq/L

QUADRO 3 – Principais causas de SIADH

· Patologia intracraniana (tumores, meningite, trauma, hemorragias, etc.)
· Patologia torácica (infecções, tumores, etc.)
· Outras causas (leucemia, SIDA, fármacos-carbamazepina, vincristina, vinblastina, etc.)

Hipernatrémia sem sinais de desidratação ou intoxicação salina (Na+ superior a 150 mEq/L)

Procedimentos: a) Diuréticos (Furosemido 0,5-1 mg/Kg); b) Perfusão i.v. de dextrose a 5%; c) Administração de sais de potássio (K+); d) Eventualmente diálise peritoneal para natrémias superiores a 175 mEq/L.

Hiperpotassémia (K+ superior a 6 mEq/L)

As etiologias mais frequentes relacionam-se com: insuficiência suprarrenal (hiperplasia SR), suprimento em excesso, hemólise, hipotermia, acidose, etc.). Sinais: apatia, bradicardia colapso, ondas T pontiagudas (Quadros 4 e 5). O procedimento é o seguinte:

Tratar o choque hipovolémico quando presente.

  • Gluconato de cálcio a 10%: 0,5-1 mL/kg/dose i.v. em 5-10 minutos;
  • Salbutamol nebulizado ou i.v.: (4 mcg/kg em 15 mL de dextrose a 5% em 15 minutos);
  • Furosemido: 0,5-1 mg/kg i.v.
  • Alcalinização rápida (Preferir HNaCO3 M/2, em que 1 ml=0,5 mEq de bicarbonato), dando 2 a 4 mEq/Kg/em 1 hora;
  • Dextrose a 50%: 1-2 mL/kg i.v. em 30 minutos + Insulina rápida 0,1-0,2 UI/kg (1 UI por cada 5 g de dextrose);
  • Aspiração gástrica;
  • Resinas permutadoras de iões: 1 grama/kg/dose;
  • Diálise peritoneal. N.B.

No caso de estar em causa insuficiência suprarrenal, dar NaCl:
1 g/Kg/dia + Hidrocortisona: 10 mg/Kg/dia.

Hipopotassémia (K+ inferior a 3,5 mEq/L; grave se inferior a 2,5 mEq/L)

As etiologias mais frequentes são: vómitos e/ou diarreia, tubulopatias, coma diabético, administração excessiva de fluidos endovenosos promovendo diurese excessiva e arrastando K+) (Quadros 4 e 5)

QUADRO 4 – Manifestações clínicas da híper e hipotassémia

Hiperpotassémia

Apatia, torpor, obnubilação

Formigueiros

Pele pálida e fria

Bradicardia e arritmia

Colapso periférico com tons cardíacos apagados

Paralisia flácida dos membros (raramente)

Síncope cardíaca

Hipopotassémia

Hipotonia muscular ou paralisia

Dispneia e cianose

Taquicardia

Distensão abdominal, náuseas e vómitos

Dilatação cardíaca, tensão venosa elevada

Síncope cardíaca

QUADRO 5 – Alterações electrocardiográficas da hipo e da hiperpotassémia

Hiperpotassémia (>6 mEq/L)

Onda T pontiaguda

Intervalo P-R alargado

Ausência de onda P

Alargamento do QRS

Fibrilhação ventricular terminal

Hipopotassémia (<3,5 mEq/L)

Onda T de baixa voltagem

Presença da onda U

Depressão de S-T

Achatamento da onda T com onda U proeminente

Paragem cardíaca terminal

  • O aspecto clínico mais relevante da hipopotassemia iatrogénica é a inoperância duma reidratação aparentemente correcta com persistência do desequilíbrio hidroelectrolítico.
  • Sinais e sintomas de alerta: hipotonia, íleo paralítico, dispneia, taquicardia, poliúria, diminuição da amplitude até ao desaparecimento das ondas T, depressão negativa de ST, ondas U.
  • Procedimento: a correcção deve ser lenta, podendo durar 3-4 dias; a finalidade será obter potassémias de segurança (3,5 mEq/L), com vigilância seriada dos sinais do ECG.
  • Podem ser adoptados dois esquemas práticos:
    • Administrar K+ (KCl) na dose de 4-5 mEq/Kg/dia (ou 0,2-0,3 mEq/Kg/hora em perfusão i.v. não ultrapassando 50 mEq/litro); abstenção de injecções directas de KCl com seringa.
  • No caso de existir acidose hiperclorémica, optar por outro sal de K, v.g. acetato ou lactato de K; ou
    • Aplicar a fórmula seguinte para calcular a dose de KCl a administrar:
      KCl (em mg) = 74,6 x (3,5 – potassémia do doente) x volémia
      Volémia = 80 ml x peso em Kg
      1 mEq de K+ = 74,6mg de K

NB – Verificando-se carência de potássio (K+) o rim “poupa” este catião à custa de H+, o qual é eliminado pela urina criando-se assim uma situação de alcalose metabólica com urina paradoxalmente ácida. O problema é agravado pela hiponatrémia.
Verifica-se situação de acidose intracelular por mecanismo semelhante: o K+ intracelular que se perde é substituído por H+ e Na+

Acidose respiratória

O tratamento da acidose respiratória será primordialmente o da anomalia respiratória casual.

Alcalose respiratória

Não precisa de correcção por ser auto-limitada.

Alcalose metabólica (pH >7,5 e paCO2 entre 30-50 mmHg)

A alcalose metabólica não constitui uma emergência. Deve ser tratada se persistir após o reequilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base. A patologia subjacente mais frequente é a estenose hipertrófica do piloro (alcalose metabólica, hipocaliémia e hipoclorémia), cujas alterações regridem espontaneamente após cirurgia, reidratação e administração de KCl. Mais raramente pode ser devida a hiperadosteronismo/hiperreninemia como a síndroma de Bartter.

Hipocalcémia (convulsões, colapso, apneia, etc.)

A normalização da acidose seguida de alcalose (iatrogénica) diminui a fracção ionizada do cálcio, o que poderá determinar a chamada “tetania pós-acidótica”.

  • Tratamento de emergência: gluconato de cálcio a 10%, na dose de 1 a 2 ml/ Kg/dose, i.v. (máximo 20 ml) em 20 a 60 minutos, não ultrapassando 5 ml/ minuto; excepcionalmente, 5 ml de gluconato de cálcio a 10% + 5 ml de dextrose a 5%, i.v. directo, ao ritmo de 1 ml/minuto, com vigilância de ECG.
  • Dose de manutenção: 700-800 mg de gluconato de cálcio/kg/dia.
  • ECG nas hipocalcémias: aRaT/RR superiora 0,50 (referências: vértices de R e de T).

NB: 1 – A fracção ionizada do cálcio é inversamente proporcional ao pH do plasma. 2 – A hipoproteinémia pode levar ao falso diagnóstico de hipocalcémia porque o cálcio total sérico está baixo, embora o cálcio ionizado esteja normal.

Aspectos importantes a considerar no tratamento da desidratação

  • No decurso duma desidratação é frequente verificar-se alteração transitória da função renal; assim, são frequentes os achados de hiperazotémia, albuminúria, glicosúria, etc..
  • Se surgir hipo-osmolalidade urinária (traduzida por densidade inferior a 1005) associada a hipernatrémia (Na+ superior a 150 mEq/L), há que admitir poliúria insípida.
  • Admitir síndromas de perda de sal se natrémia inferior a 130 mEq/L com:
    • Natriúria superior a 20 mEq/L, pH urinário superior a 6, pH sanguíneo inferior a 7.2 (acidose) → provável uropatia/tubulopatia.
    • Natriúria inferior a 10 mEq/L, associada a hipopotassémia → provável causa suprarrenal.

NB – A perda de sal de causa suprarrenal é mais frequente nos primeiros meses.
       – A perda de sal de causa renal é mais frequente após os primeiros meses, excepção feita para o chamado pseudo–hipo-aldosteronismo congénito.

O Quadro 6 elucida de modo prático sobre a conversão de unidades mg/dl – mEq/L – mmol/L, relativamente ao cálcio, fósforo e magnésio.

QUADRO 6 – Factores de conversão

 UnidadeFactorUnidade

Nota: os valores em unidades da coluna da esquerda são convertidos em unidades da coluna da direita multiplicando-os pelo factor de conversão; os valores em unidades da coluna da direita são convertidos em unidades da coluna da esquerda dividindo-os pelo factor de conversão.

Fósforo mg/dl0,32mmol/L
Magnésiomg/dl
mEq/L
mg/dl
0,41
0,50
0,82
mmol/L
mmol/L
mEq/L
Cálciomg/dl
mEq/L
mg/dl
0,25
0,50
0,50
mmol/L
mmol/L
mEq/L

BIBLIOGRAFIA

Berman S. Pediatric Decision Making. St Louis: Mosby, 2003

Burg FD, Polin RA, Ingelfinger JR, Gershon AA. Gellis& Kagan’s Current Pediatric Therapy. Philadelphia: Saunders, 2002

Crocetti M, Barone MA. Oski’s Essential Pediatrics. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2004

Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011

Foster BA, Tom D, Hill V. Hypotonic versus isotonic fluids in hospitalized children: a systematic review and meta-analysis. J Pediatr 2014; 165: 163-169

Freedman SB, Ali S, Oleszczuk M, Gouin S, et al. Treatment of acute gastroenteritis in children: an overview of systematic reviews of interventions commonly used in developed countries. Evid Based Child Health. 2013 Jul;8(4):1123-37. doi: 10.1002/ebch.1932. Review.

Guarino A, et al/ ESPGHAN.Evidence-based guidelines for the management of acute gastroenteritis in children in Europe. JPGN 2008; 46: S81-S184

Houston KA, Gibb JG, Mpoya A, Obonyo N, et al. Gastroenteritis Aggressive Versus Slow Treatment For Rehydration (GASTRO). A pilot rehydration study for severe dehydration: WHO plan C versus slower rehydration. Wellcome Open Res. 2017 Aug 10;2:62. doi: 10.12688/wellcomeopenres.12261.1. eCollection 2017.

Houston KA, Gibb JG, Maitland K. Oral rehydration of malnourished children with diarrhoea and dehydration: A systematic review. Wellcome Open Res. 2017 Oct 27;2:66. doi: 10.12688/wellcomeopenres.12357.3. eCollection 2017

Iro MA, Sell T, Brown N, Maitland K. Rapid intravenous rehydration of children with acute gastroenteritis and dehydration: a systematic review and meta-analysis.BMC Pediatr. 2018 Feb 9;18(1):44. doi: 10.1186/s12887-018-1006-1. Review.

Johnson JE, Sullivan PB. The management of acute diarrhoea. Curr Paediatr 2003; 13:95-100

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Lissauer T, Clayden G. Illustrated Textbook of Pediatrics. Edinburg: Mosby Elsevier, 2007

McInerny T(ed). Tratado de Pediatria / American Academy of Pediatrics. Madrid: Panamericana,2010

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Nitu M, Montgomery G, Eigen H. Acid-base disorders. Pediatr Rev 2011; 240-251

Pearson F, Johnson MJ, Leaf AA. Milk osmolality: does it matter? Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2013; 98: F166-F169

Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA (eds). Rudolph´s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011

Simpson JN, Teach SJ. Pediatric rapid fluid resuscitation. Curr Opin Pediatr 2011; 23: 286-292

The Royal Children´s Hospital Melbourne. http://www.rch.org.au/clinicalguide_index/Intravenous_Fluids

Wang J, Xu E, Xiao Y. Isotonic versus hypotonic maintenance iv fluids in hospitalized children: A Meta–analysis. Pediatrics 2014; 133:105-113