Etiopatogénese e manifestações clínicas
Condições anómalas podem causar perda aguda excessiva para o exterior, ou desvio para espaço não funcional, de água e electrólitos, em proporções variadas (desidratação aguda).
Exemplos: diarreia, vómitos, fibrose quística, golpe de calor, queimaduras, peritonite, ascite, etc..
De todas as etiologias referidas a mais frequente é a causada por diarreia.
Para calcular o défice hidro-electrolítico a corrigir, ou o valor das perdas, é necessário avaliar o grau de desidratação de acordo com a semiologia clínica e a perda de peso (%):
- Desidratação ligeira (3-5%) – frequência cardíaca normal ou aumentada, diminuição do débito urinário, secreção lacrimal mantida, observação clínica normal;
- Desidratação moderada (6-10%) – taquicardia, diurese escassa ou ausente, olhos encovados e fontanela deprimida, diminuição de lágrimas, mucosas secas, prega cutânea moderada, pele fria e pálida, tempo de recoloração capilar aumentado e letargia ou irritabilidade;
- Desidratação grave (>10%) – pulso rápido e filiforme, pressão arterial diminuída, ausência de débito urinário, olhos e fontanela muito deprimidos, ausência de lágrimas, mucosas muito secas, prega cutânea marcada, pele fria e marmoreada (choque).
Para o cálculo deste défice é, pois, fundamental, em primeiro lugar proceder à anamnese e ao exame objectivo; em casos especiais de interpretação mais difícil, de gravidade comprovada e/ou em regime hospitalar realizam-se determinados exames complementares. Saliente-se, no entanto, que a experiência clínica e a observação cuidadosa atendendo à valorização de determinados sinais clínicos poderá tornar dispensáveis os exames complementares, referidos adiante.
A proporção relativa da perda de electrólitos e de água determina o tipo de défice e de desidratação. Este aspecto é importante, pois em função do referido tipo são adoptados procedimentos diversos relacionados com a composição dos solutos e a velocidade de administração:
Hipotónica
Na desidratação hipotónica há um desvio de água do compartimento extracelular EEC para o EIC, o que condiciona um agravamento da depleção intravascular e clínica exuberante de desidratação.
Neste tipo o sódio sérico é inferior a 130mEq/L e a osmolalidade sérica é inferior a 270. Os sinais clínicos são sobreponíveis aos da desidratação isotónica, embora mais notórios. Na hipotónica e na isotónica a desidratação é predominantemente extracelular. (Quadro 1).
Hipertónica
Pelo contrário, na desidratação hipertónica há um desvio de água do EIC para o EEC com a consequente preservação de volume intravascular, quadro clínico de desidratação menos exuberante, manutenção do débito urinário e pressão arterial até estádios mais avançados de desidratação.
Neste tipo, a natrémia é superior a 150 mEq/L (osmolalidade sérica superior a 310), chamando-se a atenção para os sinais clínicos diversos dos da desidratação hipotónica.
Trata-se duma desidratação predominantemente intracelular com elevada morbilidade na ausência de tratamento correcto por exempo: trombose, hemorragia intracraniana, etc.. (Quadro 1)
Isotónica
Neste tipo, caracterizado pelos sinais e sintomas resumidos no Quadro 1 o sódio sérico encontra-se dentro dos limites da normalidade (Na+: 130-150 mEq/L) explicável por perda proporcional de água e de electrólitos. A osmolalidade sérica varia entre 270-300). Trata-se do tipo mais frequente (cerca de 85% dos casos).
QUADRO 1 – Sinais e sintomas de desidratação
Desidratação hipertónica | Desidratação hipotónica | Desidratação isotónica |
Perda acentuada de peso | Perda de peso | Perda de peso |
Irritabilidade | Prostração | Prostração |
Hipertonia/convulsões | ||
Meningismo | Hipotonia muscular | Hipotonia muscular |
Pele quente | Pele acinzentada e fria | Pele pálida e fria |
Fontanela deprimida/normal | Fontanela deprimida | Fontanela deprimida |
Língua muito seca (~”lixa”) | Língua pastosa | Língua seca |
Sede intensa | Ausência de sede | Sede moderada |
Olhos pouco encovados | Olhos encovados | Olhos encovados |
Febre | Febre inconstante | Febre inconstante |
Pedra de turgor ligeira | Perda de turgor acentuada | Perda de turgor acentuada |
Prega abdominal + | Prega abdominal ++++ | Prega abdominal +++ |
Oligúria | Oligúria | Oligúria |
Escleredema | Taquicardia | Taquicardia |
Pressão arterial +/- mantida | Hipotensão acentuada | Hipotensão |
Respiração de Kussmaul | Respiração de Kussmaul | Respiração de Kussmaul |
Choque | Choque |
N.B. |
Nos casos de obesidade é mais frequente a desidratação hipertónica. Nos casos de subnutrição são importantes os seguintes sinais de desidratação: |
Na desidratação isotónica ambos os mecanismos descritos atrás estão presentes.
De referir que a concentração de sódio sérico e a osmolalidade sérica permitem, em princípio, determinar o tipo de desidratação.
No entanto, se este facto se verifica na maior parte das patologias, tal não acontece nalgumas situações (por exemplo na cetoacidose diabética) em que ocorre desidratação hipertónica hiponatrémica (a hipertonia ou hiperosmolalidade é condicionada pela hiperglicémia e não pela hipernatrémia).
Este aspecto relaciona-se com o papel dos osmoles*. Outro exemplo é a insuficiência renal aguda em que se observa desidratação iso/hiponatrémica hipertónica condicionada pelos elevados níveis séricos de ureia.
Conceitos fundamentais:
|
BIBLIOGRAFIA
Berman S. Pediatric Decision Making. St Louis: Mosby, 2003
Burg FD, Polin RA, Ingelfinger JR, Gershon AA. Gellis& Kagan’s Current Pediatric Therapy. Philadelphia: Saunders, 2002
Crocetti M, Barone MA. Oski’s Essential Pediatrics. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2004
Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011
Foster BA, Tom D, Hill V. Hypotonic versus isotonic fluids in hospitalized children: a systematic review and meta-analysis. J Pediatr 2014; 165: 163-169
Freedman SB, Ali S, Oleszczuk M, Gouin S, et al. Treatment of acute gastroenteritis in children: an overview of systematic reviews of interventions commonly used in developed countries. Evid Based Child Health. 2013 Jul;8(4):1123-37. doi: 10.1002/ebch.1932. Review.
Guarino A, et al/ ESPGHAN.Evidence-based guidelines for the management of acute gastroenteritis in children in Europe. JPGN 2008; 46: S81-S184
Houston KA, Gibb JG, Mpoya A, Obonyo N, et al. Gastroenteritis Aggressive Versus Slow Treatment For Rehydration (GASTRO). A pilot rehydration study for severe dehydration: WHO plan C versus slower rehydration. Wellcome Open Res. 2017 Aug 10;2:62. doi: 10.12688/wellcomeopenres.12261.1. eCollection 2017.
Houston KA, Gibb JG, Maitland K. Oral rehydration of malnourished children with diarrhoea and dehydration: A systematic review. Wellcome Open Res. 2017 Oct 27;2:66. doi: 10.12688/wellcomeopenres.12357.3. eCollection 2017
Iro MA, Sell T, Brown N, Maitland K. Rapid intravenous rehydration of children with acute gastroenteritis and dehydration: a systematic review and meta-analysis.BMC Pediatr. 2018 Feb 9;18(1):44. doi: 10.1186/s12887-018-1006-1. Review.
Johnson JE, Sullivan PB. The management of acute diarrhoea. Curr Paediatr 2003; 13:95-100
Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015
Lissauer T, Clayden G. Illustrated Textbook of Pediatrics. Edinburg: Mosby Elsevier, 2007
McInerny T(ed). Tratado de Pediatria / American Academy of Pediatrics. Madrid: Panamericana,2010
Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015
Nitu M, Montgomery G, Eigen H. Acid-base disorders. Pediatr Rev 2011; 240-251
Pearson F, Johnson MJ, Leaf AA. Milk osmolality: does it matter? Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2013; 98: F166-F169
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA (eds). Rudolph´s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011
Simpson JN, Teach SJ. Pediatric rapid fluid resuscitation. Curr Opin Pediatr 2011; 23: 286-292
The Royal Children´s Hospital Melbourne. http://www.rch.org.au/clinicalguide_index/Intravenous_Fluids
Wang J, Xu E, Xiao Y. Isotonic versus hypotonic maintenance iv fluids in hospitalized children: A Meta–analysis. Pediatrics 2014; 133:105-113