Definição e importância do problema
A adolescência (do latim adolescere, significando crescer) corresponde a um período da vida caracterizado por crescimento e desenvolvimento biopsicossocial marcados, o qual decorre entre o final do período de criança (~10 anos) e a adultícia.
Neste período ocorrem várias alterações a diferentes níveis:
- Biológico – correspondendo a grandes modificações anátomo-fisiológicas;
- Psicológico – correspondendo à conquista da identidade e à aquisição de autonomia;
- Social – correspondendo à adaptação harmoniosa ao meio social.
A idade de início do amadurecimento físico, bem como o intervalo de tempo decorrido até à aquisição de maturidade psicossocial plena, é variável de indivíduo para indivíduo, com possibilidade de desfasamento, o que dificulta a delimitação do começo e do fim da adolescência. Contudo, quer por motivos científicos (por ex. comparação de resultados de estudos), quer por motivos burocrático-administrativos (por ex.: realização de trabalhos, programação de serviços, etc.), torna-se indispensável estabelecer limites cronológicos de idade para este grupo.
Assim, a OMS em 1965 definiu a adolescência como o período que se estende aproximadamente dos 10-18 anos, compreendendo três fases:
- Dos 10 a 12 – adolescência precoce;
- Dos 13 a 15 – adolescência média;
- Dos 16 a 18 – adolescência tardia.
O critério cronológico, porém, não é o mais correcto para classificar adequadamente um adolescente. As acentuadas mudanças que ocorrem nas áreas – biológica, cognitiva, afectiva, e social, estão estreitamente ligadas entre si, embora nem sempre decorram em simultâneo; exemplificando: um adolescente com crescimento e desenvolvimento físico em fase adiantada pode apresentar ainda características emocionais da faixa etária anterior e vice-versa.
Por este motivo a adolescência corresponde a uma fase da vida com grande vulnerabilidade em que se manifestam dúvidas e problemas que, a não serem devidamente resolvidos, podem deixar marcas importantes de imaturidade na pessoa adulta.
Evolução estaturo-ponderal
O ritmo acelerado de crescimento nesta fase é consequência da secreção de hormona de crescimento e dos esteróides sexuais (estradiol e testosterona).
A paragem do crescimento, evidenciada pelo encerramento epifisário, é influenciada pela acção das hormonas sexuais (testosterona e estrogénios), parecendo ser os estrogénios os responsáveis pelo encerramento das cartilagens de crescimento em ambos os sexos.
À medida que o amadurecimento sexual avança, a aceleração do crescimento diminui. Por este motivo, na avaliação do crescimento do adolescente, deve relacionar-se a sua altura e idade com o seu estádio de desenvolvimento sexual e a idade óssea, para se poder determinar a potencialidade de crescimento.
Assim, um jovem pré-adolescente de 12 anos, com altura no percentil 3 (P3), mas sem manifestações pubertárias, tem maior potencialidade de crescimento do que outro com a mesma altura, mas desenvolvimento mais acentuado dos caracteres sexuais secundários.
O aumento estatural durante a adolescência equivale a 20-25% da altura final do adulto; tal resulta, em primeiro lugar, do crescimento dos membros inferiores e, em segundo lugar, do crescimento do tronco. Esta situação pode ser traduzida ao estilo lúdico – pela verificação do seguinte: começam por deixar de servir os sapatos, depois as calças e, por fim, as camisolas.
Como resultado deste importante crescimento do tronco, é frequente o aparecimento ou agravamento de desvios da coluna – escoliose do adolescente e cifose juvenil. Por este motivo, o exame da coluna deve sempre fazer parte da observação do adolescente.
As diferenças individuais no que respeita ao crescimento em estatura, da sua normalidade, e da forma como se relacionam com a maturação sexual, devem ser transmitidas ao adolescente de forma a reduzir ao mínimo as preocupações que habitualmente surgem nesta fase de rápidas e muito relevantes transformações corporais.
As preocupações com a altura surgem quando o adolescente se compara com os seus pares no seu grupo de referência, sendo mais frequente no rapaz de estatura baixa e nas raparigas com excesso de altura.
O ganho de peso corresponde a cerca de 50% do peso adulto final. O ritmo de aceleração do ganho em peso é semelhante ao do ganho em altura, sendo que a curva de velocidade de crescimento se inicia 1 ano e meio mais precocemente e com menor intensidade na rapariga do que no rapaz. E o pico de velocidade máxima em ganho de peso, ocorre cerca de 6 meses após o pico de crescimento em estatura nas raparigas, enquanto nos rapazes coincide no tempo.
No sexo masculino, a elevação ponderal pode chegar aos 6,5-12,5 kg por ano, em média 9,5 kg/ano, fazendo-se sobretudo à custa do aumento da massa muscular. O número de células musculares aumenta cerca de 14 vezes desde os 5 aos 16 anos, e as dimensões das células aumentam até quase ao final da 3ª década de vida sob acção dos androgénios. Por esta razão o homem tem, em regra, mais 30% de massa muscular que a mulher.
O pico do crescimento muscular coincide com o pico de velocidade máxima de peso e de altura. No sexo feminino, o aumento de peso é cerca 5,5-10,5 kg/ano, em média 8,5 kg/ano, fazendo-se fundamentalmente por deposição de gordura sob a influência de estrogénios. Também se verifica acréscimo da massa muscular, mas em menor grau do que no sexo masculino. Este facto é devido ao aumento do volume das células musculares, sem aumento do número das mesmas.
A deposição de gordura subcutânea na fase pré-adolescente ocorre lentamente nos dois sexos, diminuindo na fase do pico de crescimento, e chegando a ser praticamente nula no sexo masculino. Após esta fase, a deposição de gordura volta a aumentar, sendo então mais acentuada nas raparigas do que nos rapazes.
As preocupações com o peso surgem no adolescente quando o mesmo estabelece comparação com os seus pares; nas raparigas é mais frequente a preocupação com o excesso de peso (sinto-me gorda…), enquanto nos rapazes com a escassez de musculatura (tenho pouco músculo…).
Crescimento de órgãos e sistemas
Na adolescência verifica-se o crescimento de vários órgãos, tais como coração, pulmões, fígado, baço, rins, assim como de glândulas: pâncreas, tiróide, suprarrenais, etc.; no tecido linfóide, por outro lado, verifica-se involução.
Do crescimento do tecido ósseo resulta, em diversas regiões:
- Aumento da estatura (o de maior magnitude);
- Aumento discreto dos ossos da cabeça e face, com consequente modificação da expressão facial, essencialmente devido à pneumatização dos seios frontais;
- Crescimento do nariz e maxilar superior;
- Aumento da distância interescapular e do diâmetro transversal do tronco, mais marcado no sexo masculino, devido ao facto de as células cartilagíneas das articulações do ombro responderem selectivamente ao aumento da testosterona;
- Aumento da distância intertrocanteriana no sexo feminino (alargamento da cintura pélvica) nas raparigas devido à maior sensibilidade das células cartilagíneas da articulação coxo-femoral ao aumento dos estrogénios.
Assim, verifica-se: 1) aspecto de ombros largos tipicamente masculino, com relação diâmetro biacromial/diâmetro bi-ilíaco mais acentuada no rapaz; 2) aspecto de anca larga tipicamente feminino com relação diâmetro biacromial/ diâmetro bi-ilíaco menos acentuada na rapariga.
No sistema nervoso central ocorre uma verdadeira reconstrução do cérebro. Do início da puberdade até aos 15 anos desenvolvem-se sobretudo as regiões cerebrais ligadas à linguagem; este período é, por isso, ideal para a aprendizagem de línguas.
O cérebro da rapariga amadurece mais cedo do que o do rapaz. Os estrogénios têm um papel importante nesta mudança. No rapaz o amadurecimento é mais tardio, o que é explicável pela síntese mais tardia dos estrogénios a partir da testosterona.
A maior parte das alterações do cérebro ocorre no córtex pré-frontal – área responsável pelo planeamento a longo prazo, pelo controlo de emoções e pelo sentido de responsabilidade. Esta área desenvolver-se-á até por volta dos 20-25 anos. Por este motivo o adolescente na hora de tomar uma decisão nem sempre está apto para entrar em conta com as informações de que precisa para o fazer correctamente. Não se trata, pois, duma simples oposição aos pais, mas sim, duma limitação biológica.
No que respeita aos olhos verifica-se um aumento maior no seu eixo sagital, o que justifica o desenvolvimento mais frequente da miopia durante a fase de crescimento rápido pubertário.
Sob a influência da testosterona, a actividade da eritropoietina aumenta, o que explica, no rapaz, valores mais elevados do número de eritrócitos, do hematócrito e da concentração de hemoglobina.
A pressão arterial sofre um aumento consequente às alterações fisiológicas do sistema cardiovascular próprias deste período, nomeadamente expansão do volume plasmático, aumento do débito cardíaco e da resistência vascular periférica, com estabilização da frequência cardíaca. A avaliação da pressão arterial deve constituir uma rotina da consulta de adolescentes de modo a permitir um diagnóstico precoce de hipertensão arterial.
Desenvolvimento biológico
À componente biológica das transformações características da adolescência dá-se o nome de puberdade. Assim, puberdade não é sinónimo de adolescência, mas apenas uma parte integrante da mesma; trata-se, pois, dum epifenómeno da adolescência, traduzido fundamentalmente pela aquisição da capacidade de reprodução.
Caracteriza-se por:
- Desenvolvimento do aparelho reprodutor, objectivado:
- pelo aparecimento de caracteres sexuais secundários – botão mamário, aumento dos testículos e pénis e desenvolvimento do pêlo púbico e axilar e;
- pela conquista da capacidade reprodutora.
- Aceleração da velocidade de crescimento – pico de crescimento pubertário;
- Alterações da composição corporal resultantes:
- do desenvolvimento esquelético, muscular, modificação da quantidade e da distribuição da gordura corporal;
- do desenvolvimento dos diferentes órgãos e sistemas, nomeadamente dos aparelhos respiratório e cardiocirculatório, com aumento da força e resistência física.
De facto, não se sabe o que realmente desencadeia a puberdade. Num determinado momento do amadurecimento global do organismo, o córtex cerebral gradualmente começa a emitir estímulos para receptores hipotalâmicos produtores de polipéptidos – factores libertadores – os quais promovem, ao nível da hipófise anterior, a produção de gonadotrofinas hipofisárias. Estas, pela via sanguínea, vão estimular as gónadas femininas e masculinas com consequente produção de hormonas sexuais as quais, em conjunto com os androgénios suprarrenais, vão promover as diferentes alterações orgânicas, finalizando a diferenciação sexual (iniciada in utero) e o crescimento estaturo-ponderal.
Nos últimos 100 anos, devido à melhoria das condições de vida, nomeadamente no que se refere à nutrição, tem-se verificado um aumento da estatura final com antecipação da idade da menarca. A este fenómeno evolutivo, observado principalmente a partir do início do século XIX, chama-se aceleração secular do crescimento. Nas sociedades ditas desenvolvidas ou industrializadas de hoje tal fenómeno parece ter terminado pois, nas últimas décadas, não se têm observado mudanças nos parâmetros de crescimento e de maturação biológica.
A variabilidade individual e populacional existente – não só na idade de início da puberdade, mas também na duração, sequência, combinação e dimensão das diferentes modificações corporais – parece depender de vários factores, nomeadamente, carga genética, meio ambiente, nutrição, padrão sócio-económico e estimulação sensorial.
No sexo feminino a puberdade pode ter início entre os 10-13 anos (em média aos 11 anos). No sexo masculino as alterações surgem mais tardiamente, começando entre os 11-14 anos (em média aos 12 anos).
Enquanto alguns jovens têm o seu desenvolvimento completo em 2-3 anos, outros têm-no em 4-5 anos.
Assim, num grupo de adolescentes com a mesma idade cronológica, pode haver:
- Jovens em que ainda não se começou a verificar sinais de puberdade;
- Jovens com amadurecimento sexual já iniciado, ou até mesmo completo.
O desconhecimento da normalidade desta ocorrência pode causar grande ansiedade ao adolescente e preocupação para a família, levando a situações de instabilidade e desconforto psíquico.
Desenvolvimento e maturação sexual
Na puberdade a maturação sexual inclui o desenvolvimento das gónadas, dos órgãos da reprodução e dos caracteres sexuais secundários.
A designação de gonadarca refere-se ao aumento da glândula mamária, útero e ovários na rapariga, e ao aumento dos genitais externos – testículos e pénis no rapaz; tal se deve, respectivamente, à elevação dos níveis dos estrogénios na rapariga, e dos androgénios no rapaz.
Na rapariga, a menarca ou aparecimento da primeira menstruação constitui um marco importante do desenvolvimento sexual. O termo adrenarca refere-se ao aparecimento de pelos púbicos, axilares e faciais devido ao aumento dos androgénios suprarrenais. Todos estes dois fenómenos estão interligados, verificando-se uma associação no seu tempo de aparecimento.
No sexo feminino
A primeira manifestação da puberdade é o aparecimento do botão mamário (cerca dos 9 anos) ou telarca; inicialmente unilateral, o aparecimento de tal transformação no lado oposto surge geralmente cerca de seis meses depois; pode haver dor local e, nalguns casos, a telarca pode ser precedida de aumento da estatura. No mesmo ano, em regra, aparece o pêlo púbico.
Nesta fase, a jovem muitas vezes interroga-se acerca da sua nova imagem.
No que respeita ao desenvolvimento mamário, cabe referir algumas possíveis alterações associadas sem significado patológico, tais como:
- Assimetria mamária
Considerada fisiológica no começo do desenvolvimento mamário, em cerca de 25% dos jovens aquela mantém-se bem notória na idade adulta. Havendo repercussão psicológica, está indicada a terapêutica cirúrgica, mas somente após terminada a puberdade. - Hipertrofia mamária
É muito frequente, podendo ser exuberante e causar problemas físicos (dores no pescoço, defeito postural, parestesias) e psíquicos. No final da puberdade tende a diminuir; contudo, se os problemas psicológicos se mantiverem, com tendência para isolamento e diminuição da auto-estima, estará também indicada a terapêutica cirúrgica uma vez completado o crescimento. - Hipoplasia mamária
O tamanho reduzido das mamas pode ser constitucional, ou consequente a problemas nutricionais ou a défice hormonal. A terapêutica cirúrgica, quando indicada, também só deve ser efectuada no final da puberdade. Simultaneamente modificam-se útero, ovários, trompa, vagina e vulva.
Os ovários crescem progressiva e lentamente desde o nascimento, verificando-se um aumento superior nos meses que antecedem a menarca.
Nesta fase, são várias as alterações dos genitais externos da adolescente:
- O comprimento da vagina aumenta, com espessamento, protrusão e enrugamento dos pequenos lábios e desenvolvimento dos grandes lábios.
- O pH da vagina diminui devido à produção do ácido láctico pelos bacilos de Doderlein que, a partir de agora passam a fazer parte da flora vaginal normal.
- Surge o corrimento vaginal de cor clara e cheiro inespecífico; trata-se da leucorreia fisiológica da adolescência, também resultado da estimulação estrogénica, com maior secreção do muco cervical e maior descamação das células da mucosa vaginal.
A menarca é um acontecimento tardio da puberdade feminina. Ela ocorre após o pico de velocidade máxima de crescimento, já na fase de desaceleração da curva de crescimento.
As adolescentes crescem em regra 3-4 cm nos 2-3 anos que se seguem à menarca.
O tempo que medeia entre o aparecimento do botão mamário e a menarca varia entre 2-5 anos.
Os primeiros ciclos menstruais são anovulatórios, o que justifica a irregularidade menstrual típica dos dois primeiros anos pós-menarca.
Após este período, na sequência do amadurecimento do eixo hipotálamo-hipofisário e maior número de ciclos ovulatórios, os ciclos tendem a tornar-se regulares.
O aparecimento do pêlo púbico surge cerca de seis meses após a telarca. Os pêlos axilares aparecem mais tarde, acompanhados do desenvolvimento das glândulas sudoríparas e consequente aparecimento do odor e da transpiração característica do adulto.
No sexo masculino
A primeira manifestação de puberdade no rapaz, por vezes não perceptível, é o aumento do volume testicular, seguindo-se o crescimento do pénis, primeiro em comprimento e depois em diâmetro.
O aparecimento do pêlo púbico ocorre mais tarde; e os pêlos axilares, faciais e do restante corpo, aparecem depois.
A sequência habitualmente é:
- Pêlo púbico, cerca dos 10-11 anos;
- Pêlo axilar, mais ou menos aos 12-13 anos
- Pêlo do restante corpo, mais ou menos aos 14-15 anos.
A sequência do aparecimento dos pêlos faciais é a seguinte: primeiramente nos lábios superiores junto às comissuras e, posteriormente, em toda a extensão da parte superior do lábio superior; posteriormente na porção central, debaixo do lábio inferior; e, por fim, estendendo-se a toda região mentoniana.
Tal como no sexo feminino, o desenvolvimento das glândulas sudoríparas acompanha o crescimento do pêlo axilar.
A próstata, glândulas bulbo-ureterais e vesículas seminais também apresentam crescimento acentuado na puberdade.
A espermarca – idade da 1ª ejaculação – ocorre na fase de aceleração da curva de crescimento em estatura, coincidindo com a fase ascendente da curva.
A mudança de voz – típica do sexo masculino, mas tardia, surge como consequência do aumento das dimensões da laringe por acção dos androgénios.
Ao nível da glândula mamária verifica-se um aumento do diâmetro e da pigmentação da aréola mamária. Contudo, numa proporção importante de adolescentes (cerca de 1/3), verifica-se concomitantemente aumento do tecido mamário – trata-se da ginecomastia pubertária; é bilateral e por vezes dolorosa, restringindo-se ao aumento do tecido mamário sub-areolar; mede geralmente 2-3 cm de diâmetro, no máximo 4 cm. Móvel e de consistência firme, ocorre transitoriamente (meses) na fase de crescimento estatural rápido, não sendo aderente à pele nem ao tecido celular subcutâneo. Deve-se ao aumento dos níveis dos androgénios testiculares.
É importante tranquilizar o adolescente, informando-o a esse respeito.
A ginecomastia que não regride após 24 meses, provavelmente permanecerá inalterada ao longo dos anos. O aumento da glândula mamária superior a 4 cm, designado macroginecomastia, tem frequentemente importantes repercussões fisiológicas no adolescente, pois a mama adquire características femininas. A regressão espontânea nestes casos é rara, podendo estar indicada terapêutica cirúrgica.
O diagnóstico diferencial da ginecomastia faz-se com:
- Adipomastia: trata-se de aumento da mama por acumulação de tecido adiposo subareolar; é comum em jovens obesos pré-púberes ou púberes;
- Ginecomastia patológica: contrariamente à pubertária, é rara.
Deverá admitir-se situação patológica sempre que a mesma ocorra antes do início da maturação sexual, ou após o final da mesma. A anamnese deve incluir um inquérito sobre a ingestão de drogas; o exame físico deverá valorizar, designadamente, a palpação abdominal e os genitais externos (fígado e testículos); para esclarecimento da situação poderá haver necessidade de exames complementares.
As principais causas de ginecomastia patológica são:
- Drogas: hormonas, fármacos psicoactivos, agentes cardiovasculares, antagonistas de testosterona, tuberculostáticos, citostáticos, drogas ilícitas, etc.;
- Doenças endocrinológicas: hipogonadismo, hipotiroidismo, tumores da hipófise, suprarrenal, testículos, e do fígado;
- Doenças crónicas: hepática (cirrose, hepatoma), renal (insuficiência renal, tumor, etc.).
Avaliação da maturação sexual
A sequência do desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários foi sistematizada por Tanner (estádios de Tanner) entrando em conta com os seguintes parâmetros:
- Desenvolvimento mamário na rapariga (M);
- Desenvolvimento dos genitais externos no rapaz (G);
- Desenvolvimento do pêlo púbico em ambos os sexos (P).
A classificação compreende 5 estádios (correspondentes a outras tantas características) referentes a cada parâmetro (de 1 a 5), e designados como se segue: M1 a M5, G1 a G5 e P1 a P5. As Figuras 1 e 2 são elucidativas. (DGS, 2002)
FIGURA 1. Desenvolvimento pubertário feminino: critérios de Tanner
FIGURA 2. Desenvolvimento pubertário masculino: critérios de Tanner
Por definição o estádio 1 corresponde à inexistência de desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários e o estádio M2/G2 ao aparecimento de botão mamário/aumento do volume testicular >4 ml (este último avaliado com o chamado orquidómetro de Prader (conjunto de esferas de volumes variáveis) e eixo maior do testículo >2,5 cm (medido com uma simples régua).
Na rapariga, a menarca define o estádio P5. A avaliação da maturação da glândula mamária, dos genitais externos e do pêlo púbico deve ser feita individualmente, pois poderá não se verificar concordância entre estádios. Por exemplo: uma jovem pode estar em estádio 3 da mama e 2 de pêlo púbico – isto é M3 P2 e um rapaz pode estar em estádio 2 de genitais externos e estádio 1 de pêlo púbico – isto é G2 P1.
A classificação dos estádios de desenvolvimento mamário depende das características e não do tamanho das mamas, o qual é determinado por factores genéticos e nutricionais.
Habitualmente a avaliação é efectuada durante o exame físico do jovem, em ambiente de privacidade e após prévio esclarecimento e consentimento do mesmo. Quando o adolescente recusar a observação pode optar-se pela autoavaliação, em que o adolescente indica num esquema/figura o estádio em que se encontra. Regra geral a correspondência entre a auto e a hetero-avaliação é boa, excepto se se tratar das fases iniciais do desenvolvimento masculino.
De facto, os critérios de Tanner constituem um instrumento de avaliação muito importante pelas seguintes razões:
- Existe uma relação directa entre determinado estádio de maturação sexual e determinada fase de crescimento e desenvolvimento, o que permite avaliar de uma forma correcta toda a dinâmica do crescimento na adolescência.
Exemplificando: no sexo feminino o pico de crescimento inicia-se em M2, atinge a velocidade máxima em M3, e desacelera-se em M4, fase em que ocorre a menarca, parando o crescimento em M5; no sexo masculino o pico de crescimento começa em G3, atinge a velocidade máxima em G4 e desacelera em G5.
Assim, esta diferença temporal no pico de crescimento associado ao facto de a velocidade de crescimento máxima durante o pico pubertário ser menor nas raparigas, explica a diferença média de cerca de 13 cm, existente entre indivíduos do sexo masculino e feminino.
Na prática clínica estes aspectos são importantes, nomeadamente quando se pretende esclarecer os jovens quanto a dúvidas ou problemas relacionados com prática desportiva – nomeadamente, tipo de actividade desportiva mais aconselhada, maior risco de lesões por exercício físico eventualmente excessivo e não adequado relativamente a determinado período de crescimento. - Uma vez que a composição corporal do adolescente varia em função da sua maturação sexual, os estádios de Tanner devem ser utilizados, não só para avaliar e monitorizar o desenvolvimento pubertário, o pico de velocidade de crescimento e a idade da menarca, mas também para interpretar valores laboratoriais, como por exemplo, hemoglobina, hematócrito, ferritina e fosfastase alcalina.
- Estando as necessidades nutricionais dos adolescentes directamente relacionadas com o crescimento e sua variação dentro da normalidade, as necessidades poderão variar significativamente de jovem para jovem. Durante o pico de velocidade máxima de crescimento existe um aumento das necessidades proteico-calóricas e consequentemente do apetite, originando uma maior ingestão alimentar.
Assim, o jovem do sexo masculino durante o pico de crescimento – em estádio 3 e 4 – terá necessidade de maior suprimento proteico e energético, do que um adolescente em estádio 1; neste último, de acordo com os critérios de maturação sexual, ainda não terá atingido fase a que corresponde o pico de crescimento e as necessidades nutricionais máximas.
No sexo feminino, se já tiver ocorrido a menarca, tal significa que a adolescente já está em fase de desaceleração de crescimento, o que implicará, por um lado, redução de alguns nutrientes indicados na fase de pico de crescimento e, por outro, aumento de ingestão de outros, como por exemplo, ferro e ácido fólico, tendo em conta as perdas relacionadas com a menstruação.
O médico pediatra, o médico de família e o profissional de saúde em geral deverão reconhecer todas as alterações, suas variações dentro da normalidade e respectivas implicações na saúde do adolescente; deste modo, aqueles estarão em condições de informar, esclarecer e ajudar o jovem e seus familiares.
Desenvolvimento psicossocial
Generalidades
No adolescente, a par do desenvolvimento biológico, verifica-se igualmente evolução nas áreas psicológica e social. É nesta fase que uma pessoa se torna física e psiquicamente madura e capaz de se tornar independente.
Embora alguns dados recentes demonstrem que cerca de 75% dos adolescentes e suas famílias têm uma experiência de transição considerada sem problemas, muitos descrevem este período como sendo um período de estresse e conflitos.
Embora as alterações biológicas que ocorrem nesta fase da vida sejam universais, as modificações ligadas ao desenvolvimento psicossocial são vividas de modo diferente de indivíduo para indivíduo em função do tipo de família e de sociedade em que os mesmos estão inseridos.
Nas sociedades primitivas a passagem da infância para a idade adulta é facilitada pelos rituais, definindo o momento a partir do qual o adolescente fica capacitado para desempenhar o papel de adulto.
Nas sociedades mais desenvolvidas e evoluídas tecnicamente o amadurecimento biológico (tipificado por ex. com a idade cada vez mais precoce da menarca), assim como o desenvolvimento intelectual, são atingidos cada vez mais cedo. Pelo contrário, a maturidade social é alcançada cada vez mais tarde; verifica-se mesmo uma tendência para os jovens permanecerem na dependência paterna, nomeadamente no que se refere ao apoio financeiro: é o contexto da chamada geração canguru.
Nas regiões com desenvolvimento precário (e, por vezes, determinadas áreas de países desenvolvidos e altamente industrializados), quanto mais baixo for o estrato socioeconómico do indivíduo, menor duração terá o período da adolescência, uma vez que, ao ser obrigado a trabalhar para sobreviver, o adolescente se vê forçado a assumir as obrigações da adultícia, mesmo antes de ter terminado o seu desenvolvimento físico.
Etapas do desenvolvimento psicossocial
À semelhança do desenvolvimento da criança, o adolescente também passa por etapas no desenvolvimento biopsicossocial.
Considerando a adolescência arbitrariamente dividida em 3 etapas – precoce, média e tardia – em cada uma delas podem ser consideradas, respectivamente, as características de ordem psicológica e social em correspondência com as características de ordem física; salienta-se, a propósito, que alguns autores consideram a divisão em subgrupos etários, diversa da adoptada pela (OMS) (Quadro 1).
Impacte da puberdade no adolescente
As mudanças físicas operadas são vividas pelos jovens com ansiedade e, muitas vezes, de uma forma aparentemente desordenada, levando o adolescente a perder a noção do seu esquema corporal. Na prática fica como que desajeitado, derrubando e pisando tudo e todos. Concomitantemente com estas alterações biológicas do pico de crescimento, poderão surgir fadiga e hipersónia.
Os pais, nesta fase, deverão reconhecer que o adolescente passa a ter necessidade de mais sono, promovendo horas de deitar regulares, e tentando reduzir ao mínimo distracções na cama (TV, telemóveis, jogos de computador). Nesta fase, uns crescem mais, outros menos, parecendo que o corpo fica parado enquanto a “cabeça vai amadurecendo” progressivamente.
Quanto menor a autoestima, mais defeitos o jovem assume e encontra em si próprio.
As raparigas têm mais tendência para partilhar as suas preocupações, e os rapazes para passar por uma fase de timidez que por vezes os leva ao isolamento.
Tanto nos adolescentes “com maturação mais precoce” como naqueles com maturação mais tardia existe maior probabilidade de surgirem perturbações da imagem corporal. Contudo, os adolescentes precoces têm maior tendência para problemas de saúde mental (depressão), início mais precoce de actividade sexual, (nomeadamente relações sexuais com número variável de parceiros) e para a marginalidade. A rapariga quer ter o seu grupo de amigas, sendo que a tendência poderá indiciar algo anómalo quanto a comportamento.
O rapaz, nesta fase, tipicamente “com muita hormona e pouco cérebro”, apresenta mais modificações físicas do que comportamentais, fazendo valer o seu ponto de vista, mesmo que ainda não o tenha.
As raparigas dão maior importância aos relacionamentos e os rapazes ao desempenho; no entanto, ambos se consideram omnipotentes e invulneráveis. Porém, ter capacidade física não significa ter maturidade psíquica, o que se torna verdadeiramente problemático.
Com o aparecimento do primeiro amor – tipicamente de duração inversamente proporcional à intensidade emocional – surge muitas vezes a primeira desilusão e, posteriormente, o sentimento depressivo transitório.
A expressão “estar apaixonado” nos dias de hoje quase que ficou reduzida ao simples “fazer amor”. Tendo a sexualidade sido alvo de repressão e interdição, tornou-se nos nossos dias um aspecto explorado e exibido.
Na fase de adolescência precoce e média em que é fundamental a identificação com o grupo de pares, o jovem tem necessidade de fazer o mesmo que os outros, levando-o a praticar uma sexualidade realmente desprovida de afectos, bastantes vezes “ensombrada” por gravidez ou doença sexualmente transmissível (DST). Cabe referir, a propósito, que cerca de 25% dos adolescentes que se tornam sexualmente activos, adquirem DST.
De facto, nos dias de hoje, a actividade sexual começa cada vez mais cedo, o que pode ser explicado pelos seguintes factos:
- Início mais precoce da puberdade contrapondo-se à idade mais tardia da independência económica;
- Ausência de família contentora, com regras, valores e boas imagens de referência com as quais o jovem se possa identificar;
- Características do próprio adolescente – indestrutibilidade;
- Pressão do grupo – “se os outros fazem….”;
- Diferentes influências socioculturais;
- Influência dos meios de comunicação social – com a difusão de imagens valorizando as relações casuais, sem protecção e com vários parceiros.
Importância da família e dos grupos de pares
As crianças e os adolescentes, aprendem com o que vivem.
Assim, o médico que cuida de adolescentes deverá reconhecer a importância da compreensão da dinâmica familiar e do potencial impacte dessa dinâmica nos sintomas do adolescente. Este aspecto é particularmente importante quando o médico está a avaliar o adolescente do ponto de vista psicológico.
Nesta perspectiva é importante que o referido médico caracterize o tipo de família: se se trata de tradicional, com pai como único elemento de sustento, ou com os dois, pai e mãe empregados, fora de casa; ou se se trata duma família mono parental, cabendo avaliar o papel do outro progenitor. De facto, o problema do adolescente poderá ser uma replicação do problema dos pais.
O absentismo escolar pode, por ex., ser modelado pelos hábitos laborais dum pai alcoólico com faltas frequentes ao emprego. O adolescente obeso, poderá ter pais obesos, com pouco tempo ou interesse em providenciar em casa refeições adequadas e programar actividades que envolvam exercício físico.
O estrato socioeconómico e cultural da família pode igualmente ajudar o médico a compreender os meios de desenvolvimento do adolescente. Nas classes mais elevadas os jovens viajam mais, têm mais actividades culturais e comunitárias. Na classe média os adolescentes têm mais actividades desportivas e grupos de jovens. Nas classes mais baixas o mais frequente é não terem qualquer tipo de actividade estruturada.
No que respeita a diferentes culturas sabe-se que nalgumas têm menos conflitos parentais ao longo desta fase da vida; habitualmente nas culturas menos diferenciadas e menos tecnológicas existem menos conflitos.
Nas primeiras fases do seu desenvolvimento, o jovem procura, de uma forma natural, fora do agregado, outras imagens ou figuras adultas de referência. Grupos de voluntários, clubes desportivos, actividades recreativas e grupos religiosos são meios sociais através dos quais os jovens têm a possibilidade de desenvolver esses modelos de identificação constituindo um bom factor protector no seu desenvolvimento psicossocial.
No que respeita ao estresse no seio familiar, a presença do adolescente pode ser causadora do mesmo, sendo que muitas vezes existem outras fontes de tensão que deverão ser devidamente valorizadas pelo clínico: problemas conjugais, ausência frequente de um dos progenitores, insegurança no emprego, situação de doença, nomeadamente psiquiátrica, abuso de drogas, um membro da família a cumprir pena de prisão; todas estas situações podem ter, de facto, consequências graves na saúde mental do adolescente.
Para além da família, os pares constituem uma importante influência para o adolescente, sendo que na construção do relacionamento com os pares, a maioria dos adolescentes não pretende, de uma forma intencional, isolar-se dos pais.
Os jovens, separando-se dos membros da sua família (pais), em regra, aproximam-se dos pares do mesmo sexo. O adolescente precoce esforça-se por ser aceite entre os seus grupos de pares os quais exercem diariamente uma poderosa influência, não só quanto a comportamentos saudáveis, mas também quanto aos não saudáveis; salienta-se que álcool, tabaco, uso de drogas ilícitas, são inicialmente experimentados no contexto dos grupos de pares.
Como se pode depreender, o decréscimo do envolvimento dos pais, a sua falta de comunicação, de diálogo e a falta de disciplina, contribuem para o grau de influência que os pares têm sobre um jovem adolescente.
Os clínicos devem chamar a atenção dos pais para a importância do seu papel em minorar a influência negativa dos pares e encorajá-los, bem como à família, a adoptar uma auto-imagem positiva no adolescente através de reforço positivo, elogio e de aceitação. O elogio deverá ser dirigido não só ao adolescente, mas também a outras pessoas que figuram na sua vida, tais como pares e professores. Os jovens precisam de ouvir os pais, e outros adultos a falar positivamente de outras pessoas em geral, pois essa é uma forma de aprendizagem da tolerância.
A presença de doença crónica durante a adolescência pode, independentemente das manifestações próprias da doença, interferir directamente no comportamento dos jovens. Entre as principais alterações observam-se: interrupção na consolidação do processo de separação dos pais comprometendo a aquisição de autonomia, modificação da imagem corporal, limitação das actividades com o grupo de pares e dificuldade no desenvolvimento da identidade. Todos estes aspectos podem manifestar-se através de comportamentos de risco devido à consequente baixa autoestima, segregação do grupo, absentismo escolar, disfunção sexual e sintomas depressivos.
BIBLIOGRAFIA
Dahl RE. Adolescent brain development and opportunities. Ann NY Acad Sci 2004; 1021: 1-22
Delemarre-van de Wool. Regulation of puberty. Best Pract Res Clin Endocrinal Metab 2002; 16: 1-12
Fonseca H. Compreender os Adolescentes – Um desafio para pais e educadores. Lisboa: Editorial Presença, 2002
Goldman L, Schafer AI (eds). Goldman-Cecil Medicine. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2016
Guyon-Harris KL, Humphreys KL, Fox NA, et al. Signs of attachment disorders and social functioning among early adolescents with a history of institutional care. Child Abuse & Neglect 2019; 88: 96-106
Joffe A, Blythe M (eds). Handbook of Adolescent Medicine. State of the Art Reviews: Adolescent Medicine 2003; 14. 231-262
Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015
Lisboa AMJ. Os Adolescentes. Aprenda a Entendê-Los. Brasília: Quick Printer, 2001
Lisboa AMJ. O Seu Filho no Dia-a-Dia. Problemas Comuns de Comportamento. Brasília: Quick Printer, 2001
Maia C, Freira S, Fonseca, et al. Consumo de substâncias no adolescente. Acta Pediatr Port 2010; 41: 262-265
Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA (eds). Rudolph´s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011
Strasburger VC, Donnerstein E. Children, adolescents and the media in the 21st century. Adolescent Medicine: State of the Art Reviews 2000; 11: 51-68
Tanner JM, Growth at Adolescence. Oxford, England: Blackwell scientific Publications, 1962