Introdução

Neste capítulo são abordadas duas entidades clínicas distintas com as quais o pediatra geral e o médico de família se poderão confrontar. Os conceitos descritos baseiam-se na experiência das autoras e na bibliografia em geral, incluindo o documento internacional – traduzido em Português – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders da American Psychiatric Association (DSM-V com edição de texto revisto/RT:10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças).

Sendo distintas as referidas afecções do foro pedopsiquiátrico, têm de comum um espectro de sintomas muito amplo, afectando a maioria dos órgãos e sistemas, podendo confundir-se com outras patologias. Trata-se das Perturbações de Ansiedade (PA) e das Perturbações Obsessivo-Compulsivas (POC); a propósito, parece-nos pertinente esclarecer que, anteriormente à citada revisão, as segundas estavam incorporadas nas primeiras. Deste modo, a opção do editor foi não criar novo capítulo, abordando, no entanto, de modo independente os respectivos tópicos.

1. PERTURBAÇÕES DE ANSIEDADE

Definições

Os termos ansiedade, angústia e medo são muitas vezes usados indiscriminadamente; com efeito, o paciente que apresenta perturbação de ansiedade sente um medo e uma angústia intensíssimos.

Tentando sistematizar conceitos há que fazer destrinças.

É habitual considerar a ansiedade como o sofrimento psíquico que surge associado à expectativa de um acontecimento imprevisto, desagradável ou perigoso; a angústia associa-se habitualmente a uma sensação de extremo mal-estar acompanhada de manifestações somáticas; o medo aparece ligado a um objecto ou uma situação específica, após uma experiência prévia desagradável.

A fobia (palavra derivada do grego phobéomai significando temor ou aversão) é um medo injustificado decorrente de situação, objecto ou pessoa não representando perigo real. Na idade pré-escolar, as fobias mais comuns são as relacionadas com animais, agulhas, escuro; na idade escolar, com doenças e castigos; e, na adolescência, com a dimensão social (aparência, sucesso, relação com pares).

Aspectos epidemiológicos e importância do problema

As Perturbações de Ansiedade (PA) representam uma das formas mais comuns de psicopatologia em crianças e adolescentes, apesar de nem sempre serem detectadas e tratadas. Os estudos epidemiológicos apontam para uma prevalência que varia entre os 6-20%. As perturbações de ansiedade associadas a uma incapacidade grave têm uma prevalência que oscila entre os 2,4% e 8,7%, na população pediátrica. O sexo feminino é o mais afectado, tanto na infância como na adolescência.

Importa relevar que as PA se caracterizam por elevada comorbilidade, o que se demonstra com o facto de cerca de 40-60% dos pacientes com tal problema clínico evidenciarem duas ou mais formas clínicas das mesmas, adiante discriminadas.

Etiopatogénese

Na etiopatogénese das PA estão envolvidos vários factores: genéticos, neuroquímicos, neuroendócrinos, anatómicos, temperamentais e ambientais.

O factor genético é muito relevante, demonstrando-se cientificamente o facto em cerca de 1/3 dos casos de PA.

Os factores temperamentais são igualmente importantes. As crianças, sobretudo os lactentes, reagem de forma tímida e retraída face a estímulos sociais, como conviver com outras crianças, familiares e desconhecidos. De facto, a ansiedade e o medo, muito comuns durante a infância, desempenham um papel adaptativo no âmbito do neurodesenvolvimento da criança.

Quando a criança tem medo, reage habitualmente de forma a chamar a atenção do adulto, o qual se encarregará de fazer frente ao perigo. A criança observará a reacção deste adulto a essa situação, o que se constituirá, ao longo do tempo, como um modelo a seguir (modelling/ modelação parental ou os pais como modelo). O modelo de um dos pais ansiosos e temerosos reforça os medos e a ansiedade da criança. Uma criança com um dos progenitores com uma perturbação de ansiedade tem, até 5 vezes, maior probabilidade de vir a desenvolver esta perturbação.

A psicopatologia parental também surge associada a maior prevalência deste tipo de perturbações; a este respeito cabe mencionar que vários mecanismos podem estar implicados, tais como a partilha do material genético, as vulnerabilidades temperamentais ou efeitos decorrentes do tipo de interacções estabelecidas. Vários estudos têm evidenciado que adultos com uma vinculação do tipo ansioso ou resistente na infância, comparativamente aos com vinculação do tipo seguro, têm com mais frequência filhos com perturbações de ansiedade. O tipo de vinculação parece ser ainda mais preponderante do que a psicopatologia parental ou o tipo de temperamento da criança no desenvolvimento a longo prazo destas perturbações.

Outros tipos de comportamentos parentais estão também implicados nestas perturbações, como sejam uma intrusão familiar exagerada, uma hiperprotecção excessiva e um comportamento excessivamente regulador nas actividades de vida diária dos filhos.

Desde o nascimento e até cerca dos 3 meses de vida, podemos falar de estados ansiosos somáticos (precursores de angústia), observáveis no bebé sempre que este sente um desequilíbrio interno ou é sujeito a uma estimulação sensorial excessiva. Entre o 6.º e o 8.º mês de vida, e até aos 3 anos de idade, manifesta-se a reacção ao estranho. Entre os 2 e os 5 anos de idade surgem medos variados, relacionados com o desenvolvimento do pensamento abstracto e da imaginação: são os medos do escuro, dos ruídos, da trovoada, de fantasmas e de monstros imaginários. Na adolescência surgem as ansiedades relacionadas com as competências pessoais, ameaças abstractas e situações sociais.

Relativamente ao ambiente, a sua influência no desenvolvimento e manutenção deste tipo de perturbações parece estar estabelecida. As experiências precoces são consideradas como tendo um papel predominante no desenvolvimento das perturbações de ansiedade na infância em geral.

Manifestações clínicas

Dum modo geral os sintomas de ansiedade dependem das características pessoais do indivíduo (inteligência, memória, temperamento e afectos), das vivências que tem tido, assim como da educação e do meio ambiente em que cresce e se desenvolve. Por outro lado, a capacidade intelectual modula a percepção que o indivíduo possui da vida e a interpretação que faz dos acontecimentos.

A ansiedade, raramente referida pela criança pequena, pode manifestar-se frequentemente através de:

  • Medos (do escuro, da separação e abandono, de estar sozinho, medo das doenças, da morte dos pais);
  • Sintomas somáticos, do foro neurovegetativo designadamente (cefaleia, dor abdominal, náuseas, vómitos, queixas inespecíficas);
  • Alterações do sono (oposição ao deitar, dificuldade em adormecer, insónia, acordar ansioso, terrores nocturnos e pesadelos);
  • Alterações do comportamento (agitação, inquietação ou inibição).

Os sintomas variam consoante a idade da criança e a sua etapa de desenvolvimento, definindo um quadro sintomático específico consoante a perturbação que esteja em causa. Efectivamente, a ansiedade pode surgir: como resposta fisiológica ante as vicissitudes habituais da vida; como sintoma de diferentes patologias médicas e psiquiátricas; e como entidade específica abarcando um amplo campo de “perturbações de ansiedade / PA” propriamente ditas.

As situações mais comuns em idade pediátrica são as: PA por separação, PA generalizada e a PA de ansiedade social (ou fobia social).

Antes da abordagem mais em pormenor das PA mais comuns, cabe uma referência breve a quadros de PA com menor prevalência, pelo menos nalgumas regiões do globo:

  1. PA de pânico ou de angústia. Trata-se substancialmente de episódios recorrentes de medo ou desconforto intensos na ausência de perigo real, aparecendo de forma súbita e inesperada, com certos sintomas como sudação intensa, palpitações, taquicardia, tremores, dor torácica, sensação de falta de ar ou outros sintomas do foro neurovegetativo. Muito raros na idade pediátrica, e por vezes associados a outras perturbações, há casos descritos entre os 15 e os 18 anos.
  2. PA por estresse pós-traumático. Este tipo de PA integra um quadro clínico com um conjunto de sintomas de ansiedade na sequência de ter sofrido uma experiência anterior pouco usual e de carácter aterrador que deixa “marca” indelével. Os desencadeantes de elevado grau de estresse são em geral catástrofes naturais, actos terroristas, guerras vividas, agressões sexuais, experiências com migrações de refugiados em condições desumanas, maus tratos, acidentes, guerras, sequestros, etc.. Como consequência, poderão surgir diversos sintomas, tais como pensamentos e sonhos revivendo a experiência nefasta, perturbação do comportamento afectivo com alheamento da realidade, comportamento desproporcionado de hiperalerta e receio perante factos banais, perturbações do sono, sintomas depressivos, etc..

Formas clínicas mais comuns

I. PA por separação

A PA por separação caracteriza-se por medo e preocupação, excessivos e desproporcionados para o nível de desenvolvimento da criança, em se separar das figuras de vinculação ou de casa, com crenças irracionais acerca das consequências dessa separação.

A ansiedade por separação, própria de um desenvolvimento normal, surge a partir do 6.º mês de vida e extingue-se por volta dos 2-3 anos de idade. As crianças com perturbação de ansiedade por separação podem evidenciar um quadro clínico persistente, grave e com impacto psicossocial, mais tarde, em geral, entre os 6-12 anos de idade. A prevalência é cerca de 4%, com um pico entre os 6 e 9 anos de idade. Trata-se da PA mais comum em crianças com idades inferiores aos 12 anos. Atinge mais raparigas do que rapazes, excepto quando se inicia muito precocemente, em idade pré-escolar, com idêntica prevalência em ambos os sexos.

A PA por separação dita normal ou habitual deve ser distinguida doutras perturbações psicopatológicas tais como PA por oposição e desafio e Perturbação bipolar.

O curso e prognóstico são variáveis; contudo há um risco importante de evolução para outras perturbações de ansiedade ou depressivas na idade adulta.

II. PA generalizada

A PA generalizada caracteriza-se por uma excessiva preocupação, irrealista, com acontecimentos e actividades correntes da vida diária; manifesta-se por sintomas durando pelo menos 6 meses, como: agitação, fadiga, dificuldades de concentração, irritabilidade, tensão muscular ou alterações do sono. Os sintomas somáticos, designadamente sintomas do foro neurovegetativo, são muito frequentes e incluem cefaleias, dores abdominais, náuseas, vómitos e palpitações.

Os pacientes com esta afecção são frequentemente descritos como perfeccionistas ou muito sensíveis; têm habitualmente uma autoimagem negativa, necessidade de serem tranquilizados e habitualmente muito inseguros relativamente às suas competências, desempenhos e expectativas para o futuro.

Trata-se duma perturbação bastante comum na infância, com prevalências entre 0,5-7,1%. A média da idade de início ronda os 8-9 anos.

Surge muitas vezes associada a outras perturbações de ansiedade e também às perturbações depressivas. As comorbilidades são mais frequentes na infância do que na adolescência.

O curso e o prognóstico da PA generalizada dependem da sua gravidade e das comorbilidades que lhe estão associadas. Esta forma de psicopatologia comporta risco elevado de desenvolvimento doutros problemas psiquiátricos ao longo do tempo, especificamente outras perturbações de ansiedade, abuso de substâncias, depressão ou problemas de comportamento.

III. PA de ansiedade social (ou fobia social)

A PA de ansiedade social (ou fobia social) constitui uma das PA mais prevalentes; caracteriza-se por um medo ou ansiedade em excesso perante situação ou situações sociais a que o próprio se expõe perante o escrutínio dos outros. Na idade pediátrica, o diagnóstico da situação pressupõe verificação de ansiedade no contexto de interacção com os pares, e não apenas com adultos. A referida perturbação impede que o adolescente se adapte e adquira relações sociais normais, ajustadas à idade em que as mesmas são habituais.

Tal como a PA generalizada, a frequência da patologia em análise aumenta com a idade. A incidência cumulativa em adolescentes e adultos jovens poderá atingir 14%. A idade de início típica ocorre na adolescência entre os 10 e os 16 anos de idade, sendo mais frequente no sexo masculino.

A fobia social, devendo ser distinguida dos medos normais do desenvolvimento, é com frequência acompanhada de sintomas depressivos, tentativas de suicídio, menor rendimento escolar e dificuldades de adaptação laboral e profissional. De acordo com diversos estudos, aponta-se também um risco acrescido de consumo e dependência de substâncias, nomeadamente álcool, tabaco e cannabis.

Quando surge na adolescência precoce, são expectáveis agravamento e persistência dos sintomas nos anos mais tardios da adolescência e idade adulta. Se ocorrer nos anos tardios da adolescência, a sua evolução pode ter carácter intermitente, com exacerbações na presença de factores de estresse sociais. É rara a remissão espontânea.

Tratamento

1. Generalidades

As perturbações de ansiedade, se não forem tratadas, têm tendência a persistir ao longo da vida adulta, aumentando o risco de outro tipo de perturbações, como a depressão, o abuso de substâncias e novos tipos de perturbações de ansiedade. A detecção precoce e o seu tratamento tornam-se assim fundamentais na medida em que poderão reduzir o seu impacte no desenvolvimento psicossocial, nomeadamente no desempenho académico e social, e prevenir a sua persistência na vida adulta.

2. Intervenção inicial e referenciação

Perante preocupações, medos ou ansiedade exagerados, os pais deverão ser aconselhados a respeitar o que a criança está a sentir e a tranquilizá-la, mantendo uma atitude firme e segura. A criança deverá ser incentivada a encontrar estratégias e soluções para enfrentar a situação problemática, e os pais não devem favorecer o evitamento excessivo das situações que causam ansiedade. A criança não deverá ser, contudo, forçada para além da sua capacidade de adaptação.

Segundo recomendações publicadas pela Coordenação para a Saúde Mental, deverão ser levadas a cabo estratégias de intervenção comunitária, nomeadamente a nível familiar, escolar e social, antes de sinalizar à equipa de Saúde Mental; por outro lado, a eficácia desta actuação deve ser avaliada após 3 meses.

Caso os sintomas persistam, se agravem, com repercussão negativa no desempenho psicossocial, a criança deverá ser encaminhada para uma Consulta de Pedopsiquiatria. A motivação da família para aderir à consulta é crucial; este aspecto deve pois ser alvo da atenção do médico.

3. Intervenção especializada

A intervenção preconizada para as PA na infância e na adolescência engloba vários níveis de actuação: a psicoterapia individual, a intervenção familiar e a psicofarmacoterapia.

3.1 A nível individual, a psicoterapia cognitivo-comportamental tem sido considerada eficaz no tratamento de crianças e adolescentes com este tipo de perturbação. Esta intervenção engloba vários aspectos como psicoeducação, a exposição com prevenção de resposta, metodologias de resolução de problemas, treino e execução de exercícios de relaxamento, a reestruturação cognitiva e desenvolvimento de padrões de pensamento mais realistas.

3.2 A nível familiar, o envolvimento parental na intervenção destas perturbações é sempre recomendado. É importante que os pais consigam encorajar a criança a encontrar estratégias de atitude determinada de compromisso com esperança no sucesso, pondo a criança a pensar e a encontrar estratégias por si mesma, estimulando a proactividade.

3.3 Os psicofármacos mais usados e considerados de primeira linha no tratamento deste tipo de perturbações são os inibidores selectivos da recaptação da serotonina (ISRS). Os ISRS mais utilizados são a fluoxetina, sertralina, paroxetina e citalopram. A dose média de fluoxetina é 10 mg/dia em crianças e 20 mg/dia em adolescentes. O efeito pode ser notado em geral ao cabo de 3-4 semanas.

2. PERTURBAÇÕES OBSESSIVO-COMPULSIVAS

Definições e importância do problema

A palavra obsessão deriva do latim obsessio; por sua vez, procede de obsidere, que significa “assediar”, e sedere que significa “sentar”.

A palavra compulsão deriva também do latim compellere significando “obrigar a fazer”.

perturbação obsessivo-compulsiva (POC) é uma condição neuropsiquiátrica crónica que se caracteriza clinicamente pela presença de obsessões e/ou compulsões recorrentes que consomem tempo, com impacte psicossocial significativo na vida da criança ou do adolescente.

Ou seja, uma obsessão é um pensamento, uma ideia, um impulso ou uma imagem mental recorrente e persistente que gera ou se associa frequentemente a afectos negativos de ansiedade, tensão, medo ou aversão. As obsessões mais comuns na idade pediátrica são: preocupações com a sujidade, medo de contaminações e de contrair uma doença; medo de que algo de mal aconteça ao próprio ou a alguém próximo; necessidade de simetria, ordem; necessidade de guardar ou acumular coisas; preocupações excessivas relacionadas com temas de cariz sexual, moral ou místico. As obsessões podem ser sentidas pela criança como proibidas e fazerem-se acompanhar de sentimentos excessivos de culpa, de insegurança ou de incerteza.

Uma compulsão é um comportamento ou um acto mental repetitivo excessivo e irrealista que corresponde a tentativas do próprio de neutralizar, prevenir ou reduzir a ansiedade associada a um pensamento obsessivo. As compulsões mais comuns são: rituais de limpeza ou de lavagem, de verificação, comportamentos repetitivos como tocar ou esfregar, de contagem, ordenação ou organização.

Tanto as obsessões como as compulsões são habitualmente egodistónicas, isto é, são habitualmente reconhecidas pela criança como exageradas ou sem sentido. É frequente a criança tentar camuflar os seus rituais. Não é raro encontrar crianças que inibem os seus rituais durante algum tempo, ou em determinados contextos. A POC tem habitualmente um impacte familiar importante, com o envolvimento de membros da família nos rituais, com modificações significativas das rotinas, muitas vezes na tentativa de tranquilizar a criança.

Aspectos epidemiológicos

A prevalência da POC em idade pediátrica varia em função do método de estudo, oscilando entre 0,5 e 4%; é mais frequente no final da adolescência. Cerca de 50% dos casos inicia-se antes dos 15 anos. Na adolescência não há diferenças entre os géneros, sendo o género masculino o mais atingido quando se inicia na infância.

Etiopatogénese

Na etiopatogénese da POC, complexa e mal compreendida, intervêm factores genéticos, neuroquímicos, ambientais e, possivelmente, imunológicos.

Os estudos genéticos mostram maior frequência da perturbação em familiares de primeiro grau do que na população geral. Também há maior concordância entre gémeos monozigóticos do que em heterozigóticos.

Relativamente aos factores neuroquímicos, sabe-se que há genes com papel importante na função dos sistemas serotoninérgicos, dopaminérgicos e glutamatérgicos. Através da imagiologia funcional, há provas científicas da existência de uma hiperactivação do córtex orbitofrontal medial e lateral, tanto em crianças como em adultos. Destacam-se ainda alterações ao nível do tálamo, núcleos basais e núcleo caudado.

Relativamente aos factores ambientais e imunológicos, alguns factos como os relatados a seguir, relacionados com infecções, podem constituir argumentos a favor. Com efeito, nos últimos 10-15 anos, tem-se vindo a identificar um quadro clínico com sintomas de POC e/ou tiques no contexto antecedente de infecção estreptocócica recente, a que se tem dado o nome de PANDAS (pediatric autoimmune neuropsychiatric disorders associated with streptococcus). Mais recentemente, o termo PANS (pediatric acute-onset neuropsychiatric syndrome) tem sido preferido, já que caracteriza melhor a natureza incerta do quadro, bem como o seu aparecimento súbito.

Manifestações clínicas

Tendo como base o que foi referido na alínea sobre Definições, habitualmente o quadro clínico começa com um único sintoma, o qual persiste ao longo de meses ou anos, a que se acrescentam, depois, novas obsessões e compulsões. Os sintomas podem mudar, muitas vezes substituindo-se parcialmente. A situação mais típica é aquela em que há obsessões e compulsões de forma conjunta.

A evolução é do tipo crónico, com fases de melhoria e de agravamento, conquanto entre 12% e 50% dos casos o paciente possa ficar assintomático.

Comorbilidades

Estima-se que em cerca de 50% dos casos de POC existam duas ou mais perturbações psiquiátricas concomitantes, podendo afirmar-se que a existência de comorbilidades constitui mais a regra do que a excepção. As situações mais frequentes podem assim ser sintetizadas: P de ansiedade – 26 a 75%; P do humor – 25 a 62%; Tiques – 11 a 26%; P de hiperactividade e défice de atenção – 16 a 20%; P do comportamento disruptivo – 9 a 19%.

Diagnóstico diferencial

A POC deverá ser distinguida dos rituais normais e de superstições transitórias associadas ao desenvolvimento, das perturbações de ansiedade, das perturbações de tiques, das perturbações do espectro do autismo, das perturbações psicóticas e da hipocondria. Especificam-se em seguida algumas situações a ponderar no âmbito do diagnóstico diferencial:

  • Rituais normativos ou superstições transitórias do desenvolvimento: não têm impacto no funcionamento da criança;
  • Perturbações de ansiedade: não ocorrem compulsões; o conteúdo das preocupações existentes não é tão bizarro como na POC;
  • Perturbações de tiques ou síndroma de La Tourette: existem tiques motores ou fonéticos; os tiques mais complexos podem assemelhar-se às compulsões, mas não são precedidos de obsessões;
  • Perturbações do espectro do autismo: os comportamentos estereotipados não surgem tanto em situações de prazer como ansiogénicas; a perseverança não está associada à ansiedade, nem a obsessões;
  • Perturbações psicóticas: as obsessões (egodistónicas) e os delírios (egosintónicos) podem ser difíceis de distinguir nas crianças mais pequenas;
  • Hipocondria: os pensamentos estão exclusivamente associados ao medo de ter uma doença; não existem compulsões.

Tratamento

O tratamento da POC pediátrica engloba duas vertentes principais de intervenção: terapia cognitivo-comportamental com exposição e prevenção da resposta (TCC-EPR), e terapêutica farmacológica com inibidores selectivos da recaptação da serotonina (ISRS).

Através de estudos aleatorizados tem sido demonstrado que a TCC constitui um tratamento eficaz, associando-se a uma redução de 40-65% dos sintomas; estes poderão manter-se para além de 18 meses pós-tratamento. Trata-se, pois, duma intervenção de primeira linha para todos os casos de POC pediátrica ligeira a moderada.

Nos casos mais graves, ou que não respondem à TCC, recomenda-se associar terapêutica farmacológica com inibidores selectivos da recaptação da serotonina (ISRS).

De acordo com a experiência acumulada e estudos realizados, os ISRS evidenciaram resultados efectivos no tratamento desta perturbação na idade pediátrica, com uma redução de 29-44% nos sintomas, boa tolerância e segurança.

Os fármacos ISRS que estão aprovados em Portugal para o tratamento da POC pediátrica são a sertralina e a fluvoxamina, a partir dos 6 anos de idade.

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