ELECTROCARDIOGRAMA PEDIÁTRICO

Introdução

Apesar de suplantado ao longo dos anos pelos novos métodos de imagem, a electrocardiografia (ECG) mantém-se uma das pedras basilares da avaliação dos doentes com suspeita de doença cardíaca, propiciando, ainda hoje, dados impossíveis de obter com qualquer outro método de diagnóstico actualmente disponível.

Em idade pediátrica o traçado electrocardiográfico apresenta algumas particularidades, reflexo de aspectos anatómicos e fisiológicos; tais particularidades devem ser conhecidas, sob pena de se sub ou sobrevalorizar os achados encontrados. Pretende-se, com este capítulo, abordar de uma forma sistematizada os aspectos mais relevantes do ECG em tal período da vida.

Anatomofisiologia fundamental

Condução do estímulo eléctrico normal

A capacidade de produzir fenómenos eléctricos é uma propriedade dos seres vivos. As células cardíacas têm as seguintes propriedades: 1- automaticidade (capacidade para iniciar um impulso eléctrico); 2- excitabilidade (capacidade para responder a um impulso ou a um estímulo eléctrico; 3- contractilidade (capacidade para responder ao impulso).

Importará reter a noção muito básica segundo a qual se estabelecem correntes eléctricas sempre que o protoplasma passa do estado de repouso à actividade; é o que acontece, por exemplo, a um músculo em contracção, em que a parte excitada se comporta como de carga negativa em relação à inactiva. Para esquematizar de modo muito simples, pode dizer-se que numa célula em repouso se encontram no exterior da respectiva membrana uma série de cargas positivas e, no interior, uma série de cargas negativas. Neste estado falamos de membrana polarizada.

 Se, usando um estímulo eficaz, activarmos a célula, verifica-se uma alteração da membrana no sentido de se tornar permeável aos aniões e aos catiões. Como consequência, os aniões passam para o exterior da célula e, em contacto com as cargas positivas, surge um processo de neutralização das cargas, isto é, o potencial eléctrico é o mesmo dos dois lados da membrana; dizemos que a membrana está despolarizada.

Quando se dá a regressão ao estado de repouso, a membrana volta lentamente a ser só permeável aos catiões e regressa, (recupera, passa) ao estado primitivo de polarização. Dá-se, portanto, a repolarização da membrana.

Depois de uma célula ser despolarizada, a mesma não consegue despolarizar-se novamente até passar um determinado tempo de recuperação fixo, o período refractário. As células que têm a capacidade de se despolarizar são excitáveis, e as que não o fazem são refractárias.

O conhecimento do modo como o impulso eléctrico cardíaco é iniciado e segue determinado trajecto é fundamental para a correcta interpretação do electrocardiograma pediátrico. Assim, importa recordar que existem estruturas cardíacas especializadas que formam o sistema de condução cardíaca: nódulo sinusal (ou sinoauricular, ou de Keith-Flack, localizado na parte alta da aurícula direita), nódulo auriculoventricular (A-V), o feixe de His com os seus ramos direito e esquerdo, e o sistema Purkinje, formando estes dois últimos o sistema His-Purkinje.

Os impulsos eléctricos partem do nódulo sinusal e propagam-se ao nódulo A-V e ao sistema His-Purkinje, até ser atingido o miocárdio ventricular direito e esquerdo. Finalmente, as frentes de onda de despolarização espalham-se, através da parede ventricular, do endocárdio ao epicárdio, dando início à contracção (despolarização de aurículas e ventrículos) ou sístole auricular e ventricular.

Antes de receber outro impulso, o coração recupera: estado com as aurículas e ventrículos relaxados (diástole ou período de recuperação ou repolarização miocárdica).

Se um estímulo eléctrico cair antes de terminar o período de repolarização, poderão ocorrer ritmos repetitivos anómalos como que resposta análoga a reacção em cadeia.

Importa referir que o nódulo sinusal, o nódulo A-V e, em circunstâncias anormais, outras regiões do coração podem descarregar ou gerar impulsos espontaneamente; contudo, a frequência da descarga ou de impulsos gerados pelo nódulo sinusal é, normalmente, mais elevada, e a despolarização gerada por este mesmo propaga-se a outras regiões, antes que estas últimas descarreguem impulsos.

Isto é, o nódulo sinusal é, portanto, o monitor ou pacemaker ou marca passo cardíaco normal e a sua frequência de descarga determina a frequência dos batimentos do coração.

Quando o marca-passo está fora do nódulo sinusal, diz-se que o estímulo provém de um marca-passo ectópico. A sede do centro ectópico ventricular pode encontrar-se no feixe de His, nos seus ramos, na rede de Purkinje, ou no próprio miocárdio ventricular.

Todo este processo conta com a regulação através do sistema nervoso autónomo e das catecolaminas circulantes, o que permite o controlo da frequência cardíaca. (ver Glossário)

A despolarização e a repolarização miocárdicas determinam deflexões ou ondas no ECG. Qualquer actividade eléctrica anormal dá origem às chamadas arritmias ou disritmias. Este tópico é abordado noutro capítulo.

As derivações

À medida que o impulso eléctrico cardíaco se propaga através do coração, as correntes eléctricas espalham-se pelos tecidos que o circundam e uma pequena proporção propaga-se até à superfície do corpo. Ao colocar eléctrodos sobre a pele, em lados opostos do coração, os potenciais eléctricos gerados por estas correntes podem ser registados, o que nos permite obter uma representação tridimensional da actividade eléctrica cardíaca. Classicamente utilizam-se 12 derivações; em pediatria acrescentam-se, três derivações pré-cordiais adicionais (V3R, V4R e V7), para melhor avaliação das forças ventriculares direitas. As derivações utilizadas podem ser agrupadas em dois planos: plano frontal (derivações clássicas – I, II, III, aVR, aVL e aVF) e plano transverso (derivações pré-cordiais – V4R a V7). Os eléctrodos são colocados na seguinte sequência: aVR: punho direito; aVL: punho esquerdo; aVF: maléolo esquerdo; V1: 4º espaço intercostal (EIC) direito, bordo externo; V2: 4º EIC esquerdo, bordo externo; V3: entre V2 e V4; V4: 5º EIC esquerdo, linha médio-clavicular; V5: 5º EIC esquerdo, linha axilar anterior; V6: 5º EIC esquerdo, linha médio-axilar; V3R e V4R: “espelho” de V3 e V4. (Figura 1)

FIGURA 1. Derivações electrocardiográficas

FIGURA 2. Calibração do electrocardiograma.
(Adaptado de Human Physiology: An Integrated Approach (7th Edition), Dee Unglaub Silverthorn, Pearson; January 9, 2015).

Calibração

O registo de ECG de superfície é efectuado em papel milimétrico a uma velocidade habitual de 25 mm/segundo (1 mm = 1quadrado pequeno = 0,04 s; 1 quadrado grande = 0,2 s: 5 quadrados grandes = 1 s) e a uma amplitude de 10 mm/milivolts (mV) (1 mm = 1 quadrado pequeno = 0,1 mVolt; 2 quadrados grandes = 1mVolt. (Figura 2)

Registo e leitura do ECG

A obtenção de um traçado de ECG na idade infantil nem sempre se revela fácil. Trata-se de um exame que exige calma, alguma paciência, o apoio dos pais e, por vezes, sedação. Os eléctrodos dos membros podem ser colocados mais proximais de modo a reduzir os artefactos de movimento. As medições do ECG, particularmente no recém-nascido (RN), devem ser efectuadas manualmente. É necessário ter em conta que nos electrocardiógrafos que dispõem de leitura automática, esta não está adaptada para interpretação em idade pediátrica.

Interpretação do ECG

A leitura de um traçado de ECG deve ser realizada de uma forma sistematizada e metódica. No Quadro 1 estão apresentados os valores de referência habitualmente usados na pediatria. Na interpretação dos achados ECG deve ser tido em conta que o registo electrocardiográfico normal tem variações desde o nascimento até ao início da idade adulta, reflectindo modificações da fisiologia circulatória e da anatomia cardíaca. De um modo geral, após o nascimento, o ECG traduz a diminuição das “forças direitas” [aurícula e ventrículo direito (AD e VD)] em detrimento das “forças esquerdas” [aurícula e ventrículo esquerdo (AE e VE)] e aumento nos intervalos de condução.

QUADRO 1. Valores electrocardiográficos de referência*

*(Adaptado de PR Rijnbeek, M Witsenburg,E Schrama,J Hess,J.A Kors. New normal limits for the paediatric electrocardiogram. European Heart , 2001).

 0-1 meses1-3 meses3-6 meses6-12 meses1-3 anos3-5 anos5-8 anos8-12 anos12-16 anos
FC (bpm)160 (129, 192)
155 (136, 216)
152 (126, 187)
154 (126, 200)
134 (112, 165)
139 (122, 191)
128 (106, 194)
134 (106, 187)
119 (97, 55)
128 (95, 178)
98 (73, 123)
101 (78, 124)
88 (62, 113)
89 (68, 155)
78 (55, 101)
80 (58, 110)
73 (48, 99)
76 (54, 107)
Eixo onda P (°) (ms)56 (13, 99)
52 ( 24, 80)
52 (10, 73)
48 (20, 77)
49 (-5, 70)
51 (16, 80)
49 (9, 87)
50 (14, 69)
48 (-12, 78)
47 (1, 90)
43 (-13, 69)
44(-6, 90)
41 (-54, 72)
42 (-13, 77)
39 (-17, 76)
42 (-15, 82)
40 (-24, 76)
45 (-18, 77)
Duração P (ms)78 (64, 85)
79 (69, 106)
79 (65, 98)
78 (62, 105)
81 (64, 103)
78 (63, 106)
80 (66, 96)
80 (64, 07)
80 (63, 113)
83 (62, 104)
87 (67, 102)
84 (66, 101)
92 (73, 108)
89 (71, 107)
98 (78, 117)
94 (75, 114)
100 (82, 118)
98 (72, 122)
Intervalo PR (ms)99 (77, 120)
101 (91, 121)
98 (85, 120)
99 (78, 133)
106 (87, 134)
106 (84, 127)
114 (82, 141)
109 (88, 133)
118 (86, 151)
113 (78, 147)
121 (98, 152)
123 (99, 153)
129 (99, 160)
124 (92, 156)
134 (105, 174)
129 (102, 163)
139 (107, 178)
135 (106, 76)
Eixo QRS (°)97 (75, 140)
110 (63, 155)
87 (37, 138)
80 (39, 121)
66 (-6, 107)
70 (17, 108)
68 (14, 122)
67 (1, 102)
64 (-4, 118)
69 (2, 121)
70 (7, 112)
69 (3, 106)
70 (-10, 112)
74 (27, 117)
70 (-21, 114)
66 (5, 117)
65 (-9, 112)
66 (5, 101)
Duração QRS (ms)67 (50, 85)
67 (54, 79)
64 (52, 77)
63 (48, 77)
66 (54, 85)
64 (50, 78)
69 (52, 86)
64 (52, 80)
71 (54, 88)
68 (54, 85)
75 (58, 92)
71 (58, 88)
80 (63, 98)
77 (59, 95)
85 (67, 103)
82 (66, 99)
91 (78, 111)
87 (72, 106)
Intervalo QT (ms)413 (378, 448)
420 (379, 462)
419 (396, 458)
424 (381, 454)
422 (391, 453)
418 (386, 448)
411 (379, 449)
414 (381, 446)
412 (385, 455)
417 (381, 446)
412 (377, 448)
415 (388, 442)
411 (371, 443)
409 (375, 449)
411 (373, 440)
410 (365, 447)
407 (363, 449)
414 (370, 457)
  1. Ritmo cardíaco: em qualquer idade, o ritmo cardíaco normal é o sinusal, isto é, uma onda P sinusal (ver infra) a preceder cada complexo QRS. A regularidade do ritmo avalia-se através do intervalo RR. A arritmia mais frequente na idade pediátrica é a “arritmia sinusal, respiratória ou fisiológica”, fenómeno caracterizado pela variação cíclica da frequência cardíaca com o ciclo respiratório, modulado pelo vago, com diminuição da FC com a expiração e aumento da FC com a inspiração. Este fenómeno é normal nesta faixa etária, sem significado patológico.
  2. Frequência cardíaca (FC): a FC varia com a idade, temperatura, tónus do sistema nervoso autónomo e actividade física. Após o primeiro ano de vida a FC tem tendência a diminuir lentamente, aspecto associado à maturação da inervação vagal do nódulo sinusal. Existem várias formas para calcular a FC no ECG. De entre estas a mais usada é: FC=300 / nº de unidades de 0,2 s (quadrados grandes) entre 2 complexos QRS (R-R).
  3. Onda P: a onda P reflecte a despolarização auricular e é normalmente avaliada em DII. Em ritmo sinusal, o vector da onda P deve ser orientado de cima para baixo e da direita para a esquerda, reflectindo a progressão da despolarização desde o nódulo sinusal para as aurículas, direita e esquerda. O eixo eléctrico da onda P está, consequentemente, compreendido entre os 0º e + 90ºC. A onda P sinusal é positiva em DI, DII e aVF; negativa em aVR e geralmente bifásica em V1. A onda P normal tem uma altura e um comprimento máximo de 2,5 mm e 110 milissegundos (ms) respectivamente, não sofrendo variações significativas com a idade.
  4. Complexo QRS: o complexo QRS reflecte a despolarização ventricular; corresponde à sístole ventricular e tanto o seu eixo como a morfologia variam com a idade. O eixo eléctrico do QRS descreve a orientação média do vector QRS em relação ao plano frontal e os valores de referência variam com a idade. De uma forma simplificada o seu método de cálculo consiste em dividir o plano frontal em quatro quadrantes utilizando as derivações DI e aVF. Como as derivações são ortogonais, pode-se estimar a direcção e a amplitude do vector.
  5. Eixo do QRS: as características da circulação fetal condicionam no recém-nascido uma hipertrofia ventricular direita relativa, com um eixo do QRS no plano frontal habitualmente entre +110 a +180º (“desvio direito do eixo”). Habitualmente, após o primeiro mês de vida e ao longo dos primeiros anos de vida, em relação com a regressão das forças ventriculares direitas, verifica-se uma alteração relativamente rápida do eixo com desvio para a esquerda. (Quadro 2)

Quadro 2 – Determinação do eixo eléctrico do QRS*

*(Adaptado de: Park MK, Guntheroth WG: How to Read Pediatric ECGs, Philadelphia, Mosby, 2006)

Eixo do QRSDerivação IDerivação aVF 
0º-  +90º
0º-  -90º
+90º-  ±180º
-90º-  ±180º
  1. Componentes do complexo QRS: o complexo QRS é formado por 3 ondas distintas. A primeira deflexão negativa corresponde à onda Q (despolarização do septo interventricular), a primeira deflexão positiva corresponde à onda R (depolarização do ápex) e a segunda deflexão negativa corresponde à onda S (despolarização das paredes ventriculares).
    • Ondas R e S: no período neonatal, as derivações pré-cordiais direitas (V3R,V4R,V1) apresentam uma onda positiva (R) maior do que a negativa (S), enquanto as derivações esquerdas (V5, V6) demonstram uma relação R/S inferior a um. Uma onda R dominante em V6 torna-se aparente ao fim de alguns dias de vida, reflectindo a rápida progressão das forças ventriculares esquerdas. Com a idade, há tendência para a amplitude da onda R diminuir nas derivações direitas, e aumentar nas esquerdas. No entanto, pode haver persistência, da relação R/S superior a um em V1 até aos primeiros anos da adolescência (“padrão juvenil”). Ondas r secundárias (r’ ou R’) são igualmente frequentes nestas faixas etárias, originando a uma morfologia de padrão de bloqueio de ramo direito, sem significado patológico.
    • Onda Q: a onda Q nas derivações pré-cordiais esquerdas reflecte a despolarização septal que habitualmente ocorre da esquerda para a direita. As ondas Q são frequentes no ECG pediátrico, aspecto por vezes valorizado como patológico; no entanto, são poucas as situações em que a sua presença tem significado clínico. Os valores normais da onda Q variam com a derivação e com a idade. Na maioria das derivações com onda Q – derivações esquerdas (DI, DII, DIII, aVF, V5 e V6) há tendência a esta duplicar de amplitude nos primeiros meses de vida, atingindo um máximo (≤ 0,5 mV) entre os três a cinco anos, com posterior diminuição (< 0,3 mV).
  2. Duração do QRS: a duração do QRS está relacionada com a normal sequência de activação e interacção dos ramos do feixe de His e fibras de Purkinje. Permanecendo relativamente estável até aos 3 anos de vida, posteriormente aumenta de forma linear até à adolescência – o que está relacionado com o aumento da massa muscular. Para a sua avaliação é mais indicado seleccionar uma derivação com onda Q (V5, V6). Valores superiores aos indicados no Quadro 1 podem ser sugestivos de bloqueio de ramo.
  3. Amplitude do QRS: a amplitude do QRS mede de forma quantitativa a massa ventricular e varia com a idade. Alterações da amplitude do QRS podem ser sugestivas de algumas patologias. Baixa voltagem do QRS (amplitude R+S < 0,5 mV) é sugestiva de miocardite ou miopatia.
  4. Onda T: a onda T indica-nos a repolarização ventricular, processo electricamente oposto da despolarização (i.e., do epi para o endocárdio), pelo que o vector médio da onda T deve ter a mesma orientação que o QRS.
    • Progressão da onda T com a idade: ao nascimento são normais ondas T positivas nas derivações pré-cordiais direitas (V3R, V4R, V1); posteriormente ficam negativas, geralmente nas primeiras 48 horas de vida. Ondas T positivas persistentes após a primeira semana de vida em V3R, V4R ou V1 são um achado anormal, podendo sugerir hipertrofia VD. Após a primeira semana de vida, e geralmente prolongando-se até à adolescência, a onda T em V1 é negativa. A onda T em V1 não deverá ser positiva antes dos seis anos de idade, constituindo esta uma das mais importantes diferenças entre o ECG pediátrico e de adulto. Em todas as idades as ondas T devem ser positivas em V5 e V6.
    • Amplitude das ondas T: a onda T deve ter uma amplitude superior ou igual a 2 mm e inferior ou igual a 7 mm (nas derivações frontais) ou a 10 mm (nas derivações pré-cordiais), em qualquer idade. As alterações mais frequentes na onda T reflectem alterações funcionais e não traduzem patologia cardíaca. Exemplos disso são a inversão das ondas T numa derivação após período de hiperventilação, ou ainda o padrão de “repolarização precoce” frequente nos adolescentes com elevação do ponto J (ponto onde termina onda R) (< 4 mm) e ondas T altas.
  5. Onda U: a onda U representando a repolarização do sistema His-Purkinje, nem sempre é visível no ECG. Apresenta o mesmo eixo que a onda T mas de menor amplitude que esta (nunca deve ser superior a 50% da amplitude da onda T). Pode estar aumentada na hipocaliemia, com o uso de antiarrítmicos e na síndroma do QT longo.
  6. Intervalo PR: corresponde ao tempo necessário para a despolarização das aurículas e propagação do estímulo eléctrico desde o nódulo sinusal até ao nódulo aurículo-ventricular. Deve ser medido em DII, desde o início da onda P até ao início do QRS. O intervalo PR aumenta com a idade e diminui com a estimulação do sistema nervoso simpático. Um intervalo PR acima do limite superior para o grupo etário indica bloqueio aurículo-ventricular (BAV) de 1º grau; pode contudo ser secundário a hipercaliemia ou a efeito digitálico. Um intervalo PR abaixo do limite inferior para o grupo etário pode ser sugestivo de pré-excitação ventricular ou ocorrer no contexto de doença de Fabry ou doença de Pompe.
  7. Intervalo QT: corresponde ao período de tempo desde o início da despolarização ventricular até ao final da repolarização ventricular, reflectindo principalmente esta última. A sua avaliação é habitualmente efectuada em DII e/ou V5-V6; devem ser realizadas pelo menos três medições em três ciclos cardíacos diferentes, usando o maior valor obtido. O intervalo QT varia inversamente com a FC, pelo que deve ser corrigido para a FC (QT corrigido) mediante a fórmula de Bazett: QTc (ms) = QT(ms)/√R-R precedente(ms) , cujo valor deve ser inferior a 450 mseg e superior a 330 mseg. Esta avaliação pode não ser muito correcta se a FC for muito rápida ou muito lenta ou se houver alterações no intervalo RR. Intervalos QTc curtos podem ser secundários a hipercalcemia e efeito digitálico, comportando risco aumentado de morte súbita. Intervalos QTc longos podem sem secundários a hipocalcemia, miocardite, síndroma de QT longo, enfarte do miocárdio, toxicidade de fármacos (macrólidos, procinéticos, outros fármacos – consultar www.crediblemeds.org), ou a lesão do sistema nervoso central. Indivíduos com QTc prolongado estão em risco de arritmias potencialmente fatais, pelo que é essencial a sua correcta identificação, particularmente em doentes com história familiar de morte súbita ou com surdez neuro-sensorial.
  8. Segmento ST: o segmento ST é o segmento compreendido entre o início da onda S e o final da onda T, sendo habitualmente isoeléctrico. Desvios até 1 mm nas derivações frontais ou 2 mm nas pré-cordiais podem não ser patológicos durante o primeiro ano de vida. Não deve estar infradesnivelado mais de 0,5 mm em qualquer derivação. Uma ligeira elevação do ST pode ocorrer na síndroma de repolarização precoce. As alterações do segmento ST devem ser valorizadas com base na clínica do doente. Elevação do segmento ST ocorre no contexto de pericardite (a causa mais frequente), hipercaliemia, hemorragia intracraniana, pneumotórax, pneumopericárdio, enfarte agudo do miocárdio (por alterações anatómicas das coronárias). O infradesnivelamento do segmento ST pode ser secundário a hipocaliemia e o seu prolongamento ou encurtamento a alterações da cinética do cálcio.

Alterações sugestivas de isquémia do miocárdio

A dor torácica é uma das queixas mais frequentes em crianças e adolescentes, que motivam recurso ao serviço de urgência. Sendo um sintoma preocupante, é geralmente benigno, sendo a causa cardíaca muito rara. Destas, destaca-se a pericardite como a principal etiologia, salientando-se que a dor, nesta circunstância, é típica, e os achados laboratoriais e electrocardiográficos são também típicos.

A principal preocupação neste grupo de doentes relaciona-se com a presença potencial de isquémia do miocárdio. Situação de grande raridade na criança, surge apenas associada a cardiopatias congénitas muito raras, como a origem anómala da artéria coronária esquerda a partir da artéria pulmonar, a cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva e outras anomalias coronárias congénitas, também pouco frequentes. A doença de Kawasaki com complicações cardíacas e aneurismas coronários pode na fase aguda, subaguda ou crónica condicionar má perfusão miocárdica e isquémia. O diagnóstico destas situações depende do quadro clínico típico de cada patologia referida, seja a insuficiência cardíaca, a presença de sopro ou síncope e os achados típicos da doença de Kawasaki. Do ponto de vista electrocardiográfico, nestas situações específicas, os achados são idênticos aos encontrados nos adultos com isquémia, ou seja presença de ondas “q” patológicas (> 5 mm), e supradesnivelamento do ST na fase aguda ou infradesnivelamento do ST e inversão das ondas T, em lesões mais difusas.

São contraindicação para administração da adenosina a existência de doença do nódulo sinusal, distúrbios da condução AV e doentes com broncorreactividade grave. A adenosina tem uma semivida muito curta, induzindo bloqueio AV; assim, a falta de resposta à sua administração pode dever-se a: – dose inadequada; – administração lenta ou numa via demasiado distal ao coração (por exemplo, nos membros inferiores), ou; – ao facto de a situação de taquicardia não ser dependente da condução AV. Na presença de uma administração adequada, a não conversão a ritmo sinusal pode permitir fazer o diagnóstico da taquicardia com origem auricular. 

GLOSSÁRIO

Despolarização > Diminuição da polarização (da diferença de potencial) e inversão momentânea das cargas eléctricas entre dois pontos de um tecido vivo ou entre as faces interna e externa de uma membrana celular. Os fenómenos de despolarização-repolarização intervêm na propagação do influxo nervoso e na contracção muscular. A despolarização dum nervo corresponde à passagem dum influxo nervoso; a despolarização duma fibra muscular corresponde à sua contracção. Num ECG, a onda QRS corresponde à despolarização dos ventrículos.

Repolarização > Retorno de fibras musculares ao seu potencial de repouso. A reposição das fibras musculares tem lugar no momento em que se interrompe a excitação. A onda T do ECG marca o fim da reposição dos ventrículos.

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NÃO DOENÇA E PSEUDO-DOENÇA CARDÍACA

Importância do problema

A maioria das crianças atendidas pela primeira vez na consulta de Cardiologia Pediátrica não tem doença cardíaca. São enviadas por sintomatologia mal definida como dor torácica, “picadas e sensação de falta de ar”. O esclarecimento destas situações é importante a fim de evitar o estigma de doença cardíaca com todas as consequências sobre o estado psicológico e qualidade de vida de crianças, jovens e suas famílias. Os motivos principais para o recurso à consulta de Cardiologia Pediátrica são discriminados nas alíneas seguintes.

Sopro cardíaco detectado em observação de rotina (sopro inocente)

A incidência de sopro não associado a patologia cardiovascular (inocente) em crianças em idade escolar é ~ 75%, em contraste com a prevalência das cardiopatias congénitas que é 3 a 4/1000 no mesmo grupo etário (6 a 8/1000 nados-vivos). A maioria dos sopros cardíacos inocentes pode ser identificada com base na anamnese e na observação. As principais características de cada tipo de sopro inocente estão resumidas nos Quadros 1 e 2.

Os sopros inocentes podem ser sistólicos ou contínuos, mas nunca diastólicos.

Na nossa experiência, os mais frequentes são: sopro vibratório (43%), seguido de zumbido venoso e da associação de ambos (11% cada). O sopro pulmonar (7%) e o ruído carotídeo (menos de 1%) são menos frequentes. Os sopros inocentes tendem a variar de intensidade com o estado dinâmico da circulação, e a desaparecer com a idade. O diagnóstico de sopro inocente pode ser confirmado pela ausência de alterações cardiovasculares na radiografia do tórax e no electrocardiograma. Os pais devem ser alertados para o facto de o sopro inocente poder ser mais bem audível em situações de febre, anemia ou após esforço e quando a criança é observada por um médico diferente do habitual. Há que evitar o desenvolvimento da chamada “neurose cardíaca”, assim como de atitudes de sobreprotecção ou de complexos de culpa nos pais.

QUADRO 1 – Características gerais do sopro inocente

Intensidade
Inferior a 3/6

Altura
Grave

Timbre
Vibrações de altura e intensidade homogéneas

Local de máxima intensidade
Específico para cada tipo

Intervalo entre o 1º ruído e o sopro
Existe

Circunscrito no precórdio
Sim

Modifica-se com posição ou com manobras
Sim (posição, respiração, exercício, manobras de compressão vascular, febre)

QUADRO 2 – Características específicas dos sopros inocentes

Abreviaturas – EICE: espaço intercostal esquerdo; VE: ventrículo esquerdo; dta: direita; VD: ventrículo direito; TSVD: tracto de saída do ventrículo direito; (?): possivelmente
Tipo de soproIntensidadeLocalIrradiaçãoGénese
Vibratórioinferior a 3/64º EICEVariável, mas nunca axilaVE (?)
Pulmonarsuave, grau 2/62º EICESem irradiaçãoVD
Zumbido venosoinferior a 3/6Base do pescoço
Mais frequente à direita
Diminui ou desaparece com decúbito
e com rotação da cabeça
Veias jugulares
Ruído carotídeograu 2/62º EICE
Fossa supraclavicular
Base do pescoço
 Artérias

Sintomas ou sinais não esclarecidos (suspeita de causa cardíaca pelo médico assistente)

Dor torácica durante actividade normal

Esta é actualmente a principal causa de envio à consulta de Cardiologia Pediátrica de crianças mais velhas e adolescentes. Este facto deve-se, em parte, à divulgação mediática da morte de desportistas jovens em pleno esforço e ao receio por parte dos pais de a dor poder corresponder a uma doença cardíaca grave, potencialmente letal.

Na maioria das situações trata-se da chamada “dor torácica benigna do adolescente”. É mais frequente entre as idades de 8 e 16 anos. A dor ocorre em repouso, é aguda, cortante ou do tipo picada e, raramente, do tipo opressão ou aperto. Dura breves instantes durante os quais algumas crianças sentem “o coração bater”. Ocasionalmente, pode ser de grande intensidade provocando choro, aparecendo e desaparecendo subitamente. A observação e os resultados dos exames complementares são completamente normais. Deve assegurar-se à família a ausência de patologia e alertar para a possibilidade de a dor poder repetir-se.

A dor torácica neste grupo etário é frequentemente de origem músculo-esquelética. A observação clínica deve ser cuidadosa e, além do estado da pele, há que analisar as costelas e as articulações condrocostais. A osteocondrite das articulações condrocostais e condroesternais é frequente em adolescentes; decorre sem edema, localiza-se entre a 2ª e a 5ª articulação e é autolimitada.

A síndroma de Tietze, mais rara, decorre com inflamação não supurada e edema das articulações cartilagíneas das costelas. Pode ser recidivante e necessitar de analgésicos e anti-inflamatórios.

Outra causa rara de dor torácica é a mialgia ou pleurodínia, localizada na região abdominal superior ou intercostal. A causa é vírica e ocorre em geral associada a síndroma gripal. A dor é intensificada pela respiração, tosse e movimentos do tórax; é autolimitada. A glândula mamária pode também ser responsável por dor torácica, em particular em jovens no início da menarca, durante as menstruações ou durante a gravidez.

Das causas pulmonares salienta-se a asma. Nesta situação, a dor pode ser causada pelo esforço muscular associado à dispneia e à tosse, ou pode ser devida à ansiedade. A inflamação da pleura pode causar dor torácica que ocorre durante a inspiração e se acompanha de atritos pleurais detetados por auscultação.

Das causas gastrintestinais, salienta-se o refluxo gastro-esofágico que muitas vezes se associa à asma.

Outra causa é a dor psicogénica, cada vez mais frequente em crianças e adolescentes sujeitos a vários tipos de tensão emocional.

Queixas ou sinais inespecíficos

Há muitos motivos inespecíficos que podem levar os pais a suspeitar de doença cardíaca e a insistir junto do médico assistente na necessidade do esclarecimento da mesma.

  1. Cansaço – é uma das queixas mais frequentes. O cansaço pode ter múltiplas causas não cardíacas: psicológicas (carência afectiva, imitação de familiares idosos ou doentes com quem coabitam), ou orgânicas (obesidade, falta de treino físico, asma, alterações ortopédicas).
  2. Perdas de conhecimento acompanhadas ou não de convulsões – são situações alarmantes que podem ter diversas causas. A causa cardíaca é rara; por isso, estas crianças devem sempre ser investigadas neurologicamente antes de serem enviadas à Cardiologia Pediátrica.
  3. Espasmo do soluço – é muitas vezes motivo de referência à consulta de Cardiologia Pediátrica. Geralmente trata-se duma doença benigna que cursa sem complicações e cede espontaneamente com o crescimento; no entanto pode por vezes causar pausas dos batimentos cardíacos, de tal forma acentuadas que podem condicionar perda de conhecimento.
  4. Alterações benignas do ritmo cardíaco – são muitas vezes mal interpretadas. Ao avaliar o ritmo e a frequência cardíaca da criança é necessário ter em consideração as condições em que se efectua o exame, excluindo febre, choro ou agitação. É frequente o envio por arritmia respiratória ou fisiológica detectada no electrocardiograma, e que é normal na criança.
  5. Valores elevados de TASO – valores elevados de antiestreptolisinas O apenas indicam a existência prévia de infecção por estreptococos; e, na ausência de sinais ou sintomas cardiovasculares, valores elevados de TASO não são sinónimos de doença cardíaca nem de febre reumática.
  6. Pseudocardiomegália detectada na radiografia do tórax – deve-se em geral a sobreposição de imagem do timo com a silhueta cardíaca ou a deficiente técnica de execução (em expiração ou em posição ântero-posterior).

Os sinais e sintomas inespecíficos, quando mal esclarecidos, levantam suspeita de doença cardíaca. Para a sua diferenciação é fundamental conhecer os limites dos valores normais na criança e ter em consideração que a doença cardíaca na criança apresenta sinais e sintomas bem definidos que podem ser avaliados e identificados através duma observação cuidadosa.

Nalguns centros, como complemento da observação clínica, para o rastreio de defeitos cardíacos no RN, tem sido utilizada a técnica de oximetria transcutânea para avaliação da saturação em oxigénio da hemoglobina (SaO2).

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CARDIOLOGIA FETAL

Importância do problema

A Cardiologia Fetal é uma valência da Cardiologia Pediátrica que se dedica ao estudo e tratamento das perturbações cardíacas e circulatórias no feto. Emprega-se o termo “Perinatal” quando os cuidados se estendem ao período neonatal.

A ecocardiografia fetal é uma das técnicas que permite estudar a morfologia e a fisiologia cardíaca no feto. Pode ser efectuada por via intravaginal no primeiro trimestre (12ª – 13ª semanas) de gestação, ou por ecocardiografia transabdominal no segundo e terceiro trimestres. A idade gestacional ideal para a ecocardiografia fetal compreende o período entre as 17 e as 20 semanas. (ver Parte XXXI)

A Cardiologia Perinatal requer uma estreita relação com obstetras e perinatologistas no período fetal; e, no período neonatal, com neonatologistas, cirurgiões cardíacos e anestesistas. Esta relação multidisciplinar permite o diagnóstico precoce de patologia cardíaca, o seu tratamento quando indicado, e o planeamento das melhores condições possíveis para o parto e cuidados perinatais.

A eficácia dos cuidados terciários de saúde só tem tradução se forem bem articulados com cuidados primários de qualidade. A equipa de cuidados primários deve conhecer bem a história obstétrica e gestacional e as indicações para efectuar rastreio pré-natal de uma anomalia cardíaca no feto, através da ecocardiografia fetal. Para tal é fundamental:

  1. identificar as famílias em risco de ter filhos com cardiopatia congénita – se a mãe, o pai ou irmãos do feto forem portadores de cardiopatia congénita, o risco aumenta em relação à população em geral, variando com grau de parentesco, sexo e tipo de A presença de síndroma polimalformativa familiar também aumenta o risco de cardiopatia no feto;
  2. identificar riscos ambientais potencialmente teratogénicos, quer sejam infecciosos, medicamentosos, tóxicos, químicos ou outros. As doenças maternas também devem ser identificadas, em particular, diabetes pré-concepcional, doenças do colagénio, fenilcetonúria e hipotiroidismo;
  3. identificar riscos inerentes ao próprio feto, tais como restrição de crescimento intrauterino, ascite ou anasarca fetais, que podem associar-se a patologia cardíaca. Este grupo requer, além da avaliação clínica, uma ecografia obstétrica correctamente executada e interpretada.

Ainda que cerca de metade das gravidezes de crianças com cardiopatia tenham riscos identificáveis, só cerca de um terço das grávidas é referenciado para rastreio. Esta circunstância explica que a grande maioria das crianças com cardiopatia nasça sem diagnóstico pré-natal. Por outro lado, actualmente, quase todas as gravidezes são vigiadas e submetidas a várias ecografias, mas a grande maioria das cardiopatias graves não é identificada (apenas cerca de 25 a 30% dos recém-nascidos com cardiopatia têm diagnóstico pré-natal).

O número de grávidas que são referenciadas para ecocardiograma fetal tem vindo a aumentar, sendo a dificuldade técnica no estudo cardíaco, o principal motivo de referência. Este facto denota o elevado grau de preocupação e de exigência por parte dos obstetras ecografistas que não se limitam a observar as imagens no plano das quatro câmaras, mas também a saída dos ventrículos e as grandes artérias. No plano das quatro câmaras identificam-se cardiopatias que cursam com desequilíbrio das cavidades ventriculares como coração univentricular, coração esquerdo ou direito hipoplásicos, e defeitos do septo aurículo-ventricular. No plano de saída ventricular e grandes artérias identificam-se cardiopatias com anomalias morfológicas da região de saída como tetralogia de Fallot e transposição das grandes artérias.

Uma vez identificada uma anomalia cardíaca no feto, a grávida deve ser orientada para uma consulta de alto risco obstétrico. Aí será feito acompanhamento adequado e serão realizadas ecografias morfológicas minuciosas para rastreio de outras anomalias. Idealmente cada caso deverá ser discutido em reuniões conjuntas de diagnóstico pré-natal, onde serão programadas, com os obstetras, neonatologistas, cirurgiões cardíacos e cardiologistas pediátricos as atitudes periparto mais adequadas. Pode estar indicada a realização de cariótipo fetal, através de amniocentese, muitas vezes orientado pelo tipo de cardiopatia, com a finalidade de identificar alterações cromossómicas associadas, com implicações na evolução da doença. Por exemplo, nas cardiopatias do tipo conotruncal (tetralogia de Fallot, truncus arteriosus, transposição das grandes artérias) é importante realizar no feto um estudo cromossómico com hibridação in situ (FISH) da região crítica 22q11.2, para o rastreio da síndroma de DiGeorge; esta situação que pode cursar com anomalia do desenvolvimento, hipocalcémia neonatal grave e maior susceptibilidade para infecções.

Assim que é feito o diagnóstico de um defeito cardíaco fetal é importante esclarecer e acalmar os pais, de preferência no centro de cardiologia pediátrica onde a criança irá ser seguida e tratada. Os cardiologistas pediátricos e os cirurgiões cardíacos deverão explicar aos pais, de modo personalizado, a cardiopatia e os resultados dos tratamentos propostos. A opção de prosseguir ou não com a gravidez é sempre do casal, sabendo-se que se trata de decisão delicada e difícil.

Em caso de interrupção de gestação ou de morte fetal será efectuado estudo anátomo-patológico fetal com a finalidade de confirmar o diagnóstico e promover o aconselhamento genético tendo em perspectiva futuras gestações.

Indicações para ecocardiograma fetal

Existem orientações nacionais, promovidas pela Direcção Geral da Saúde relativamente às principais indicações para efectuar ecocardiograma fetal que, resumidamente, são:

  1. Causa familiar
    • História familiar de cardiopatia congénita;
    • Síndromas familiares associadas a patologia cardíaca.
  1. Causa ambiental
    • Doença materna;
    • Diabetes, fenilcetonúria;
    • Doença do colagénio com AC Ro/SSA e/ou La/SSB positivos;
    • Medicação;
    • Infecção materna.
  1. Causa fetal
    • Dificuldades técnicas no estudo do coração fetal;
    • Suspeita de cardiopatia na ecografia obstétrica;
    • Patologia dos fluidos/derrames fetais
    • Hidropisia fetal; hidrotórax; derrame pericárdico e pleural; poli-hidrâmnios
    • Anomalias fetais extracardíacas
    • Onfalocele; hérnia diafragmática; atrésia esófago/duodenal; fístula tráqueo-esofágica; higroma quístico; alterações esqueléticas; anomalias renais; artéria umbilical única; restrição do crescimento intrauterino
    • Anomalias cromossómicas, confirmadas ou suspeitadas;
    • Translucência da nuca aumentada;
    • Arritmias;
    • Outras causas: tumor muito vascularizado, fístula arteriovenosa, gémeo acardíaco;
    • Transfusão feto-fetal, anemia, ausência de ductus venosus.

Tratamento in utero

Existem várias patologias fetais que requerem tratamento in utero.

As arritmias fetais, embora raras podem ter consequências graves, mesmo fatais para o feto sendo, por isso, necessário o seu tratamento e acompanhamento frequente.

Podem ocorrer ritmos rápidos; a taquicardia supraventricular é a mais frequente, logo seguida pelo flutter auricular. O tratamento é feito por via transplacentar, com antiarrítimos administrados à mãe. Existem vários protocolos em que se começa com digoxina administrada por via intravenosa, seguida, se necessário, por flecainida ou sotalol. Como recurso em casos refractários pode ainda utilizar-se a amiodarona. A grande maioria destes bebés não tem cardiopatia, mas alguns têm síndroma de Wolff-Parkinson-White. Depois do parto, deve ser mantida terapêutica com digitálicos durante os primeiros 6 a 12 meses, mesmo nos casos assintomáticos.

As bradiarritmias fetais estão muitas vezes associadas a colagenoses maternas mediadas imunologicamente. Têm indicação terapêutica, em particular se se demonstrar repercussão fetal com insuficiência cardíaca, esta última dependendo da etiologia. Em geral utilizam-se dexametasona, imunoglobulinas e, por vezes, fármacos simpaticomiméticos.

O cateterismo de intervenção fetal tem sido tentado em algumas cardiopatias congénitas, desde os anos 90, em particular nos obstáculos esquerdos graves. O procedimento consiste na introdução de um cateter de balão no ventrículo esquerdo e através da válvula aórtica por via transplacentária e transtorácica fetal, e na dilatação da válvula aórtica. Os resultados não têm tido o êxito desejado porque a técnica é complexa e requer grau elevado de treino. Actualmente este tratamento também pode ser aplicado aos obstáculos direitos, (nomeadamente no caso de estenose pulmonar crítica) e ao encerramento ou restrição do foramen ovale.

Tratamento do recém-nascido com cardiopatia

O tratamento no período neonatal corresponde à conclusão de todo um trabalho de acompanhamento pré-natal. Como paradigma de tal tipo de procedimento apontam-se as cardiopatias canal-dependentes, como é o caso da transposição completa das grandes artérias cujo diagnóstico pré-natal nem sempre é fácil.

Na maior parte dos casos surge cianose persistente nas primeiras horas de vida, obrigando a terapêutica imediata. Esta pode incluir administração de prostaglandinas E1 e transporte, de urgência, para um Serviço de Cardiologia Pediátrica. Dado que a administração de prostaglandina E1 pode provocar apneia como acção acessória importante, recomenda-se que o transporte seja realizado em viaturas com pessoal especializado e incubadoras com ventiladores como as do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). No Serviço de Cardiologia Pediátrica é, em geral, necessário realizar atriosseptostomia com cateter de balão – procedimento descrito por Rashkind e Miller como terapêutica de emergência para melhorar a saturação sistémica. A cirurgia de correcção anatómica (operação de Jatène ou switch arterial) realiza-se durante a primeira semana de vida, dependendo os resultados das condições pré-operatórias e de especificidades anatómicas, nomeadamente ao nível das artérias coronárias. O diagnóstico pré-natal permite a programação e agilização destes procedimentos, reduzindo o risco clínico e melhorando os resultados. Por outro lado, é fundamental o aconselhamento genético aos pais destas crianças tendo em perspectiva a programação de gravidezes futuras.

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INTRODUÇÃO À CARDIOLOGIA PEDIÁTRICA

As cardiopatias congénitas, ocorrendo em cerca de 0,8 a 1% dos nados vivos, constituem os defeitos congénitos mais frequentes e comportam elevada mortalidade. Por tal motivo, a melhoria dos cuidados prestados e dos resultados obtidos pela sua correcção têm impacte muito significativo na redução da mortalidade infantil.

O diagnóstico e tratamento das doenças cardíacas nas crianças, tanto nos aspectos médicos como nos cirúrgicos, tem sofrido grande evolução nos últimos anos graças aos progressos nas áreas de imagiologia, cateterismo cardíaco, cuidados intensivos e cirurgia cardíaca. Estes progressos, permitindo a detecção e terapêutica precoces das doenças cardiovasculares em geral, têm contribuído para uma melhoria significativa da morbilidade, por sua vez, desagravando o prognóstico.

Em Portugal a Cardiologia Pediátrica é reconhecida como especialidade independente desde 1984. O Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital de Santa Marta – Centro Hospitalar de Lisboa Central, que dirigimos, foi criado em 24/02/1987 por Fernanda Sampayo, sendo importante referir sucintamente os principais antecedentes históricos.

Em Outubro de 1969 Fernanda Sampayo, regressada dos Estados Unidos onde obtivera o título de pediatra pelo American Board of Pediatrics e o de cardiologista pediatra pelo American Board of Pediatric Cardiology, iniciou a Consulta de Cardiologia Pediátrica no Hospital de Santa Marta, Lisboa. Em 1971 foi criada a chamada Secção de Cardiologia Pediátrica integrada no Serviço de Cardiologia do mesmo hospital, transformada sucessivamente em Unidade de Cardiologia Pediátrica (1978) e, nove anos mais tarde, em Serviço, atrás citado. Fernanda Sampayo, figura cimeira e pioneira na medicina portuguesa, dirigiu todas estas áreas assistenciais até à sua aposentação em 1993. O referido Serviço é o mais antigo do país e tem idoneidade formativa total para a especialidade, com forte tradição no ensino médico.

Com a preocupação de os alunos do 5º e 6º anos da Faculdade de Ciências Médicas/NOVA Medical School terem uma formação completa em Pediatria, o Professor João Videira Amaral (e, a partir de 2008, a Professora Teresa Neto) pediram-nos para ministrar aulas teóricas e teórico-práticas de Cardiologia Pediátrica, colaboração que aceitámos com entusiasmo e temos cumprido de bom grado desde 1999. Para complemento bibliográfico do ensino, o primeiro, editor-coordenador desta obra, deu-nos a honra e possibilidade de compilar este tópico para o Tratado de Clínica Pediátrica na 1ª e 2ª edições (respectivamente 2008 e 2013). Para a elaboração deste texto (que foi actualizado e ampliado), utilizámos grande parte do material das edições anteriores do tratado e da monografia por nós publicada e co-editada: Soares-Costa JTS e Kaku S (editores). Cardiopatias Congénitas. Lisboa: Permanyer Portugal, 2005).

De um modo sistemático são focados aspectos fundamentais relacionados com a anatomia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento médico-cirúrgico das cardiopatias mais frequentes. Salienta-se um capítulo sobre “não doença e pseudo doença” devido às importantes implicações resultantes de qualquer suspeita de doença cardíaca a nível pessoal, familiar e social.

Foi esta a estratégia seguida, inicialmente definida pelo Doutor Sashicanta Kaku, a quem tive a honra de suceder, quer na Direcção do Serviço, quer no ensino universitário. Também com igual entusiasmo abracei ambas as tarefas dando continuidade a um trabalho exemplar e inovador. A recente criação do Centro Médico Universitário de Lisboa, que congrega a Faculdade de Ciências Médicas – NOVA Medical School e o Centro Hospitalar de Lisboa Central abre novas perspectivas para o futuro, que se traduzem também em responsabilidades acrescidas.

A pedido do Professor João Videira Amaral, tive a honra de coordenar e actualizar a Parte referente à Cardiologia Pediátrica desta nova e edição, dando continuidade ao trabalho antecedente. Incluímos novos capítulos sobre electrocardiografia e arritmias, novos métodos de imagem, cardiologia de intervenção para tratamento das cardiopatias congénitas, risco cardiovascular na criança.

A Cardiologia Pediátrica sendo uma especialidade recente está em grande desenvolvimento. A melhoria significativa dos resultados nos últimos anos tem-se traduzido num aumento significativo da sobrevida, atingindo os ex-doentes pediátricos deste foro a idade adulta com problemas específicos, complicações, sequelas ou lesões residuais. Cria-se assim um novo paradigma requerendo uma abordagem funcional por uma equipa alargada de cardiologistas pediátricos e de cardiologistas de adultos com treino específico de modo a dar continuidade aos cuidados iniciados em idade pediátrica.

Trata-se, pois, de um exemplo da relação entre doença na idade pediátrica e doença no adulto, aliás abordada no âmbito de diversas patologias e noutros capítulos desta obra.

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