Importância do problema
Os agentes Clamídia são bactérias Gram-negativas intracelulares obrigatórias, da família Chlamydiaceae, com capacidade para infectar uma grande variedade de células. O nome Chlamydia deriva da palavra grega “chlamys”, representando a capa ou manto com que se cobriam os homens na Grécia Antiga. Em comparação com tal facto histórico, os cientistas, desde o início, verificaram a existência de “agentes patogénicos” que infectavam células, envolvendo, como uma manta ou capa, o respectivo núcleo.
As referidas bactérias incluem apenas o género Chlamydia, com nove espécies. As três espécies com acção patogénica humana são: Chlamydia trachomatis (causando largo espectro de doenças, com relevância para as infecções do tracto genital, constitui o principal agente patogénico das doenças sexualmente transmissíveis em todo o mundo); Chlamydia pneumoniae – também designada Chlamydophila pneumoniae (provocando doença respiratória); e Chlamydia psittaci (causa da psitacose ou ornitose, considerada uma zoonose com significativo impacte em saúde pública).
De acordo com alguns estudos, C. abortus e C. felis poderão raramente originar infecções em seres humanos. C. pecorum causa doença apenas em porcos, ovelhas e gado, em geral.
A imunidade à infecção por estes agentes microbianos é de fraca duração, razão pela qual são comuns as reinfecções ou a persistência de infecções, particularmente, oculares e genitais.
Ciclo de vida nas células epiteliais
Os agentes Clamídia, evidenciando um ciclo de vida (complexo) nas células epiteliais que se descreve muito resumidamente, apresentam-se com duas formas morfológicas características: – a forma intracelular (ou corpo reticular -CR), representando a forma replicativa; e – a forma intracelular (ou corpo elementar – CE), representando as partículas infecciosas. Estas últimas ligam-se às células do hospedeiro pela interacção de proteínas da membrana externa com os receptores do hospedeiro e, após endocitose, expressam proteínas que impedem a sua fusão com os lisossomas. Posteriormente, diferenciam-se em CR, replicam-se por fissão binária e rediferenciam-se novamente em CE, libertados da célula por lise ou extrusão.
Este capítulo incide fundamentalmente sobre as infecções provocados pelos três agentes mais relevantes. As principais medidas preventivas e o tratamento são abordados no fim, em conjunto, após descrição das três entidades clínicas respectivas.
1. CHLAMYDIA TRACHOMATIS
Etiopatogénese
O agente Chlamydia trachomatis subdivide-se em serótipos associados a largo espectro de doenças. Os serótipos A, B, Ba e C são os dominantes no tracoma; os serótipos de D a K causam infecções do tracto genital, recto, faringe e conjuntiva; e, os serótipos L1, L2 e L3 são responsáveis pelo linfogranuloma venéreo (LGV).
De salientar que, enquanto as infecções pelos serótipos A a K estão, habitualmente, confinadas à mucosa, os serótipos L podem atravessar o epitélio, disseminar-se por via linfática e causar doença sistémica.
Após um período de incubação médio de 10 dias (variável entre 7 e 21 dias), surge uma variedade de manifestações clínicas resultante da resposta inflamatória do hospedeiro e consequente destruição tecidual. Nas infecções oculares e genitais, os plasmócitos estão presentes em número elevado, enquanto na pneumonia predominam eosinófilos e neutrófilos.
Importância do problema e aspectos epidemiológicos
O agente Chlamydia trachomatis é o patogénio mais comum de transmissão sexual nos países industrializados. Na sua maioria, as infecções por C. trachomatis nos seres humanos são assintomáticas e constituem um reservatório da infecção; sendo a causa de 30% a 50% de casos de uretrite não gonocócica no sexo masculino, é frequente a coinfecção com o gonococo.
Como foi referido antes, é causa das infecções bacterianas sexualmente transmissíveis (IST) mais prevalentes em todo o mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou, em 2012, cerca de 131 milhões de novos casos entre os 15 e 49 anos, e 128 milhões de prevalentes. A prevalência é maior no sexo feminino (4,2% vs 2,7%), sobretudo, na faixa etária dos 15 aos 19 anos.
Na Europa verifica-se um aumento da incidência destas infecções desde 2004, tendo-se registado 384.555 casos em 2013 nos 26 estados membros do European Center for Disease Prevention and Control (ECDC). Como na maioria dos casos as infecções são assintomáticas, a verdadeira incidência poderá ser subestimada. Dois terços (67%) de todos os casos reportados ocorreram em jovens adolescentes entre os 15 e 24 anos.
O aumento do número de casos poderá ser explicado por maior número de rastreios, melhoria da sensibilidade dos testes de diagnóstico, aumento da notificação dos casos detectados, bem como pelo aumento real da incidência das IST.
Na gravidez, a taxa de infecção cervical por Chlamydia trachomatis varia de 1 a 37%, com mais elevada incidência em idades inferiores a 25 anos. O risco de o recém-nascido de mãe com infecção activa ser infectado é de 50%-75%. Na grávida com infecção activa, a transmissão perinatal de Chlamydia trachomatis ao feto na maioria das vezes tem lugar durante o parto por via vaginal, independentemente de haver ou não ruptura de membranas. Entre os lactentes expostos, cerca de 20%-50% desenvolvem conjuntivite e, 10%-20%, pneumonia.
A infecção por Chlamydia trachomatis adquirida por via perinatal pode persistir meses a anos. Este facto poderá dificultar mais tarde o diagnóstico de possível abuso sexual dada a positividade persistente do agente em amostras vaginais e rectais.
O tracoma, endémico em 42 países de vários continentes (África, América Central e do Sul, Ásia, Austrália e Médio Oriente), é responsável por cegueira ou diminuição da acuidade visual em cerca de 1,9 milhões de sujeitos. O continente mais afectado é o africano.
Manifestações clínicas
Conjuntivite
A infecção por Chlamydia trachomatis constitui a principal causa de conjuntivite neonatal e a principal manifestação neonatal de infecção por Chlamydia em países em que não é feito o rastreio sistemático e tratamento de IST na gravidez, como Portugal.
O período de incubação é 5-14 dias após o parto, ou inferior, se houver ruptura prematura de membranas. Pelo menos 50% dos recém-nascidos com conjuntivite por Chlamydia trachomatis apresentam também infecção nasofaríngea.
O espectro clínico de tal conjuntivite (difícil de distinguir de conjuntivites com outra etiologia) é amplo: pode ocorrer injecção conjuntival ligeira com exsudado mucoso ou, na forma grave, exsudado purulento copioso, quemose e pseudomembranas. O eritema e edema palpebral são frequentes e em dois terços dos casos a infecção é bilateral.
O diagnóstico diferencial com oftalmia gonocócica é difícil pelas semelhanças do tempo de incubação e achados clínicos, mas imprescindível. Tal oftalmia é mais frequente na ausência de vigilância da gravidez, de doença gonocócica prévia, doutras IST ou de história de abuso de drogas ilícitas.
Na maioria dos casos verifica-se resolução espontânea nos primeiros meses de vida, sem repercussão na função visual. Ao contrário do que acontece no tracoma, é rara a evolução para a cronicidade com formação de úlceras da córnea, cicatrizes e tecido de granulação (pannus)
Pneumonia
Aproximadamente, 70% dos recém-nascidos infectados apresentam resultados positivos das culturas da nasofaringe para Chlamydia trachomatis; em cerca de 30% há forte probabilidade de surgimento de pneumonia entre as 4 e 12 semanas de vida.
Clinicamente, a pneumonia cursa com coriza, tosse, taquipneia, apneia nos lactentes mais pequenos e, na auscultação pulmonar, com fervores e ausência de sibilos. Habitualmente não existe febre.
Os achados da radiografia torácica são inespecíficos: sinais de hiperinsuflação, infiltrados bilaterais intersticiais, reticulonodulares; contudo, pode verificar-se normalidade.
Os achados laboratoriais incluem frequentemente eosinofilia periférica (> 300 células/mm3), hipoxemia arterial e aumento das imunoglobulinas séricas. Estes achados, difíceis de distinguir dos associados à pneumonia vírica, implicam a necessidade de valorizar a história clínica. A presença de leucorreia materna durante a gravidez, a existência de conjuntivite anterior às duas semanas de vida e a eosinofilia devem levar à suspeita do diagnóstico de clamidose.
Dum modo geral, a pneumonia é autolimitada, não requerendo internamento.
No que respeita ao prognóstico da pneumonia, importa relatar a possibilidade de surgir mais tarde, em crianças, adolescentes e adultos, alterações na função respiratória, incluindo sibilância recorrente e asma.
Tracoma
O tracoma, endémico no Médio Oriente e Sueste Asiático, é a causa mais importante de cegueira evitável em todo o mundo. A infecção, ocorrendo em idades precoces, pode persistir por vários anos. A mesma é disseminada através de secreções infectadas, pelo que a falta de condições de saneamento e a presença de vectores (moscas) constituem factores de risco de transmissão da mesma.
O quadro clínico corresponde a ceratoconjuntivite folicular crónica (infiltrado de linfócitos, monócitos, plasmócitos e macrófagos), com neovascularização da córnea, secundária a infecção recorrente ou crónica. A cicatrização conjuntival, por vezes exacerbada por sobreinfecção bacteriana, pode levar a entrópio (inversão do bordo palpebral) que, por sua vez, resulta num agravamento do trauma da córnea pela acção traumática dos cílios palpebrais, com ulceração, cicatrização, opacificação e cegueira (entre 1%-15% dos pacientes) após a doença activa.
A OMS sugere um sistema de classificação simples para as manifestações clínicas do tracoma: 1) tracoma folicular, definido pela presença de pelos 5 folículos na zona central da conjuntiva tarsal superior, indicativos de doença activa; 2) inflamação intensa tracomatosa, caracterizada pelo espessamento inflamatório pronunciado e hipertrofia papilar da conjuntiva tarsal superior; 3) cicatrização tracomatosa, implicando a presença de linhas ou bandas brancas na conjuntiva tarsal, correspondente a doença passada; 4) triquíase, caracterizada pela inversão de, pelo menos, um folículo piloso em contacto com o globo ocular; 5) opacidade da córnea.
Infecções genitais
Este tipo de infecções pode ser sistematizado do seguinte modo: vaginite nas mulheres pré-púberes, uretrite e epididimite no sexo masculino, e uretrite, cervicite, endometrite, salpingite e peri-hepatite (síndroma de Fitz-Hugh-Curtis) nas mulheres pós-púberes. Nestas últimas, a infecção pode originar doença inflamatória pélvica, gravidez ectópica ou esterilidade.
A infecção por Chlamydia trachomatis tem um pico de incidência no sexo feminino, entre os 15 e 19 anos. A discrepância entre sexos parece estar relacionada com uma susceptibilidade aumentada da mulher a este agente e pelo rastreio mais eficaz nas raparigas adolescentes. A reinfecção é muito comum, ocorrendo em cerca de 40% dos casos dentro de 9 meses, habitualmente por parceiros não tratados.
A uretrite por C. trachomatis no sexo masculino origina um exsudado predominantemente mucóide, enquanto na causada por gonococo o exsudado é purulento.
Linfogranuloma venéreo
O LGV é uma IST causada pelos serótipos L1 a L3 de Chlamydia trachomatis, endémicos em regiões tropicais e subtropicais. Recentemente tem-se assistido ao ressurgimento desta infecção na Europa e EUA no contexto de homossexualidade masculina.
Sucintamente, manifesta-se por infecção linfática invasiva com lesão ulcerosa inicial nos genitais e linfadenopatias inguinais dolorosas, supuradas e unilaterais. Pode surgir infecção anorrectal ou proctocolite.
Pormenorizando, importa distinguir três estádios definidos:
- infecção local – pápula, pústula ou úlcera genital ou rectal não dolorosa, pequena, que não deixa cicatriz (estádio primário);
- disseminação regional (estádio secundário) e;
- lesão tecidual com regressão ou possíveis sequelas (estádio terciário).
Cerca de 2 a 6 semanas após a lesão do estádio primário, surge linfadenopatia aguda inguinal unilateral e dolorosa, designada por “bubão”. Se a lesão do estádio primário for rectal, pode ocorrer proctite aguda hemorrágica ou dor abdominal ou lombar devido ao envolvimento dos gânglios retroperitoneais e pélvicos.
O estádio secundário é habitualmente acompanhado de sintomatologia sistémica, como febre, mialgias e cefaleias. Em 1/3 dos casos associados a surgimento de bubões poderá verificar-se drenagem espontânea; nos restantes, involução lenta.
Na maioria dos casos há regressão da doença no estádio terciário. Contudo, numa minoria, surge infecção anorrectal persistente, desenvolvendo-se uma inflamação crónica e fibrose, com diversas consequências: úlceras genitais crónicas, fístulas, estenoses rectais e elefantíase genital.
Diagnóstico
O método diagnóstico de referência da infecção por Chlamydia trachomatis em lactentes e crianças é o exame cultural. Segundo o CDC, pretende-se o isolamento do microrganismo em cultura de tecidos e confirmação ulterior através da identificação, por microscopia, das inclusões citoplasmáticas típicas. As amostras, que podem ser conjuntivais, nasofaríngeas, vaginais ou rectais, devem conter epitélio colunar da mucosa em vez de exsudado.
A citologia é utilizada principalmente para o diagnóstico de conjuntivite. As inclusões citoplasmáticas de Chlamydia trachomatis contêm glicogénio, o qual pode ser identificado com a coloração Giemsa nos raspados conjuntivais em 90% das crianças com conjuntivite. Nas situações de tracoma, tal identificação é viável apenas em 10% a 30% dos casos.
A técnica de amplificação de ácidos nucleicos (TAAN) é um instrumento com sensibilidade e especificidade elevadas para o diagnóstico de infecções genitais.
Existem actualmente três testes disponíveis e aprovados pela FDA: polymerase chain reaction, transcription-mediated amplification e strand displacement amplification. A sua utilização em crianças ainda não se encontra aprovada, embora os dados disponíveis sugiram que existe equivalência com o exame cultural em amostras conjuntivais e nasofaríngeas de crianças com conjuntivite.
Outro método de diagnóstico, com sensibilidade e especificidade elevadas, e que pode ser utilizado em amostras de esfregaços conjuntivais ou faríngeos, é constituído pelos testes directos com anticorpos fluorescentes utilizando anticorpos monoclonais conjugados com fluoresceína para identificação de antigénios.
O estudo serológico classicamente tem indicação em estudos populacionais. |
2. CHLAMYDIA (CHLAMYDOPHILA) PNEUMONIAE
Importância do problema e aspectos epidemiológicos
Chlamydia (Chlamydophila) pneumoniae é uma causa frequente de infecção respiratória na idade escolar e na adultícia jovem (tal como o agente Mycoplasma). Transmite-se de pessoa para pessoa através de secreções infectadas do tracto respiratório, sendo desconhecido qualquer reservatório animal. A infecção inicial ocorre mais frequentemente entre os 5 e 15 anos de idade, sendo a recorrência comum.
Podendo eliminar-se até cerca de 1 ano após a infecção, verifica-se uma frequência de colonização na idade escolar da ordem de 5% a 25%, e uma incidência muito aproximada de 100 casos por 100.000 habitantes.
Com um período de incubação médio de 21 dias, de acordo com diversos estudos, a infecção respiratória por C. pneumoniae tem sido associada a hiperreactividade brônquica.
Diversos estudos têm sugerido um papel importante do agente C. pneumoniae na patogénese da doença cardiovascular aterosclerótica com base numa prevalência elevada de anticorpos anti-C. pneumoniae nos doentes com tal patologia. Contudo, não está provado cientificamente o benefício da utilização de antibioticoterapia, quer quanto à redução da placa aterosclerótica, quer quanto à redução significativa de eventos coronários.
Manifestações clínicas
As infecções por C. pneumoniae são em geral assintomáticas ou associadas a manifestações ligeiras. Incluem uma variedade de nosologias, mais frequentemente, pneumonia e bronquite e, menos frequentemente, faringite, laringite, rinossinusite e otite média aguda.
Caracterizada por febre, mal-estar, cefaleia, tosse e faringite, o curso da doença é prolongado, podendo a tosse persistir até 2 a 6 semanas, e apresentar uma evolução bifásica.
O quadro clínico de pneumonia, com roncos, fervores e sibilâncias, é semelhante ao da infecção por Mycoplasma. Nos casos de crianças com doença das células falciformes, poderá surgir forma grave acompanhada de síndroma torácica aguda. A radiografia torácica, inespecífica, pode evidenciar sinais de infiltrado hilífugo bilateral.
Como manifestações extrapulmonares têm sido descritas as seguintes situações: eritema nodoso, irite, meningoencefalite, síndroma de Guillain-Barré, artrite reactiva e miocardite.
A coinfecção por Streptococcus pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae e vírus respiratórios é frequente.
Diagnóstico
Não existe nenhuma prova completamente confiável para o diagnóstico desta infecção.
O diagnóstico laboratorial específico consiste no seu isolamento em cultura a partir de amostras de secreções obtidas por zaragatoas da nasofaringe posterior; podem também ser utilizadas amostras de expectoração, lavado broncoalveolar ou líquido pleural.
As TAAN baseadas na reacção em cadeia da polimerase (PCR) em tempo real evidenciam sensibilidade e especificidade elevadas. Contudo, na fase actual não estão comercializadas.
O método serológico por microimunofluorescência (MIF) é o mais sensível e específico. Para o diagnóstico de infecção aguda estão definidos os seguintes critérios: um título de IgM igual ou superior a 1:16, ou um aumento 4 vezes do título de IgG.
Na infecção primária:
- a IgM surge aproximadamente 2 a 3 semanas após o início da infecção e;
- a IgG não atinge o pico máximo antes das 6 a 8 semanas.
Importa salientar que a terapêutica antimicrobiana precoce poderá suprimir a resposta imunológica.
3. CHLAMYDIA PSITTACI
Importância do problema e aspectos epidemiológicos
Chlamydia psitacci é o agente etiológico da psitacose (ou doença dos papagaios – por afectar os papagaios) e ornitose (doença infecciosa que afecta outras aves como galinhas, pombos, perus, araras, patos).
As aves são, pois, o principal reservatório de Chlamydia psittaci, embora tal microrganismo também possa infectar mamíferos, como ovelhas, cabras, gado e gatos.
Estas clamidoses constituem, assim, um perigo biológico para a saúde humana e uma ameaça económica à indústria avícula.
O período de incubação, variando entre 5 a 14 dias, pode ser mais prolongado.
Trata-se de doenças de distribuição mundial, esporádicas, podendo, contudo, surgir em surtos. A infecção é adquirida habitualmente pela inalação de aerossóis de secreções respiratórias, oculares, ou de fezes ou urina, dos animais infectados.
Os indivíduos com maior risco são trabalhadores em explorações avículas, matadouros de aves e funcionários de lojas de animais. A importação e tráfico ilegal de aves exóticas estão associados a um aumento da incidência porque a infecção, habitualmente no estado latente, é activada por factores de estresse como sobrelotação, subnutrição, transporte ou outras infecções provocadas por outros microrganismos. Pode também ser transmitida a partir de animais assintomáticos, com sintomatologia ligeira ou durante longos períodos após a recuperação da doença. A transmissão entre pessoas não foi demonstrada.
Na idade pediátrica, a infecção é rara. Entre 1990 e 2008 foram reportados ao CDC 756 casos de psitacose, com uma proporção de 9% em idade inferior a 20 anos.
Manifestações clínicas
Esta clamidose (que pode ser assintomática) manifesta-se habitualmente com sinais de infecção respiratória aguda associada a sintomatologia sistémica, de grau variável, incluindo febre, tosse não produtiva, cefaleia, mialgias, calafrios, diarreia, vómitos e hepatomegália.
Através do exame objectivo comprova-se eritema faríngeo, fervores crepitantes ou outras alterações da auscultação pulmonar.
A radiografia do tórax poderá evidenciar sinais de infiltrados exuberantes, em desproporção com os sinais auscultatórios verificados; em tais circunstâncias, o quadro clínico-radiológico é compatível com pneumonia atípica.
Raramente poderão surgir complicações, como eritema nodoso, pericardite, miocardite, endocardite, tromboflebite superficial, hepatite e encefalite.
Em suma, e na prática, o diagnóstico desta clamidose pode ser admitido em face da verificação de febre, cefaleia, mialgias e tosse seca num paciente em contacto com aves.
Diagnóstico
Dado que o exame cultural (do sangue ou de amostras respiratórias – expectoração ou líquido pleural) somente está disponível em laboratórios especializados, o diagnóstico de psitacose/ornitose é estabelecido fundamentalmente com base:
- em provas serológicas; de preferência, recomenda-se a detecção de anticorpos por MIF, requerendo-se um aumento 4 vezes dos níveis de IgG- idealmente em intervalo de 4-6 semanas-, ou valores de IgM ≥ 32. Em alternativa, a prova de fixação do complemento. De salientar que o tratamento antimicrobiano poderá retardar ou diminuir a resposta imunológica.
- detecção de ADN de Chlamydia psittaci por PCR.
Tratamento e prevenção das clamidoses descritas
A seguir, são descritas, de modo sucinto e encadeado, as principais bases do tratamento e da prevenção.
Tratamento
No que respeita ao tratamento antimicrobiano, o Quadro 1 integra o esquema a utilizar em cada entidade clínica (referindo-se que existem variantes de actuação descritas na literatura científica): são considerados respectivamente os fármacos de eleição, e as alternativas, estas últimas, designadas antes do nome por “Ou”.
QUADRO 1 – Bases do tratamento antimicrobiano das infecções por Chlamydia.
Notas importantes |
→ C. trachomatis |
Conjuntivite do RN e pneumonia do lactente Tracoma* Infecções genitaisA Na grávida Linfogranuloma venéreo (LGV) |
→ C. pneumoniae |
Pneumonia atípica Eritromicina base ou Eritromicina etilsuccinato: 50 mg/kg/dia po em 4 doses, 14 dias, Ou Azitromicina: 20 mg/kg/dia, em dose única po, 3 dias Doxiciclina (se > 8 anos): 2-4 mg/kg/dia po em 2 doses (máx. 200 mg/dia), 10-14 dias |
→ C. psittaci |
Psitacose Doxiciclina (se > 8 anos): 4 mg/kg/dia po em 2 doses (máx. 200 mg/dia), (mínimo de 10 dias e até mais 10-14 dias após remissão da febre, Ou AzitromicinaB ou Eritromicina nos casos de gravidez ou de idade < 8 anos |
Medidas preventivas
No que respeita às principais medidas preventivas, dá-se ênfase às que se relacionam com infecções por C. trachomatis e C. psittaci.
C. trachomatis
Relativamente à profilaxia da conjuntivite por C. trachomatis, a OMS recomenda, a todos os recém-nascidos, profilaxia ocular tópica com uma das seguintes opções, escolhidas com base nos padrões de resistência locais: – aplicação tópica em ambos os olhos, imediatamente após o parto de cloridrato de tetraciclina 1%, ou eritromicina 0,5%, ou cloranfenicol 1%, ou solução de iodopovidona 2,5%, ou nitrato de prata 1%; quanto à aplicação tópica dos dois últimos compostos (incluindo iodo e prata, respectivamente), os resultados de diversos estudos demonstram que existe um benefício superior ao risco, de possível desenvolvimento de conjuntivite não-infecciosa.
De referir, contudo, que alguns autores desaconselham profilaxia tópica em RN de mães infectadas.
Quanto à prevenção das infecções genitais no âmbito de população com comportamento de risco, sintetizam-se as seguintes normas gerais:
- os parceiros sexuais (contacto de parceiro aparentemente saudável com outro doente ou suspeito) devem ser avaliados e tratados em caso de relações dentro do período de 60 dias precedendo o início dos sintomas;
- havendo contacto de parceiro doente com parceiro saudável, recomenda-se ulteriormente abstenção de relações por período mínimo de 7 dias, quer após regime de tratamento antimicrobiano com dose única de 1 dia, quer após esquema de tratamento diário durante 7 dias;
- rastreio anual de C. trachomatis (ou com maior frequência em função do grau de comportamento de risco dos parceiros) incidindo designadamente sobre: – adolescentes do sexo feminino, sexualmente activas; – todas as mulheres entre 20-25 anos; – todas as mulheres com > 25 anos com comportamentos de risco.
C. psittaci
Antes de sistematizar as principais medidas de contenção da clamidíase provocada por esta bactéria (medidas com particularidades, podendo variar em países ou regiões), e incidindo essencialmente sobre pessoas que lidam com aves (por ex. em aviários, na criação e transporte de aves) importa salientar que tal agente, vulnerável ao calor e à maior parte dos desinfectantes e detergentes, é resistente aos ácidos e alcalis:
- identificação das fontes de infecção, divulgando ulteriormente o facto junto do pessoal exposto;
- nos actos de compra e venda de aves, assim como na exposição em eventos ou feiras, as mesmas deverão ser isoladas nos 30 a 45 dias anteriores, para vigilância, eventuais análises e/ou tratamento profiláctico, sob tutela do médico-veterinário;
- higiene rigorosa quanto ao manuseamento de material fecal e comida das aves, evitando contacto directo;
- formação do pessoal envolvido, com chamada de atenção para sinais de alerta de doença nas aves, tais como exsudado ocular, dejecções diarreicas, défice ponderal, etc.;
- uso de fato para isolamento e de máscaras, próprios (a clássica máscara cirúrgica é insuficiente) nos casos de contactos com aves doentes com indicação de tratamento, as quais deverão ser isoladas durante 45 dias.
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