Definição e importância do problema
A tosse convulsa típica é uma doença infecciosa aguda do tracto respiratório provocada pela bactéria Gram-negativa Bordetella pertussis e, menos frequentemente, parapertussis.
Doença altamente contagiosa, é caracterizada fundamentalmente por acessos curtos e súbitos de tosse, por vezes emetizante; conhecida no Oriente por tosse dos 100 dias, só foi descrita no século XVI e apenas no século XIX isolado o agente Bordetella pertussis. Acompanha-se de morbilidade e mortalidade importantes, especialmente em crianças com idade inferior a três meses.
A tosse convulsa na era pré-vacinal era uma doença quase exclusiva da criança em idade pré-escolar e escolar. A vacinação universal contra a referida doença teve influência na epidemiologia que se traduziu por desvio etário. De facto, a doença actualmente atinge o pequeno lactente não vacinado ou incompletamente vacinado, o adolescente e o adulto jovem; como facto relevante regista-se que nos últimos anos se tem verificado uma incidência crescente. Apesar de uma taxa de cobertura vacinal elevada (86% a nível mundial em 2014), continua a ser um importante problema de saúde pública.
De acordo com estatísticas da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2008 ocorreram cerca de 16 milhões de casos de tosse convulsa no mundo, dos quais mais de 95% ocorreram em países em vias de desenvolvimento, resultando na morte de 195.000 crianças. Em 2014 foram reportados 139.786 casos em todo o mundo, estimando-se o número de 89.000 mortes pela doença.
Aspectos epidemiológicos
A tosse convulsa é uma doença endémica em todo o mundo, com ciclos epidémicos que ocorrem a cada quatro a cinco anos, com duração aproximada de 12 a 18 meses, o que sugere que a vacinação não impede a circulação do agente.
Sendo o agente Bordetella pertussis patogénico humano exclusivo, o contágio faz-se através do contacto com gotículas do tracto respiratório de indivíduos com a doença. O grau de contagiosidade é extremamente elevado, podendo atingir 90%-100% dos contactos intradomiciliários susceptíveis. Mesmo em doentes imunocompetentes e vacinados, a percentagem de indivíduos com doença subclínica pode atingir 80%. Os portadores assintomáticos, descritos por vezes nos surtos, não são responsáveis pela transmissão da doença, uma vez que não tossem activamente.
A generalização da vacinação contra Bordetella pertussis no início da década de 1940 traduziu-se por franco declínio do número de casos e mortes. Com efeito, nos Estados Unidos da América (EUA) a mortalidade passou de 155 para 0,5 mortes/100.000 habitantes; em Portugal, após a introdução da vacinação em 1965, passou de 55 para 3 mortes/100.000 habitantes.
Apesar da diminuição da incidência com a vacinação universal, nos últimos anos tem-se assistido à re-emergência da doença. Em Portugal as notificações passaram de 32 casos durante o ano de 2011, para 225 em 2012, dos quais, 181 ocorreram durante o primeiro ano de vida e resultaram em 4 mortes. Em 2014 o número de casos voltou a diminuir: 74 casos.
O incremento das notificações poderá decorrer, não só do uso de exames de diagnóstico cada vez mais sensíveis, de programas de vigilância mais adequados, e da diminuição da subnotificação, mas também dum aumento real do número de casos.
Em Portugal, entre 2010 e 2013 (4 anos) foram notificados 385 casos, dos quais 309 (80%) ocorreram no primeiro ano de vida. Estes casos correspondem provavelmente a crianças contagiadas por adolescentes e adultos jovens que, por terem perdido a imunidade conferida pela vacina, adquiriram doença atípica, por vezes dificilmente diagnosticável. É de notar que a vacina não é 100% efectiva e a imunidade conferida pela vacina ou doença, não é permanente. As crianças nascem sem imunidade passiva para B. pertussis, o que significa que RN e lactentes são altamente vulneráveis até que o esquema vacinal se complete, em geral aos 6 meses de idade.
Etiopatogénese
O agente Bordetella pertussis é um coco-bacilo Gram-negativo, aeróbio, pleiomórfico, que sobrevive apenas algumas horas nas secreções respiratórias e que necessita de meios especiais para cultura, sendo os humanos o seu reservatório exclusivo. Pertence ao género Bordetella, o qual engloba oito espécies adicionais: Bordetella parapertussishu (infectando humanos), Bordetella parapertussisov (infectando ovelhas), Bordetella bronchiseptica (que causa doença respiratória em imunocomprometidos), Bordetella avium, Bordetella hinzii, Bordetella trematum, Bordetella holmesii e a mais recentemente descrita Bordetella petrii. Apesar de filogeneticamente semelhantes, estas espécies têm diferentes hospedeiros.
A transmissão ocorre por inalação de gotículas infectadas com Bordetella pertussis. Esta bactéria adere ao epitélio ciliado da nasofaringe, multiplica-se e dissemina-se pelo epitélio ciliado das vias aéreas inferiores. Num pequeno número de casos pode atingir o alvéolo e provocar pneumonia.
Os aspectos moleculares e celulares da patogénese da infecção por Bordetella pertussis são muito complexos e alguns ainda mal conhecidos. Esta bactéria produz diversas substâncias biologicamente activas (Quadro 1), com capacidade antigénica e de virulência, o que tem como resultado lesão celular, doença sistémica e interferência com os mecanismos de defesa do organismo. Muitas destas substâncias activas são imunogénicas e têm sido incluídas como componentes das vacinas acelulares disponíveis no mercado.
QUADRO 1 – Bordetella pertussis (Bp): alguns componentes moleculares biologicamente activos.
Componentes antigénicos | Actividade biológica |
|
|
Com o tempo têm sido identificadas alterações genéticas relacionadas com os certos componentes antigénicos, nomeadamente PT, PTN e fimbriae. |
FHA e alguns aglutinogénios (especialmente fimbriae tipos 2 e 3 e pertactina) são fundamentais para a adesão da bactéria às células epiteliais respiratórias. TCT e PT inibem provavelmente o processo de depuração da bactéria; por sua vez, TCT, HLT e DNT são responsáveis pela lesão epitelial (que origina sinais e sintomas respiratórios), permitindo a absorção de PT.
Os genes que determinam a virulência das várias espécies têm afinidades em termos de ADN, sendo que somente o germe B. pertussis produz PT.
Manifestações clínicas
Na sua forma típica (clássica) os sinais e sintomas são muito sugestivos. O diagnóstico de tosse convulsa é, pois, essencialmente clínico, sendo necessário um grau de suspeição elevado, nomeadamente quando a apresentação é atípica.
Nas formas típicas o diagnóstico é fácil, permitindo o início da terapêutica antes da confirmação laboratorial.
Após um período de incubação habitualmente de 7 a 10 dias (pode prolongar-se até 20 dias), a doença, na sua descrição clássica, tem 3 fases distintas:
- Fase catarral, com duração de 1-2 semanas, caracterizada por rinorreia serosa e obstrução nasal, acompanhadas por tosse seca esporádica (a partir da segunda semana) e lacrimejo. A febre é inconstante e, quando presente, é baixa. Ao contrário das outras infecções do tracto respiratório superior, ao fim destes 10-14 dias há um aumento da intensidade e frequência da tosse.
- Fase paroxística, com duração de 2-8 semanas, caracterizada por aumento gradual dos acessos de tosse os quais passam a ocorrer, tal como foi referido antes, em paroxismos típicos e muito característicos, com uma série de acessos de tosse no mesmo ciclo expiratório, muitas vezes acompanhados por engasgamento, protusão da língua, cianose e plétora facial, ocorrendo frequentemente vómito pós-tússico; tais acessos são seguidos por um “guincho ou silvo” inspiratório característico, que corresponde à passagem de ar pela glote, ainda parcialmente encerrada.
Estes episódios, que podem ser espontâneos ou desencadeados por estímulos (como a alimentação ou frio), aumentam de frequência e intensidade ao longo da primeira e segunda semanas desta fase; estabilizam nas 2 a 3 semanas seguintes e diminuem gradualmente nas semanas que se seguem. As possíveis complicações da doença, descritas adiante, ocorrem nesta mesma fase.
A contagiosidade é máxima durante a fase catarral e nas 2 primeiras semanas da fase paroxística. - Fase de convalescença, pode durar semanas a meses, ao longo das quais ocorre diminuição progressiva da tosse.
Nas formas atípicas (ocorrendo em geral no pequeno lactente) a fase catarral está muitas vezes ausente ou é muito curta. Os paroxismos de tosse com congestão facial podem surgir apenas durante as refeições, estando a criança assintomática nos intervalos, e sendo o guincho característico muito pouco comum. No entanto, as complicações da doença, nomeadamente a apneia e bradicárdia, são mais frequentes.
No adolescente e adulto jovem, na maioria dos casos, a doença é atípica, manifestando-se por tosse persistente, o que dificulta o diagnóstico. Apesar de nestas faixas etárias a forma clínica ser benigna, é real o contágio ao lactente não vacinado ou sem primo-vacinação completa.
Em suma, o diagnóstico deverá ser ponderado em qualquer criança com tosse com a duração de, pelo menos, 14 dias, especialmente se não coexistir febre, exantema, enantema, e rouquidão. (Figura 1)
FIGURA 1. Cronologia da sintomatologia e exames complementares.
Complicações
As complicações mais graves da doença ocorrem na fase paroxística e decorrem essencialmente da hipóxia ou do aumento de pressão venosa por mecanismo semelhante ao da manobra de Valsalva durante os acessos de tosse. São muito mais frequentes nas crianças com idade inferior a três meses. A complicação mais comum é a pneumonia secundária (cerca de 13%), mas são descritas outras:
- Complicações do SNC: convulsões, encefalopatia, hemorragia subaracnoideia e intraventricular, síndroma de secreção inapropriada de hormona antidiurética.
- Complicações nutricionais por vómitos, diminuição da ingesta e desidratação.
- Complicações cárdio-respiratórias: apneia, bradicárdia, cianose, hipertensão pulmonar, pneumotórax, pneumonia primária.
- Outras complicações: hemorragias conjuntivais, petéquias da face e tronco, epistaxe, hérnia umbilical e inguinal, prolapso rectal, laceração do freio da língua.
A tosse convulsa maligna, com evolução muito rápida, caracteriza-se por uma combinação de pneumonia, falência respiratória, leucocitose grave, envolvimento neurológico e hipertensão pulmonar. Culmina em morte em 75% dos casos apesar das medidas terapêuticas intensivas.
Exames complementares
Na tosse convulsa, o hemograma típico da fase catarral demonstra muitas vezes um valor aumentado dos leucócitos (15.000-100.000 cél/µL) com linfocitose e sem eosinofilia (como acontece na infecção por Chlamydia trachomatis). Os valores de linfocitose estão directamente relacionados com a gravidade da doença.
A radiografia do tórax poderá não evidenciar qualquer sinal de alteração, ou pode apresentar infiltrados peri-hilares inespecíficos ou atelectasia.
Embora o diagnóstico de tosse convulsa seja clínico, existem vários exames para confirmação da infecção:
- Exame cultural
Apesar de continuar a ser considerado o método gold standard para o diagnóstico, o exame cultural tem vindo a ser substituído pelas técnicas de biologia molecular. Isto, porque a sua sensibilidade é baixa (especialmente após a fase catarral), o que se deve às características delicadas do agente e à difícil técnica de colheita.
Recorda-se a propósito que o local de eleição para recolha do material deve ser a nasofaringe e não as fossas nasais, e que existe necessidade de zaragatoas específicas e de meios de transporte e cultura particulares. Além da baixa sensibilidade, o tempo de resposta é mais longo em comparação com os exames de biologia molecular. - Polimerase Chain Reaction (PCR) ou reacção em cadeia da polimerase
A utilização desta técnica de diagnóstico molecular tem vindo a ser cada vez maior, com as seguintes vantagens: – possibilidade na obtenção de resultados mais precoces e de utilização até mais tarde no decurso da doença; – não influência da antibioticoterapia prévia; – elevada sensibilidade, uma vez que o resultado é independente de existirem microrganismos viáveis ou de um inóculo importante.
A sua maior limitação é a baixa especificidade. - Imunofluorescência directa
Esta ténica é usada para a detecção nas secreções respiratórias de Bordetella pertussis, através de anticorpos marcados. Com menor especificidade e sensibilidade do que o exame cultural e a PCR, é muito pouco utilizada, para além de que não é aceite como comprovativo de infecção. - Estudo serológico
A infecção por Bordetella pertussis desencadeia um aumento da concentração sérica de IgA e IgG para os antigénios de superfície (sendo que a IgM não tem significado diagnóstico na tosse convulsa). São necessárias duas colheitas de sangue para as serologias: uma na fase aguda e outra na fase de convalescença. A duplicação dos títulos de anticorpos (quantificação pelo método de ELISA) entre estas duas amostras tem elevada especificidade, apesar de fraca sensibilidade. Um valor de IgG anti-Bp >100 EU/ml também ajuda para o diagnóstico. De salientar, contudo, que permite o diagnóstico apenas nas semanas terminais da fase paroxística ou na fase de convalescença. Outras limitações do estudo serológico são:
- diferente resposta individual, dependente da idade (crianças com menos de 3 meses podem não ter ainda capacidade imunológica para uma subida do título dos anticorpos);
- interferência nos resultados, decorrente de exposição prévia ao microrganismo ou aos seus antigénios pela vacinação, tornando extremamente difícil a sua aplicação e interpretação.
O Center for Disease Control (CDC) recomenda a seguinte combinação de exames complementares para a comprovação diagnóstica de tosse convulsa:
- Nas primeiras quatro semanas de doença (três semanas de tosse): cultura e PCR.
- Tosse com duração de três ou quatro semanas: PCR e estudo serológico.
- Tosse com duração superior a quatro semanas: estudo serológico.
De notar que a tosse convulsa é uma doença de declaração obrigatória (DDO), devendo igualmente ser notificados todos os casos prováveis ou confirmados.
Diagnóstico diferencial
A infecção por Bordetella parapertussis é muito semelhante à doença provocada pela Bordetella pertussis. O hemograma (linfocitose igual ou superior a 10.000/uL é muito sugestiva de infecção por Bordetella pertussis); exames culturais ou PCR positivos para B. pertussis, permitirão o diagnóstico definitivo.
Outras infecções respiratórias que decorrem com tosse, por vezes acessual, podem dever-se a Chlamydia trachomatis, Chlamydia pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae, infecções por vírus respiratório sincicial, adenovírus e vírus parainfluenza.
Há ainda que considerar a tosse espasmódica que pode surgir no decurso de pneumonia bacteriana, fibrose quística, tuberculose, assim como nas situações de compressão extrínseca da traqueia e brônquios, ou de aspiração de corpo estranho. Nestes casos, uma anamnese cuidadosa e os exames complementares permitem, habitualmente, um diagnóstico diferencial rápido e correcto. (Quadro 2)
QUADRO 2 – Tosse convulsa (por B. pertussis): diagnóstico diferencial.
Infecções víricas |
Vírus sincicial respiratório (VSR); vírus parainfluenza; adenovírus; influenza A e B; rhinovirus; coronavírus |
Infecções bacterianas |
Bordetella parapertussis; Chlamydia trachomatis; Chlamydia pneumoniae; Mycoplasma pneumoniae |
Causas não infecciosas |
Refluxo gastresofágico, aspiração de corpo estranho |
Tratamento
As crianças com menos de 6 meses ou com doença grave requerem hospitalização. Os doentes deverão ser mantidos isolados (transmissão por gotículas – quarto individual e máscara) até 5 dias após o início da antibioticoterapia.
Os principais critérios para internamento são: incapacidade de alimentação, sinais de dificuldade respiratória (retracção intercostal, taquipneia e cianose), convulsões ou más condições sociais. Por vezes, principalmente na criança com menos de 3 meses, é necessário o internamento em unidades de cuidados intensivos. Nos casos de insuficiência respiratória e hiperleucocitose (> 50.000 leucócitos/uL) deverá ser avaliada a possibilidade de realização de ECMO (extra-corporeal membrane oxigenation).
O tratamento de suporte é fundamental, com suprimento calórico e fluidoterapia ajustados às necessidades, uma vez que tais doentes têm frequentemente extrema dificuldade em se alimentar.
A terapêutica antibiótica (resumida no Quadro 3) deve ser iniciada numa fase precoce, o que contribui para uma diminuição da gravidade e duração dos sintomas, assim como da transmissão da doença aos contactos susceptíveis. Deverá ser instituída se houver uma suspeita clínica fortemente sugestiva, não se esperando pela confirmação do diagnóstico através dos meios de diagnóstico atrás descritos.
Broncodilatadores, glicocorticóides e antitússicos não têm qualquer papel no tratamento da doença.
QUADRO 3 – Tratamento antimicrobiano da tosse convulsa.
Terapêutica Primária | Terapêutica Alternativa | |||
Grupo etário | Azitromicina | Eritromicina | Claritromicina | Cotrimoxazol TMP – SMX |
< 1 mês | 10 mg/kg/dia, 24/24h; 5 dias | Não recomendada | Não recomendada | Contraindicado em lactentes com < 2 meses |
1-5 meses | 10 mg/kg/dia, 24/24h; 5 dias | 40 a 50 mg/kg/dia, 6/6h; 14 dias | 15 mg/kg/dia, 12/12h; 7 dias |
> 2 meses: Cotrimoxazol TMP 8/SMX 40 mg/Kg/dia 12/12h; 14 dias |
> 6 meses | D1: 10 mg/kg/dia (máximo: 500 mg) D2-5: 5 mg/kg/dia (máximo: 250 mg) 24/24h |
40 a 50 mg/kg/dia, 6/6h, (máximo: 2 g/dia); 14 dias | 15 mg/kg/dia,12/12h (máximo: 1 g/dia); 7 dias |
Cotrimoxazol TMP 8/SMX 40 mg/Kg/dia 12/12h 14 dias |
Adolescentes/ Adultos | D1: 500 mg D2-5: 250 mg 24/24h |
2000 mg/dia 8/8h; 14 dias |
1000 mg/dia 12/12h; 7 dias |
Cotrimoxazol TMP 320/SMX 1600 mg/dia 12/12h 14 dias |
Com o objectivo de evitar a transmissão secundária, para além do tratamento do caso índex, é recomendada a profilaxia dos contactos íntimos com macrólido, independentemente da idade e do estado vacinal. Nas crianças com idade igual ou inferior a 6 anos e com atraso vacinal deve ser actualizado o esquema de vacinação.
Prevenção
A imunização universal de crianças, começando na primeira infância e com reforços periódicos, constitui a base essencial da contenção da doença por B. pertussis.
Efectivamente, nos países industrializados a introdução da vacina na década de 40 permitiu uma diminuição da incidência da doença, da sua morbilidade e mortalidade. A primeira vacina utilizada foi a de célula completa Pw (DTPw ou vacina antipertussis associada à antidiftérica e antitetânica).
No entanto, pelo elevado número de efeitos adversos associados, foi interrompida nalguns países. Este procedimento teve consequências: recomeçaram grandes epidemias de tosse convulsa.
Os estudos epidemiológicos subsequentes demonstraram que o risco da doença excedia largamente o risco da vacinação, pelo que a DTPw foi reintroduzida na maioria dos países que a tinham suspendido. Grande parte das reacções adversas à DTPw deve-se ao seu conteúdo em endotoxina.
De forma a contornar esta problemática, surgiram as vacinas acelulares (DTPa), nas quais são utilizados apenas alguns antigénios da Bordetella pertussis, o que consequentemente levou a menor frequência de reacções adversas, conquanto associada a menor imunogenicidade e eficácia relativamente à DTPw. Assim, a DTPa não está recomendada em crianças com mais de 7 anos.
Os objectivos para o controlo da tosse convulsa a nível europeu estão definidos pela OMS desde 1993; entre outros, atingir em cada país a incidência inferior a 1/100.000. Portugal atingiu essa taxa em 1997, passando de 1,6 para 0,34/100.000. De salientar que, com tal estratégia, o nível de endemicidade manteve-se, com picos regulares.
Em Portugal, em 1965 foi introduzida no PNV a vacina combinada contra a tosse convulsa do tipo célula inteira (DTPw), sendo substituída em 2006 pela vacina pertussis acelular (DTPa).
Entretanto, passou a verificar-se o chamado efeito perverso da vacinação, com desvio etário da doença, quer no pequeno lactente não vacinado ou incompletamente vacinado, quer nos adolescentes e adultos.
Com o desenvolvimento da tecnologia, começaram a surgir vacinas acelulares com menor dose antigénica (símbolo pa em oposição ao convencional Pa) (Boostrix®), e com uma imunogenicidade semelhante à das vacinas utilizadas para a vacinação primária (DTPa), podendo ser utilizadas no adolescente e adulto em função da realidade epidemiológica local ou regional.
As estratégias a adoptar para controlo da re-emergência da tosse convulsa não consensuais, começaram a ser adoptadas nalguns países:
1. Vacinação da grávida
A passagem transplacentar de anticorpos é máxima às 34 semanas de gravidez. Embora a correlação entre os níveis de anticorpos e a seroprotecção não esteja ainda estabelecida, admite-se que aquela confere protecção passiva no primeiro mês de vida.
Desde 2012 os EUA e o Reino Unido adoptaram a vacinação de grávidas contra a tosse convulsa entre as 28 e as 38 semanas de gestação. Os estudos realizados pelos programas de vigilância de efeitos adversos destes países demonstraram que a vacina é segura e altamente eficaz na protecção do recém-nascido e pequeno lactente.
A vacinação da grávida parece ser a medida mais eficaz na prevenção da tosse convulsa em lactentes com menos de três meses; no entanto, é desconhecido se há interferência dos anticorpos maternos com a posterior resposta vacinal à DTPa no lactente.
2. Vacinação de recém-nascidos/antecipação da primovacinação
A imunização com DTPa no período neonatal parece interferir na resposta imunitária subsequente à tosse convulsa, não sendo recomendada. Antecipar a administração da DTPa para as 6 semanas tem sido proposto em vários países. Contudo, o impacte desta estratégia não está bem estabelecido.
3. Vacinação selectiva de familiares e contactos próximos do recém-nascido (cocooning)
Vários estudos sugerem que os lactentes são infectados pelos conviventes familiares em mais de 75% dos casos. Apesar de o efeito desta estratégia não estar ainda bem definido, a OMS recomenda a vacinação de adultos que tenham contacto próximo com recém-nascidos. Esta estratégia já foi adoptada na Austrália, EUA, França e Alemanha, sendo muito difícil de concretizar, não parece ser suficiente para diminuir a morbilidade no lactente pequeno nem a incidência global da doença.
4. Vacinação de adolescentes e adultos
Diminuir a doença nos adolescentes não parece trazer benefícios na redução de doença em lactentes. Tal facto poderá estar relacionado com a baixa cobertura vacinal ou com a reduzida interacção entre adolescentes e crianças. Por outro lado, o declínio da imunidade 6-10 anos após a vacinação na adolescência poderá levar a um aumento da susceptibilidade dos adultos em idade fértil. Para contornar esta problemática, alguns países sugerem reforços dos adultos a cada 10 anos com dTpa.
5. Vacinação selectiva de profissionais de saúde
São vários os estudos que têm sido publicados sobre surtos de infecção nosocomial em unidades de saúde, tendo os profissionais de saúde papel importante no contágio aos lactentes.
A OMS recomenda a vacinação dos profissionais de saúde, especialmente, de unidades de cuidados intensivos neonatais e maternidades. No entanto, não há estudos que avaliem o impacte desta medida.
Salienta-se que nenhuma das cinco estratégias descritas tem impacte significativo na redução global da doença e na morbilidade. Assim, perante o conhecimento actual, e de acordo com as recomendações internacionais (CDC e OMS), a comissão de vacinas da Sociedade de Infecciologia Pediátrica da Sociedade Portuguesa de Pediatria recomenda:
- A vacinação de jovens pais e conviventes que desejem reduzir o risco de infecção para os próprios e para os recém-nascidos com quem covivem;
- A vacinação de grávidas durante o terceiro trimestre (entre as 28 e 36 semanas da gravidez) durante surtos, tal como o que ocorre actualmente na Europa;
- A vacinação de adolescentes e adultos como medida de protecção individual.
Em suma, para avaliar o impacte de qualquer das estratégias abordadas, deverá existir um programa nacional de vigilância epidemiológica. Por outro lado, torna-se fundamental alcançar coberturas vacinais elevadas para garantir resultados eficazes em todos os grupos submetidos a vacinação na tentativa de eliminação da doença.
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