Definição e importância do problema

As síndromas de Ehlers-Danlos (SED) constituem um espectro clínica e geneticamente heterogéneo de afecções do tecido conectivo resultante de mutações nos genes que determinam a síntese do colagénio; trata-se duma genodermatose/conectivopatia congénita. Tal situação apresenta como características fundamentais, alteração da integridade dos tecidos de suporte do organismo, a qual tem como consequência hiperelasticidade cutânea, hipermobilidade articular e fragilidade das estruturas teciduais.

Estimando-se uma prevalência aproximada de 1/5.000 indivíduos, independente de sexo, raça ou área geográfica, a SED é a afecção mais frequente do tecido conectivo, incluída nalguns livros de texto nos capítulos de abordagem de “alterações vasculares” ou de “doenças da derme”.

De referir que, pelo amplo espectro de manifestações (desde formas oligossintomáticas a formas exuberantes), algumas formas poderão ser subdiagnosticadas. A forma mais grave é a hiperlaxidão vascular que poderá culminar em rupturas arteriais.

Manifestações clínicas

Cutâneas

A pele é fina, de aspecto atrófico e hiperelástica, excepto na SED IV. Verifica-se pregueamento excessivo da pele ao deslizar-se o dedo do observador sobre a mesma, voltando à posição inicial ao cessar o estiramento, ao contrário do que acontece com a cutis laxa em que o pregueamento se mantém.

Nas áreas de atrito, como cotovelos, joelhos ou regiões pré-tibiais, a pele tem aspecto brilhante, por vezes hiperpigmentada, com frequentes cicatrizes de aspecto papiráceo ou de papel de fumar.

Articulares e ósseas

A hipermobilidade articular, característica da doença, predispõe a lesões ligamentosas e luxações recidivantes que poderão conduzir a artroses.

Tal hipermobilidade pode ser objectivada mediante a escala de Beighton, baseada em cinco manobras exploratórias: a) a extremidade do primeiro dedo da mão pode ser colocada de modo passivo sobre a face anterior do antebraço (1 ponto para cada lado); b) a dorsiflexão passiva do 5º dedo da mão é inferior a 90º (1 ponto para cada mão); c) o cotovelo hiperestende-se mais de 10º (1 ponto para cada cotovelo); d) o joelho hiperestende-se mais de 10º (1 ponto para cada joelho); e) a flexão do tronco com os joelhos em extensão permite que as palmas se estendam no solo (1 ponto).

Com base nestes parâmetros de avaliação, considera-se hipermobilidade nos casos com pontuações iguais ou superiores a 5/9.

Os pés planos e a escoliose fazem também parte das manifestações articulares das SED. Poderá verificar-se igualmente osteopénia.

Outras

A fragilidade das estruturas vasculares explica o frequente aparecimento de hematomas secundários a traumatismos mínimos, assim como o aumento do tempo de hemorragia e a tendência hemorrágica em intervenções cirúrgicas e extracções dentárias.

Classificação

Segundo a classificação actual, consideram-se os seguintes tipos de SED:

  • Clássico (incluindo os anteriores tipos I e II): caracteriza-se por hiperelasticidade e fragilidade cutâneas, prolapso mitral, assim como hipermobilidade articular.
    Outras manifestações cutâneas incluem pseudotumores moluscóides que resultam da acumulação de gordura no tecido conectivo; e, igualmente, as chamadas pápulas piezogénicas que traduzem herniação de gordura para a derme, observáveis designadamente nos pés e região calcaneana.
    Com transmissão autossómica dominante/AD, o defeito molecular resultante de mutações nos genes COL1A1, COL5A1 e COL5A2 traduz-se por alteração na estrutura nas cadeias alfa-1 e alfa-2 do colagénio V. A esperança de vida não está reduzida;
  • Com hipermobilidade (correspondendo ao anterior tipo III): caracteriza-se por hipermobilidade articular quase exclusivamente, tem uma fraca expressão dérmica, não se verificando fragilidade tecidual; também dor musculoesquelética e osteoartrite associadas desde a fase inicial. De transmissão AD ou AR, resultante de mutações no genes COL3A1, o defeito molecular, não completamente esclarecido, poderá relacionar-se com a formação duma molécula – tenascina-X (TNX) a partir do colagénio;
  • Vascular (correspondendo ao anterior tipo IV – arterial equimótico), de transmissão AD, resultante de mutações no genes COL3A1, levando à redução da síntese de colagénio III: corresponde à forma mais grave, com fragilidade vascular e tecidual importantes conduzindo a ruptura espontânea das grandes artérias, vísceras ocas, útero, o que diminui a esperança de vida. Nas mulheres grávidas um dos riscos é a ruptura uterina com consequente parto prematuro e elevada morbilidade.
    Ao contrário do que acontece nas formas clássicas, neste tipo a pele não é hiperelástica, mas sim hipotrófica (fina, frágil e translúcida), com elevada incidência de cicatrizes quelóides, e a hipermobilidade articular somente afecta as pequenas articulações;
  • Cifoscoliótico (correspondendo ao anterior tipo VI), de transmissão AR: caracteriza-se por hiperelasticidade cutânea, hipermobilidade articular, hipotonia muscular neonatal grave, cifoscoliose progressiva, (hábito semelhante ao da síndroma de Marfan), osteopénia com risco de fracturas. Por córnea frágil existe risco de ruptura do globo ocular. O defeito molecular, por mutação no gene PLOD, traduz-se em défice de lisil-hidroxilase que pode ser demonstrada por diagnóstico pré-natal através do doseamneto em amniócitos; no RN a actividade da lisil-hidroxilase pode ser avaliada em cultura de fibroblastos na derme;
  • Com artrocalázia (correspondendo aos anteriores tipos VII A e VII B), resultante de mutações no genes COL1A1-tipo A e COL1A2-tipo B, levando à não clivagem do amino terminal do procolagénio de tipo I.
    O tipo A, com transmissão AD, é caracterizado por baixa estatura, hiperextensibilidade articular marcada, tendência para luxações articulares, hiperelasticidade dérmica moderada e osteopénia.
    O tipo B também se transmite de forma AD, caracteriza-se por hiperelasticidade da pele e marcada hipermobilidade articular;
  • Com dermatosparaxis (anteriormente tipo VII C): caracteriza-se por ruptura prematura das membranas, restrição do crescimento, membros curtos, atraso no encerramento das fontanelas, fragilidade cutânea, pele frágil e redundante, hérnias de grandes dimensões, laxidão articular e sinais dismórficos craniofaciais (micrognatia e globos oculares proeminentes); transmite-se de modo AR. Resultante de défice de N-peptidase do colagénio tipo I, origina não clivagem do amino terminal do procolagénio de tipo I;
  • Não classificados (anteriormente tipos V, VIII, X, XI, IX, e de forma progeróide caracterizada por hiperlaxidão cutaneoarticular, atraso mental, estatura baixa, aspecto símile progéria e periodontite).

Actualmente debate-se a existência independente doutras variedades de SED: o tipo V de transmissão ligada ao sexo, a forma VIII ou periodontótica, a forma X associada a deficiência de fibronectina, e outras formas inespecíficas.

A síndroma de Menkes, anteriormente classificada como SED IX, já não se inclui hoje neste grupo.

Exames complementares

O diagnóstico baseia-se na clínica. Em casos especiais recorre-se à biópsia cutânea para análise da ultraestrutura do colagénio mediante microscopia electrónica, análise da produção de colagénio anómalo por cultura de fibroblastos para avaliação da actividade da lisil-hidroxilase, ou detecção de mutações genéticas. Como foi referido antes, pode proceder-se ao diagnóstico pré-natal, indicado em função dos antecedentes familiares: determinação da lisil-hidroxilase.

Em função do contexto clínico e perante suspeita de osteopénia poderá proceder-se a absorciometria DEXA.

No contexto de SED do tipo vascular deve proceder-se ao ecocardiograma com periodicidade para excluir aneurisma aórtico.

A arteriografia está contra-indicada.

Diagnóstico diferencial

As SED podem ser confundidas com cutis laxa, mas as características de ambas as situações são diferentes. Nos casos de cutis laxa as pregas da pele são redundantes, enquanto na SED a pele é hiperextensível, voltando rapidamente à posição anterior quando deixa de se pinçar.

Na SED, pela fragilidade da pele, formam-se equimoses ou escoriações e hemorragias ao mínimo trauma. Nos casos de intervenções cirúrgicas, o risco de deiscência de suturas é muito acentuado.

A hipermobilidade articular pode ser observada noutras doenças do tecido conectivo.

Sempre que a anamnese e exame objectivo sugiram SED, está indicada avaliação prioritária com análise de sangue para detecção de mutação no gene COL5A1 como forma de rastreio. Se for positiva, confirma-se o diagnóstico de SED. Se for negativa, deve continuar-se com a detecção da mutação no gene COL5A2 que, sendo positiva, também confirmará o diagnóstico; se negativa, está indicada a biópsia da pele.

O diagnóstico diferencial de SED faz-se ainda com a síndroma de Marfan e síndromas de hipermobilidade articular familiar, entre outras entidades. (ver capítulos seguintes)

Tratamento

Não existindo tratamento específico, as medidas exequíveis dizem respeito a tratamento de suporte e a tratamento das complicações. Nesta perspectiva recomenda-se: – protecção mecânica das áreas de atrito; – evicção de desportos de contacto e de actividades com risco de traumatismo; – promoção de exercícios de descarga (natação) para fortalecer a musculatura e melhorar a estabilidade articular, etc..

A reparação cirúrgica das lesões e distensões ligamentosas graves é difícil, uma vez que os ligamentos suturados cicatrizam com dificuldade, o que obriga a reter os pontos de sutura o dobro do tempo habitual.

Alguns autores preconizam o uso de desmopressina para o tratamento de hemorragias perioperatórias. Actualmente nalguns centros utiliza-se o celiprolol, um beta-1 antagonista e beta-2 agonista que contribui para reduzir os eventos vasculares.

Nos casos de osteopénia confirmada está indicada a administração de vitamina D.

Haverá que informar as mulheres grávidas e os médicos obstetras sobre o risco de ruptura uterina nos casos de SED do tipo vascular.

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