Definição, etiopatogénese e importância do problema
O pericárdio engloba duas membranas (visceral e parietal), separadas por uma pequena quantidade de fluido. A pericardite (inflamação do pericárdio) pode ser aguda ou crónica (constritiva).
A pericardite aguda é geralmente devida a causas infecciosas e coexiste frequentemente com miocardite (miopericardite). Outras causas (menos frequentes) incluem doenças do colagénio, cirurgia cardíaca, drogas, traumatismos e insuficiência renal crónica.
Cerca de um terço dos casos de pericardite infecciosa é de etiologia vírica, nomeadamente por vírus Cocksackie e Adenovírus. A infecção por vírus da imunodeficiência humana provoca pericardite em 25% dos doentes afectados. As pericardites bacterianas ou purulentas resultam de infecções por Staphylococcus aureus e Haemophilus influenza. Em 10% dos casos de febre reumática pode haver envolvimento pericárdio.
No âmbito das doenças de colagénio, destacam-se a artrite reumatóide juvenil e o lúpus eritematoso sistémico, as quais podem cursar com pericardite em 50% dos casos.
A pericardite pós-cirurgia cardíaca (síndroma pós-pericardiotomia) é relativamente frequente e surge, em geral, quatro a cinco dias após a intervenção. A doença de Kawasaki provoca pericardite discreta em cerca de um terço dos casos. Fármacos como anticoagulantes, hidralazina e procainamida podem também provocar a doença. A frequência da pericardite na insuficiência renal crónica tem vindo a diminuir com a utilização generalizada da diálise. O hipotiroidismo e a radioterapia podem ser também causa.
A pericardite constritiva, cuja causa mais importante continua a ser a tuberculose, resulta de um espessamento do pericárdio; com efeito, a perda de elasticidade restringe o enchimento diastólico cardíaco.
Manifestações clínicas
A pericardite vírica existe num pródromo de doença respiratória ou gastrenterológica autolimitada, seguindo-se precordialgia, habitualmente acompanhada de febre. A precordialgia é de início súbito, agravando-se com a tosse, inspiração profunda e os movimentos, e aliviando com a flexão anterior do tronco.
Na auscultação cardíaca destaca-se apagamento dos tons cardíacos e a presença de sinais de atrito pericárdico. A intensidade do choque da ponta está diminuída. Nos casos associados a tamponamento cardíaco (por derrame pericárdico significativo), verifica-se a presença de pulso paradoxal (resultante do exagero da variação fisiológica da amplitude dos pulsos: maior na expiração e menor na inspiração).
Nos casos de maior gravidade, incluindo as pericardites constritivas, os doentes apresentam sinais e sintomas de congestão a montante (edema, hepatomegália, distensão venosa jugular) e baixo débito cardíaco. A tríade de Beck, patognomónica de tamponamento cardíaco, consiste em ingurgitamento jugular, hipotensão e apagamento dos tons cardíacos.
O diagnóstico de pericardite é feito pela existência de 2 ou mais dos seguintes critérios:
- Dor torácica típica;
- Atrito pericárdico na auscultação cardíaca;
- Alterações características do ECG;
- Presença de derrame pericárdico no ecocardiograma.
Exames complementares
Como se referiu relativamente às miocardites, existem várias técnicas laboratoriais de identificação vírica (no sangue, secreções ou líquido pericárdico).
A etiologia tuberculosa (mais frequente nos imunodeprimidos) deve ser cuidadosamente investigada. Nos casos em que seja necessária a drenagem cirúrgica, deve ser feito estudo por anatomia patológica.
O electrocardiograma apresenta alterações da repolarização: elevação do segmento ST, com ondas T altas e pontiagudas, em várias derivações; aplanamento ou inversão da onda T localizada nas derivações direitas ou generalizada. (Figura 1 e 2)
FIGURA 1. Alterações electrocardiográficas típicas na pericardite
A radiografia do tórax, nos casos agudos, não apresenta alterações. Nos casos com derrame pericárdico significativo, existem sinais de cardiomegália. (Figura 3)
FIGURA 2. Alterações electrocardiográficas no derrame pericárdico
FIGURA 3. Cardiomegália (por pericardite de etiologia tuberculosa) evidenciada em radiografia do tórax
O ecocardiograma é importante para a detecção e quantificação dos derrames pericárdicos e para avaliação das suas consequências hemodinâmicas. Outros meios complementares de diagnóstico como a RM e a TAC raramente têm interesse. O cateterismo cardíaco não tem indicação na avaliação da pericardite.
São indicação para observação em Cardiologia Pediátrica:
- Clínica sugestiva, ECG (alterações de repolarização) ou elevação de enzimas cardíacas;
- Suspeita de tamponamento cardíaco;
- Suspeita de pericardite recorrente ou patologia predisponente (por ex. doenças inflamatórias).
Tratamento e prognóstico
O tratamento médico das pericardites consiste no alívio sintomático e na utilização de anti-inflamatórios não esteróides. Em casos refractários, utiliza-se a colchicina. A corticoterapia, muito eficaz na resolução dos processos inflamatórios pericárdicos, deve ser utilizada com precaução nos casos de etiologia infecciosa. Os casos de etiologia tuberculosa devem merecer tratamento com fármacos anti-BK. A drenagem pericárdica (pericardiocentese) tem indicação em situações de tamponamento e nas pericardites purulentas. Ocasionalmente poderá ser necessário criar uma “janela pericárdica” para facilitar a drenagem, em especial nas pericardites constritivas.
O prognóstico é mais reservado nas pericardites purulentas (mortalidade ~20%) e nas pericardites tuberculosas constritivas (mortalidade ~10%). Nos outros casos, o prognóstico é geralmente favorável.
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