Aspectos epidemiológicos
Os tumores cerebrais primários, originando-se em células progenitoras do cérebro ou espinhal medula, no seu conjunto são a segunda neoplasia mais frequente em idade pediátrica, logo a seguir às leucemias. A sua incidência ronda os 40 novos casos por 1.000.000 de menores de 15 anos.
No seu todo, podemos encontrar neoplasias de baixo grau de malignidade, e outras de uma agressividade tal que se colocam entre as mais malignas em Oncologia.
Determinadas síndromas hereditárias, incluindo neurofibromatose (tipos 1 e 2), síndroma de Li-Fraumeni, esclerose tuberosa, síndroma de Turcot e síndroma de von Hippel-Lindau comportam risco elevado de tumor do SNC.
O sistema nervoso central na idade pediátrica apresenta particularidades, entre as quais se destacam o seu crescimento e maturação, decorrendo daqui uma diferença fundamental entre as patologias e terapêuticas nesta idade e na idade adulta. A radioterapia, por exemplo, terapêutica habitual nos adultos, poderá não ter indicação formal nesta população considerando os efeitos secundários que determina a nível cognitivo.
Manifestações clínicas e exames complementares
No âmbito da avaliação clínica, a anamnese e o exame físico (incluindo exame neurológico com fundoscopia e estudo dos campos visuais) são fundamentais.
As cefaleias são o sintoma mais frequente numa criança com tumor cerebral. No entanto, dada a frequência desta queixa na população em geral, torna-se muito importante reconhecer as suas características específicas que são as da hipertensão intracraniana: cefaleias em regra nocturnas ou matinais; por vezes associadas a irritabilidade e prostração; melhorando ao longo do dia e repetindo-se diariamente. Ao progredirem, são quase sempre acompanhadas de vómitos matinais, tipicamente pré-prandiais.
A identificação de sinais de localização do tumor, tais como hemiparésia ou afasia, não é habitual nesta população. Por exemplo, um dos tumores mais frequentes, o glioma das vias ópticas, manifesta-se por perda da acuidade visual unilateral. No entanto, a idade não permite que a criança colabore no diagnóstico, já que a maior incidência do referido tumor se verifica abaixo dos 3 anos.
A crise epiléptica como forma de apresentação clínica não é frequente. Tal manifestação traduz-se geralmente por crises parciais, por vezes com uma semiologia atípica, como sejam as crises uncinadas (sensação de cheiro desagradável) dos tumores da face interna do lobo temporal.
Os tumores do cerebelo estão associados a ataxia e alteração na coordenação.
O Quadro 1 resume os sinais típicos de hipertensão intracraniana (HIC).
QUADRO 1 – Sinais de HIC
• Vómitos matinais |
• Edema da papila |
• Cefaleias nocturnas /matinais |
• Estrabismo (paralisia do VI par) |
• Nistagmo |
• Ataxia |
Perante a suspeita de lesão expansiva do SNC considera-se hoje a ressonância magnética cranioencefálica o exame de imagem de eleição. Em situação de emergência, pela maior facilidade de execução, a TAC cranioencefálica constitui uma alternativa. Nos casos de suspeita de HIC, qualquer destes exames de imagem deverá preceder obrigatoriamente uma eventual punção lombar (indicada para estudo do LCR, designadamente no âmbito da avaliação histológica/citocentrifugação, para detecção de doença metastática).
O exame de imagem revela, em mais de metade dos casos, sinais de tumor localizado na fossa posterior, condicionando hidrocefalia aguda.
Nos casos de tumores com elevada potencialidade metastática, como o meduloblastoma (ver adiante), torna-se necessário proceder ao estudo imagiológico cranioencefálico e espinhal total, assim como a estudos imagiológicos sistémicos (radiografia do tórax e ecografia abdominal).
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial das situações que se comportam clinicamente como massas intracranianas inclui tumores benignos e malignos do SNC, malformações arteriovenosas, aneurisma, cisticercose, doenças granulomatosas (tuberculose, sarcoidose), hemorragia intracraniana, pseudotumor cerebri, e tumor metastático.
Tratamento e tipos histológicos
Meduloblastoma
É o tumor mais frequente na criança, com localização na fossa posterior, no vermis do cerebelo. O seu nome tem origem na célula pluripotencial, seu ponto de partida.
Histologicamente, faz parte dos tumores de células pequenas redondas e azuis, como os tumores da família dos sarcomas de Ewing/PNET extracranianos.
A abordagem terapêutica actual destes tumores, de elevada malignidade, passa por uma remoção cirúrgica, o mais alargada possível, seguida de radioterapia sobre o leito tumoral e todo o SNC (cérebro e medula espinal) e, finalmente, quimioterapia. Com esta abordagem, é possível uma sobrevivência aos cinco anos de cerca de 70%.
Observam-se, frequentemente, sequelas importantes nos sobreviventes, sobretudo a nível endócrino e no desempenho cognitivo, tanto mais acentuadas quanto mais novos forem os doentes.
Astrocitoma pilocítico
Trata-se de um tumor com múltiplas localizações no SNC. Se histologicamente é um tumor de baixo grau de malignidade, na clínica a sua malignidade advém do facto de se encontrar em certas localizações que o tornam irressecável. As duas localizações mais frequentes ilustram este aspecto: se, por um lado, a localização cerebelosa permite uma remoção total sem sequelas major e a cura, já a localização nas vias ópticas torna impossível uma cirurgia eficaz sob pena de défices inaceitáveis.
Globalmente, a sobrevivência média aos cinco anos ultrapassa os 70%.
Também nestes tumores a terapêutica passa por longos protocolos de quimioterapia (são tumores de crescimento lento), cirurgia e, por vezes , radioterapia.
Importa assinalar a associação muito frequente deste tipo histológico, na localização das vias ópticas, com a neurofibromatose de tipo I.
Ependimoma
Este tumor, cuja célula de base é a célula do revestimento do sistema ventricular, tem a sua localização mais frequente na fossa posterior (IV ventrículo). Por isso, confunde-se imagiologicamente com o meduloblastoma. Existem diversos graus de malignidade, sendo mais frequentes os tumores menos anaplásicos, o que não invalida o facto de poderem metastizar, tal como o meduloblastoma.
A abordagem terapêutica actual assenta, em primeiro lugar, numa tentativa de remoção total, seguida de radioterapia sobre o leito tumoral, ou sobre todo o SNC se houver disseminação leptomeníngea; e quimioterapia.
É difícil avaliar a sobrevivência média porque nas séries mais antigas a definição de remoção total era complicada pela ausência de métodos de imagem precisos, como é o caso da ressonância magnética. A importância duma remoção total como principal factor prognóstico leva muitos neurocirurgiões a tentarem uma segunda abordagem cirúrgica quando a ressonância magnética revela tumor residual depois de uma primeira intervenção.
Glioma maligno
Este é, sem dúvida, o grupo de tumores com pior prognóstico.
Com origem nas células da glia – astrócito e oligodendrócito – existem vários tipos histológicos. Trata-se de um grupo com clara tendência para a indiferenciação pelo que, com a evolução no tempo, todos atingem o tipo histológico mais maligno de glioblastoma multiforme. Na data do diagnóstico pode encontrar-se um astrocitoma, um astrocitoma anaplásico, um glioblastoma multiforme, um oligodendroglioma, um oligodendroglioma anaplásico, ou tumores mistos com ou sem anaplasia, na grande maioria de localização supratentorial.
A abordagem terapêutica com cirurgia, radioterapia e quimioterapia resulta em sobrevivências de 1 a 3 anos. Existem dúvidas quanto à terapêutica dos tumores de menor grau de malignidade. O risco de recidiva é grande, dado o carácter infiltrativo que dificulta a remoção total.
Uma breve referência aos gliomas do tronco cerebral, de evolução rápida, conduzindo a défices neurológicos graves, evidentes já no momento do diagnóstico. Trata-se, em regra, de glioblastomas que, pela sua localização, não se biopsiam. Até ao momento, apesar das múltiplas terapêuticas experimentais, não se conseguiu alterar um dos prognósticos mais sombrios, em que a sobrevivência é, em regra, inferior a um ano.
Tumores de células germinativas
Têm como base células da linhagem germinativa que se podem encontrar no SNC em duas localizações típicas: hipotálamo/quiasma óptico e glândula pineal.
Dividem-se em dois grupos: germinomas puros e tumores secretores – coriocarcinoma, carcinoma embrionário, tumor do saco endodérmico e teratoma. A designação « secretora » deve-se ao facto de estes tumores produzirem marcadores (alfa-fetoproteína e beta HCG) que se encontram no soro e liquor. O germinoma é menos agressivo, sendo também o mais frequente (2/3 dos casos).
A terapêutica convencional do germinoma é a radioterapia do tumor e de todo o SNC. Quanto aos tumores secretores, tem-se tentado combinações de quimioterapia seguida de radioterapia, com resultados menos animadores.
Notas finais sobre o tratamento dos tumores do SNC
- O tratamento deste tipo de patologia deve ser individualizado em função da localização, histologia, dimensões e sintomatologia associada.
- Em muitos casos, a administração imediata de dexametasona em doses elevadas, após confirmação diagnóstica, pode ser eficaz quanto à redução do edema acompanhante do tumor.
- No âmbito da terapêutica cirúrgica, o objectivo é proceder à excisão completa do tumor, o mais radical possível.
- A correcta caracterização histológica é fundamental para definir estratégias terapêuticas.
- No âmbito de recentes avanços no diagnóstico e tratamento, importa salientar duas linhas de investigação em fase experimental: 1-imunoterapia, com base no efeito citotóxico do sistema imune, utilizando células T activadas, que atravessam a barreira hematoencefálica; e 2 -biologia molecular, permitindo maior rigor no diagnóstico e personalização da terapêutica.
BIBLIOGRAFIA
Goldman L, Schafer AI (eds). Goldman-Cecil Medicine. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2016
Hoffman R, Benz EJ, Silberstein LE, et al (eds). Hematology: Basic Principles and Practice. Philadelphia: Elsevier, 2018
Kieran MW, Walker D, Frappaz D, et al. Brain tumors: from childhood through adolescence into adulthood. J Clin Oncol 2010; 28: 4783 – 4789
Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015
Kowsky PL. Manual of Pediatric Hematology and Oncology. Amsterdam: Academic Press, 2005
Louis DN, Ohgaki H, Wiestler OD, et al. WHO classification of tumors of the central nervous system. Lyon: International Agency for Research on Cancer, 2007
McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
Moro M, Málaga S, Madero L. Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015
Pollack IF. Multidisciplinary management of childhood brain tumors: a review of outcomes, recent adavances, and challenges. J Neurosurg Pediatr 2011; 8: 135 – 148
Poplack DG, Pizzo PA (eds.) Principles and Pratice of Pediatric Oncology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2006
Ricafort R. Tumor markers in infancy and childhood. Pediatr Rev 2011;32:306-308
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA (eds). Rudolph´s Pediatrics. New York: McGraw -Hill Medical, 2011
Sayour EJ, Mitchell DA. Immunotherapy for pediatric brain tumors. Brain Sci 2017. 7(10). Pii: E137. doi: 10.3390/brainsci7100137.
Siegel DA, Li J, Ding H, et al. Racial and ethnic differences in survival of pediatric patients with brain and central nervous system cancer in the United States. Pediatric Blood & Cancer 2019; 66: e27501
Stevens SP, Main C, Bailey S, et al. The utility of routine surveillance screening with magnetic resonance imaging to detect tumor recurrence/progression in children with high‐grade central nervous system tumors: a systematic review. Pediatric Blood & Cancer 2019; 66: e27509
Uren A, Toretsky JA. Pediatric malignancies provide unique cancer therapy targets. Curr Opin Pediatr 2005; 17: 14-19
Vezina LG. Imaging of central nervous system in children: advances and limitations. J Child Neurol 2008; 23: 1128 – 1135
Zapotocky M, Ramaswamy V, Lassaletta A, et al. Adolescents and young adults with brain tumors in the context of molecular advances in neuro-oncology. Pediatr Blood Cancer 2018; https://doi.org/10.1002/pbc.26861