Importância do problema
Uma vez completado o primeiro ano de vida, a velocidade de crescimento diminui. Por isso, é natural que as necessidades nutricionais da criança se reduzam, o que se traduz em grande variabilidade no apetite no dia-a-dia. Este facto, preocupando os pais menos esclarecidos com a falsa “falta de apetite” duma criança que mantém a sua actividade normal e aparentando perfeita saúde, obrigará o médico assistente e o profissional de saúde a um exercício contínuo da tarefa de educação para a saúde, desmistificando certos receios infundados.
Princípios gerais
São definidos alguns princípios a seguir para uma alimentação saudável, com especial incidência para o período após os 1-2 anos de vida em que a criança passa progressivamente a estar integrada no regime familiar:
- Suprimento de gorduras não ultrapassando ~30% do valor calórico total (VCT) com um teor de gorduras saturadas inferior a 10% do VCT, suprimento de colesterol não excedendo 300 mg/dia, ácidos gordos poli-insaturados (7-8% do VCT), e ácidos gordos mono-insaturados (12-13% do VCT). Utilização de óleos vegetais em vez de gordura de origem animal (privilegiando, designadamente o azeite “em natureza, cru, não aquecido” e nunca óleo de palma nem óleo de coco). As crianças com menos de 2 anos são, como foi dito, excluídas destas recomendações específicas dado que as gorduras constituem uma fonte importante de energia para o regime alimentar.
- Consumo diário de frutas e verduras, aumentando-o progressivamente; o consumo de fibras em gramas/dia (AI ou RDA) pode calcular-se somando à idade da criança em anos +5. Sendo o consumo de fibras na alimentação um hábito saudável (regulação do trânsito intestinal e estabilidade dentro da normalidade da glicémia) há, no entanto, a considerar que o excesso (>25 gramas/dia) poderá interferir na absorção de aminoácidos, ferro, zinco e magnésio.
- Consumo de lácteos ou derivados: 300-500 mL diários, em função da idade. Apesar de ser aceitável a introdução do leite de vaca a partir do ano de idade, o ideal segundo as recomendações da ESPGHAN, é manter um leite adaptado sempre que o aleitamento materno não for possível. Se a opção for a introdução mais precoce do leite de vaca, deve optar-se por um leite gordo até aos 2 anos e, só posteriormente, pelo leite meio gordo. Refira-se, entretanto, que depois do primeiro ano de vida o leite de vaca inteiro dá um contributo importante ao regime alimentar da maioria das crianças.
- Fomentar o consumo de carne magra branca (por ex. frango sem pele) e peixe, evitando a ingestão de enchidos.
- Incrementar a ingestão de alimentos ricos em hidratos de carbono complexos e com resíduos como arroz, cereais, farinha de milho, reduzindo, por outro lado, o consumo de açúcares refinados (máximo de sacarose: 20-30 gramas, em função da idade).
- Consumo de sal mínimo (3-5 gramas/dia) e, caso possível, eliminá-lo do regime alimentar.
- Promover um regime variado ao longo do dia incluindo alimentos de todos os grupos e um máximo de três ovos por semana.
- Às refeições utilizar sempre água em detrimento de sumos não naturais.
- Realizar quatro ou cinco refeições diárias incluindo uma a meio da manhã e uma a meio da tarde (intercalares), se possível à base de fruta, associando sempre uma fonte de hidratos de carbono complexos (pão, por exemplo).
- Evitar comer entre as refeições.
- Estimular que a criança coma por si só, habituando-a a normas de higiene.
- Promover também bons hábitos de socialização durante as refeições, evitando distracções desnecessárias (televisão, rádio, tablet, telemóvel), de forma a promover uma saudável interacção familiar e com os companheiros nesses momentos.
- Estimular a actividade física, (designadamente evitando o sedentarismo, tipificado por exemplo pelo número excessivo de horas à frente da televisão ou do computador a jogar e a comer snacks ou sumos hipercalóricos).
- Estabelecer um equilíbrio entre o suprimento alimentar e o consumo energético para garantir um peso saudável.
- Suprimir o consumo de refrigerantes e bebidas de cola, com edulcorantes, de guloseimas ou de bolos de pastelaria em geral confeccionados à base de gorduras saturadas; evitar também a utilização de tais produtos como recompensa ou entretenimento, bem como a sua proibição absoluta, tentando fazer uma diminuição escalonada (se não for deste modo, a probabilidade de fracasso é elevada, tendo em conta o efeito persuasivo da publicidade e o seu fácil acesso).
- Todas as acções de educação alimentar dirigidas à criança serão mais eficazes se igualmente forem praticadas pelos restantes membros do agregado familiar.
Relativamente à alínea 9., importa uma referência especial às refeições “pequeno almoço” e “merenda”:
Pequeno-almoço
O dia deve ser iniciado com um pequeno-almoço garantindo um suporte nutricional adequado em quantidade e qualidade. As principais vantagens são, por um lado, melhorar o rendimento físico e intelectual com repercussão positiva no trabalho escolar e, por outro, diminuir a probabilidade de consumo de snacks prevenindo a obesidade.
De realçar que a omissão do pequeno-almoço interfere nos processos cognitivos e de aprendizagem, sobretudo nas crianças consideradas de risco nutricional.
Esta refeição deve conter hidratos de carbono complexos em detrimento dos alimentos ricos em gorduras. Aconselha- se a tríade de grupos de alimentos composta respectivamente por lácteos (leite, iogurte), cereais ou pão, e frutas frescas com o objectivo de se alcançar, com tal suprimento, 20-25% do VCT diário.
É igualmente desejável que tal refeição não seja rápida, dedicando-lhe entre 15-20 minutos, e seja realizada em ambiente calmo, com a criança sentada à mesa com a família.
Merenda
Nesta refeição intercalar a meio da tarde são desaconselhadas igualmente bebidas derivadas da cola, sumos não naturais ou snacks. Haverá que evitar os alimentos hipercalóricos e com ácidos gordos saturados (certas margarinas, pastelaria industrial e enchidos, etc.), procurando que se realize a uma hora que não produza saciedade para garantir a não interferência com a refeição seguinte (o jantar).
São dados a seguir alguns exemplos de regimes alimentares aplicáveis respectivamente a crianças de 1-2 anos e a adolescentes, em obediência aos princípios gerais atrás enunciados.
Crianças de 1-2 anos
Pequeno almoço
- 1 prato com leite gordo/leite de continuação (80-100 c.c. + cereais (± 100 gramas) ou 1 ovo cozido;
- fruta natural (por ex.: 1 banana média ou 2-3 morangos grandes, ou outra fruta).
Refeição intercalar (a meio da manhã)
- 1 fatia de pão torrado ou 1 papo-seco (de preferência de pão escuro) com queijo fresco (5 gramas) ou manteiga de girassol sem sal (5 gramas) e 1 peça de fruta.
Almoço
- 1 prato de sopa de legumes (100-120 c.c.);
- 1 prato à base de arroz ou massa ou batata ~ 200 gramas, incluindo legumes verdes, reforçado com: peixe; ou carne (20 gramas/refeição); ou ovo cozido, este último até 3 vezes/semana;
- 1/2 a 1 peça de fruta ralada ou aos pedaços (natural ou cozida) sem açúcar.
Merenda (a meio da tarde)
- 1/2 a 1 papo-seco com queijo fresco ou manteiga de girassol sem sal ou com fiambre magro e 1 copo de leite idem ou 1 iogurte natural; ou
- 1 chávena de leite idem com 4-5 colheres de cereais e 1 peça de fruta.
Nota: não se justifica pão + fruta.
Jantar
- Semelhante ao almoço, variando os ingredientes e o tipo de sopa.
Adolescência
Na adolescência (~11 -18 anos) as necessidades nutricionais têm em consideração as características especiais de crescimento rápido e o tipo de actividade física desenvolvida, verificando-se maior vulnerabilidade para carências em ferro e cálcio. Com efeito, durante a adolescência há incremento da massa esquelética em cerca de 45%; e, igualmente, incremento das necessidades em ferro relacionadas com a maturação sexual, e o início dos ciclos menstruais no sexo feminino.
As DRI para o cálcio são ~1.300 mg/dia, e para o ferro ~15 mg/dia no sexo feminino, e ~11 mg/dia no sexo masculino.
Salienta-se que o zinco é fundamental para o crescimento e maturação sexual (DRI ~7-9,5 mg/dia). Relativamente às vitaminas há necessidades aumentadas de vitaminas B6, B12, D, A, e C, com as respectivas DRI: 1-1,5 mg/dia; 1,2-1,5 mcg/dia; 7,5 mcg/dia; 600-900 mg de equivalente de retinol; 35-35-40 mg/dia.
De acordo com o Food Nutrition Board-National Research Council dos Estados Unidos, as RDA (Recommended Dietary Allowances) apontam para os seguintes valores:
11-14 anos
(peso médio: 45 kg)
- proteínas: 45 g-46 g
- kcal: 2200-2700
(sexo F – sexo M)
15-18 anos
(peso médio: 55-65 kg)
- proteínas: 46-56 g
- kcal: 2100-2800
(sexo F – sexo M)
O suprimento de hidratos de carbono deverá corresponder a 50% do VCT; deduzindo-se o suprimento energético em proteínas atrás referido (globalmente entre 45-56 g/dia), atribui-se às gorduras a restante percentagem do VCT.
Ao longo do dia a ingestão deverá ser dividida por cinco refeições com a seguinte repartição do VCT:
- Pequeno almoço – 20%
- Refeição intercalar da manhã – 10%
- Almoço – 30%
- Merenda ou refeição intercalar da tarde – 10%
- Jantar – 30%
Poderá realizar-se eventualmente uma sexta refeição à noite (ceia constando de leite e 1-2 bolachas sem açúcar), devendo a percentagem do VCT atribuída ao jantar ser distribuída por este e pela ceia.
Educação para a Saúde e Alimentação
No nosso País, em 1977, no âmbito da Campanha de Educação Alimentar Saber Comer é Saber Viver, foi criada uma representação gráfica com o objectivo de explicar a escolha e a combinação dos alimentos, agrupando-os segundo a respectiva composição e semelhanças.
Este material educativo, aplicável à criança, tendo em conta, no entanto, as especificidades dos dois primeiros anos de vida, foi designado por Roda dos Alimentos, e apresentado em forma circular, por analogia com o prato utilizado nas refeições.
Tal grafismo engloba 5 grupos de alimentos sem indicação das porções recomendadas por dia:
- Leite e derivados;
- Carne peixe e ovos;
- Óleos e gorduras;
- Cereais e leguminosas;
- Hortaliças, legumes e frutos.
Ulteriormente foi divulgada uma versão mais completa, designada por Nova Roda dos Alimentos. Com o mesmo formato circular e acrescentando a água em posição central por ser essencial à vida e se encontrar em todos os alimentos, exibe 7 grupos de alimentos indicando a respectiva proporção de peso recomendada:
- Cereais e derivados, tubérculos – 28%;
- Hortícolas – 23%;
- Fruta – 20%;
- Lacticínios – 18%;
- Carnes, pescado e ovos – 5%;
- Leguminosas – 2%;
- Gorduras e óleos – 3%.
FIGURA 1. Pirâmide alimentar
Noutros Países, com objectivo semelhante, é utilizado outro formato, não circular. Trata-se da Pirâmide dos Alimentos considerando diferente critério para a colocação dos mesmos (Figura 1).
Com esta simbologia é apresentada uma pirâmide com diversas faces, com “escadas” da base para o vértice, cada uma com a sua cor, sendo que cada cor representa determinado tipo de nutriente:
- Cor de laranja → cereais
- Cor verde → vegetais
- Cor de tijolo → frutos
- Cor azul → leite e derivados
- Cor roxa → carne e leguminosas secas
- Cor amarela → gorduras
No topo da pirâmide localizam-se os alimentos a usar moderadamente (ricos em açúcar e gordura), e na base os que constituem importante fonte de energia (hidratos de carbono complexos como amiláceos, arroz, massa, batata e pão). Como nota importante, chama-se a atenção para o número de porções aconselhado.
De acordo com o que consta pormenorizadamente no sítio mypyramid.gov, a designação “Pirâmide” pretende significar que não existe somente um guia alimentar para todos os indivíduos; efectivamente, importa reter a noção de que as necessidades em nutrientes variam conforme a idade, sexo, peso, altura e tipo de actividade física.
BIBLIOGRAFIA
Abreu RM, Bragança G. O Grande Livro da Alimentação Infantil. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009
American Academy of Pediatrics. Committee on Nutrition. The Use and Misuse of Fruit Juice in Pediatrics. Pediatrics 2001; 107: 1210-1213
American Academy of Pediatrics/ AAP. Pediatric Nutrition Handbook. Elk Grove Village, IL : AAP, 2008
Blankson KL, Thompson AM, Ahrendt DM, et al. Energy drinks: what teenagers (and their doctors) should know. Pediatr Rev 2013; 34: 55-61
de Onis M, Garza C, Victora CG, Onyango AW, et al. The WHO Multicentre Growth Reference Study: planning, study design, and methodology. Food Nutr Bull 2004; 25: S15- S26
ESPGHAN Committee on Nutrition. Pediatr Gastroenterol Nutr 2003; 36: 329-337
Fomon SJ. Infant feeding in the 20th century: formula and beikost. J Nutr 2001; 131: 409 S – 420 S
Gomes- Pedro J, Silva AC. (eds) Nutrição Pediátrica. Lisboa: ACSM / Mead Johnson Nutritionals, 2006
Guerra A (ed). Alimentação e Nutrição nos Primeiros Anos de Vida. Linda a Velha / Lisboa: Nestlé Nutrition Institute, 2008
Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015
Koletzko B, et al. Pediatric Nutrition in Practice. Basel: Karger, 2008
Koletzko B, Koletzko S, Ruemmele F (eds). Drivers of innovation
in pediatric nutrition. Basel: Karger/Nestlé Nutrition Institute, 2010
Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015
Moura J, Figueira J A. Comer Bem, Crescer Saudável. Lisboa: Zero a Oito, 2016
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA (eds). Rudolph´s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011
Wharton B. Patterns of Complementary feeding (Weaning) in Countries of the European Union: Topics for research. Pediatrics 2000: 106 (suppl): 1273-1274
Williams CL, Bollella M, Wynder EL. A new recommendation for dietary fiber in childhood. Pediatrics 1995; 96: 985-958