Oclusão dentária e suas implicações
O conceito de oclusão em Estomatologia refere-se à situação de contacto entre os dentes dos maxilares superiores e inferiores quando os mesmos se aproximam. Má-oclusão ou disoclusão é a relação defeituosa ou irregular da oclusão dentária.
A “perda” de um dente relacionável com situações como esfoliação precoce relativamente à rizogénese do definitivo sucedâneo, avulsão traumática, extracção ou grande diminuição de diâmetro por cárie, acarreta a não preservação do respectivo espaço na arcada. O espaço disponibilizado, se não for alvo de “manutenção” terapêutica, será progressivamente ocupado, sobretudo pelo avanço real ou pela inclinação anterior dos dentes imediatamente posteriores.
Mais importantes ainda, nos 4 anos que decorrem sem erupções dentárias, são o crescimento progressivo dos perímetros ósseos das arcadas, com aumento de dimensão dos espaços interdentários ou diastemas, e o crescimento da mandíbula.
A mandíbula vai assumindo uma posição relativamente mais anterior, justificando que, pelos 5 anos, os bordos dos incisivos se relacionem topo-a-topo, numa relação de oclusão completamente distinta da dos incisivos definitivos, cujo trespasse horizontal e vertical é conhecido. (ver Glossário)
A dimensão vertical vai diminuindo, dado o uso dos decíduos, de forma mais ou menos precoce, exista ou não bruxismo (ou bricomania). A maior dimensão e o melhor posicionamento mandibulares permitem compreender o desaparecimento da carinha de anjo, para alguns incorrectamente face de querubim, de mento exíguo e tão conotadamente infantil.
É frequente o desagrado dos pais relativamente aos diastemas. Cabe explicar que se trata de fenómeno natural e desejável, numa “casa que se prepara para novas visitas”, os dentes definitivos anteriores, de muito maiores diâmetros transversos.
Tais diastemas beneficiam de facto, os blocos incisivos e, destes, particularmente o superior, pois o somatório dos diâmetros transversos de 5.1+5.2+6.1+6.2 ronda 23,4 mm, menos 8,2 mm que o somatório dos diâmetros transversos de 1.1+1.2+2.1+2.2; por outro lado, o somatório dos diâmetros transversos de 7.1+7.2+8.1+8.2 ronda 17,4 mm, menos 5,6 mm que o somatório dos diâmetros transversos de 3.1+3.2+4.1+4.2.
Entre caninos decíduos e vindouros primeiros molares definitivos, os constrangimentos de espaço não são tão importantes como entre caninos. Os segmentos posteriores das arcadas têm, até, lucro de espaço, na substituição dos segundos molares decíduos pelos segundos pré-molares, de diâmetros mésio-distais aproximadamente 2 mm inferiores.
De referir, no entanto, que não deixa de ser relevante o espaço disponível intra-arcadas, ou melhor, a discrepância entre espaço disponível e espaço necessário para o alinhamento dentário desejável.
Torna-se, assim, óbvio que a ausência de diastemas, na dentição decídua, torne mais provável uma dentição definitiva dita “apinhada”, tal como uma dentição decídua apinhada quase certamente anunciará um apinhamento dos definitivos, caso não se intervenha na criança.
Cabe ao pediatra conhecer e compreender as fases do crescimento e desenvolvimento maxilo-faciais e dentários, para atempado encaminhamento ao estomatologista, prevenindo o mais comum dos efeitos de oclusão, o chamado apinhamento (dentes desalinhados e amontoados).
Aspectos da relação molar
Bem observadas no plano transversal, as cúspides palatinas dos primeiros molares superiores definitivos (“6ºs superiores”) e as cúspides vestibulares dos primeiros molares inferiores definitivos (“6ºs inferiores”) ocluem nas fossas centrais dos oponentes.
As variantes mordida cruzada e a mordida em tesoura, unilaterais ou bilaterais, isto é, simétricas ou assimétricas, paradigmas de má-oclusão (plano transversal) e bem sugestivas de desarmonia esquelética, estão representadas na Figura 1 em comparação com a relação normal.
Há que lembrar que, no plano sagital, a distância entre a face distal do 6º superior e a do 6º inferior, medida no plano oclusal, tipifica a chamada relação molar (de Angle): -3 mm na Classe I, maior que 0 mm na Classe II e menor que –6 mm na Classe III. (Figura 2)
FIGURA 1. Relação molar (plano transversal)
FIGURA 2. Relação molar (plano sagital)
Aspectos da relação incisiva
Os incisivos relacionam-se de tal forma que os bordos incisais dos inferiores contactam as superfícies palatinas dos superiores, segundo um trespasse horizontal (overjet) de aproximadamente 2,5 mm, e um trespasse vertical (overbite) de igual valor. (Figura 3)
O grande aumento do overjet, tantas vezes associado às Classes II, que a população escolar prefere designar por dentes de coelho, constitui frequente motivo de consulta. Mais preocupante é o grande aumento de incidência dos traumatismos alvéolo-dentários, dado o bloco incisivo superior ser o 2º pára-choques da face.
As anomalias verticais, do extremo da mordida aberta ao da mordida profunda, são menos frequentes e parecem sensibilizar menos os pais.
A mordida aberta contribui para arrastar até fase muito tardia o vício de sucção, associada a protração/interposição labial da língua. (Figura 4)
FIGURA 3. Relação incisiva (overjet e overbite) e perspectiva vertical
FIGURA 4. Relação incisiva (tipos de anomalias verticais)
Pode exemplificar-se com a sucção do polegar, em tempo precoce da vida, ou da chupeta com base nos diagramas de Moyers. (Figura 5-A)
Compreende-se que a inclinação labial dos incisivos superiores será tanto maior quanto mais profunda, no palato, for a colocação do dedo e quanto durante mais tempo a força se exercer; e que a inclinação lingual dos incisivos inferiores tenderá, também, a ser proporcional ao tempo durante o qual a pressão lhes é transmitida.
A continuidade da pressão do polegar, no palato, pode tornar-se igualmente indesejável para a reabsorção do osso do pavimento nasal (Capítulo 274 – Figura 4), contribuindo para o aumento da profundidade do palato, por compromisso do crescimento vertical. Outra consequência é a protração da língua, na deglutição, alongando o tempo de deglutição infantil. Surge, então, uma sequência de repercussões (disfunção, má oclusão e dismorfia) que só melhora com a cessação do hábito. (Figura 5-B)
FIGURA 5. Repercussão do “dedo na boca” e da projecção anterior da língua na relação incisiva
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